LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR: UMA ANÁLISE SOBRE O PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE TRÁFEGO DE PESSOAS E BENS.¹

Laila Santos Freitas.²

Mariana de Jesus Cardoso.²

Fabiano Lopes.³

 

 

Sumário: INTRODUÇÃO; 1 Considerações a cerca do Direito Tributário; 1.1 Conceito do Direito Tributário; 1.2 A importância e os limites dos princípios para o Direito Tributário; 2. Princípio não limitação ao Tráfego de bens e pessoas; 3. Pedágio no ordenamento jurídico brasileiro; 4. A Bitributação do ICMS e desdobramentos do Protocolo 21: desrespeito ao principio da liberdade de tráfego de bens; 4.1 ICMS; 4.2. A Bitributação do ICMS e o desrespeito ao princípio da liberdade de tráfego de bens; 4.3. Jurisprudências que envolvem o Protocolo 21; CONSIDERAÇÕES FINAIS.

 

RESUMO

Este artigo tem como finalidade tratar dentre tantos outros e importantes princípio para o direito tributário, enfatiza-se neste momento no princípio da liberdade de tráfego de pessoas e bens, analisando-o principalmente no que concerne a questões de circulação de bens e pessoas, na figura do ICMS e do Pedágio, abordando pontos importantes e pertinentes a estes, principalmente no que tange a sua efetivação no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Princípio da liberdade de tráfego de pessoas e bens; ICMS; Pedágio.

_______________________ 

 

1 Paper apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina de Direito Tributário, do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

 

2 Graduandas do 7º período, vespertino do Curso de Direito, da UNDB.

 

3 Professor e Orientador.

 

INTRODUÇÃO

A atividade econômica no Brasil se dar mediante uma ordem econômica, com certa liberdade na atuação e desenvolvimento da mesma. Assim, cabe ao Estado, mediante o exercício do seu poder soberano, exigir que os cidadãos forneçam recursos necessários, porém para que tal exigência se torne legitima, faz-se imperioso a existência dos tributos.

Desse modo, a fim de evitar qualquer ato abusivo na relação tributativa, faz-se necessário a observância dos princípios jurídicos, fazendo com que fique extremamente explícito os elementos da necessidade de tributar com os fins almejados com a arrecadação do mesmo, se este se faz de forma adequada e por fim se há proporcionalidade no valor aferido.

As diretrizes contidas nos princípios é que ordenará e limitará o direito de tributar, porém, para que se faça eficaz há a intensa necessidade de interpretá-los aos casos concretos, em que estas é que dão embasamento para a existência de leis que tornam a exigência do Estado para que os cidadãos os honrem com o pagamento dos tributos, legal.

Comumente na análise da importância e o seu grau de atuação dos princípios tributários, é que fará este artigo, caracterizando e definindo um dos princípios de grande importância para o Estado Democrático de Direito, que seja o princípio da não limitação ao tráfego de pessoas e bens, enfatizando com maior propriedade ao tributo sobre os bens circulados, que seja o ICMS, tal como sobre a circulação de pessoas, decorrente do pedágio, uma vez que tal princípio estar contemplado no artigo 150, V, da Constituição Federal, em que seu papel primordial seja tributar na circulação daqueles dentro do território nacional.

1             CONSIDERAÇÕES A CERCA DO DIREITO TRIBUTÁRIO

1.1 Conceito de Direito Tributário

A base do direito tributário, tal como para outros direitos, se norteiam nos princípios e diretrizes elencados na Constituição Federal. Sendo, portanto, um conjunto de regras jurídicas que viabilizam a atividade estatal, suprindo as necessidades da população, gerando as finanças do Estado, que são recolhidos mediante impostos, taxas e contribuições. Neste viés, consiste em um direito de extrema importância para a sociedade, uma vez que se bem administrado e distribuído tais tributos, estes repercutirão no dia a dia dos cidadãos.

