LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR: Imunidade tributária dos templos religiosos[1] 

Everton Carvalho Rodrigues

Larissa Costa Ramos[2]

Fabiano Lopes [3] 

Sumário: Introdução; 1 Noções de imunidade tributária, 2 Da imunidade e isenção, 3 Imunidade tributaria dos templos religiosos, 4 O alcance da imunidade de tributação aos templos religiosos, 4.1 A limitação a imunidade religiosa prevista no art. 150, § 4º, CF, 4.2 A imunidade sobre os cemitérios; 5 Posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão sobre a imunidade religiosa; Considerações finais

RESUMO

Apresentar-se-á este trabalho com o intuito de analisar a imunidade tributária dos templos religiosos fixada pela Constituição Federal, dando especial enfoque ao alcance e limites de tal benefício. A abordagem se estenderá ainda a análise do instituto imunidade tributária, além de estabelecer definições e conceitos básicos de imunidade tributária e isenção bem como uma análise crítica da temática.

PALAVRAS-CHAVE

Imunidade tributária. Imunidade religiosa. Isenção. Templos. Liberdade religiosa.

 

 

Introdução

 

Existem estruturas fundamentais ao regime que não serão perturbadas pela tributação, e entre elas, é constitucionalmente concebido às entidades religiosas o instituto da imunidade tributária. Assim, a imunidade tributária das entidades religiosas se fundamenta na garantia constitucional da liberdade religiosa e seu exercício previstos como direitos fundamentais, que por sua vez, traz o afastamento da cobranças fiscais. De acordo com o artigo 150, VI, “b”, CF, estabelece que não poderão ser cobrados tributos sobre “templos de qualquer culto”, tratando-se de uma exoneração de ordem constitucional (SABBAG, 2012, p.283).

Imunidade tributária seria, portanto, a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, presentes expressamente na Constituição Federal, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações especificas e suficientemente caracterizadas (CARVALHO, 2012, p. 236).

A imunidade mostra-se como norma constitucional que demarca a competência tributária, ao apresentar fatos que não são tributáveis, revelando o aspecto formal da imunidade. Vislumbrando por outro prisma, revela-se como direito público subjetivo das pessoas de usufruem os seus benefícios, direta ou indiretamente sob os aspectos substancial da norma. A imunidade tributária atinge apenas a obrigação tributária principal, afeta ao dever patrimonial de pagamento do tributo, não tendo por objetivo atingir as obrigações tributária acessórias. Os deveres instrumentais do contribuinte, que permanecem incólumes. No § 4º do artigo 150, VI, “b”, CF, se acrescenta a regra de que esta imunidade não atinge somente o templo, mas todas as atividades relacionadas as finalidades essenciais das entidades religiosas.  (SABBAG, 2012, p.287).

Assim, a norma imunizatória estipula o alcance do poder tributário, ou seja até onde pode agir, revelando um direito subjetivo de todos aqueles que se mostram como destinatários de seus efeitos, tal como a abrangência e limites desse efeito imunizador (SABBAG, 2012, p.287).

Desse sentindo, partindo da análise do pensamento dos dois autores, entende-se que imunidade tributária corresponde a uma competência tributária negativa, ao passo que inibe o poder de tributar do Estado, proibindo tal prática em determinadas hipóteses, dentre ela a presente no inciso VI, “b” da Constituição Federal.

 

1 Noções de imunidade tributária

 

A competência tributária está disciplinada pela Constituição Federal, que inclusive, apontou, direta ou indiretamente, as regras-matrizes dos tributos (CARRAZZA, 2007, p.695). A competência tributaria pode ser entendido como “a aptidão para criar, in abstratcto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de calculo e suas alíquotas” (SABBAG, 2012, 284).

Por outra perspectiva, a competência tributaria apresenta-se como normas negativas, que vinculam o que se convencionou chamar de imunidades tributárias. Nesse sentido, a competência tributaria se traduz numa autorização ou legalização para a criação de tributos (aspecto positivo) e num limite para fazê-lo (aspecto negativo) (CARRAZZA, 2007, p.695).

