LIMITAÇÕES AO INDICIAMENTO: LEGITIMADO PARA JULGAR AUTORIDADES COM FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO *

 

 

          Marcus Vinicius Santos de Araújo**

Ronald de Assis Soares***

 

 

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A prerrogativa de função e as imunidades parlamentares; 3 O indiciamento dos agentes políticos; 4 A conexão de pessoas sem prerrogativa funcional no âmbito do STF; 5 Conclusão; Referências.

 

RESUMO

 

O presente trabalho visa destacar uma das situações de excepcionalidade do processo investigatório, onde a Polícia Judiciária é a afastada ou fica subsidiária na instauração e no desenrolar do inquérito, dando ênfase para os casos de julgamento das autoridades com foro por prerrogativa de função. Destarte é mister destacar a questão sobre a prerrogativa de função e as imunidades que cercam a alçada dos agentes políticos, fato esse, essencial para transferir a competência e o procedimento do órgão investigador. Após tal análise, se adentrará ao mérito do indiciamento dos componentes do legislativo, dando enfoque em variados cargos, exercido neste Poder. Daí então se constatará a competência do STF embasada na Constituição Federal e em legislações específicas, permitindo ao tribunal supremo a abertura do processo investigatório e a supervisão da condução do procedimento regido pelo MPF. Por fim irá se tratar da questão da conexão e da continência nesses processos de investigação, visto que ainda não há um entendimento consistente da jurisprudência sobre como devem ser julgados aqueles que não possuem a prerrogativa de função.

Palavra-chave: Investigação dos agentes políticos. Prerrogativa de função e Imunidades. Indiciamento. Competência do STF.

 

 

1 INTRODUÇÃO

Em meio à discussão procedimental do inquérito policial, que traz o momento de investigação perante o cometimento de uma infração penal, destaca-se a presença um pouco confusa do indiciamento. Ao deparar com tal discussão, surgem questões muito relevantes com relação aos outros legitimados a proceder com a investigação criminal, como o caso em tese diante o indiciamento das autoridades com foro de prerrogativa de função, principalmente perante aos recentes acontecimentos que o país se deparou como: da PEC 37, escândalos do mensalão e outras CPI’s.

É mister destacar o porque da polícia judiciária ficar subsidiária ou até mesmo totalmente afastada de tal função inerente a sua atuação, o fato em questão é que diferentemente do ditado, nem todos são iguais perante a lei, e como bem destacado no estudo do direito constitucional, determinado grupo de pessoas que atuam no legislativo possuem prerrogativa de função, contudo não se trata de uma afronta ao princípio da isonomia já que a diferenciação é relativa  função e não a pessoa.

Esse fato que cerceiam, por exemplo: parlamentares, deputados, entre outros funcionários, é um uma espécie de direito intrínseco as suas funções, tornando-os assim diferentes de um cidadão comum, pois seu indiciamento será realizado por outro órgão e de maneira distinta, possuindo os mesmos, imunidades parlamentares.

No julgamento de processos ondo os réus possuem essa prerrogativa, ficará a cargo do Supremo Tribunal Federal julgar esses agentes. Contudo, haverá hipóteses em que nem todos os réus possuem essa prerrogativa. Diante disso criaram-se alguns institutos capazes de mudar a competência (conexão e continência) previstos nos artigos 76 e 77 do CPP. Contudo, a doutrina não é unânime quanto a atração do Supremo das causas por conexão das pessoas que não possuem a foro privilegiado.