A atividade tributária consiste em uma relação jurídica, vinculada por lei, em que direciona o exercício do Estado em tributar, levando os cidadãos a obrigação de honrar com tais tributos, pois através da existência da lei é que se definirá tal instituto. Desta forma, a atividade de tributar consiste em um ato obrigacional, em que o exercício de pagar o tributo advém do cumprimento a um dever jurídico. Contudo, uma vez inadimplente, o cidadão se torna um devedor do Estado, que será juridicamente responsabilizado com sujeições a possíveis sanções, atribuídos pelos órgãos administrativos.  (MACHADO, 2006)

Consoante a isto, a atividade jurídica tributária se faz mediante o “fisco”, que seja um exercício do Estado no qual configura a “atividade de tributação” com aqueles que estão obrigados a pagar, fazendo-se pertinente entender que a finalidade do direito tributário decorre em “limitar o poder de tributar” evitando possíveis lesões ou abusos ao contribuinte. (MACHADO, 2006).

Nestes termos, faz-se necessário diferenciar o que seja a atividade contributiva com a solidariedade social, uma vez que o primeiro decorre no dever jurídico de pagar, já o segundo não se vincula a um dever de entregar tributo, isto é, a sua contribuição se faz por mera escolha de pagar e não por um dever prestacional. (MACHADO, 2006).

Assim, não havendo uma lei norteadora que determine ou obrigue o cidadão a tributar, não configura como tal, uma vez que para a sua existência, faz-se necessário a existência de lei anterior. Com isso, é imperioso declarar que a atividade de tributação deverá estar intrinsicamente ligada à legalidade, no qual a mesma foi editada pelo Poder Legislativo.

A competência tributária consiste da aptidão de criar o tributo, que não estar vinculado no exercício do mesmo de captar tais recursos, uma vez que cabe ao Poder Legislativo “criar ou aumentar” os tributos, ao Poder Executivo, cobrá-los nos limites da lei e por fim ao Poder Judiciário, garantir a máxima legalidade do ato de tributar. (CARRAZZA, 2003). Comumente a isto, se faz inegável admitir a existência e respeito aos princípios constitucionais, para a real e legitima efetividade da arrecadação e implementação dos recursos captados.

1.2       A importância e os limites dos princípios para o Direito Tributário

O ordenamento jurídico brasileiro é formado por um conjunto de princípios norteadores, em que integram uma reunião de realidades primordiais, uma vez que os princípios jurídicos decorrem de um enunciado lógico que podem se implícito ou explicito, no qual o seu conteúdo advém de uma grande generalidade, tendo uma vasta valia no mundo jurídico, pois mesmo amplo, estes são aplicados as normas jurídicas que melhor se comunicam. Neste viés, é que se declara que os princípios são a base nuclear do sistema, no qual para a sua compreensão basta entender racionalmente o sistema normativo em que ele se insere de uma forma harmônica. (CARRAZZA, 2003).

Contudo, a depender da realidade e da necessidade, adequa-se o principio que melhor se comunique a tal, sopresando e não invalidando um principio a outro. Agindo o poder publico desta forma, garantirá melhor e maior segurança jurídica tanto no que tange na criação, tal como na execução e aplicação destes tributos na realidade e necessidade social, colocando como prioridade serviços e bens que decorram de maior urgência. Para tanto, se faz necessário utilizar de uma interpretação hermenêutica do significado intrínseco que há em cada princípio, a fim de que não haja redundância na aplicação destes às normas jurídicas.

Assim, o exercício do poder de tributar se faz eficaz se ocorrer na criação das leis tributarias a observância de dois requisitos, que seja a participação popular na formulação da ordem jurídica e com isso a feitura de leis tributarias, caracterizando, pois, o estado democrático de direito. Conquanto, os limites ao poder de tributar estão elencados nos princípios constitucionais tributários e nas imunidades tributarias, no qual tais matérias encontram-se nos artigos 150 a 152 da Constituição Federal de 1988, como parte integrante do Sistema Nacional Tributário, além de também haver a possibilidade de limitação de tal poder, através das normas infraconstitucionais. (NOGUEIRA, 2004).

