1 INTRODUÇÃO – O TEMA

1.1 Este trabalho se propõe a fazer comentários sobre os contornos conceituais da Liberdade vista a partir dos escritos de Sartre. Não e tarefa fácil percorrer sobres os temas da liberdade especialmente para alguém cuja formação essencial esta fincada no direito, de onde o conceito de liberdade é contornado pelos aspectos positivistas daquilo que se pode ou não se pode fazer.

1.2 Dar conta de entender a liberdade fora do seu aspecto formal exige um olhar fora dos contornos legais para perscrutar aquilo que é permitido ou não ao homem, ou seja, de que forma ele pode agir sem que seja formalmente impedido. O homem pode decidir sair de casa cedo para ir a rua comprar seu jornal, tomar seu café ou até mesmo não fazer alguma coisa objetiva, podendo simplesmente andar.

1.3 Vamos percorrer então os pontos da idéia de J. P. Sartre sobre a idéia do homem existencialista e sua liberdade. Como isto se manifesta em confronto com a existência dos outros e como as escolhas, por mais diferentes e condicionais vão de forma afirmativa comprovar a que a liberdade está sempre presente na consciência do acontecimento da vida humana.

1.4 O termo liberdade desde os gregos tem seus contornos uma conotação fortemente política e jurídica, sem ligações subjetivas com as idéias de ato voluntário em oposição ao ato involuntário[1]. E os termos Gregos de voluntário, significa desejar, ou seja, aquele ser que não se submete a nenhuma força a não ser à sua própria natureza. Na filosofia moderna a liberdade vai aparecer em referencia ao mundo externo e ao serviço, significando a possibilidade de fazer o que se quer passando a liberdade a aparecer como exteriorização da vontade. Nasce então a noção de liberdade de consciência.

2 A Existência precede a Essência.

2.1 Jean Paul Sartre era um homem inquieto. Nascido em uma família abastada em Paris no ano de 1.905, teve o pai morto logo cedo. Voltou-se com a mãe a viver com os avós maternos. Orfão, Sartre foi criado pela mãe na casa dos avôs, e que parece ter pesado sobre ele os frutos de uma criação solitária. Sartre conta que a morte do seu pai, devolveu sua mãe á prisão e deu-lhe liberdade, porque se tivesse vivo, confessa “não há bom pai, é a regra... houvesse vivido meu pai deitar-se-ia sobre mim durante muito tempo e esmagar-me-ia”,[2].

2.2 Em “O Ser e o Nada” , Sartre faz a grande coletânea de suas idéias, onde traça uma narrativa existencial onde o conceito de existir torna-se o ponto fundamental do seu pensamento. Ele reconhece o progresso considerável no pensamento moderno sem, contudo, enxergar como isto tenha dado conta de resolver o problema da existência. Ele primeiro rejeitou a idéia de um interior do exterior existente. Para ele as aparições do existente revelam o Existente, porque não são interiores ou exteriores a não ser o existente mesmo. O Dualismo do Ser e do Aparecer não encontraria lugar mais na filosofia, porque o SER DE UM EXISTENTE É EXATAMENTE O QUE O EXISTENTE APARENTA. E o fenônemo é exatamente o que aparenta e se revela como é. Então ele definitivamente vai rejeitar o dualismo da aparência e da essência.

2.3 O Ser para Sartre tem o seu SER próprio que se manifesta pelo fenômeno. O Fenômeno é o que se manifesta, e o ser manifesta-se a todos de algum modo, pois dele podemos falar e dele temos certa compreensão[3]. Sartre então passa a pensar sobre o homem a partir do estudo de sua existência, o que nos aparenta um corte ontológico na estrutura do ser. O Ser-em-si é. O que significa dizer que o ser não pode ser derivado do possível nem reduzido ao necessário. O Ser é. O Ser é em Si e o Ser é o que é, arremata Sartre[4]. Este é o ser que existe, que tem vontades, que se prende a liberdades, que vai partir da racionalidade para escolher e exercer sua liberdade.

