Licitação Internacional: entes federados e igualdade de condições preconizadas pelo Direito Brasileiro* 

Débora Cristina Bouças Bahia Silva**

RESUMO

O presente artigo tem o intuito de abordar a licitação como procedimento que garanta a aquisição de bens e/ou serviços por parte do Estado frente as suas necessidades. A busca pela igualdade de condições permite que os entes federados participem do processo de modo justo primando pelo bem comum. Destaca a licitação internacional como modo de aquisição de moldes buscados e ainda não produzidos/oferecidos nacionalmente, ou que ofereçam melhor vantagem à Administração Pública. Um breve apanhado acerca dos princípios que norteiam a lei de licitações e a atuação dos entes públicos frente às necessidades do Estado e a busca do interesse coletivo. 

PALAVRAS-CHAVE: Licitação internacional, administração pública, princípios. 

INTRODUÇÃO 

Visando o interesse da sociedade como um todo, o Direito Administrativo Brasileiro preconiza que a Administração Pública siga procedimentos legais a fim de melhor atender suas necessidades, primando por fatores que garantam o bom funcionamento do Estado, mas, para tal, necessário se faz valer de serviços e produtos fornecidos por terceiros.

Assim, mister ressaltar que critérios devem ser seguidos visando, com eficácia, contratar executores e/ou fornecedores, mas evitando o favorecimento de uns em detrimento de outros. Desta forma, como destaca Carvalho Filho a afirmação de Saygués Laso “a licitação veio contornar esses riscos. Sendo um procedimento anterior ao próprio contrato, permite que várias pessoas ofereçam suas propostas e, em consequência, permite também que seja escolhida a mais vantajosa para a Administração” (LASO apud CARVALHO FILHO p.209, 2007).

Outrossim, por vezes o Estado necessita, como exemplo, de tecnologia só conhecida em país com conhecimento avançado no setor ou a execução de prestações no exterior, fazendo necessário a realização de uma licitação internacional.

A seguir abordaremos a licitação e em especial a licitação internacional, sob diversas óticas.

1 LICITAÇÃO CONCEITUADA NO DIREITO BRASILEIRO E SEUS PRINCÍPIOS 

Licitação, conforme o Novo Aurélio, remete à idéia de procedimento pelo qual a administração pública seleciona a proposta mais vantajosa, quando compra bens e serviços ou faz outras transações. Por conseguinte, a licitação recepcionada pela Lei 8.666/93 significa o procedimento pelo qual a administração pública, obediente aos princípios constitucionais que a norteiam, escolhe a proposta de fornecimento de bem, obra ou serviço mais vantajoso para o erário.

Sendo elemento que antecede a firmação de um contrato, deve primar pela escolha do que seja mais vantajoso ao Estado, mas pautada também pelos parâmetros éticos. Deve assim, seguir os princípios básicos listados no Art.37 de nossa Carta Magna, quais sejam: o da legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo.

Como esmiúça Motta[1] em relação aos princípios, o da legalidade refere-se basicamente à fiel observância do procedimento – art.4º da lei de licitações - e à exigência do cumprimento das normas e condições do edital. A impessoalidade “evita qualquer concessão de privilégio e inspira todas as diretrizes que assegurem condições justas de competição”. O autor, ao se referir à moralidade, relaciona o processo licitatório ao direito do cidadão em ter um governo honesto, com aplicação correta do dinheiro público. Ao se referir ao princípio da igualdade, Motta parafraseia Hely Lopes Meirelles[2] quando aduz que este veda “a cláusula discriminatória ou o julgamento faccioso que desiguala os iguais ou iguala os desiguais, favorecendo a uns e prejudicando a outros, com exigências inúteis para o serviço público, mas com destino certo a determinados candidatos”.

O autor refere-se ainda ao da publicidade como o que preconiza a visibilidades dos atos da administração para viabilizar o exercício pleno do controle por parte da sociedade. Ao citar o princípio que vincula ao instrumento convocatório, reafirma as palavras intocáveis de Meirelles[3], mais uma vez, que pontualmente afirma ser o edital a “lei interna da licitação, e, como tal, vincula aos seus termos tanto os licitantes quanto a Administração que o expediu”. Por fim, Coelho Motta direciona o princípio do julgamento objetivo diretamente à obediência rigorosa do edital, sem haver obscuridade, conter preferências ou escamotear critérios para a classificação das propostas.

