Limitações ao poder de tributar: imunidades dos partidos políticos, sindicato dos trabalhadores, entidades de assistência social e de educação, sem fins lucrativos[1] 

Paloma Alencar
Rejane Santos[2]
Fabiano Lopes[3]

RESUMO 

O presente artigo faz uma análise acerca das limitações ao poder de tributar, que dizem respeito à delimitação de competência do poder de tributar e da imunidade dos partidos políticos, sindicato dos trabalhadores, das instituições de educação e das entidades de assistência social, sem fins lucrativos. A priori, apontar-se-á dados a respeito das limitações do poder de tributar, que é considerado um direito inafastável e compreende as imunidades, isenções e não-incidência. Abordar-se-á as considerações gerais sobre as imunidades tributárias, consideradas exceções nas quais determinadas pessoas não podem pagar tributos seja por sua personalidade jurídica, seja por sua atribuição social. Por fim, elucidar-se-á a imunidade dos entes elencados na alínea “c” do inciso VI, artigo 150 da Constituição Federal, dando ênfase às entidades de assistência social, sem fins lucrativos trazendo para a realidade local de acordo com decisões judiciais. 

PALAVRAS-CHAVE

Limitações. Tributação. Imunidade

INTRODUÇÃO 

O Estado é uma massa patrimonial comum que todas as pessoas participam a fim de satisfazer as necessidades públicas. É por meio da atividade financeira do Estado que essas necessidades são satisfeitas, para isso se faz necessária a arrecadação de recursos para logo em seguida proporcionar a sociedade o mínimo existencial. Devido a essa necessidade é que o fenômeno da tributação é indispensável numa sociedade.

Por meio do tributo o Estado desenvolve suas atividades sociais, como a educação, saúde, previdência, entre outros. O tributo é, pois, o preço da liberdade e da cidadania. Daí a importância do estudo que se faz a respeito da tributação, na qual, em regra, todos devem pagar impostos, sob pena do crime de sonegação de imposto. Mas a própria Constituição Federal elenca as exceções para esses tributos, na qual determinadas pessoas e situações são imunes a eles. Assim, o presente artigo abordará a importância dos tributos, visto como um meio de assegurar os direitos fundamentais, além de expor os limites dessa tributação trazidos pela Constituição federal, que abrange tanto as imunidades quanto os princípios tributários.

Será feita uma abordagem geral das características, requisitos e objetivos das imunidades tributárias, que em regra engloba os impostos, taxas e contribuições de melhorias. Além de expor as divergências doutrinárias em relação à classificação das imunidades, em subjetivas, objetivas e mistas e mostrar como nossa Carta Magna trata do assunto, analisando seu art. 150, VI e em especial a alínea “c”, objeto de estudo desse artigo.

Por último analisará com especificidade as entidades de assistência social e educação sem fins lucrativos, apontando a necessidade de se cumprir os requisitos constantes no artigo 14 do Código Tributário Nacional. Bem como o tratamento dado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região comparando-o com as decisões do Supremo Tribunal Federal.

 

1  LIMITES AO PODER DE TRIBUTAR

 

Em primeiro plano é válido ressaltar que tributo segundo o artigo 3º do Código Tributário Nacional “é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Explicando, Luciano Amaro (2006, p. 25) diz que “é uma prestação pecuniária sancionatória (obrigatória) de ato lícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não estatais de fins de interesse público”. Esses tributos são criados consoante a aptidão que a Constituição Federal confere à União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Todavia, essa aptidão não é absoluta, a própria Constituição Federal elenca as limitações ao poder de tributar.

Mas antes de falar de limitação ao poder de tributar é necessário esclarecer o que vem a ser o poder de tributar. Eduardo Sabbag (2012, p.58) afirma que se trata de um “poder de direito, lastreado no consentimento dos cidadãos, destinatários da invasão patrimonial, tendente à percepção do tributo”. Dessa forma, para o autor, poder de tributar é uma decorrência inevitável do poder estatal de governar todos os indivíduos que se encontrem em seu território. Advém da soberania Estatal, que impõe sua vontade aos subordinados exigindo destes determinado comportamento.