2.4 A Existência precede a Essência, foi o ponto de partida de toda a filosofia existencialista. O Homem existe e pronto. Não há uma essência que o precede. Ao existir o homem é o responsável por suas escolhas e determina seu futuro. Ai vai nascer a idéia de liberdade do homem e como essa liberdade se manifesta através da ação. O existencialismo vai se transformar numa doutrina que mostra a vida de uma forma possível e toda a verdade vai passar pela subjetividade humana. O ser humano se fosse assimilado ao conceito de criação de Deus, seria equivalente a um corta papel cuja concepção e finalidade é previamente estabelecida.

2.5 O Existencialismo de Sarte, partindo do pressuposto da Existência antes da Essência, e da idéia de que Deus não existe. “O homem é um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito – este ser é o homem, ou como diz Heidegger, a realidade humana. O que significa dizer que a existência precede a essência: significa que, em primeira instancia, o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e só posteriormente se define”[5]

2.6 Assim, precedendo a Essência o Homem é responsável por aquilo que é, e isto é vai submetê-lo a responsabilidade da escolha. O homem vai escolher a si mesmo e ao fazer isto faz suas escolhas a todos os homens. E quando escolhe o faz pelo bem, e quando faz não pode fazer para si um bem que não seja o bem para todos. A Responsabilidade na escolha então vai ser muito maior porque cada vez que escolhe o faz para uma definição de todos, e quando se engaja o faz isto por ele e por toda a humanidade..

2.7 Deus não existindo, o homem passa a existir livremente, portanto para escolher, não estará preso a valores ou ordens para determinar suas escolhas e o homem vai se inventando a cada tempo, e a cada conduta de escolher.

2.8 Existindo, o homem é livre e constrói seu próprio caminho e sua essência. A liberdade é declarada por Sartre a partir de cada circunstância de forma concreta e individualizada. Querendo a liberdade, vamos entender que ela depende integralmente da vontade dos outros e que a liberdade dos outros depende da nossa.

3 O OUTRO COMO DELIMITAÇÃO OU NO CAMINHO DA LIBERDADE

3.1 A liberdade enquanto definição do homem nunca vai depender dos outros, mas, como existe o engajamento que decorre da escolha dos outros, ele é forçado a querer sua liberdade e a dos outros. E isto fecha o conceito sem contradição uma vez que o homem é livre mas há aqueles que escolheram antes, e determinaram escolhas necessárias[6] para os que irão escolher depois. Então a liberdade vai sempre depender da liberdade dos outros. Sartre arremata que “quando ao nível de uma total autenticidade, reconheço que o homem é um ser que a essência é precedida pela existência, que ele é um ser livre que só pode querer a liberdade, qualquer que sejam as circunstâncias, estou concomitantemente admitindo que so posso querer a liberdade dos outros”[7]

3.2 Sartre é contrário a afirmação de Kant de que a Liberdade quer a si mesma e a liberdade dos outros. Certos mas ele considera que o formal e o universal bastam para constituir uma moral. Para ele, os princípios abstratos demais não conseguem definir uma ação. Para isto cita o exemplo de um aluno seu que tem que decidir entra abandonar a mãe e servir o país na guerra. Para ele não há conceitos abstratos para resolver tais problemas. A única definição capaz de compreender a conduta que me leva a me posicionar é a liberdade. Não podemos entender a partir do valor e sim da liberdade da escolha. Quando se inventa um valor, o homem fica sem sentido e o maior sentido do existencialismo é o homem como meta superior, de forma que o que vai prevalecer é a idéia da escolha pela liberdade e não pelo valor.

3.3 A Filosofia sempre se ocupou do EU. O outro pouco apareceu. Descarte chega a comentar o outro como um objeto passante como guarda chuvas na rua. Ele via o outro como objeto sem esquecer que o outro tem um Eu dentro dele, e a sua consideração com o outro vai tornar-se importante na forma que eu me vejo e na forma como escolho.