Desta forma, arrolada à Constituição Federal de 1988 e a Lei de 8.666/93, a licitação deve, rigidamente, seguir aspectos legais para que o processo seja justo e ambicione, apenas, o interesse público.

2 LICITAÇÃO INTERNACIONAL: ASPECTOS GERAIS 

Há ocasiões nas quais a ocorrência de um processo licitatório apenas no mercado interno não condiz com as necessidades da Administração Pública, fazendo necessário que haja a participação de empresas de outros países na ação ou que o mesmo ocorra em ambiente externo.

A aplicação de tecnologias de ponta, que por vezes ainda não estão sendo desenvolvidas internamente, a necessidade de serviços serem executados no exterior, entre outros, obrigam que o país oportunize a participação de empresas internacionais em licitações por ele promovidas.

Para tanto, nossa Constituição Federal de 1988 e a Lei 8.666/93 estabelecem princípios e condições para a ocorrência deste modo de aquisição de produtos e/ou serviços oriundos do mercado externo, devendo o mesmo se ajustar às diretrizes da política monetária, do comércio exterior e às exigências dos órgãos competentes, conforme o art. 42 da supracitada lei.

Gera discussão, devemos ressaltar, quais devem ser as condições aplicáveis ao processo licitatório, se as regras baseadas apenas em nossa doutrina ou também às referendadas pelo comércio exterior.

Sabe-se que o edital traz clarificadas as regras, critérios e as exigências a serem perseguidas, observando ao princípio do julgamento objetivo, mas sempre este documento deverá obedecer ao pontuado por nosso ordenamento jurídico, visando a soberania nacional e sem dar margens para que setores da administração pública corroborem com práticas adversas das constitucionais para objetivos escusos aos coletivos.

Deve-se aludir não apenas ao predito pela lei de licitações, mas coordenando-a com os princípios gerais de nosso Documento Soberano, conforme sintetiza Pedra[4]:

Deve-se dar primazia às normas trazidas na Constituição Federal, notadamente, aos princípios da competitividade, da economicidade, da impessoalidade e etc., afinal uma licitação internacional somente será perfeitamente lícita quando houver a possibilidade de compatibilização entre as normas alienígenas com os princípios diretores da Administração Pública consagrados, explicitamente ou implicitamente, no Texto Fundamental.

3 PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS E OS TRATADOS MULTILATERAIS

                                              

A fim de conciliar os interesses dos entes de diferentes congregações, surge a figura dos tratados multilaterais, ambicionando harmonizar normas e interesses de cada país com as das organizações às quais esses pertencem.

Contudo, não é constante a fácil conciliação entre ambas, visto que por vezes normas, a exemplo das do Banco Mundial, preceituam regras que confrontam diretamente com princípios ou leis específicas, tal qual a Lei 8.666/93. Citemos Justen Filho[5] para ilustrar essa afirmativa: “Poderá surgir a necessidade de compatibilizar a licitação com princípios e regras de organismos internacionais que fornecem recursos para pagamento de contrato (...). Em qualquer caso o princípio norteador será a prevalência da soberania nacional e a indisponibilidade do interesse público”.

Assim, a licitação deve obedecer às regras do órgão que proverá a ação sem que, contudo, sobrepuje os princípios e regras vigentes nacionalmente. Conforme finaliza Justen Filho[6] ao ditar que “poderá surgir necessidade de compatibilizar a licitação com princípios ou regras de organismos internacionais que fornecerem recursos para pagamento do contrato. (...) Em qualquer caso, o princípio norteador será a prevalência da soberania nacional e a indisponibilidade do interesse público”.

Nos tratados multilaterais, nos quais participam vários Estados, encontra-se a dificuldade em conciliar interesses e princípios que regem cada membro integrante. Em caso de conflito entre a lei fundamental brasileira e o princípio pacta sunt servanda, prevalece a Constituição Federal, mesmo que disso resulte um ilícito internacional e a responsabilidade internacional do Estado brasileiro[7]. Reafirma-se, assim, a Carta Magna como pilar de todo o ordenamento, mesmo quando da ocorrência de acordos internacionais, como pós licitação.