De acordo com os ensinamentos do Professores Eduardo Sabbag e Roque Antonio Carrazza, entende-se como autorização para criar tributos, incidindo sobre determinadas pessoas físicas ou mesmo jurídicas.

A norma imunizante tem por objetivo preservar valores políticos, religiosos, sociais e éticos, excluindo da tributação certas situações e pessoas. Portanto, a imunidade para tributos representa uma delimitação negativa da competência tributaria, na qual existem estruturas fundamentais especificas que não serão perturbadas pela tributação (SABBAG, 2012, p.283).

Imunidade tributária é a limitação da competência tributária imposta pelo texto constitucional, a qual discorre sobre de intrubutabilidade qualificada por norma constitucional expressa. A imunidade tributária resulta de norma constitucional que excepciona a regra de competência tributaria em razão de opção valorativa feita pelo legislador constituinte (LOPES, p.84)

Seria portanto, “a norma constitucional de desoneração tributária, que inibe a atribuição de competência impositiva e credita ao beneficiário o direito púbico subjetivo de ‘não incomodação’ perante o tributante”. (SABBAG, 2012, p.286)

É de suma importância compreender que a imunidade não é favor fiscal concedido pela entidade tributante, mas uma fática limitação do poder de tributar. Existindo hipótese de imunidade, não haverá competência para tributar (LOPES, 2009, p.84). Ainda nesse víeis, os ensinamentos da professora Regina Helena Costa traz abordagem relevante:

Imunidade tributária, então, pode ser definida como a exoneração, fixada constitucionalmente de competência ou extraível, necessariamente, de um ou mais princípios constitucionais, que confere direito publico subjetivo a certas pessoas, nos termos por ele delimitados, de não se sujeitarem à tributação. (2009, p.80)

 

Roque Antonio Carrazza, afirma que as normas constitucionais que tratam das imunidades tributaria estabelecem a incompetência das pessoas políticas para fazerem incidir a tributação sobre determinadas pessoas, seja pela natureza jurídica que estas tem, seja porque realizam certos fatos, seja ainda, por estarem relacionadas com dados bens ou situações (CARRAZZA, 2007, p.697).

Logo, predominantemente, pode-se afirmar que conforme os ensinamentos dos doutrinadores supracitados a imunidade tributária é uma espécie de exoneração de certas pessoas excluindo-as da incidência da tributação, fato que impede sua cobrança.

É imune a pessoa que, por sua natureza, pela atividade que desempenha ou por estar relacionada com determinados fatos, bens ou situações prestigiadas pela Carta Magna, encontra-se fora do alcance da entidade tributante. Esta, em função da regra constitucional imunizante, é incompetente para tributá-la, ate porque as normas imunizantes são de eficácia plena e aplicabilidade imediata. (CARRAZZA, 2007, p.699).

As imunidades geram efeitos que dos quais limitam o poder de tributar, uma vez que são normas que somente atingem certos fatos e situações, amplamente determinados pela Constituição, criando direitos ou permissões em favor das pessoas imune, de forma juridicamente qualificada (BALEEIRO, 2003 p.116).

Sempre que a Constituição estabelece uma imunidade, está, em ultima analise, indicando a incompetência das pessoas políticas para legislarem acerca daquele fato determinado. Impõe-lhe, de conseguinte, o dever de se absterem de tributar, sob pena de irremissível inconstitucionalidade (CARRAZZA, 2007, p.699).

Portanto, a imunidade tributária permite, a luz dos ensinamentos de Roque Antonio Carrazza e Eliomar Baleeiro, minimizar os alcance do poder de tributar, devidamente estabelecido no texto constitucional, incorrendo em caso de inconstitucionalidade, quando houver tributação dos que foram beneficiados/excluídos pela Carta Magna. Assim, a imunidade tributária restringe o campo de incidência do poder de tributar.