3.4 O outro é o indispensável para mim e mim mesmo [8]. A principal conseqüência do outro na minha existência é que ele me fará ver como eu sou. Reconheço que sou como o outro me vê. E o outro não apenas vai relevar o que eu sou, mas vai me constituir em um novo tipo de ser que vai sustentar minhas qualificações novas. Este outro, que é até um SER vai ser o limitador da minha liberdade ou vai definir a minha escolha necessária.

3.5 A aparência do outro na minha existência trará formas organizadas nas minhas condutas. Para nós aqui importa a constituição do outro enquanto minhas escolhas e minha liberdade. “O outro é aquele que não é o que eu sou o e que é o que eu não sou”[9] . E este outro tem suas vontades e sua razão e daí suas escolhas. Então o outro sendo um eu DELE vai também ter liberdades e escolhas em relação a si e em relação a mim.

3.6 O Outro vai aparecer para mim então, como o precedente da minha escolha. Esta definição formal de liberdade, ou seja, a idéia de poder locomover-se livremente torna-se fácil para a compreensão humana, visto que formalmente está estabelecido que o homem possa vir e ir sem que seja impedido por alguém ou por algo.

3.7 A liberdade de escolha é o ponto. Não basta os homens lutarem pela liberdade sem saber que estão fazendo. Se esta luta não é identificada como escolha do homem, ou sem formular para si mesmo lucidamente os meios que utiliza para esta luta, vai viver um sentido a partir da atividade da natureza e dos outros e não de uma escolha sua. Embora o homem escolhe-se em relação aos outros ele não pode agir a partir da vontade dos outros, mas deve perquirir-se de sua vontade e decidir-se subjetivamente.

4 A LIBERDADE – VONTADE E ESCOLHA

4.1 Não falamos de liberdade em sentido formal e sim da liberdade encontrada por Sartre a partir do momento em que o homem se da conta de que A EXISTENCIA PRECEDE A ESSENCIA, e então que o homem existe e pronto. Que não é fruto de Deus, que o teria planejado para agir desta ou daquela maneira. Quando se propõe construir um carro o homem tem idéia daquilo que crer e o carro já o é em essência bastando então ser construído para Existir. No caso do homem Sartreano, ele EXISTE. Não há a idéia de Deus criador e, portanto o homem Existe e pronto e a partir daí, condena-se à liberdade de suas escolhas e de suas construções. O homem vai assumir sua condição a partir daquilo que para ele é posto como sujeito.

4.2 O culto da liberdade foi bandeira em todos os esquemas políticos e ideológicos, como sendo algo sem o qual o ser humano seria incapaz de viver ou estaria de forma indelével afastado daquilo que seria o seu desejo e o seu direito mais absoluto. Conforme Alexandre Herculano, a “a liberdade humana sei o que é verdade da consciência como Deus. Por ela chego facilmente ao direito absoluto por ela sei apreciar as instituições sociais. Sei que a esfera dos meus atos livres so tem por limite as esfera dos atos livres dos outros, e por limites factícios as restrições a que conviesse submeter-me para a sociedade existir e para eu achar nela a garantia do exercício de minhas liberdades”[10]

4.3 Então, ainda para o direito, a liberdade vai ser o estabelecimento dos contornos para possibilitar a convivência entre as minhas liberdades e as liberdades dos outros. Do que Sartre quer fugir é da idéia de criar outro Deus para o homem que seriam os valores. Se existem valores no fundo, eles são estabelecidos a partir da liberdade e não do contrário. Ele persiste na idéia de que toda a conduta do homem seja conduzida por sua vontade de tomar esta ou aquela posição, ainda que seja uma posição pré-estabelecida. Ele rejeita a idéia da luta pela luta da escravidão pela escravidão, ou da prestação de um serviço militar, por exemplo, por definição de um Valor. Não, ainda que seja o serviço militar ou a escolha de uma necessidade já derivada da escolha do outro, o homem para manifestar sua liberdade vai agir de acordo com aquilo que quis.