Com efeito, Gilmar Mendes e Paulo Gustavo G. Branco (2011) diz que para efetivar os direitos fundamentais declarados e assegurados pela Constituição não se faz sem o dispêndio de recursos, nesse sentido é que a tributação surge como uma forma de assegurar tais direitos e garantias. Contudo, é necessário haver uma definição da extensão e da intensidade do poder de tributar, pois este poder de tributar não é absoluto, assim sendo, é necessário preservar a liberdade individual em face da organização burocrática do Estado, para isso a Constituição previu as limitações ao poder de tributar principalmente no art. 150.

Segundo Luciano Amaro as limitações ao poder de tributar impostas pela CF se desdobram em princípios constitucionais tributários e nas imunidades tributárias, que se refere à técnica por meio da qual se excepcionam determinadas situações que a Constituição autoriza a ação do Estado de tributar. Porém, os limites da competência tributária não se resumem aos que estão definidos no texto constitucional, mas podem ser encontrados em leis complementares, resoluções, convênios, entre outros, com o objetivo de “demarcar, delimitar, fixar fronteiras ou limites ao exercício do poder de tributar. São, por conseguinte, instrumentos definidores da competência tributária dos entes políticos no sentido de que concorrem para fixar o que pode ser tributado e como pode sê-lo”. (AMARO, 2006, p. 105 – 108).

As limitações ao poder de tributar abrangem as imunidades, isenções e não-incidência. As imunidades tributárias são aquelas previstas expressamente na Constituição, já a isenção é prevista em lei. Conforme assevera Eduardo Sabbag (2012, p. 45-46):

Não incidência: é a ausência de subsunção do fato imponível ao conceito descrito na hipótese de incidência, ou seja, o acontecimento fático não corresponde com fidelidade à descrição legal originária, faltando elementos para a tipicidade.

Isenção: é um favor legal consubstanciado na dispensa do pagamento de tributo devido, isto é, a autoridade legislativa evita que o sujeito passivo da obrigação tributária se submeta ao tributo. Portanto, evita-se o lançamento.

Imunidade: é uma não incidência constitucionalmente qualificada. É o obstáculo, decorrente de regra da Constituição, à incidência de tributos sobre determinados fatos ou situações.

Como visto, a diferença substancial entre estes institutos é quanto a forma, ou seja, as imunidades estão previstas na CF/88, as isenções estão em lei infraconstitucional, já a não incidência  diz respeito a fatos não previstos em lei que não estão aptos a gerar obrigação de pagar tributos.

As limitações não estabelecem apenas o dever de abstenção, mas também o dever de ação e composição. Nesse sentido, Humberto Ávila (2004, p.72) diz que:

Algumas limitações estabelecem o dever de abstenção do Estado como o fazem as proibições de retroatividade, de cobrança do tributo no próprio exercício financeiro em que a lei que instituiu o tributo foi publicada, e a proibição de confisco. Outras limitações instituem o dever de ação do Estado, como o princípio da livre iniciativa que exige que o Estado conserve o poder de decisão e de direção das atividades privadas nas mãos do particular, ou, por exemplo, o princípio do devido processo legal que exige do Estado criar procedimentos para garantir a máxima efetividade dos direitos fundamentais do contribuinte.

Deste modo, é importante entender que a dimensão normativa das limitações ao poder de tributar às vezes requer um fazer ou não fazer do Estado.

As limitações ao poder de tributar consistem em princípios constitucionais tributários e nas imunidades tributárias. Dentre os princípios gerais estão o da legalidade, da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

Pelo princípio da legalidade não pode haver tributo sem lei que o institua. Assim, o princípio determina que a lei, em sentido formal, seja o veículo necessário à criação e modificação dos tributos. Em regra, lei ordinária (MENDES; BRANCO, 2011, p.1478). Percebe-se que este princípio é muito importante, pois representa um limite na atuação do Estado, já que garante a pessoa (contribuinte) que somente lei poderá criar e majorar tributos.

A respeito do princípio da dignidade da pessoa humana este é fundamento base do ordenamento jurídico brasileiro. Ele protege, pelo menos na seara tributária, a liberdade e propriedade do cidadão. Carolina Dorneles Pisani (2011, p. 16) afirma que esse princípio

atua em matéria tributária como um limite de intervenção da atuação fiscal na esfera privada do contribuinte. Dessa forma, um dos principais corolários desse preceito é a concepção do princípio do mínimo existencial, que busca salvaguardar da ingerência estatal o montante vital para a subsistência do indivíduo. Nesse espeque, a tributação não poderá ultrapassar tal limite, sob pena de, atingindo a dignidade da pessoa humana, restar viciada pela inconstitucionalidade.