2 A PRERROGATIVA DE FUNÇÃO E AS IMUNIDADES PARLAMENTARES

 

                   A Constituição Federal, em conjunto com as Constituições Estaduais e as leis infraconstitucionais determinam privilégios a diversos ocupantes de cargos públicos, entre eles está o foro privilegiado, ou seja, uma jurisdição especial que deverá ser exercida pelo Tribunal. O motivo de se estabelecer tal privilégio decorre em razão da ratione funcionae que significa “em razão da função”, é em detrimento da função que eles exercem que surge o benefício. Destacando-se nesse ponto que o STF possui legitimidade para processar o indiciamento e fiscalizar a investigação das autoridades com foro por prerrogativas de função, tendo por amparo constitucional a base fundamental para firmar a defesa dessa legitimidade, presente no art. 102, I, b. Esse fundamento se ramificou em legislações especificas (Lei 8.038/90), e no próprio Regimento Interno do STF (atrs. 230 a 234). (SANTOS; ZANOTTI, 2013).

       Parte-se do pressuposto que eles possuem independência e autonomia suficiente e que a sociedade é a sua base, portanto a competência dirigida ao Tribunal é por motivo de maior segurança, sendo o mesmo capaz de assegurar que o processo ocorrerá de maneira imparcial. Consoante a isso, relata o Ministro Victor Nunes Leal apud Renato Brasileiro de Lima (2014, p.451):

Presume o legislador que os Tribunais de maior categoria tenham mais isenção para julgar os ocupantes de determinadas funções públicas, por sua capacidade de resistir, seja à eventual influências que atuarem contra ele. A presumida independência do Tribunal de superior hierarquia é, pois, uma garantia bilateral, garantia contra e a favor do acusado (LIMA, 2014, p. 451).

                    Ao se falar de privilégio não deve ocorrer um julgamento com carga negativa, no sentido pejorativo. A Constituição Federal em seu art. 5o determina que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”, contudo nesse caso especifico esse princípio não está sendo violado, pois a diferenciação quanto ao tipo de jurisdição não ocorre em relação à pessoa e sim ao cargo exercido por ela, portanto, a interpretação deve ser limitada.

        Tais privilégios estão intimamente ligados às imunidades parlamentares que podem ser divididas em três: a material (penal ou absoluta), a processual e a prisional. A imunidade material caracteriza-se pela inviolabilidade dos deputados e senadores em detrimento do exercício de suas funções parlamentares, essa imunidade tem por objetivo proteger a atividade exercida pelo mesmo e a organização dos Poderes. Para tanto é necessário existir uma espécie de vínculo entre o ato cometido ofensivamente e o desempenho da função, pois caso contrário será considerada uma ofensa sem motivo algum. É difícil sopesar, pois simultaneamente a sua ofensa deveria haver a punição, contudo ele possui garantia para tal de acordo com o art. 53, caput, CF, a justificativa está exatamente na manutenção do Estado Democrático de Direito (CAPEZ, 2013, p. 98-99).

     Quanto à imunidade processual a Emenda n. 35/2001 trouxe algumas mudanças, a principal delas trata-se do art. 53, §§ 3°,§§ 4o e §§5o, CF, “foi, portanto, criada mais uma causa suspensiva da prescrição. Encerrado o mandato, a prescrição volta a correr pelo tempo que faltava” (CAPEZ, 2013, p. 100). Não há mais licença prévia, apenas existirá para o Presidente da República e para os Governadores, os Prefeitos estão excluídos da imunidade processual e penal, possuem apenas o direito a foro de prerrogativa diante dos Tribunais de Justiça.  

     Após a investigação criminal, se tratar de ação pública ficará a cargo do Procurador- Geral da República, porém se tratar de ação privada deve-se esperar o pronunciamento da parte interessada. Por meio do princípio da iniciativa das partes, o STF está autorizado a arquivar caso ocorra esse pedido (RT 672, p. 384; STF, Pleno, Inq. 510-DF, Celso de Mello, DJU de 19.04.91, p.4581). Caso receba a denúncia de crime cometido antes da diplomação, o tribunal com competência para tanto irá processar sem a necessidade de comunicar o Parlamento sobre a ação, contudo se o crime ocorreu após a diplomação ele deverá comunicar a Casa Legislativa que poderá suspender a ação (CAPEZ, 2013).