4.4 No Existencialismo de Sartre, o homem deve dar conta de sua existência e sua liberdade aparece de pronto absoluto em sua necessidade imediata de escolha, uma vez que abstraindo Deus de sua vida o homem esta fadado a existir sem que desígnios ou destinos lhe sejam pré traçados. A idéia de Sartre é que o homem Existe e pronto. Ele a partir de existir vai construir sua essência a partir da sua absoluta Escolha. O homem esta para ser feito e isto não decorre de um acidente ou por atuação potencial da natureza porque a existência do homem parte exclusivamente daquilo que lhe falta. Ou seja, o que falta ao homem para existir é sua existência própria. O homem tendo sua existência por precedência ele é. Então, sendo, ele passa a ser condenado a escolher e escolhendo vai estabelecendo valores e fazendo o seu caminho.

4.5 Para o estabelecimento dos valores o homem vai usar-se da liberdade de existir. O Valor Supremo de sua existência será a liberdade. Escolher seria o agir livremente mesmo quando acontece de termos escolher algo como necessário. E a liberdade, diz Sartre, que estabelece os valores. E a liberdade somente vai existir quando incluir a razão, porque de fato e a razão que escolhe [11]. Não há uma liberdade pura, sem que a razão seja sua justificativa, nem existe a liberdade do acaso, porque a razão e a liberdade vão se implicar mutuamente.

4.6 O que define a liberdade vai ser o objeto da escolha? É o ato em si de escolher que a define. Quando eu defino que vou escolher nisto se define e ai se localiza minha liberdade. Não é porque eu escolho este ou aquele objeto e meu direito de escolher este ou aquele objeto, mas, sim o ato de escolher, seja la o que for é que vai determinar a existência da minha liberdade. A liberdade é um ato de conduta e não um ato finalístico. Isto vai nos levar entender o porquê de que ainda que minha escolha seja necessária, ainda assim a liberdade se manifesta como conduta. É na conduta que vai se valorada a minha liberdade. A escolha de morrer é a escolha. A escolha de não morrer é escolher, não é o morrer ou não morrer, mas sim a conduta que vai conduzir a isto que vai determinar a existência ou não da liberdade.

4.8 O sujeito pode ser livre ao escolher aquilo que é necessário ou somente aquilo que lhe é posto. Nos dizeres de JOLIVET “neste caso como poderia ser livre ao escolher o necessário, e não mais o ser ao visar fins absolutos, ou seja, valores incondicionados? A incondicionalidade do valor não limita mais, e por certo muito menos, o exercício da liberdade do que o que assume fins absolutos”[12]. Quanto aos fins absolutos eu posso adotá-los ou não e uma vez que o faço estou ligado e ainda assim sou livre mesmo que em obediência aos fins que vão dirigir a minha atividade, visto que a determinação não vai se transparecer como ordem física mas, sim uma ordem moral. Em todo o momento em que consinto com os fins no caso de uma determinação ainda assim eu manifesto a reafirmação da escolha inicial. Como dito, não vai ser o objeto da liberdade que a define mas, sim a conduta, que pode ser ativa ou omissiva, de sorte que o meio é que a define.

4.9 A liberdade não é um dado físico comparável a um temperamento ou a um objeto como a terra, a educação. É algo que se afirma na escolha e pela razão. Tornamo-nos livres ao agir pela razão sendo que a liberdade e a razão com ela vai definir a liberdade do homem e condicionando-o como humano.

4.10 Para Sartre, somos livres desde o começo e a liberdade não poderia ser uma conquista a não ser um dado. A liberdade então poderia estar em potencia porem Sartre se nega a percorrer este caminho. Prefere conceber o homem desde o inicio com um sofrimento de liberdade, uma condenação a escolher, sem que haja uma liberdade em abstrato ou em absoluto. É possível afirmar que a liberdade em Sartre seria o homem se movimento dentro de um tubo, cujos limites foram escolhas feitas anteriormente por sujeitos que fizerem suas escolhas anteriores e por isto, impuseram–me escolhas necessárias e esta manifestação de pensamente a partir de se eu vou morar num prédio ou numa casa, não elimina minha liberdade, porque em absoluto ela somente existiria se eu fosse o primeiro habitante do universo e minha escolha fosse absoluta. A partir da primeira escolha todas as escolhas, continuam sendo exercício de liberdade porém não deixa de se caracterizar como condutas de liberdade, porque não é o que será e sim o que escolho que define a minha liberdade.