4 LICITAÇÃO INTERNACIONAL: HIPÓTESES E MODALIDADES

Referindo-se à aquisição de bens de empresas estrangeiras, devendo proceder à importação dos mesmos, Normando[8] destaca que na licitação internacional esses bens ainda não são nacionalizados à época da firmação do contrato, o que obriga a procedimento licitatório internacional e oportuniza a participação de empresas nacionais e estrangeiras.

Conforme art. 23 da lei 8.666/93, a modalidade apropriada a esse tipo de processo é a concorrência, destinada a contratações de grandes somas. Por se tratar de procedimento que envolve alta quantia em dinheiro, essa modalidade é a que apresenta maior rigor formal e exige ampla divulgação, podendo participar dela qualquer interessado que preencha os requisitos postos em edital[9]. Outrossim, admite-se ainda “a adoção da tomada de preços, quando o licitador dispuser de cadastro internacional de fornecedores, ou do convite, quando inexistir, no País, fornecedor do bem ou do serviço. Em ambos os casos, advirta-se, deverão ser observados os limites estabelecidos no art. 23, inc. II, alíneas "a" e "b" ”[10] desta norma.

Desse modo, obsta apoiar a corrente que alega ser a licitação internacional desnecessária, pois a mesma deixaria às margens do processo empresas que deveriam ser referendadas, ou seja, as nacionais. Entretanto, a abertura desta ação ao mercado externo tem, na verdade, a função precípua de suprir rasos encontrados internamente, tal como tecnologia de ponta destinada a diversos setores, e sem a qual freiaria o pleno desenvolvimento do país.

Entretanto, a própria Lei 8.666/93 traz em seu corpo quesito que beneficia empresa brasileira em relação à estrangeira, não podemos, então, alegar que a abertura da ação para mercado externo em todo seria ruinoso para o crescimento de nosso fito monetário. O art. 3º § 2º da lei supracitada, apesar de não se referir diretamente à modalidade internacional, já aponta no quesito desempate benesse ao nosso país já que infere que ocorrendo empate na fase de julgamento das propostas a vencedora consigne bens ou serviços, por ordem eliminatória[11]: produzidos ou prestados por empresas brasileiras de capital nacional, produzidos no país, produzidos ou prestados por empresas brasileiras e produzidos e prestados por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no país, aonde os bens licitados referidos podem ser estrangeiros vendidos por empresas nacionais no Brasil.

5 MODELO DE EDITAL A TÍTULO ILUSTRATIVO

Trazemos abaixo um arquétipo fictício de resumo de edital de concorrência internacional elaborado por Rigolin e Bottino[12] para aclarar o que ilustramos neste artigo.

“CONCORRÊNCIA INTERNACIONAL N.25/2006

BANCO DOS ESTADOS DOS PIMPAS

O Banco do Estado dos Pimpas comunica às empresas construtoras dos países associados do Banco Mundial – BIRD-, assim como dos Estados da Sérvia, Qatar, San Marino, Andorra, Croácia, República de Montenegro, Botswana e Sultanato de Oman, a abertura da Concorrência Internacional n.25/94, para execução das obras de construção de uma muralha de613 kmde extensão, na fronteira do Estado, no prazo de 5 (cinco) anos. O pagamento será efetuado por empréstimo específico do Banco Mundial, em total de 1,7 bilhão de dólares americanos.

O Banco pretende aplicar parte dos recursos deste empréstimo em pagamento elegíveis, segundo os contratos para os quais a presente Concorrência está sendo instaurada.

As propostas serão recebidas pelo Setor de Licitações do Banco, situada Av. Bombacha Ardente, 243, 39º andar, nesta capital, até o dia 10 de dezembro de 2006, às 16 horas, para subseqüente abertura no mesmo local.

O edital completo será fornecido pelo Setor de Licitações do Banco, até a abertura dos primeiros envelopes, pelo custo de R$28,99 (vinte e oito reais e noventa e nove centavos), importância a ser paga na tesouraria do Banco, sita nos andares 1º a 17º, local onde serão prestadas todas as informações sobre o certame.