Desta forma, tem-se como um dos principais princípios o da anterioridade, uma vez que se faz necessário haver existência de lei anterior para a cobrança de qualquer tributo, e vinculado a tal tributo, tem-se o princípio da legalidade, pois se existe lei anterior, subtende-se que esta seja legal, seguindo-se por tal existe outros princípios, como o que será tratado com mais propriedade neste artigo, que seja o princípio da não limitação ao tráfego de pessoas e bens.

2   PRINCÍPIO DA NÃO-LIMITAÇÃO AO TRÁFEGO DE PESSOAS E BENS

A Constituição Federal Brasileira estabelece no artigo 150, inciso V que: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvado a cobrança de pedágio pela utilização de vias utilizadas pelo Poder Público.”.

Assim, a Carta Magna garante a inibição de qualquer geração de quaisquer tributos, independente de ser estadual ou municipal, tendo como razão a intermunicipalidade e a interestadualidade. “O tráfego de pessoas e bens, nos âmbitos interestaduais e intermunicipal, será protegido pela regra de ‘imunidade’, sob a égide do referido princípio, que “é uma decorrência natural da unidade econômica e política do território nacional” (SABBAG, 2009)

As imunidades fiscais, instituídas por razões de privilégio, ou de consideração de interesse geral (neutralidade religiosa, econômicas, sociais ou politicas), excluem a atuação do poder de tributar. Nas hipóteses de tributação, inocorre fato gerador da obrigação tributária. Nisso diferem imunidades e isenções, pois relativamente a estas, dá-se o fato gerador da obrigação tributária, mas o contribuinte fica apenas isento do pagamento do tributo. (SILVA, 2003, p. 700)

À luz do princípio da não-limitação ao tráfego de pessoas o fato gerador do tributo será concebido de forma distinta e desvinculada da intermunicipalidade e da interestadualidade. O que busca, em verdade, é vedar o poder fiscal de estabelecer impostos. Este princípio “encontra respaldo nas garantias constitucionais referentes ao direito de locomoção e ao direito de propriedade. É corolário, ainda, da liberdade de comércio.” (MARTINS, 1994, p. 144). Como pode ser visto no artigo 5º, inciso XV ad litteram: “É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”

Assim, o legislador constituinte buscou evitar que o Poder Público se valesse da tributação para atingir, mesmo que indiretamente, as liberdades pessoais e patrimoniais que envolvem o indivíduo, para tanto estabeleceu uma norma principiológica como núcleo assecuratório. (SABBAG, 2009)

As atenuações ao princípio da ilimitabilidade ao tráfego de pessoas e bens possuem duas exceções:

I-            Uma de ordem constitucional, prevista na parte final do inciso V do artigo 150 da Constituição Federal, referente aos pedágios. De fato, o pedágio é ressalva bem posta no mencionado preceptivo, haja vista o fato de ser gravame exigido pela utilização das rodovias conservadas pelo Poder Público, e não pela mera transposição de Município ou de Estado. De modo objetivo, o constituinte quis garantir que a exigibilidade do pedágio não fosse ameaçada pelo agito do princípio da liberdade de tráfego. (SABBAG, 2009, p. 215)

II-           Outra, de ordem doutrinaria, atinente ao ICMS, exigido pelas autoridades fiscais nos postos de fiscalização, localizadas nas estradas de rodagem, em divisas dos Estados-membros e Distrito Federal, em razão da ocorrência do fato gerador deste gravame tributário. Quanto a essa atenuação, diga-se que o ICMS deve ser recolhido pelo sujeito passivo,  em virtude da circulação de mercadorias – o fato gerador do imposto-, e não pelas transposições territoriais supramencionadas. (SABBAG, 2009, p. 215)

3  O PEDÁGIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

No Brasil, o pedágio surgiu a princípio na Constituição de 1946 no artigo 27, em que se definia como taxa a fim de atender os custos das vias de transporte. Em um segundo momento, mediante a Reforma Tributária da Emenda Constitucional nº18/65, põe-se em duvida da natureza do pedágio como sendo taxa, por não se enquadrava como espécie de serviço publico em especifico, em que tal problema veio a ser resolvido com o advento da Constituição de 1988, no qual através do artigo 150, V, definiu-se o pedágio com taxa, porem de natureza autônoma. (NOGUEIRA,2008).