Bem, a dignidade da pessoa humana é muito importante para a garantia dos direitos do cidadão. Além do mais, este princípio é tido como o de maior valor na ordem hierárquica brasileira, por isso não é possível falar de limitações ao poder de tributar sem mencionar o valor da dignidade da pessoa humana.

Outro princípio geral do direito tributário que não pode deixar de ser mencionado é o da igualdade previsto no art. 150, inciso II da Constituição Federal que emana ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”. Por este princípio, diante de uma lei, quaisquer pessoas estarão sujeitas ao mesmo mandamento legal. E o aplicador da lei deve tratar todos de forma igual submetendo-os a mesma lei. Assim, não deve haver diferenciação entre aqueles que têm mesma capacidade contributiva.

Além desses princípios gerais existem muitos outros que atuam limitando o poder de tributar do Estado, contudo o enfoque do trabalho é para as imunidades, que também são formas de limitação ao poder de tributar. Deste modo, analisar-se-á o instituto das imunidades com uma abordagem central para os entes elencados na alínea “c” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal, quais sejam: (1) os partidos políticos; (2) os sindicatos de empregados; (3) as instituições de educação; e (4) as entidades de assistência social.

2 IMUNIDADES: uma benesse constitucional

 

Roque Antonio Carrazza (2003, p. 634) ensina que imunidade tributária é um “fenômeno de natureza constitucional”. Como já demonstrado, existem normas constitucionais que regulamentam a tributação nacional e são essas mesmas normas que impõem um limite ao Estado, por assim dizer, continua o autor, a imunidade tributária refere-se à “incompetência das entidades tributárias para onerar certas pessoas, seja em função de sua natureza jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações”.

Luciano Amaro (2006, p. 151), por sua vez, afirma que imunidade tributária é a “qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, à vista de alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou-a de fora do campo sobre que é autorizada a instituição do tributo”. Dessa forma, para os autores, as imunidades tributárias são as exceções trazidas pela Constituição Federal, na qual determinadas situações e pessoas são imunes de tributação. Nesse sentido:

O fundamento das imunidades é a preservação de valores que a Constituição reputa relevantes (a atuação de certas entidades, a liberdade religiosa, etc.), que faz com que se ignore a eventual (ou efetiva) capacidade econômica revelada pela pessoa, proclamando-se, independentemente da existência dessa capacidade, a não-tributabilidade das pessoas ou situações imunes. (AMARO, 2006, p. 151)

 

Dessa forma, assevera Roque Antonio Carrazza (2003) que as normas constitucionais que tratam das imunidades tributárias fixam a incompetência das pessoas políticas para fazerem incidir a tributação sobre determinadas pessoas. Como conseqüência, as pessoas arroladas pela Constituição como imunes de determinado tributo não podem, sob pena de inconstitucionalidade, figurar no pólo passivo de obrigações tributárias. (CARRAZZA, 2003)

Nesse diapasão Antônio Carrazza (2003, p. 634) cita Paulo de Barros Carvalho que corrobora a ideia afirmando que “a norma que firma a hipótese de imunidade colabora no desenho constitucional da faixa de competência adjudicada às entidades tributantes. Dirige-se ao legislador ordinário para formar o feixe de atribuições entregue às pessoas investidas de poder político”.

A doutrina classifica as imunidades tributárias em subjetivas, objetivas e mistas, conforme alcancem pessoas, coisas ou ambas. Todavia, Roque Antonio Carrazza (2003) acredita que a imunidade é sempre subjetiva ao partir do pressuposto que invariavelmente o não pagamento de um tributo beneficia pessoas, quer por natureza jurídica, quer pela relação que guardam com determinados fatos, bens ou situações.

O que estamos querendo expressar é que mesmo a chamada imunidade tributária objetiva alcança pessoas, só que não por suas qualidades, características ou tipo de atividade que desempenha,  mas porque relacionadas com determinados fatos, bens ou situações. Já a imunidade subjetiva alcança pessoas pela sua própria natureza jurídica. E, finalmente, a imunidade mista alcança pessoas por sua natureza jurídica e porque relacionadas com determinados fatos, bens ou situações. (CARRAZZA, 2003, p. 634)

Luciano Amaro (2006), por sua vez, faz menção apenas às classificações subjetivas e objetivas, na qual as subjetivas seriam aquelas em função das condições pessoais de quem venha a vincular-se às situações materiais que ensejariam a tributação. As objetivas seriam aquelas imunidades definidas em função do objeto suscetível de ser tributado

Já Edgard Neves da Silva (2010 apud WIESE, 2012) vai além do conceito objetivo e subjetivo, introduzindo a imunidade mista, a qual demanda qualidades tanto quanto à pessoa como à coisa.