4.11 Sou obrigado, segundo Sartre, querer a liberdade dos outros, simultaneamente com a minha, e não posso tomar com fim minha liberdade sem incluir também a dos outros.[13] Então como fazer para conciliar estas idéias de um lado com a noção de liberdade sem um conteúdo formal. A liberdade do outro pode parecer como uma palavra sem sentido. Porque cada conduta que tomássemos em relação a ela seria uma violação daquela liberdade. Ai nasce a idéia, quem sabe, de tolerância do outro, mas, tolerar seria tirar-se o livre exercício das possibilidades. Viver, e respeitar a liberdade do outro seria um comportamento de total abstenção. Neste caso, poderemos voltar a idéia de escolha necessária, onde assumo a fatalidade de um dever. Então talvez devêssemos entender o Sentido da Vontade para dai então compreendermos a escolha que antecede a liberdade e seu objeto. A vontade parte é o que vai definir a escolha. Quando assumo minha existência e exerço minha liberdade a faço através de condutas que poderão ser ativas ou passivas, que partem de um desejo de fazer ou querer algo, a vontade é o ato espontâneo que vai percorrer a razão e deliberar a conduta.

4.12 Quando outra vontade já existe, quando outra escolha antecedeu a minha,volto-me a perquirir se esta vontade de agir não vai estar privada por outra liberdade. Eu não posso escolher aquilo que quero porque outra escolha me antecedeu. Sartre vai responder de forma clara a partir do conceito da escolha necessária. “Quando livremente escolho o necessário, não o escolho enquanto necessário o que seria absurdo, mas enquanto tem um sentido que justifique a escolha e que eu poderia recusar, recusando simplesmente a escolha e submetendo-me a necessidade. Condenado a ser livre, posso também escolher a liberdade mas, sob a condição de justificar essa escolha por outra coisa que não sua necessidade ou seja, por exemplo, acho que a liberdade é a condição de dignidade humana.”[14]

4.13 Aqui Sartre, citado por Jolivet, vai reafirmar que a liberdade não está no objeto, ela o antecede. O exercício da liberdade passa pela vontade depois a decisão racional de escolher, e o objeto, ou seja, a escolha necessária estará em segundo plano que vai servir para definir o valor e não a liberdade. Eu posso não escolher o necessário e assim mesmo estarei escolhendo não escolher, porque a decisão ira sempre ocorrer percorrendo o exercício da liberdade.

4.14 A vontade de poder, pode ser o nome da liberdade a que Sartre defende existir, o que para outros ramos da ciência seria potencia. Mas, é preciso entender que não existe a liberdade pura, como não existe o quadrado, e sim algo que é quadrado. O conceito de liberdade pura torna-se tem aparência ininteligível, então somente existiria como adjetivo ou como atitude de uma vontade que passa pela escolha. Então o poder da vontade de escolher suas condutas, permitira ao homem escolher seu destino, e que é perfeitamente e precisamente o dever de julgar e quando isto ocorre o homem o faz livremente, definindo-se então a autonomia do pensamento que vai dirigir ao homem a tomar uma atitude ativa ou passiva diante do objeto de sua escolha.

4.15 A liberdade de escolher livremente o necessário poderia ser confundida com o determinismo? Não. O determinismo seria um outro conceito que porque Sartre usa a figura do engajamento. Eu sei que outras coisas ocorreram antes da minha chegada, e eu vivo em um mundo de escolhas já feitas. Então, eu decido me engajar tornando-me parte daquilo que já existe ou então entrando na luta para a transformação daquilo existente. O homem é livre, ao contrario do cachorro amarrado porque tem consciência dos múltiplas e diversos aspectos das situações de existência.. O Animal, não tem idéia da corrente que puxa desesperadamente, ele tem isto como fatalidade cósmica. A corrente para o cachorro vai apresentar-se como fato da natureza enquanto para o homem ele sempre terá consciência de sua existência e inclusive da escolha do aprisionamento se for o caso.