Sendo assim, o pedágio consiste em uma taxa de serviço, em que a população paga ao poder publico com a finalidade de manter e conservar as vias públicas, sendo um ato delegado à administração publica mediante a necessidade da população na utilização de vias conservadas, facilitando, pois, a rodagem destes no dia a dia, ocorrendo mediante a contratação pelo poder publico a concessionarias com fins lucrativos de execução tal tributação.

Desta forma, o pedágio exprime uma relação de tributação ou taxação pela simples passagem em uma rodovia, ou qualquer outro lugar que o trânsito seja oneroso e restrito a pagamento. Assim, a execução do pagamento se faz mediante a existência de barreiras postas no meio da estrada, no qual o veículo fica impossibilitado de tráfego se este não onerar com tal tarifação. (DE PLÁCITO E SILVA, 2004).

Neste viés, o pedágio decorre em uma atividade de arrecadação e fiscalização pelas concessionárias, no qual estas têm fins lucrativos, sendo, contudo, um extremo paradoxo, pois a cobrança de qualquer tributo deveria ser feito pelo poder publico, já que tal atividade decorre da responsabilidade da administração publica. Contudo, a ampliação de vias não justifica a existência dos pedágios, pois para tal faz-se por meio de empreendimentos da construção civil, podendo nessas situações ensejar na aferição de contribuição de melhoria. (SABBAG, 2009).

Comumente a tal contexto, observa-se que uma situação ensejaria em outra, isto é, se uma via estar no rol daquelas inclusas a tal tributação e esta além de ser mantida mediante a cobrança de pedágio, recebe uma ampliação, levando em conta a necessidade da realização da mesma, o pedágio inicialmente cobrado poderá ser ampliado de acordo com a nova realidade da via.

Assim, como exemplo, vale a pena analisar como se faz a adoção do pedágio em estradas brasileiras como nas estradas do Rio Grande do Sul, que a priori se faz um estudo de impactos sociais que melhor solucionaria cada região observando a realidade de cada uma, depois passa-se para a execução de projetos elencando critérios claros e objetivos, indicando melhores empregos de investimentos de verbas publicas e levando a uma comprovação da conveniência na contratação de determinada empresa e nos investimentos elencados para o mesmo, e por fim a definição do valor das tarifas, de acordo com o equilíbrio econômico de cada região. (PASTORE, 2011).

Porém, o tema em questão não é tão simples como parece, pois para muitos não entendem o pedágio como um prestador de serviço público, uma vez que este não desenvolve suas atividades de forma direta, isto é, não há uma prestação de serviço direto do Estado, levando a existência de diversos ADIns, como o ADIn nº 800-5 ocorrida no mesmo estado acima, Rio Grande do Sul. (SABBAG, 2009).

Nesta sorte, o STF considera o pedágio de natureza tributária, porém institui-se o “selo-pedágio” com a finalidade de “carimbar” os carros que passam por mais de um pedágio, isentando este a pagar em cada pedágio subsequente àquele tarifado. Já o STJ adotava inicialmente o pedágio como tarifa, pois não poderia exigir de forma indiscriminada cobrança de tarifa pela rodagem em estradas, mas tão somente sob aquelas que têm um maior fluxo. (SABBAG, 2009).