A expressão “imunidade tributária”, assevera Carrazza (2003), tem duas acepções, uma ampla, significando a incompetência da pessoa política para tributar e outra restrita:

A ampla abrange a) pessoas que realizam fatos que estão fora das fronteiras de seu campo tributário; b) sem a observância dos princípios constitucionais tributários, que formam o chamado estatuto do contribuinte; c) com efeito de confisco; d) de modo a estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens; e) afrontando o princípio da uniformidade geográfica; e f) fazendo tábua rasa do princípio da não-discriminação tributária em razão da origem ou do destino dos bens. E a outra acepção, a restrita, é aplicável às normas constitucionais que, de modo expresso, declaram ser vedado às pessoas políticas tributar determinadas pessoas, quer pela natureza jurídica que possuem, quer pelo tipo de atividade que desempenham, quer, finalmente, porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações. (CARRAZZA, 2003, p. 641)

E completa “tanto em sua acepção ampla como na restrita, a expressão ‘imunidade tributária’ alcança, em princípio, quaisquer tributos: impostos, taxas e contribuição de melhoria.”. Todavia, não é essa a concepção de outros autores, na qual sustentam que “as imunidades foram feitas sob medida para os impostos e os tributos que guardam essa característica”. (CARRAZZA, 2003)

O autor acredita que os demais autores anteriormente citados ainda não perceberam o óbvio, que nada impede que a Constituição de um país disponha de modo contrário às diretrizes doutrinárias, ou seja, há algumas situações de imunidade a taxas, nada impedindo que, amanhã, venham constitucionalmente criadas também situações de imunidade à contribuição de melhoria. Contudo, Carrazza ainda defende que as situações de imunidade mais significativas giram em torno do tributo.

Todavia, continuamos entendendo que as situações de imunidade mais emblemáticas e significativas firmam em torno dos impostos. De fato, forjadas pelo constituinte, em nome do povo brasileiro, objetivam preservar valores religioso, educacionais, sociais etc., colocando a salvo de impostos algumas pessoas (CARRAZZA, 2003, p. 645).

Como bem lembra Marco Antonio Guimarães (2006, p.41), apesar de doutrinadores utilizarem-se da expressão “imunidades tributárias”, a Constituição não utilizou esse termo, e sim estes: “é vedado instituir impostos”, “não incidirá”, etc. Todavia, “a incúria do legislador constituinte não desprestigia o instituto, pois a Constituição não é obra de juristas, de tal sorte que as palavras nela utilizadas, podem não atender o rigor científico e, como consequencia, sua interpretação não seria obtida pela simples literalidade”.

Isenção e imunidades tributárias, conforme já explicitado, não são consideradas sinônimos e em razão disso assevera Carrazza (2003, p. 640) que as pessoas políticas não podem isentar o que já é imune, ou seja, imunidade não trata do fenômeno de incidência.

2.1 As imunidades sobre as quatro pessoas jurídicas constantes na alínea “c”, inciso VI do art. 150 da Constituição Federal

 

O título VI, capítulo I, Seção II da Constituição Federal trata sobre as limitações ao poder de tributar. O foco deste trabalho se dirige a alínea “c”, inciso VI do artigo 150 cuja ementa estabelece que:

Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI - instituir impostos sobre:

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

Bem, trata-se de dispositivo que acolhe imunidades tributárias e não isenções, posto que esteja expresso na Constituição Federal. Além disso, se trata de imunidade “não autoaplicáveis”, já que sua fruição depende de cumprimento de requisitos de legitimação, constantes do artigo 14 do Código Tributário Nacional. Ato contínuo, tal dispositivo deve ser lido conjuntamente com o art. 150, § 4º da Constituição já que este estabelece: “as vedações expressas no inciso VI, alíneas “b” e “c” compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas” (SABBAG, 2012).

Conforme o parágrafo 4º do art. 150 da Constituição Federal a imunidade protege somente o patrimônio, a renda e os serviços. Além disso, é preciso deixar claro que essa imunidade é somente quanto a um tipo de tributo, qual seja, o imposto.