 

2 Da imunidade e isenção

 

As pessoas ao pensarem em imunidade de tributação, geralmente associam à isenção de algum tributo, utilizam imunidade e isenção como termos sinônimos, porém tal entendimento não é o correto, uma vez que este são institutos diversos, pois atuam em áreas de diferente, mesmo que ambas resultem na não tributação de algo. A imunidade trata-se de uma exoneração dada pela constituição para que certos entes com finalidades protegidas, não sejam afetados pelos impostos. Mas, diferente do que se possa imaginar tal prática “não se trata de um benefício isencional, mas uma exoneração de ordem constitucional” (SABBAG, 2012, p.321).

O doutrinador Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 239) aponta que apesar de alguns autores tratarem o estudo sobre a imunidade e a isenção mostrando seus paralelos, tais institutos são diferentes, apenas se aproximando em poucos pontos, que podem ser sintetizadas em três características: ambas são normas jurídicas válidas; fazem parte da classe de regras de estrutura; e os dois institutos tratam de matéria tributária. Com o objetivo de diferenciar estes dois institutos, Paulo de Barros Carvalho faz a seguinte síntese:

O preceito de imunidade exerce a função de colaborar, de uma forma especial, no desenho das competências impositivas. São normas constitucionais. Não cuidam da problemática da incidência, atuando em instante que antecede, na lógica do sistema, ao momento da percussão tributária. Já a isenção se dá no plano da legislação ordinária. Sua dinâmica pressupõe um encontro normativo, em que ela, regra de isenção, opera como expediente redutor do campo de abrangência dos critérios da hipótese ou da consequência da regramento matriz do tributo (CARVALHO, 2012, p.239).

 

De acordo com Sabbag (2012, p. 287), “no campo do tributo, a imunidade é uma forma de não incidência constitucionalmente qualificada, enquanto a isenção é uma possibilidade normativa de dispensa legalmente qualificada”.

Amaro utiliza outra características para diferir os dois institutos, ao dizer que diferença entre imunidade e isenção é que uma atua no plano da definição de competência e a outra, no plano do exercício da competência, conforme seguinte posicionamento:

A Constituição, ao definir a competência, excepciona determinadas situações que, não fosse a imunidade quedariam dentro do campo de competência, mas, por força da norma de imunidade, permanecem fora do alcance do poder de tributar outorgado pela Constituição. Já a isenção atua noutro plano, qual seja, o do exercício o poder e tributar: quando a pessoa política competente exerce esse poder, editando a lei instituidora do tributo, essa lei pode, usando a técnica da isenção, excluir determinadas situações, que não fosse a isenção, estariam dentro do campo de incidência da lei de tributação, mas por força, da norma isentiva, permanece fora desse campo (AMARO, 2011, p. 175 -176).

 

Segundo Baleeiro (2003, p. 117), a imunidade e as isenções são mandamentos que fazem proibições ou instituem deveres de omissão aos entes estatais, que proíbem a instituição de tributos pelos entes políticos da Federação (devido à imunidade) ou proíbem a cobrança do tributo (devido à isenção), mas no ponto de vista do não contribuinte, ambos os institutos tem eficácia similar.

Por sua vez, Lopes ao fazer a distinção, aponta que:

As hipóteses imunes a tributos são verdadeiras hipóteses de não incidência tributária, qualificadas por normas constitucionais de intributabilidade. Nisso, a imunidade tributária se distingue da isenção tributária. Esta decorre de lei e pressupõe competência da entidade que a concede, em relação ao tributo de que seja objeto. Em outros termos, só pode isentar quem pode tributar, do que resulta a isenção é verdadeiro benefício (ou favor fiscal), manifestado através de lei específica (cf. art. 150, §6, da Constituição) (2009, p. 84).

 

Ao fazer esta afirmação Lopes acrescenta uma importante inovação, no caso de concessão de isenção, somente o ente responsável pela cobrança do tributo é que pode dispensá-lo, pois de acordo com o disposto na Constituição de 1998 no art. 151, inciso III, diferentemente do que dizia a Constituição de 1967, que dava à União poderes para conceder isenções de tributos, que eram de responsabilidade dos estados, Distrito Federal e municípios (LOPES, 2009, p. 82).