4  A BITRIBUTAÇÃO DO ICMS E DESDOBRAMENTOS DO PROTOCOLO 21: DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE TRÁFEGO DE BENS

4.1. ICMS

O ICMS é um imposto incidente especificamente sobre o consumo, portanto, fica responsável pela tributação de uma enorme quantidade de operações que envolvem o comércio. Por sua natureza fiscal, é um meio de sustento dos Estados, motivo do qual o imposto está sendo posto como centro de uma nova “guerra fiscal” em busca da incidência do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação para as operações de entrada, no Estado, de mercadorias advindas de outras unidades da Federação.

Segundo os ensinamentos de Antônio Roque Carraza (2011), o ICMS é um imposto que possui cinco facetas: a) imposto incidente a partir de operação mercantil; b) imposto existente a partir do transporte entre estados ou municípios; c) imposto relativo as operações de comunicação; d) imposto gerado a partir de alguma das etapas que levam a produção, importação ou consumo de lubrificantes, combustíveis ou energia elétrica; e) tributo derivado da extração, distribuição, circulação de recursos minerais.

 Para compreender o porquê da celeuma que ocasionou a origem de ADI’s é necessário perpassar as características do tributo susomencionado. Assim, o ICMS constitui-se como um tributo indireto já que “quem recolhe o imposto às Fazendas Estaduais são os ‘contribuintes de direito’- aqueles que promovem operação de circulação de mercadorias ou praticam serviços de transporte interestadual ou intermunicipal” (FONSECA, 2011, p.12). O principal objetivo deste princípio é a arrecadação de recursos para o Estado, por isso, é um tributo predominantemente fiscal apesar de trazer, eventualmente, o caráter de extrafiscalidade. A própria Constituição Federal em seu artigo 155, §2, I e II traz o caráter não cumulativo do tributo, ou seja, haverá um abatimento ao montante cobrando em operações anteriores (FONSECA, 2011). O ICMS não é um imposto sobre valor agregado, já que ele incide “apenas sobre a diferença de valor acrescida entre as diversas operações ou etapas da produção de determinado produto” (FONSECA, 2011). A seletividade, característica do ICMS, é expresso no artigo 155 §2º, III da Constituição Federal, atuando em prol do estímulo ou desistimulo a práticas de determinadas condutas de acordo com o interesse público (CARRAZA, 2011).

O fato gerador do ICMS não é a mera circularidade de mercadorias e produtos, mas a circulação jurídica- aquela que transfere a titularidade ou o domínio de determinado bem ou produto. A cobrança de ICMS só pode ocorrer depois de efetivada completamente a tradição. A base de cálculo do ICMS será feita a partir do valor da mercadoria.

4.2 A Bitributação do ICMS e o desrespeito ao princípio da liberdade de tráfego de bens

Com a disposição constitucional de que o ICMS interestadual nas operações destinadas a consumidor final não contribuinte, o recolhimento do imposto ficará a benesses do Estado de origem da mercadoria; os Estados-Consumidores ficam com um duplo prejuízo: deixam de movimentar sua economia com a venda do produto e perdem a oportunidade de fazer o recolhimento fiscal que a venda originaria. Portanto, tal previsão constitucional efetivaria o privilégio dos Estados mais ricos e desenvolvidos e destinaria a perda arrecadatória para os Estados-Consumidores. No intuito de modificar e estabelecer justeza na distribuição do ”benefício fiscal”, os Estados prejudicados instituíram por meio da Confaz o Protocolo 21, este que modifica a norma de recolhimento do imposto e designa parte da arrecadação aos Estados-Consumidores.

Para a compreensão da (im) pertinência do Protocolo 21 frente a Constituição Brasileira há de se considerar: que a Constituição é norma suprema e é ela que dá sustentáculo as demais normas do ordenamento jurídico. Por isso, a Constituição forma-se de um conjunto de normas que dão ordem e legitimidade a atividade estatal, esta deverá restringir-se e submeter-se as diretrizes estabelecidas pela Carta Cidadã. Assim, verifica-se a impossibilidade de realizar o Sistema Tributário Nacional em dissonância com a Carta Magna, já que se busca um sistema harmônico. A Constituição Federal estabelece a autonomia aos Estados para que este autodeterminem-se, mas também subjaz que a prerrogativa de autonomia deve estar adstrita aos limites dados pela Constituição. (FRANCO, 2012)

A Constituição Federal Brasileira também estabelece a proteção ao contribuinte, que guia a formação e aplicação do Sistema Tributário Nacional.