    E por fim, surge à imunidade prisional que consiste na impossibilidade da prisão de membros do Congresso Nacional desde a expedição do diploma com exceção dos casos de crimes inafiançáveis em flagrante, disposto no art. 53, §§ 2o, CF. De acordo com Luiz Flávio Gomes apud Fernando Capez, (2013, p. 101):

Em crimes afiançáveis jamais o parlamentar pode ser preso. No que concerne aos crimes inafiançáveis, somente é admissível a prisão em flagrante. Nenhuma outra modalidade de prisão cautelar (temporária ou preventiva) ou mesmo de prisão civil (por alimentos, v.g) tem incidência (STF, Pleno, Inq.510-DF, Celso de Mello, DJU de 19.04.91, p. 4581). No caso de prisão em flagrante por crime inafiançável há a captura do parlamentar; a autoridade que preside o ato lavra normalmente o auto de prisão em flagrante, tomando todas as providências necessárias (requisição de laudos, quando o caso, expedição de nota de culpa etc.) e, dentro de vinte e quatro horas, remete os autos à Casa respectiva.

     A prisão só será decretada após a sentença transitada em julgado, no mais a imunidade segue até a expedição do diploma pela Justiça Eleitoral. A Casa decidirá em votação não secreta e aberta.

3 O INDICIAMENTO DOS AGENTES POLÍTICOS

 

Ainda que a Lei n° 12.830/13 tenha vindo para esclarecer de modo expresso parte da investigação criminal e como presente no §6° do art. 2°, a atribuição e a formalidade do ato, encontram-se no estudo processual exceções de legitimidade que não somente para o inquérito policial, mas para o ato do indiciamento seja tomado por outra autoridade que não apenas a Polícia Judiciária.

É o que bem destaca Aury Lopes Jr. (2012, p.291), ao trazer a tona o parágrafo único do art. 4° do CPP, no qual versa da possível competência de órgãos administrativos para proceder ao inquérito quando determinado por lei, como em casos de crimes praticados por membros do legislativo. Haja vista que constatou-se espécies de inquéritos, onde cada um é ordenado por sua alçada e determinados por legislações especificas.

Ao adentrar de forma mais particular no plano do indiciamento dos agentes políticos e no desenrolar do inquérito, vale ressaltar que essa matéria especial ganha grande destaque no estudo do direito constitucional diante os assuntos sobre prerrogativas, imunidades e crimes praticados por funcionários públicos. O estudo constitucional formula também as comissões parlamentares de inquérito (CPI’s), que concedem aos órgãos legislativos poderes de investigação, realizando estes procedimentos específicos dentro dessas comissões (art. 58, §§ 2° e 3°, CF).

Em regra, o indiciamento é possível em face de qualquer fato (aspecto objetivo) e em face de qualquer pessoa (aspecto subjetivo). Contudo, existem duas hipóteses em que a ocorrência do indiciamento provocaria a ilegalidade do ato: (...) Não se admite o indiciamento de pessoas que ocupam cargos com foro por prerrogativa de função pelo Delegado de Polícia Civil ou Federal. (SANTOS; ZANOTTI, 2013, p. 163).

                    Cabe a Justiça Federal processar e julgar os crimes relacionados ao desempenho de funções de funcionários públicos federais. Deverá causar danos aos interesses da União ou atingir bens ou serviços da mesma, caso contrário seria competência de outro tribunal julgar, pois não guardaria nexo com a função exercida. Uma exceção é o crime de tráfico de influência (art.332, CP) que apesar de não atingir de forma direta e imediata a União, se o funcionário for federal estará causando dano a Administração Pública e, portanto deverá ser julgado pela Justiça Federal. Outro crime que compete a Justiça Federal é o delito de abuso de autoridade (Lei n.4.898/65) cometido por militar, embora a súmula 172 do STJ afirmar que deveria se tratar de competência da Justiça Comum em casos envolvendo militares (LIMA, 2014, p. 403 e 404).