Sabbag (2012, p. 288) ressalta que “enquanto a norma de isenção é de ser interpretada literalmente, a imunidade, a teor de precedentes do Supremo Tribunal Federal, admite interpretação ampla à luz dos princípios constitucionalmente consagrados”. Alguns doutrinadores citam como exemplo, o art. 195, §7 da Constituição Federal, onde se lê “São isentas de contribuição a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social ...”, na verdade aqui não seria uma isenção, mas uma imunidade, assim como também a gratuidade da certidão de óbito e do registro civil de nascimento nos casos de pessoas reconhecidamente pobres (art. 5, inc. LXXVI, alíneas a e b).

Portanto, apesar das peculiaridades apresentadas por cada doutrinador, as argumentações convergem no mesmo sentido sobre as diferenças entre a imunidade e a isenção. Então, com base nas afirmações realizadas pelos autores é possível asseverar que a imunidade atua na esfera de não incidência de impostos, ou seja, nenhum ente pode atribuir qualquer tipo de imposto contra as instituições imunes, desta forma o tributo nem é devido. Enquanto, a isenção atua no plano da incidência, mas que possui dispensa legal, ou seja, aqui já existe a obrigação de pagar o tributo, porém por alguma finalidade específica, a lei dispensou o seu pagamento.

 

3 Imunidade tributária dos templos religiosos

 

Nenhum imposto incide sobre os tempos de qualquer culto. Templo não significa apenas a edificação, mas tudo quanto seja vinculado ao exercício da atividade religiosa (MACHADO, 2006, p.300). Seria portanto, “não é apenas a materialidade do edifício, que estaria sujeito tão-só ao imposto predial do município, se não existisse a franquia inserta na lei máxima. Um edifício só é pertenças adequadas àquele fim, ou se o utilizam efetivamente no culto ou pratica religiosa” (BALEEIRO, 1960, p.182). Por sua vez, “culto corresponde a manifestação religiosa cuja liturgia adstringe a valores consonantes com o arcabouço valorativo que estipula, programática e teleologicamente, no texto constitucional” (SABBAG, 2012, p.282).

O culto é o cerimonia religiosa, composta do conjunto dos ritos e atitudes desenvolvidas em essencial nos templos. Prática destinada reverencia e adoração divina, interesses, quaisquer outros, a que ele se assemelha ou se compara, com fim de aprimoramento da espiritualidade (FERREIRA, 2005, p. 66).

Nesse sentido, conforme aludido pela doutrina, templo corresponde ao espaço físico genérico em que o culto é realizado, portanto o templo não compreende apenas ao prédio enquanto estrutura física, mas todas os espaços ondem são realizados atividades essências a sua natureza.

Não há incidência de imposto sobre missas, batizados ou qualquer outro ato religioso, como qualquer bem que esteja a serviço do culto (MACHADO, 2006, p.300). Nesse sentido:

O templo de qualquer culto” não é apenas a materialidade do edifício, que estaria sujeito tão-só ao imposto predial do município, se não existisse a franquia inserta na lei máxima.Um edifício só é pertenças adequadas àquele fim, ou se o utilizam efetivamente no culto ou pratica religiosa (BALEEIRO, 1960, p.183).

 

Entretanto, incide imposto sobre bens pertencentes a Igreja, uma vez que não sejam instrumentos desta. Prédios alugados, por exemplo, assim como respectivos rendimentos, podem ser tributados. Não a casa paroquial, ou o convento, ou qualquer outro edifício utilizado para a atividade religiosa, ou destina a residência dos religiosos (MACHADO, 2006, p.300).

O artigo 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição Federal, deve ser interpretado em conjunto com o § 4o do mesmo artigo, que determina que a imunidade dos templos, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados às finalidades essenciais das entidades religiosas.        

Ainda nesse víeis, os doutrinadores supracitados ensinam que a alínea “b”, almeja a livre manifestação do pensamento e ações religiosas das pessoas, isto é a livre manifestação de certos valores espirituais.  A Carta Magna garante, ainda nesse sentido, em seu artigo 5˚, VI da CF/88, a liberdade de crença e também a igualdade entre as crenças. Dessa maneira, o Estado não poderá, nem sequer através de impostos, causar embaraços e dificuldades ao livre exercício de cultos religiosos.