O poder de tributar (ius imperium) não é, assim, absoluto. Limita-se por regramentos que vêm refrear o exercício arbitrário da tributação, amoldando-o de acordo coma carga valorativa ínsita no texto constitucional. De modo reflexo, a Constituição define o modus operandi do exercício desse poder, que deverá se dar de forma justa e equilibrada, sem provocar danos à liberdade e a propriedade do contribuinte. (SABBAG, 2009, p. 79)

Segundo o princípio da não limitação ao tráfego de pessoas e bens, insculpido no artigo 150, V da Constituição Federal, o tráfego de bens ou pessoas entre municípios ou entre estados não pode ser fato gerador de tributos. Isto não quer dizer que não possa existir um tributo relativo sobre a circulação de mercadorias, o ICMS. (FRANCO, 2012). “O que não pode acontecer é o tributo ser utilizado de forma reflexa para limitar o tráfego de bens ou pessoas, violando as liberdades garantidas pelas Constituição” (FRANCO, 2012, p. 32). Se não fossem as regras constitucionais limitativas, cada Estado ou Município estaria autorizado a criar, aumentar o valor da exação ou diminuí-lo, podendo chegar a total extinção de tal tipo de imposto; só que se tendo em vista o pacto federativo, qualquer atitude deste tipo está vedada pela Constituição, já que ela tenta desde a sua compilação reduzir as chances de ocorrer uma guerra fiscal entre os entes. A situação de desigualdade de arrecadação mostrou-se asseverada a partir do momento do início da prática, hoje, utilizada em larga escala, da vendas eletrônicas, porque, assim,  quem arrecada a exação é o Estado-Produtor, não cabendo nenhuma parte da fatia ao Estado-Consumidor.

A título de ilustração, e para que tenhamos uma noção da quantidade de dinheiro envolvida na disputa, somente no primeiro semestre do ano de 2011 foram faturados R$ 8,4 bilhões no comércio eletrônico brasileiro, o que representa um crescimento de 24% relativamente ao mesmo período do ano anterior. Para se atestar o crescimento espantoso dessa modalidade de comércio no Brasil, apenas nos seis primeiros meses do corrente ano já foram movimentadas quantias superiores aos R$ 8,2 bilhões relativos a todo ano de 2008. (FONSECA, 2011, p.50)

Ao mesmo tempo em que a Carta Magna estabelece o pacto federativo e veda a elaboração, limitação e redistribuição do ICMS por seus entes, ela estabelece com uma de suas finalidades a redução das desigualdades regionais; e é justamente nesse ponto que os Estados-Consumidores utilizam como “brecha” e como legitimador do Protocolo 21. O protocolo 21, a primeira vista, parece efetivar os objetivos da Federação no condizente a garantir uma distribuição mais equitativa da exação; só que ao buscar a redução das desigualdades regionais, o Protocolo acaba rompendo com diversas premissas Constitucionais e do próprio Sistema Tributário Nacional.

O Protocolo 21 estabelece a bitributação ao afirmar que será exigido o ICMS de qualquer produto na entrada deste em qualquer Estado signatário do protocolo se estas tiverem sido adquiridas por meio de telemarketing, internet ou showroom, ainda que o Estado-Produtor não seja signatário do tratado. Assim, como se já se descreveu, tal Protocolo é totalmente inconstitucional. (FONSECA, 2011)

Como se já não bastasse ferir o que determinar a Constituição Federal a cerca de quem deve recolher o imposto, o Protocolo foi elaborado pela Confaz  (Conselho Nacional de Política Fazendária) – e pelos conhecidos Estados-Consumidores que englobam os Estados do Nordeste, alguns do Norte e Centro-Oeste- órgão deslegitimado e impensado para legislar sobre arrecadação e distribuição da exação, um atentado ao que estabelece a Constituição no artigo 150, inciso I.