A imunidade dos partidos políticos está prevista desde a Constituição Federal de 1946 e mantêm-se presente até hoje. A justificativa para tal imunidade é a liberdade política, pois o partido político representa e dá sustentação ao regime democrático brasileiro. Eduardo Sabbag (2012, p.349) assevera que “o preceptivo imunitório mostra-se como inequívoca cláusula pétrea, enquanto o partido político mistura-se com a própria ideia de soberania estatal”.

Corroborando com o entendimento de Eduardo Sabbag, Cristiano de Souza Mazeto e Maria de Fátima Ribeiro (2004, p.08) acreditam que essa imunidade tributária “decorre da imprescindibilidade de sua autonomia, para que se possa impedir que alguma forma de imposição fiscal venha tolher sua liberdade de manifestação que lhes é inerente”. Conforme os autores, a imunidade dos partidos políticos se faz imprescindível para que a democracia e a liberdade dos partidos políticos sempre sejam respeitadas, acredita-se que o próprio pluripartidarismo está sendo protegido com essa regra.

Mas para que haja esse benefício fiscal o partido político deverá obter o registro no Tribunal Superior Eleitoral. Além de buscar os objetivos constantes do artigo 17 da Constituição Federal, quais sejam: resguardo da soberania nacional, do regime democrático, do pluripartidarismo e dos direitos fundamentais da pessoa humana; terem caráter nacional; não receberem recursos financeiros de entidades ou governos estrangeiros ou ficarem subordinados a estes; prestarem contas à Justiça Eleitoral e terem subordinação estrita à legalidade.

Em relação a imunidade dos sindicatos dos trabalhadores, esta foi inserida somente na Constituição de 1988. A justificativa para tal tratamento fiscal advém da necessidade da proteção, na relação laboral, do polo considerado hipossuficiente, ou seja, aquele ocupado pelo empregado. Além disso, tal proteção deriva dos direitos sociais previstos na Carta Magna (SABBAG, 2012).

A imunidade das instituições de educação não é recente, advém desde a Constituição Federal de 1946 mantendo-se no texto constitucional atual. A justificativa para esta imunidade fiscal é pura e simplesmente porque deve-se proteger à educação e o ensino. Como Eduardo Sabbag (2012, p.351) diz: “é inaceitável que se cobre o imposto sobre uma atividade que, na essência, equipara-se à própria ação do Estado, substituindo-a no mister que lhe é próprio e genuíno”.

Quanto ao último ente imune previsto na norma aqui estudada, eis que têm-se as entidades de assistência social. Estas também estão protegidas pela imunidade fiscal desde a Constituição Federal de 1946 permanecendo até hoje. Assim como as demais pessoas jurídicas mencionadas, estas devem obedecer a certos requisitos para a fruição desse direito. Por enquanto, é válido dizer que a justificativa para tal benesse “exsurge da proteção à assistência social, que se corporifica, em sua expressão mínima, em direitos humanos inalienáveis e imprescritíveis, tendentes à preservação do mínimo existencial” (SABBAG, 2012, p.352).

As entidades de assistência social e de educação sem fins lucrativos será objeto de estudo pormenorizado no próximo capítulo dando ênfase para o contexto local, isto é, o Estado do Maranhão.

 

3 ENTIDADES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E DE EDUCAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS: regras para concessão da imunidade fiscal e julgados do Tribunal Regional Federal da 1ª região e STF

 

Antes de tudo é importante conceituar o que são as entidades de assistência social. Estas são entidades privadas da sociedade civil, na forma de paraestatais que prestam atividades de interesse público e que não almejam lucro, mas a prática da política assistencialista (SABBAG, 2012, p.353).

Segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2012) as paraestatais abrangem os serviços sociais autônomos, as organizações sociais, as organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP) e as entidades de apoio. Conclui-se que, as entidades de assistência social são entidades privadas na forma de paraestatais que forma o terceiro setor. Elas auxiliam o Estado na promoção dos direitos sociais conforme diz a Constituição Federal no seu artigo 204, inciso II:

As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no Art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

[...]

II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

Pelo excerto extrai-se que tais entidades atuam de forma altruística, de modo a tentar efetivar conjuntamente com o poder público os direitos fundamentais dos indivíduos à moradia, saúde e educação. Assim, elas protegem camadas desprivilegiadas da sociedade compostas por milhares de pessoas desassistidas.