                    De acordo com o Dec. Lei n. 253/1967 cabe ao tribunal do júri julgar os crimes de competência da Justiça Federal, isso porque está disposto na legislação processual. Por crimes consideram-se todos os gerais, bem como os que atentem a vida, no caso crimes dolosos. Além de atingir o bem maior que é a vida, o crime deve estar necessariamente ligado ao exercício do cargo para assim fazer sentido ser julgado por um tribunal diferente dos demais (Súm. 254 TRF). Renato Brasileiro Lima (2014, p. 402) afirma que:

Crime praticado por funcionário público federal quando relacionado com o exercício da função também deve ser processado e julgado pela Justiça Federal. A respeito do assunto, eis o teor da súmula n. 254 do extinto Tribunal pela Justiça Federal: “Compete à Justiça Federal processar e julgar os delitos praticados por funcionário público federal, no exercício de suas funções e com estas relacionados”.

                     Existem infrações que são cometidas antes do exercício da função pública que geram com isso todo um processo diferente, sendo os autos enviados para o Supremo Tribunal Federal de forma imediata, seguindo assim com a regra atual. A regra atual diz respeito ao foro de prerrogativa que afirma que deve durar enquanto o funcionário público exercer o cargo. Os atos realizados antes do exercício da função continuam sendo eficazes, não havendo a necessidade de confirmação de denúncia, já que os atos das autoridades são idôneos, ou seja, aqueles atos cujas autoridades iniciais realizaram antes da mudança de competência para o STF permanecem adequados (LIMA, 2013, p. 453).

  São titulares do foro de prerrogativa: o Presidente da República, os Deputados Federais e Estaduais, os Ministros de Estado, os Membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Governador do Estado, entre outros.          

                      Em relação ao Presidente da República será de competência do Supremo Tribunal Federal julgar os crimes de responsabilidade, desta forma, todos os atos que causarem prejuízo a Constituição Federal, via de regra aqueles que se dirigirem a União, ao Poder Legislativo, Judiciário e ao Ministério Público, aos direitos sociais como um todo, bem como a segurança e administração do país, como dispõe o art. 85, VII, CF. Sendo a União competente para elencar os crimes de responsabilidade, ainda mais por se tratar de matéria penal.

Sendo um crime de ação penal pública, a competência para oferecer a denúncia fica a cargo do Procurador – Geral da República, tratando-se de uma denúncia de iniciativa privada. A seguir, realizada a queixa o Presidente não exercerá mais as suas funções, pois ficará suspenso por 180 dias no máximo, caso não tenha uma decisão que o condene, ele não poderá ser preso, isso de acordo com o art. 86 da CF (LIMA, 2014, p. 475 e 476). Nos demais casos em se tratando de crime comum (crime militar, eleitoral, crime contra a vida até mesmo contravenções penais) fica a cargo do STF em sua grande maioria, com exceção do Vice- Governador de Estado, do Governador do Estado, do Advogado- Geral da União, dos Ministros de Estado e Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, dos Membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do MP, do Procurador- Geral da República, dos Ministros do STF, dos Deputados Federais e Estaduais.

Quanto ao Inquérito Policial de acordo com o art. 102, I, “b”, da Constituição Federal cabe ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar casos em que funcionários públicos federais possuem foro de prerrogativa, bem como é ele o responsável por dar inicio as investigações por meio de requerimento feito pelo Procurador- Geral da República ou SubProcurador- Geral da República operando por meio de delegação na Corte. De acordo com julgamento da PET 3825, o Plenário do STF decidiu baseado no acórdão que fora emendado da seguinte forma:

“Questão de ordem em Petição. 1. Trata-se de questão de ordem para verificar se, a partir do momento em que não se constatam, nos autos, indícios de autoria e materialidade com relação à única autoridade dotada de prerrogativa de foro, caberia, ou não, ao STF analisar o tema da nulidade do indiciamento do parlamentar, em tese, envolvido, independentemente do reconhecimento da incompetência superveniente do STF. Inquérito Policial remetido ao Supremo Tribunal Federal (STF) em que se apuram supostas condutas ilícitas relacionadas, ao menos em tese, a Senador da República. 2. Ocorrência de indiciamento de Senador da República por ato de Delegado da Polícia Federal pela suposta prática do crime do art. 350 da Lei n.º 4.737/1965 (Falsidade ideológica para fins eleitorais). 3. O Ministério público Federal (MPF) suscitou a absoluta ilegalidade do ato da autoridade policial que, por ocasião da abertura das investigações policiais, instaurou o inquérito e, sem a prévia manifestação do Parquet, procedeu ao indiciamento do Senador, sob as seguintes alegações: i) o ato do Delegado de Polícia Federal que indiciou o Senador violou a prerrogativa de foro de que é titular a referida autoridade, além de incorrer em invasão injustificada da atribuição que é exclusiva desta Corte de proceder a eventual indiciamento do investigado; e ii) a iniciativa do procedimento investigatório que envolva autoridade detentora de foro por prerrogativa de função perante o STF deve ser confiada exclusivamente ao Procurador-Geral da República, contando, sempre que necessário, com a supervisão do Ministro-Relator deste Tribunal (...)” (PET 3825/MT, Red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJ 4.4.2008, grifamos).

           Dessa forma, conclui-se que depende do Procurador-Geral da República sob o controle da Corte, a requisição para dar início ao inquérito originário no STF, sendo assim não cabe ao Delegado da Polícia Federal proceder com a abertura do inquérito, como é comum. Com isso cabe ao STF apurar os fatos e iniciar o procedimento investigatório, permitindo que o MPF tome parte do procedimento investigatório sobre vista do Ministro-Relator do tribunal superior.

 

4 A CONEXÃO DE PESSOAS SEM PRERROGATIVA FUNCIONAL NO ÂMBITO DO STF

                   Algumas pessoas por possuírem determinadas funções tem a prerrogativa de serem julgados por órgãos originários determinados. Porém nem todas as pessoas possuem essa função, podendo existir assim casos em que um particular cometa um crime com alguém que possua essa prerrogativa.

                   Diante dessa situação se criaram 2 (dois) institutos jurídicos denominados de: conexão e continência.  Eles são classificados como causas de modificação de competência, isto é, por conta de terem cometido o mesmo crime em concurso de pessoas ou pelos crimes praticados tem uma ligação estreita, os envolvidos serão julgados pelo mesmo órgão, independentemente de qual órgão julgador seria originariamente.

                   A conexão está prevista no artigo 76 do código de processo penal, onde une no mesmo processo crimes que tenham uma estreita ligação. Nela é sempre exigido a prática de dois ou mais crimes, independente da pluralidade ou não dos agentes, pois não há que se falar em conexão de crime único. Ela pode ocorrer de três maneiras: a conexão intersubjetiva, teleológica ou por vinculo probatório. A primeira pode ser cometida de três maneiras: quando dois ou mais delitos forem ocorrerem por varias pessoas, sem previa acordo, e aos mesmo tempo (intersubjetiva ocasional); quando duas ou mais pessoas praticarem infrações em concurso de pessoas, ainda que em tempo e local diferentes (intersubjetiva concursal); ou quando as infrações forem praticadas com reciprocidades de agressões, não se pode confundir com o crime de rixa (intersubjetiva por reciprocidade). A segunda, conexão teleológica, ocorre pela existência de crime anterior, em outras palavras, mesmo que seja praticada por uma ou varias pessoas o que se leva em consideração é a prática de um crime com o fim de ocultar ou facilitar a ocorrência de outro.   E por fim, a conexão por vinculo probatório, isto é, um crime serve de prova para o outro ou quando a existência de um crime depende da ocorrência prévia de outro. Já a continência, prevista no artigo 77 do CPP, ocorre quando há uma pluralidade de pessoas, mas não de crimes. (LOPES, JR. 2012, p. 509)