4.16 Toda a conduta do Homem deriva da intenção ou da Vontade de Fazer isto ou aquilo, ou mesmo de não fazer. É preciso ter em mente que um conceito teórico não dá conta de definir a liberdade como algo tangível fora da conduta do homem. Sartre cita o Exemplo do Homem que fumando explode uma fábrica de cigarros[15] . Neste caso o fumante não agiu. Ele não exerceu a sua liberdade ao tocar fogo na fábrica, em princípio. Noutro caso vemos que a atividade de um trabalhador em dinamitar uma mina, é um ato fruto da vontade, porque realizava um projeto intencionalmente. Para falar de ação é importante ter em mente que a intenção deve dar conta do resultado para que isto seja manifestado como exercício de vontade.

4.17 Para descrever a Liberdade com maior precisão, é importante entender que a condição fundamental da conduta[16] humana, ou seja, agir ou não agir, é a liberdade. O que importa para Sartre no seu conceito de liberdade é que agindo ou não o homem o faça livre e que sua conduta seja fruto da escolha. Sartre sente a necessidade de definir a liberdade com maior precisão e assim se expressa “descrever, comummente é uma atividade de explicação visando as estruturas de uma essência singular. Mas, a liberdade não tem essência. Não esta submetida a qualquer necessidade lógica. Dela deve-se dizer o que Heidegger disse do Dausein em geral: nela, a existência precede e comanda a essência. A liberdade faz-se do geralmente alcançamo-lo, através do ato que ela se organiza com os motivos e os móbeis e os fins que esse ato encerra”[17] . Sartre procura fugir de uma definição formal de liberdade, pregando firmemente que está no ato de agir conscientemente. A liberdade estaria no fundamento de todas as essências ela é a essência de toda a escolhas, mesmo que sejam de escolhas necessárias. A liberdade é ter consciência clara das minhas ações, é agir de acordo com aquilo que conscientemente escolho. A liberdade é a necessidade de existir sempre para além ou na busca da minha essência. A liberdade é o SER DO HOMEM[18].

4.18 Não é demasiado desnecessário mas, importante percorrer um pouco sobre o que já foi dito aqui em relação a vontade e a liberdade. Descartes citado por Sartre[19] afirma que a vontade é livre porém existem as “paixões da alma”. Pode haver uma semelhança entre atos livres e atos voluntários. Para isto seria necessário admitir um homem livre e ao mesmo tempo determinado. Teremos que distinguir então atos inteiramente livres e alguns processos determinados onde ainda assim se exerce a vontade humana. Para Sartre, percorrendo várias justificativas, não há saída: ou o homem é livre ou é determinado. Sartre não vai identificar ou separar a vontade e liberdade, porque para ele, a vontade nada mais é que uma maneira de ser em relação a liberdade. Diante de um incêndio posso correr ou ficar. Este fato vai ser irrelevante para a afirmação da liberdade, porque a vontade seria apenas um meio de expressão da liberdade.

4.19 A liberdade vai se transparecer em todo o fundamento da minha existência e a fundamentação dos fins que eu vou tentar alcançar. E estes fins, que vão decorrer da minha liberdade pouco importarão se são frutos da vontade ou de esforços passionais. Não se deve, entretanto opor a liberdade à vontade ou as paixões. Ele é claro ao afirmar que “a liberdade nada é senão a existência de nossa vontade ou nossas paixões, na medida em que tal existência é nadificação da facticidade, ou seja, existência de um ser que é seu ser à maneira de ter-de-ser... a vontade determina-se na moldura dos móbeis e fins já posicionados pelo Para-si em um projeto transcendente de si mesmo rumo a seus possíveis”[20]