As instituições de educação sem fins lucrativos também devem ser analisadas, pois assim com as entidades de assistência social elas devem cumprir requisitos objetivos e subjetivos para a concessão das imunidades.

Com efeito, para a concessão da imunidade em relação a impostos as pessoas jurídicas aqui estudadas devem obedecer aos requisitos de legitimação constantes no artigo 14, incisos I, II, III. Note-o:

Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas.

I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;

II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

III – manterem escrituração se suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão

 

De imediato, Eduardo Sabbag (2012, p. 357) diz que a lei que regula as concessões da imunidade se trata de lei complementar, pois “a feição de limitação constitucional ao poder de tributar, avoca, ipso facto, no bojo do art. 146, II, CF, a indigitada lei complementar (art. 146, II, da CF: Cabe à Lei Complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar)”. Portanto, tal lei complementar é o próprio Código Tributário Nacional e como exposto, o artigo que confere operatividade a alínea “c” é o artigo 14.

Convém esclarecer o que vem a ser cada um dos requisitos elencados no art. 14 do CTN. De acordo com Eduardo Sabbag (2012, p.360) o primeiro inciso se refere à “proibição do lucro”, mas apenas a apropriação particular do lucro, pois, todo resultado deve ser revertido em investimento para que a entidade cumpra seu papel institucional. Dessa forma, é proibida apenas a apropriação particular do lucro, o que não impede de ter lucros. Corroborando o entendimento Humberto Ávila (2004, p. 227) explica que “o que as entidades não podem é ter fins lucrativos, embora possam ter lucros. Proibição de finalidade lucrativa não equivale à proibição de obtenção de lucros”.

O segundo inciso do art. 14 do CTN “impõe como condição à fruição da norma imunizante a aplicação integral no Brasil dos recursos financeiros adquiridos pela pessoa jurídica, os quais devem ser aplicados na manutenção dos seus objetivos institucionais” (SABBAG, 2012, p. 359). O autor refere-se tão somente à disposição proibitiva, a qual deve prevalecer os fins, e não os meios utilizados, sob pena de se considerar como fraudulenta qualquer remessa de valores ao exterior.

O terceiro inciso, traduz Eduardo Sabbag (2012, p. 358), que “não se deve furtar do cumprimento das obrigações tributárias acessórias”. O próprio CTN, no seu §1º do art. 14, prevê a suspensão da imunidade, caso as entidades não cumpram suas obrigações de manter a contabilidade formal afeta à prestação de contas. Nesse sentido assegura Humberto Ávila (2004, p. 224):

A previsão do parágrafo primeiro do art. 14 do Código Tributário Nacional, segundo o qual a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício, na falta de cumprimento do disposto neste mesmo artigo, só se refere a obrigações formais idôneas ao implemento da imunidade (não distribuição de lucro e sua integral aplicação no país e escrituração regular), não tendo qualquer relação com o reconhecimento do direito à imunidade.

 

Dessa forma, não há que se confundir o direito subjetivo à imunidade, que nada mais é que existência dos requisitos previstos pela Constituição Federal, com a fruição da imunidade, decorrente da observância dos requisitos legais estabelecidos pelo CTN (ÁVILA, 2004).

Na realidade local encontrou-se no repositório de jurisprudência do TRF 1ª região julgado que reflete muito bem a aplicação do direito a imunidade por ser entidade de assistência social e cumprir com os requisitos do artigo 14 do Código Tributário Nacional. Se trata de apelação em Mandado de Segurança nº 0001214-43.2005.4.01.3700 que foi desprovido. Referida apelação foi interposta pela Fazenda Nacional com a justificativa de que a Fundação Antônio Jorge Dino, que mantém o hospital Aldenora Bello, não teria o Certificado de Entidade beneficente de Assistência Social – CEAS para ser imune ao imposto sobre importação e exportação de bens.

No caso em questão o voto do Relator Desembargador Federal Leomar Barros Amorim de Sousa foi no sentido de negar provimento a apelação, pois os únicos requisitos a serem preenchidos pele entidade seria o do artigo 14 do CTN e não a exigência de certificado de que é entidade de assistência social. Além disso, o Relator destacou que “Confrontando o bem importado e a finalidade da fundação, vê-se que ele está em consonância com o fim pretendido”.