Esse é mais um exemplo do absurdo que é a relação da Administração Pública Brasileira com os administrados, onde aquela, ao invés de perseguir as finalidades e interesses destes, busca na realidade alcançar objetivos próprios, ao alvedrio das disposições legais e constitucionais. Tal fenômeno é mais acentuado ainda quando se trata do Sistema Tributário, onde a sanha arrecadatória do Governo faz com que se tente passar por cima de tudo e de todos para que se aumentem as já enormes receitas do Estado. (FONSECA, 2011, p.63)

Em uma hipótese absurda de se aceitar a vigência e a validade dessa bitributação, estar-se-ia considerando a incidência do mesmo imposto pelo mesmo fato gerador. O Protocolo 21 gera: o encarecimento dos produtos, lesando os consumidores que já tem que arcar com altas taxas tributárias; repartição de receitas; nova modalidade de substituição tributária; nova incidência do ICMS.

Portanto, a dupla tributação deve ser (como já está sendo pela decisão liminar que será analisada no próximo capítulo) rechaçada tanto pela ótica constitucional, do Sistema Tributário Nacional e do cidadão. O Protocolo viola especificamente o princípio da liberdade de tráfego de bens e pessoas, objeto deste artigo.

4.3.) Jurisprudências que envolvem o Protocolo 21

Antes do Protocolo 21, o Estado do Piauí já havia tentado cobrar ICMS na entrada de produtos em seu território, trata-se da Lei Estadual nº 6.041/2010. Para combater este abuso do poder Estadual foi elaborada uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) por parte do Conselho Federal da OAB, que recebeu a numeração 4565 e a relatoria do Ministro Joaquim Barbosa. (FRANCO, 2012)

Em primeiro de julho de 2011, o CNC seguindo os passos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, ajuizou ADI, que recebeu numeração 4628, com pedido cautelar, distribuída a Relatoria ao Ministro Luiz Fux, esta para tratar da inconstitucionalidade do Protocolo 21. (FRANCO, 2012)

A CNC arguiu, entre outras irregularidades, que o Protocolo (i) violou o art. 155, § 2º, VII, alínea “b”, da Constituição Federal (dispositivo que dispõe ser devido ICMS unicamente ao Estado de origem quando o adquirente não for contribuinte); (ii) gerou bitributação (art. 155, 2º, VII, alínea “b” da CF) e (iii) limitou o tráfego de bens e pessoas entre as unidades federativas (SALOMON, 2012, p.45, grifo nosso)

A ADI relativa ao Protocolo 21 não teve sua liminar decidida. Já a ADI relativa a Lei Estadual do Piauí teve sua liminar julgada e foi anulada a vigência da referida Lei sob tais argumentos:

Os argumentos do estado-requerido tangentes à disparidade abissal entre as diversas regiões de nosso país de proporções continentais são relevantes, mas a alteração pretendida depende de verdadeira reforma tributária que não pode ser realizada individualmente por cada ente político da Federação, com posterior chancela de validade pelo Judiciário. [...] Gostaria apenas de assinalar um aparente paradoxo que existe na Constituição Federal a competência para instituir, dentre outros impostos, o ICMS. À primeira vista, pareceria que se trata de imposto exclusivamente estadual e, portanto, sob o controle absoluto das autoridades locais, no sentido de um ente federativo de segundo nível.[...] Mas, por outro lado, o artigo 155, no parágrafo 2º, inciso XXI, várias alíneas que demonstram com clareza que o ICMS constitui, na verdade, um imposto de caráter nacional, porquanto ele regula a circulação  de mercadorias em todo o território nacional e para o exterior. Portanto, tendo em vista esse dúplice aspecto, mas com a prevalência do caráter nacional do ICMS, não poderia, evidentemente, uma lei local, uma lei do estado do Piauí, regulá-lo nessa minúcia com que o fez. ( ADI 4565. Rel. Min. Joaquim Barbosa)