 

4 O alcance da imunidade de tributação aos templos religiosos

 

Primeiramente, faz-se necessário para verificar a amplitude da imunidade, um estudo sobre o termos “culto” e “templo” que circundam a atividade religiosa.

Culto segundo aponta Damásio Evangelista de Jesus (2011, p. 100) é “o exercício de qualquer outro ato ou atividade religiosa, diversa da cerimonia, praticado sem o aparato desta. Como exemplos, podemos citar a sessão espírita, a oração coletiva, a leitura do Evangelho”. O importante é que o culto satisfaça se volte para o lado da fé e respeite a dignidade humana, abrangendo por isso, um alto número de seitas, pois a irradiação semântica do termo “culto” se amplia a “todas as formas racionalmente possíveis de manifestação organizada de religiosidade, por mais estrambóticas, extravagantes ou exóticas que sejam” (CARVALHO, 2012, p. 242). É “imprescindível à seita a obediência aos valores morais e religiosos, no plano litúrgico, conectando-se a ações calcadas em bons costumes (arts. 1º, III; 3º, I e IV; 4º, II e VIII, todos da CF), sob pena do não reconhecimento da qualidade de imune” (SABBAG, 2012, p. 325).

Portanto, não se incluem no rol de seitas protegidas pela imunidade aquelas que incitem praticas demoníacas e satânicas, seja também aquelas promovam o racismo, a violência, os sacríficos humanos e um fanatismo exagerado (SABBAG, 2012, p. 325), visto que tais valores violam os direitos fundamentais previstos no texto constitucional.

Com relação ao termo “templo”, segundo Sabbag (2012, p. 326) 3 teorias tentam delimitar o seu campo de abrangência, são elas:  I- clássico-restritiva, II- clássico-liberal e III- moderna.

A teoria Clássico-restritiva dispõe que o termo “templo” abrange somente o local destinado a prática do culto religioso. Teoria defendida por Paulo de Barros Carvalho (2005, p. 191) ao dizer que “edificações onde se realizarem esses rituais haverão de ser consideradas templos”. Ou seja, somente o prédio destinado a realização do culto religioso é que estaria desonerado do pagamento de impostos.

A teoria Clássico-liberal conceitua a abrangência do templo de acordo com a atividade exercida, que auxilie de forma direta ou indireta a realização do culto religioso. “Nessa medida, desoneram-se de impostos o local destinado ao culto e os anexos deste (universitas juris, ou seja, o conjunto de relações jurídicas, afetas a direitos e deveres)” (SABBAG, 2012, p. 326). Tese defendida por Aliomar Baleeiro, pois segundo entendimento do mesmo, templo não é:

Apenas a igreja, sinagoga ou edifício principal, onde se celebra a cerimônia pública, mas também a dependência acaso contígua, o convento, os anexos por força de compreensão, inclusive a casa ou residência do pároco ou pastor, desde que não empregados em fins econômicos (BALEEIRO, 2003, p. 137) .

 

Com base em tal concepção estariam desonerados do pagamento de tributos por exemplo: a residência do religioso, a casa paroquial, o centro social, os anexos ao templo, o local destinado à aprendizagem da liturgia (conventos ou outras habitações de comunidades religiosas) e o veículo utilizado pelo religioso para a pregação eclesiástica.

A terceira teoria, chamada de Moderna, a concepção de templo é entendida como se este fosse uma “entidade”, na acepção de que seria uma associação ou organização que mantém o templo religioso, não levando em consideração as coisas destinadas ao culto. Esta teoria inova com relação a definição de templo em relação às teorias clássicas, assim como explica Sabbag:

Nessa medida, o templo-entidade extrapola, no plano conceitual, o formato da universitas rerum, destacado na teoria clássico-restritiva, e a estrutura da universitas juris, própria da concepção clássico-liberal, aproximando-se da concepção de organização religiosa, em todas as suas manifestações, na dimensão correspondente ao culto (SABBAG, 2012, p. 327).