                   Posto isso, a doutrina discute a respeito da competência do Supremo Tribunal Federal no que tange ao julgamento de pessoas que não gozam de prerrogativa funcional, embora lhes tenham atribuído por conexão, porque praticaram crimes com pessoa que possuem tal qualificação. Apesar, do STF possuir o entendimento na súmula 704 de que a conexão e a continência de processos onde existam coautores sem a prerrogativa de função, serem julgados pelo Supremo junto com aqueles que possuem tal prerrogativa, não viola os princípios do juiz natural, ampla defesa e do devido processo legal.

                         Em um dos maiores escândalos ocorridos na política brasileiro, denominado de mensalão, se discutiu essa questão no âmbito do STF (inquérito 2245). Depois de concluído o inquérito, o Ministro Joaquim Barbosa propôs ao plenário, diante do pedido de alguns réus, o desmembramento dos processos daqueles que possuem dos que não possuem a prerrogativa funcional, sob o argumento de ofensa a garantia constitucional e a razoável duração do processo, visto que a tramitação seria mais demorada diante a quantidade dos réus. Devendo assim, só permanecer no Supremo aqueles que têm a prerrogativa.  Porém o seu pedido foi rejeitado pela maioria. (LAGO, 2013, [?]).

                         Alguns doutrinadores não corroboram desse entendimento porque essa decisão foi tomada tão somente sobre a ótica do art. 80 do CPP e não a luz da Constituição Federal, visto que a mesma prevê a competência do Supremo Tribunal Federal como sendo taxativa, pois só aqueles previsto em tal rol poderiam ser julgados por essa corte, neste caso os que possuem a atribuição por conta da função. Ferindo o principio do juiz natural.  

A garantia do juiz natural, em seu aspecto positivo, significa que toda pessoa tem direito de ser julgada pelo órgão jurisdicional competente fixado por lei. O juiz natural garantido pela Constituição é aquele que, definido segundo todos os critérios que operam ao longo do processo de concretização de competência, quer fixados pela Constituição, quer por leis federais (...). Ou seja, o juiz natural é o juiz que seja territorial, objetiva e funcionalmente competente. Além disso, as normas que definem o juiz competente devem estabelecer critérios gerais, abstratos e objetivos de determinação de competência, não se admitindo qualquer possibilidade de alteração de tais critérios por atos discricionários de quem quer que seja. (BADORÓ, 2013, [?])

                    

                   Afirmam também que a Suprema Corte, tem aplicado esses casos de conexão  discricionariamente, pois a lei lhes faculta desmembrar ou não os processos. Dessa maneira comenta Gustavo Badoró (2013, [?]),

o STF considerou não haver motivo relevante para reputar conveniente a separação do processo em questão e julgou tanto os dois deputados federais quanto os outros trinta e seis acusados que não gozavam de foro por prerrogativa de função. Se, porém, entendesse que lhe convinha a separação, julgaria somente os dois deputados federais, remetendo os demais acusados para o primeiro grau de jurisdição. Admitir que um juiz, ainda que se trate do STF, possa, com base em critérios puramente discricionários, escolher se separa ou mantém reunido um processo e, em última análise, definir quem será competente para julgar os acusados significa dar-lhe poder para determinar,ex post factum, quem será o juiz competente. É transformar a garantia do juiz competente predeterminado por lei, em juiz competente pós-determinado discricionariamente.

           

                   Corroborando desse entendimento há quem entenda que o necessário é se fazer uma mutação constitucional do entendimento que versa a súmula 704 do Pretório Excelso, uma vez esta aumenta consideravelmente a quantidade de processos a serem julgados pela corte, conforme foi observado no julgamento do mensalão pelo ministro Celso de Melo no inquérito 2245, no qual afirma que a conexão imposta as pessoas que não detem o foro funcional “(...) representa fatos apto a romper a regularidade dos trabalhos do Tribunal, tumultuando-lhe a ordem dos serviços e obstruindo o normal desenvolvimento e execução de sua agenda de julgamentos.” (STF – Inq-QO-QO 2245, op. cit., voto do ministro CELSO DE MELLO, p. 86).