O Protocolo 21 e a Lei Estadual o Piauí possuem o mesmo objetivo, só que o primeiro atinge de uma forma bem mais vasta e direta e indiretamente os Entes da federação. E por terem o mesmo objetivo, indica toda a repercussão que também será interrompida a eficácia do susomencionado Protocolo. O Estado do Maranhão, um dos Estados-Consumidores que deram ensejo ao protocolo 21, não tem jurisprudências relativas a este assunto.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito tributário tem como base os princípios constitucionais, pois são estes que baseiam a efetividade da atividade tributaria viabilizando a atividade estatal de mediante a atuação deste de forma soberana, recolher taxas, impostos ou contribuições com fins de atender as necessidades da população.

Deste modo, imperioso se faz afirmar, que não há legalidade na cobrança de qualquer tributo sem antes haver uma lei que determine a existência daquele. Neste sentido, é que se faz presente a existência de vários princípios que norteiam e evitam qualquer tipo de abuso por parte do Estado no ato de tributar, limitando, pois a atividade deste.

Conquanto, dentre todos os princípios, há o princípio da não limitação ao tráfego de pessoas e bens que consiste na limitação de circulação de bens e pessoas no território nacional, independente de ser intermunicipais ou interestaduais. Assim, no que consiste a limitação de pessoas, tem-se a figura do pedágio que decorre de um tributo cobrado mediante as concessionarias contratadas pelo Estado, em que tem por finalidade arrecadar verbas para fins de manutenção de estradas ou vias de grande circulação. E no que tange a limitação de bens, faz-se mediante a cobrança do ICMS, que é um imposto incidente no consumo, refletindo diretamente na atividade comercial, surtindo em muitos momentos benefícios no ato de tributar, levando a um eventual desequilíbrio, fazendo necessária a existência do protocolo 21, que surgiu com a finalidade de refrear eventuais arbitrariedades tributativas sobre bens de consumo, valorando o que declara a Constituição Federal e afastando qualquer tipo de beneficio fiscal no ato contributivo.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.565.

Relator: Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 7/4/2011, disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em: 03 nov de 2012.

 

 

CARRAZA, Roque Antônio. ICMS. 15ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

 

 

_______________________. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19ª Ed.. São Paulo: Malheiros, 2003.

 

DE PLÁCIDO E SILVA.Vocabulário jurídico, 25ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

 

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27ª Ed.. São Paulo: Malheiros, 2006

 

MARTINS, Ives Gandra. Sistema tributário na Constituição de 1988. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

 

PASTORES, Stela. Câmara Temática conclui relatório dos pedágios, 2011. Disponível em: http://www.estado.rs.gov.br/noticias/1/96943/Camara-Tematica-conclui-relatorio-dos-pedagios/8/259//. Acesso em: 03 nov. 2012.

 

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Editora Saraiva, 2009

 

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

 

FONSECA, Bernardo Carvalho. O ICMS nas vendas pela internet e a nova faceta da “guerra fiscal” entre os estados. 2011. 74f. Monografia (Bacharelado em Direito) – Universidade de Brasília, Brasília, 2011. Disponível em: http://bdm.bce.unb.br/bitstream/10483/3497/1/2011_BernardoCarvalhoFonseca.pdf. Acesso em: 03 nov. 2012.

 

SALOMON, Felipe Ribeiro Kneipp. Incidência de ICMS na venda remota de mercadorias.2012. 55f. Monografia (Bacharelado em Direito) – UNICEUB, Brasília. 2012 Disponível em: http://www.repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/1643/1/20758573_Felipe%20Salomon.pdf. Acesso em: 03 nov. 2012.

 

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