 

Tese defendida pela maioria da doutrina, inclusive por Sabbag (2012, p. 328) que leva em consideração o dinamismo que envolve a atividade religiosa, pois para ele esta teoria é a que abrange um maior número de questões jurídicas, exigindo do juiz um desapego com relação às estruturas formais e por isso, se adequa melhor à diversidade dos casos concretos.

Realmente, a teoria Moderna é a que se demonstra mais adequada ao plano da realidade, pois a imunidade aos templos de qualquer culto visa garantir o livre exercício dos cultos religiosos, que não necessariamente está ligada diretamente ao espaço do templo, desta forma restringir a proteção somente ao templo e seus anexos não se monstra razoável. O sentimento religioso extrapola o local do culto, se estendendo, por exemplo, aos cemitérios, retiros espirituais e até mesmo shows religiosos no qual o lucro obtido tenha finalidade religiosa, que são locais desvinculados ao templo.

 

4.1 A limitação a imunidade religiosa prevista no art. 150, § 4º, CF

 

Ao disciplinar o campo de abrangência da imunidade religiosa, o texto constitucional faz as seguintes limitações:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

§ 4º. As vedações expressas no inciso VI, alíneas “b” e “c”, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

 

Com relação a primeira parte da redação do parágrafo 4º, o legislador optou por desonerar a incidência de impostos sobre o patrimônio, renda e os serviços, ligados a atividade religiosa.

Em relação a proteção do patrimônio religioso, a 5ª Turma do STJ decidiu caso no qual uma entidade religiosa estava inadimplente perante um contrato de locação firmado, pleiteando a empresa locadora do imóvel o despejo dos religiosos. Com a intenção de receber os créditos devidos pela o inadimplemento, a empresa pleiteou a penhora da renda advinda de contribuições dos seguidores da entidade religiosa, uma vez que o único imóvel penhorável tinha valor inferior ao da dívida. A entidade religiosa então se defendia sobre a tese de impenhorabilidade da renda voltada para fins religiosos advinda da imunidade religiosa. O STJ, então, decidiu pela possibilidade excepcional da penhora da renda religiosa, conforme segue a ementa da decisão do REsp 692972 / SP julgado em 16/12/2004:

EXECUÇÃO. CULTO RELIGIOSO. AUSÊNCIA DE BENS QUE GARANTAM A EXECUÇÃO. PENHORA DA RECEITA DIÁRIA. EXCEPCIONAL POSSIBILIDADE. As doações dos seguidores e simpatizantes do culto religioso constituem em receita da pessoa jurídica e esta deve suportar as suas obrigações, dentre elas o crédito da agravante. Ante a ausência de bens que garantam a execução, excepcionalmente, lícito é que a sua receita diária seja penhorada, em percentual que não a inviabilize, até a satisfação do crédito da exequente, procedendo-se na forma prevista no art. 678, parágrafo único, do CPC, nomeando-se administrador para a sua efetivação, observado o disposto no art. 728 do CPC." Recurso não conhecido. Decisão Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso." Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.  

 

Na defesa de seu voto, o Ministro José Arnaldo da Fonseca argumentou que a imunidade advinda da Constituição é de natureza tributária, não se aplicando à outras obrigações assumidas pelas instituições religiosas.

É importante ainda que a renda, o patrimônio e os serviços sejam vinculados às “finalidades essenciais das entidades religiosas”. Esta finalidade específica exigida pelo legislador segundo Sabbag está diretamente ligada ao entendimento feito pela teoria Moderna sobre a acepção do termo templo, conforme está explícito a seguir:

De início, insta frisar que a dicção do comando tem servido para corroborar a ideia de que o legislador constituinte tendeu a prestigiar a Teoria Moderna, na esteira de uma interpretação ampliativa, pelos seguintes motivos: (a) por tratar, textualmente, do vocábulo entidade, chancelando a adoção da concepção do templo-entidade; (b) por se referir a “rendas e serviços”, e, como é sabido, o templo, em si, não os possui, mas, sim, a “entidade” que o mantém; (c)por mencionar algo relacionado com a finalidade essencial – e não está em si–, o que vai ao encontro da concepção menos restritiva do conceito de “templo” (SABBAG, 2012, p. 329-330).