                   A alternativa que se propõe ao Supremo Tribunal diante da mutação constitucional é deixar de atrair para a sua competência o julgamento de réus que não tem foro privilegiado decorrente de sua função, ainda que crimes conexos. Visto que esses devem ser julgados por seus órgãos originários, garantindo-lhes o duplo grau de jurisdição.                   

 

5 CONCLUSÃO

 

 Ao concluir que o indiciamento/inquérito não é exclusivamente delegado a polícia judiciaria, e sim privativo (como disposto no art.1° §6° da Lei 12.830/13) a tal entidade, nascem então às discussões nas excepcionalidades de competência de outros órgãos.

De tal modo, foi necessário compreender que a questão da legitimidade excepcional, é trazida pelo ponto de quem ocupa a parte “passiva” nesse processo, pois devido ao cargo que essas pessoas exercem (possuindo assim, foro com prerrogativa de função), é que se faz necessário a transferência de competência do procedimento investigatório. Assim sendo, segundo confirmação constitucional (art. 102, I, b, CF) o indiciamento do acusado que possui foro de prerrogativa é de competência do Ministério Público Federal, desde que supervisionado por algum ministro do Supremo Tribunal Federal.

                   Quanto à competência para o julgamento das ações onde os sujeitos possuem ou não tal foro privilegiado, os doutrinadores entendem, apesar da sumula 740 do STF, violar os princípios do juiz natural e o duplo grau de jurisdição. Sem contar que a atração de ambos os processos para o Pretório Excelso contribui com a morosidade processual e um sobre carregamento de demandas. Desta forma, propõe-se uma mutação constitucional de tal súmula no sentido de não aplicar esses institutos em tais casos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

BADORÓ, Gustavo. A Ação Penal 470/DF e a garantia do juiz natural. Disponivel em: < http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/4797-A-Acao-Penal-470-DF-e-a-garantia-do-juiz-natural >. Acesso em: 20 de abril de 2014.

 

CAPEZ, Fernando. Curso De Processo Penal 20.ed: De Acordo Com A Lei N.12.736/2012. São Paulo: Saraiva, 2013.

LAGO, Rodrigo. O mensalão e a prerrogativa de foro por conexão: A necessidade de interpretação constitucional evolutiva sobre a conexão em ações penais originárias. Disponivel em: < http://www.osconstitucionalistas.com.br/o-mensalao-e-a-prerrogativa-de-foro-por-conexao >. Acesso em: 20 de abril de 2014.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. – volume único – 2°. ed.: rev. amp. e atual. Salvador: JusPodivm, 2014.

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. - 9 ed. ver. E atual. - São Paulo: Saraiva, 2012.

SANTOS, Cleopas Isaías; ZANOTTI, Bruno Taufner. Delegado de polícia em ação: teoria e prática. Salvador: JusPodivm, 2013.

STF. PET 3825/MT, PLENO, DJ 4.4.2008, RED. P/ O ACÓRDÃO MIN. GILMAR MENDES. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/inq2963.pdf >. Acesso em: 19 de abril de 2014.

STF. INQ 2963/ RR – RORAIMA. INQUERITO. MIN. GILMAR MENDES. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/inq2963.pdf  >. Acesso em: 19 de abril de 2014.

STF. INQ 2245. Min. Joaquim Barbosa. Disponível em: http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/756199/inquerito-inq-2245-mg>. Acesso em: 20 de maio de 2014.

STF. INQ 2411/ MT – MATO GROSSO.
INQUERITO. Min. Gilmar Mendes. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoDetalhe.asp?incidente=2400906 >. Acesso em: 26 de maio de 2014.

Vade Mecum Saraiva / obra coletiva de autoria da editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicoletti. – 17. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2014.