A pessoa humana nasce livre, qualquer que seja o regime político-cultural do local de nascimento, quanto mais não seja porque ela, nesse momento de primeiro contacto com o mundo extra-uterino, é inimputável, na perspectiva de lhe serem atribuídas quaisquer responsabilidades, embora seja um ser com direitos, que lhe devem ser facultados pela sociedade em geral; e pelos pais em particular.

A Liberdade é um desses direitos que nenhum sistema, nenhuma pessoa, nenhuma lei lhe podem negar, muito embora, com o percurso de vida que ela vai efetuar, algumas restrições, deveres, obrigações e diversos condicionalismos lhe vão sendo impostos que, de alguma forma, reduzem a Liberdade que à nascença desfrutava, obviamente, sem o saber e sem a capacidade de a exercer. A Liberdade absoluta vai ser exercida num quadro específico que transcende o homem.

O conceito que mais se tem divulgado, ao nível popular, sobre a Liberdade, aponta no sentido de cada um fazer e dizer o que muito bem entende, principalmente no que ao próprio respeita, quando se assume a correspondente responsabilidade inerente à Liberdade; outros, consideram-na ilimitada, pensando que tudo o que pretendem realizar o podem fazer, independentemente de iguais direitos dos seus concidadãos, e aqui assiste-se a uma Liberdade irresponsável, que se torna em egoísmo, prepotência, ditadura e opressão. Nenhum de tais conceitos de Liberdade interessa à sociedade civilizada, democrática e humanista.

A Liberdade não é um privilégio individual, em prejuízo do interesse coletivo, mas poderá ser uma faculdade humana, no sentido de cada indivíduo ser capaz de se autodeterminar, na perspectiva dele próprio escolher os valores que, num determinado sistema social, lhe estão acessíveis, evidentemente, não contrários a esse sistema ou, no mínimo, que não violem, não ofendem, nem minimizem os valores aceites e praticados na comunidade, onde o indivíduo está integrado ou pensa fazê-lo.

Num sentido mais profundo e transcendente, o conceito de Liberdade que, eventualmente, a maioria desejaria, seria aquele que se prende à concepção, segundo a qual: «A Liberdade mais como capacidade para nos governarmos a nós próprios do que como desejo de que o governo nos deixe em paz. (…) Garantir um espaço onde a Liberdade possa surgir – Liberdade mais uma vez entendida como participação individual e completa nos assuntos públicos. (…) Gradualmente, a própria Liberdade, como o direito do indivíduo buscar a sua própria felicidade.»  (BAUMAN, 1989:152-155).  

A Liberdade, contudo, está circunscrita por diversos condicionalismos que impedem: a tendência para os excessos quando se viola, dificulta ou embaraça a Liberdade do outro; balizada por princípios e valores que não podem ser ofendidos, como o princípio da boa-conduta, compatível com as normas sociais da boa-convivência humana, em harmonia, racionalmente desenvolvida e responsavelmente assumida; limitada pelos valores do respeito pelo próximo, pelas normas jurídicas, de cumprimento obrigatório para todos, pelas crenças e fé religiosas, pelos direitos cívico-políticos, socioculturais, económico-profissionais.

No âmago da questão, estará sempre a assunção das responsabilidades, pelos atos cometidos por cada um, com preocupações ético-morais, cuja grande máxima kantiana se poderia adaptar, afirmando-se o seguinte: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti.”

Este valor universal, a Liberdade, que nasce com a pessoa humana, pela qual ao longo dos séculos muito se tem lutado, com sacrifícios da própria vida daqueles que a quiseram usufruir até às últimas consequências, merece uma atitude muito especial, por parte de todos aqueles que, hoje, a exercem, numa amplitude que não permite desenvolver pensamentos, expressar opiniões, concretizar projetos político-sociais, assumir-se como um ser superior, ainda que no respeito pela natureza, pelos valores universais e pelo Criador. O homem dispõe de um bem inestimável que deve saber usá-lo com magnanimidade, com moderação e equidade entre todos os seus concidadãos.