No mesmo sentido, entende o Supremo Tribunal Federal que não incidem impostos sobre importação e exportação de produtos que sejam de uso crucial para o desenvolvimento das atividades das instituições de educação e entidades sem fins lucrativos. Assim, no Recurso Extraordinário com Agravo nº 669016 SP a Corte Suprema entendeu que as instituições de educação estão abrangidas pela imunidade prevista no artigo 150, VI, alínea “c” da Constituição Federal em relação ao ICMS incidente sobre a comercialização de mercadorias por elas produzidas ou importadas.

Houve também o julgamento do Agravo de Instrumento nº 230642002, na qual o recorrente alegava violação do disposto nos artigos 146, II, e 195, § 7º, da CF de 88. Sustenta que preencheu todos os requisitos previstos no artigo 14 do CTN, demonstrando o seu caráter de entidade assistencial, fazendo jus ao reconhecimento do direito à imunidade tributária prevista no artigo 195, § 7º, da Constituição. O Tribunal de Justiça do Maranhão, tendo como relator Antonio Guerreiro Júnior julgou improcedente o pedido do Colégio Batista Daniel de La Touche diante da impossibilidade de acatar-se a alegativa de imunidade na via de exceção adotada.

Diante da decisão o autor recorreu ao Supremo Tribunal Federal (RE 463543) e o ministro Eros Grau negou seguimento ao recurso com fundamento no artigo 21, §1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual “poderá o Relator arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou improcedente e, ainda, quando contrariar a jurisprudência predominante do Tribunal ou for evidente a sua incompetência”.

O Relator do recurso extraordinário negou seguimento ao mesmo com fundamento de que “dissentir-se do acórdão recorrido seria necessário o reexame de fatos e provas da causa [Súmula n. 279 do STF], circunstância que impede a admissão do extraordinário”.

Diante dos julgados, entende-se que a norma constitucional referente a concessão de imunidade tributária tem sido respeitada e, assim atendido ao comando da boa aplicação da lei.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Bem, feita a análise da imunidade tributária prevista na Constituição Federal e visto quais os requisitos concessivos para tal benesse constatou-se a importância desse instituto para o bom andamento da máquina pública, pois somente tratando os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade é que poder-se-á efetivar o fenômeno da justiça tão cara ao ordenamento brasileiro. Assim, a tributação deve ser feita de forma ponderada, pois nem todos têm a mesma capacidade contributiva.

Os princípios do direito tributário também devem ser estritamente respeitados e isso foi demonstrado, pois se enfatizou com demasia a importância da observância deles, principalmente os princípios gerais do direito tributário, quais sejam: da legalidade, dignidade da pessoa humana e igualdade.

Além do mais, demonstrou-se o quão importante é o respeito à lei e suas diretrizes, pois é  a partir dela que se organiza a tributação, isto é, como esta deve ocorrer e quais são as pessoas que serão atingidas por esse poder coercitivo do Estado.

Num segundo momento viu-se como o ordenamento brasileiro tratou as limitações ao poder de tributar, efetivando este instituto através de princípios e imunidades. Assim, abordou-se de forma minuciosa a imunidade dos entes políticos, sindicato de trabalhadores, instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos apontando os requisitos e as características de cada um para gozar de tal prêmio.

O escopo do trabalho foi analisar como o judiciário local e a Suprema Corte tem se posicionado em relação ao tema. Assim, constatou-se que ambos os tribunais tem tratado de forma análoga o tratamento para a concessão da imunidade quando o caso se apresenta ao judiciário.

Por fim, acredita-se que o trabalho pode vir a ser acrescentado, pois existem muitas decisões a respeito das imunidades dos entes da alínea “c”, inc. VI do art. 150 da Constituição Federal. E tais decisões estão em constante atualização, pois o judiciário todos os dias é requisitado para resolver conflitos.

 

REFERÊNCIAS

 

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006.

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.

BRASIL. Tribunal de Justiça de SP. Agravo de Instrumento nº 742714, 07 de agosto de 2012. Relator (a): Min CARMEN LÚCIA. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21442409/recurso-extraordinario-com-agravo-are-669016-sp-stf >. Acesso em: 03 nov. 12.

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[1] Paper apresentado à disciplina de Direito Tributário I, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Alunas do 7º período vespertino do Curso de Direito da UNDB.

[3] Professor Mestre, orientador.