 

Segundo esta concepção não importa a origem da renda, patrimônio ou serviços, se estiverem correlacionados com finalidades essenciais da entidade religiosa, os mesmos inegavelmente deverão ser desonerados da cobrança dos impostos, desde não causem prejuízos a livre concorrência.

 

4.2 A imunidade sobre os cemitérios

 

A polêmica envolvendo os cemitérios se iniciou quando alguns municípios começaram a cobrar impostos sobre cemitérios, sob a alegação que tais terrenos não estariam abrangidos pela imunidade tributária, tendo em vista que não estariam anexos aos templos de qualquer culto. Ao julgar o RE 578.562 (Recurso Extraordinário) que tratava de caso envolvendo esta polemica, o STF entendeu que os cemitérios vinculados a entidades religiosas estariam abrangidas pela imunidade tributária, desde que não envolvam a prática comercial, tendo em vista a proteção da liberdade religiosa. O entendimento que os cemitérios sem fins lucrativos são imunes é pacifico na doutrina.

Entretanto, um caso recente tem causado divergência entre os membros do STF. A proprietária de um terreno, onde existe um cemitério, ajuizou o recurso extraordinário (RE n. 544.815), contestando a incidência de IPTU sobre o bem imóvel. Teve como base para a alegação, que embora o terreno fosse privado, o bem se destinava a prática religiosa e por isso, estava protegido pela imunidade tributária disposta no art. 150, VI, “b” da CF/88.

O ministro Joaquim Barbosa ao analisar o presente Recurso Extraordinário entendeu que o imóvel não estaria abrangido pelo manto da imunidade, ao argumentar que tratava-se de propriedade privada e que o imóvel estava alugado para uma empresa privada sem vínculo religioso, além disso o caso em questão há exploração de atividade econômica, pois a locação tinha o intuito de lucro, considerando que dinheiro adquirido não era destinado a nenhuma finalidade religiosa. Para Joaquim Barbosa há uma exploração econômica em detrimento do sentimento religioso, por isso não sendo cabível a imunidade. Diferentemente, se posicionou o ministro Carlos Ayres Brito ao relatar que todo o cemitério está envolvido por um sentimento religioso, não sendo cabível a tributação sobre eles. O RE, em questão, ainda aguarda decisão pelo STF.

Sobre este caso, Sabbag (2012, p. 338) ressalva que a concessão de imunidade a cemitérios no qual haja exploração de atividade econômica violaria o princípio da isonomia e da livre concorrência entre os locadores de imóveis.

Realmente, já que há o desenvolvimento de uma atividade econômica não seria razoável proteger o terreno em questão, devendo a tributação incidir normalmente. Então, a concessão da imunidade sobre o imóvel não deve ocorrer, visto que o intuito de lucro e a prática religiosa são figuras incompatíveis, pois não pode haver a exploração do sentimento religioso. Além do mais, a renda recebida como contraprestação pelo aluguel não é empregada a nenhuma finalidade essencial da entidade como requer o § 4º do art. 150 da Constituição Federal.

 

5 Posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão sobre a imunidade religiosa

 

A 1ª Turma do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão recentemente apreciou uma demanda em que se discutia a incidência ou não da imunidade sobre determinada igreja.

A Fazenda Pública Municipal ajuizou execução fiscal alegando ser credora da executada (Igreja Batista Bereana) referente a débitos de IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano), comprovados por certidões da dívida ativa.

A executada opôs embargos à execução, que foi recebido pelo magistrado como exceção de pré-executividade, com base no art. 121, VI, “c” da Lei Municipal nº 3.758/98, que isenta os templos religiosos do pagamento de impostos, assim como preceitua também o art. 150, VI, “b” da CF, por isto requereu a extinção da execução.