Pergunte-se à maioria dos reclusos o que significa para eles a Liberdade? Averigúe-se junto dos povos oprimidos a importância que teria para eles a Liberdade? Investiguem-se os processos utilizados pela censura na repressão à Liberdade de pensamento, de expressão, de religião e política, o sofrimento que os censurados têm por não poderem expressar-se de acordo com o seu próprio pensamento? Estude-se o drama de todos os imigrantes que não têm Liberdade para poderem fixar-se e trabalhar num determinado país?

A Liberdade, qualquer que seja a sua natureza, a sua amplitude e os seus fins, constitui uma prerrogativa do ser humano, por isso nenhum outro ser humano, organização ou sistema têm o direito de a retirar, ou impedir o seu exercício responsável, por outro ser humano.

Com efeito: «A Liberdade é mais que simples condição, é o todo do homem moral: ser homem é ser livre, ser livre ao nível da auto-consciência é ser homem. A Liberdade é um direito da pessoa própria e direito da pessoa alheia. Mas, com ser um direito e para mais o ser, a Liberdade é uma virtude e uma obrigação.» (GOMES, in Dicionário Politico, 1974:197).

A Liberdade, nas suas múltiplas dimensões, constitui um sistema complexo de direitos e garantias e, não havendo, propriamente, uma hierarquia das Liberdades que possa ser universalmente aceite por todos os países, culturas e civilizações, afigura-se interessante, por exemplo, partir da Liberdade política para se tentar progredir no sentido de se usufruírem todas as outras e, a comprová-lo, pode-se invocar os regimes políticos ditatoriais, onde os Direitos Liberdades e Garantias são ferreamente controlados ou, mesmo proibidos.

A construção do corpo jurídico de um país é realizada pelo poder político, que decreta, através da Lei Fundamental, quais os Direitos, Liberdades e Garantias que são concedidos à população abrangida por esse corpo jurídico, logo, não havendo Liberdade política, todas as demais Liberdades ficam prejudicadas ou são suprimidas.

Numa determinada perspectiva: «A mais profunda lição da nossa época é o facto de que sem Liberdade política não pode haver outras Liberdades, mas apenas um exercício incerto e constrangedor de privilégios que podem acabar subitamente sem que ninguém, tenha de explicar aos que são afectados por essa decisão.» (HOOK, 1966:54).  

Pese embora o rigoroso controlo sobre as diversas Liberdades, pelos regimes políticos ditatoriais, ainda assim será possível, na intimidade de cada pessoa, exercer algumas Liberdades, desde logo a Liberdade religiosa, no sentido de se entregar a uma Divindade, ao seu Deus, na privacidade do seu pensamento crente. Outras Liberdades, de natureza axiológica, que permitem praticar certas ações, como ser solidário, amigo, leal, grato, justo, tolerante, carinhoso, praticar o bem, respeitar o próximo, etc.

 Significa isto que, mesmo numa situação de grandes constrangimentos, haverá sempre uma oportunidade para a Liberdade e, nessa ótica: «Um dos valores mais preciosos do homem é a Liberdade. Só em Liberdade o homem se pode converter ao bem. A Liberdade verdadeira é sinal privilegiado da imagem divina no homem.» (COMUNICAÇÃO DO CONSELHO PRESBITERIAL DO CLERO DA GUARDA, 06-09-1975, in Dicionário Político, 1974:198).

Bibliografia

 

BAUMAN, Zygmunt, (1989). A Liberdade. Trad. M. F. Gonçalves de Azevedo. Lisboa: Editorial Estampa, Ltdª.

DICIONÁRIO POLÍTICO, (1974). Os Bispos e a Revolução de Abril, Lisboa: ISPAGAL, Apud. Carta Pastoral do Episcopado Português: in O contributo dos cristãos para a vida social e política, 16-07-74)

HOOK, Sidney, (1966). Política e Liberdade, Trad. Luciano Miral, Rio de Janeiro: Zahar Editores.

 

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

 

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