Pimpão, 10 de outubro de 2006

Presidente da Comissão Julgadora de Licitações Internacionais”

 

CONCLUSÃO

Ante ao exposto, conclui-se que a “modalidade” licitatória internacional apresenta-se como excepcional e subsidiária, configurando-se uma forma de possibilitar a superação das deficiências estruturais nacionais, haja vista que, regra geral, somente deve-se observar esse procedimento quando as empresas nacionais mostram-se insuficientes ao desempenho das atividades necessárias ao Estado.

Ademais, percebe-se que tais licitações e a, decorrente, possível contratação de empresas estrangeiras ou multinacionais, em nada prejudicam os concorrentes nacionais, eis que a própria legislação que rege o procedimento licitatório nacional, qual seja, a Lei n° 8.666/93, protege as empresas pátrias, lhes garantido predileção quando observado o empate entre estas e as concorrentes internacionais.

  No mais, as licitações internacionais, tais como as de âmbito nacional observam os princípios impostos pela legislação brasileira, tanto os preconizados na Carta Magna de 1988, artigo 37, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, quanto os específicos aos procedimentos licitatórios.

Há de se mencionar, por fim, que a realização da licitação, seja ela nacional e internacional é indispensável á garantia da participação igualitária de todos os quais desejem contratar com os entes públicos, tal como ao asseguramento da melhor contratação, já que o procedimento licitatório prima pela escolha da proposta mais vantojosa ao Estado. 

 

REFERÊNCIAS

1. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris Editora, 2007.

2. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2000.

3. LEITE, Keila Lorraine Dias Formação Dos Tratados Internacionais No âmbito Do Ordenamento Jurídico Brasileiro. Disponível em http://www.webartigos.com/articles/3167/1/formacao-dos-tratados-internacionais-no-ambito-do-ordenamento-juridico-brasileiro/pagina1.html Acesso em: 05 de novembro de 2009.

4. MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações e contratos. Belo Horizonte: Del Rey Ed, 2008.

5. NORMANDO, Fernando A.B. Licitações Internacionais. Disponível em http://jusvi.com/artigos/1045 Acesso em 05 de novembro de 2009.

6. PEDRA, Anderson Sant'Ana. Licitação internacional: normas nacionais X normas estrangeiras. Uma visão constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano7, n.93, p4 out. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto. Acesso em: 05 de novembro de 2009.

7. RIGOLIN, Ivan Barbosa, BOTTINO, Marco Tullio. Manual prático das licitações. São Paulo: Saraiva, 2008.

 


* Artigo Científico apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB/MA.

** Discente do Curso de Graduação em Direito da UNDB/MA

[1] MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações e contratos. Belo Horizonte: Del Rey Ed, 2008. p101-114.

[2] MEIRELES apud MOTTA, ob cit p 109.

[3] MEIRELES apud MOTTA, ob cit p 112.

[4] PEDRA, Anderson Sant'Ana. Licitação internacional: normas nacionais X normas estrangeiras. Uma visão constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano7, n.93, p4 out. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto. Acesso em: 05 de novembro de 2009.

[5] JUSTEN FILHO Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2000. p 425.

[6] JUSTEN FILHO Marçal, ob. cit. p 426.

[7]LEITE, Keila Lorraine Dias Formação Dos Tratados Internacionais No âmbito Do Ordenamento Jurídico Brasileiro. Disponível em http://www.webartigos.com/articles/3167/1/formacao-dos-tratados-internacionais-no-ambito-do-ordenamento-juridico-brasileiro/pagina1.html Acesso em: 05 de novembro de 2009.

[8] NORMANDO, Fernando A.B. Licitações Internacionais. Disponível em http://jusvi.com/artigos/1045 Acesso em 05 de novembro de 2009.

[9] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris Editora, 2007. p 238.

[10] NORMANDO, ob cit, 2009.

[11] RIGOLIN, Ivan Barbosa, BOTTINO, Marco Tullio. Manual prático das licitações. São Paulo: Saraiva, 2008. p 381.

[12] RIGOLIN, Ivan Barbosa, BOTTINO, Marco Tullio. Ob Cit p 388-389.