O autor, por sua vez, impugnou a exceção de pré-executividade, alegando que os dirigentes do templo deveriam efetuar um requerimento junto ao Município comprovando a destinação do imóvel e desta forma, requerer a imunidade, o que não ter ocorreu. Ademais, salienta que o executado não comprovou a destinação do mesmo.

Não satisfeito com a decisão a Fazenda Pública Municipal ajuizou a Apelação Cível N° 9.671/2007 – SÃO LUÍS, contra decisão do juiz. Alegando a executividade dos títulos extrajudiciais, CDA’s, e que o imóvel não é o templo ou destinado às suas atividades essenciais, por isso não teria direito à imunidade.

A igreja Batista Bereana em sua defesa, alegou que funciona no mesmo imóvel há mais de 47 anos, situado na comunidade do Bairro de Fátima, sendo que durante todo este período o imóvel durante todo este período desenvolveu atividades religiosas.

Em seu voto, o relator, o Desembargador Jorge Rachid Mubárack Maluf salientou que o imóvel atende aos requisitos para beneficiar-se da imunidade constitucional, tendo em vista que é voltado inteiramente, até pela sua própria característica física, ao exercício da atividade religiosa, pois lá é a sede da mesma da igreja. Ainda asseverou que não é necessário procedimento administrativo para a concessão da imunidade, pois a mesma já é garantida pela Constituição. A presente apelação foi julgada improcedente e desta decisão foi lavrado o Acórdão Nº 73.466/2008, cuja ementa está disposta a seguir:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. TEMPLOS RELIGIOSOS.  IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - IPTU.

I - O bem imóvel de entidade religiosa sem fim lucrativo, quando estiver servindo ao cumprimento da finalidade essencial da instituição religiosa, será beneficiado pela imunidade do artigo 150, VI, da CF.

II - Apelo improvido.

 

A ementa supracitada reflete que o TJ/MA, adota a teoria Moderna para a aplicação da imunidade, pois o Tribunal não restringe a proteção ao templo, mas para tudo aquilo que for essencial para instituição religiosa, o que amplia o campo de abrangência, corroborando com o proposto pela teoria Moderna.

A decisão tomada pelo TJ/MA foi acertada, pois a imunidade de tributação dada aos templos religiosas é de aplicação imediata, pois se o mesmo é destinado a praticas religiosas sem fins lucrativos não há necessidade que a proteção seja requerida ao município para que seja concedida, pois como dito pelo próprio relator é um benefício de ordem constitucional, portanto não é de competência do município a regulamentação da concessão ou não da imunidade.

 

Considerações finais

 

Conforme elencado no decorre deste artigo, a imunidade tributária revela-se como uma limitação ao poder de tributar, ao passo que extingue a possibilidade de tributação dos casos expressamente exemplificados pelo Constituição Federal. A finalidade do privilégio é proporcionar a manutenção da democracia, uma vez que se protege a liberdade de expressão.

Portanto, a imunidade conferida aos templos religiosos se revela de grande valia, visto que é de grande relevância o exercício de suas atividades no que tange ao interesse coletivo, além de propagar a livre manifestação dos valores espirituais. Por isso, a imunidade estatal não poderá requerer impostos sobre o patrimônio, a renda e  os serviços essenciais para o desenvolvimento das atividades religiosas.

Diante do exposto neste trabalho verificou-se que a maioria da doutrina e dos tribunais, dentre eles o STF e o TJ/MA, enfrenta a imunidade de tributação dos templos religiosos sobre o prisma da teoria moderna de templo, entendendo que a imunidade não cabe somente ao espaço físico onde ocorre o culto, mas para toda a atividade que tenha finalidade religiosa, postura que é a mais correta, pois não é somente através do templo que o exercício eclesiástico é realizado, sendo que a tributação deste fere a liberdade religiosa garantida constitucionalmente.

 

Referências

 

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[1] Case apresentado a Disciplina de Direito Tributário I, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Alunos do 7º Período, do Curso de Direito Vespertino, da UNDB.

[3] Professor mestre, orientador.