4.20 Jamais poderemos dizer que outro poderá decidir por mim se não eu. Sartre não admite que outras circunstâncias suprimam a supremacia da liberdade. Não basta querer, é preciso “querer querer”. Na realidade qualquer que seja a circunstância, ainda que diante de uma necessidade de ação rápida, é o Para-si, em seu projeto escolhe tanto por uma como por outra escolha, ainda que aparentemente possa ter tido como conduta autônoma. “Todas as minhas maneiras de ser, manifestam igualmente a liberdade pois todas são maneiras de ser meu próprio nada”. Há algo interno que justifica algumas ações minhas. Este algo, tido como motivo subjetivo é identificado como o MÓBIL, que é o conjunto dos desejos, emoções e paixões que vão impelir o homem a certo ato. Os móbeis são motivos que estarão contidos no estado de consciência que provocará a conduta.

4.21 A conduta vai representar a liberdade independente das circunstâncias mesmo aquelas onde aparentemente há uma ação involuntária, ou tida como repentina. Num ato irrefletido o não há objeto de per sim, mas, uma consciência não posicional de si. No ato voluntario refletido aparece uma consciência onde o móbil é quase um objeto. A liberdade, de uma forma ou de outra vai aparecer sempre como uma totalidade não analisável, seja de motivos objetivos, móbeis e afins, mas, nada disso vai ser entendido por Sartre como determinismo e ele não cai nesta armadilha. Para ele a liberdade se identifica com o Ser do Para Si: “a liberdade humana é livre na exata medida em que tem-de-ser seu próprio nada. Esse nada, como vimos., ela tem-de-se-lo, em múltiplas dimensões”[21] Isto tem um sentido porque não se pode deixar guiar nunca pelo passado para fazer isto ou aquilo, de que nada existe na consciência que não seja a consciência de existir e que o homem é um ser que defini-se por seu projeto ou seja, por seu fim.

4.22 A Liberdade de Sartre não percorre contornos conceituais nem fugazes como liberdade para escolher uma roupa ou outra ou para sair ou não sair. A liberdade a que se refere Sartre está no âmbito do processo de Consciência e de Escolha. A liberdade do ponto de vista da escolha, é livre se outra atitude ou seja, se outra conduta pudesse ter sido tomada. Não passa por eu decidir se tenho ou não condições de controlar meus contingentes fisiológicos, mas, sim se quere fazer uma coisa outra. Decidir ser herói ou covarde, decidir tomar ou não tomar uma posição frente a uma situação posta ou decidir e que confere sentido ao ato em um dado momento. Liberdade para Sartre é liberdade de escolha e não de não escolher, pode ser escolher não agir, mas, nunca não escolher, porque o homem só não é livre para não escolher.

6 CONCLUSÃO

6.1 No momento que Sartre se esquece de Deus e a Existência torna-se pressuposto da Essência, o homem existe para ser livre e para tal deve fazer seus atos de escolha e todos os seus movimentos de conduta [ação ou omissão voluntária] é um ato de liberdade. Sartre conclui a existência do homem e sua absoluta responsabilidade pela construção do seu Ser e pela escolha do seu modo de existência ainda que seja num caminho de homens precedentes cujas escolhas antecederam aquele que vai escolher. Ainda assim, o home é livre e este é o seu único destino, Ser Livre.

6.2 Por isto talvez é que a Realidade humana nunca estará acabada eis que a finitude humana estará sempre caminhando para o infinito nunca apresentando-se como um todo e sim como um existir continuo permeado de vontades, escolhas, outros e liberdade.

7 BIBLIOGRAFIA

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre poder, a liberdade, a justiça e o direito. 2ª. Edição, São Paulo, Atlas, 2003.

HERCULANO, Alexandre. Cartas, Vol I . 5ª. Ed., p 207, apud Joaquim Jose Gomes Canotilho – Estudos Sobre Direitos Fundamentais, 1ª. Edição Brasileira, RT – Coimbra Editora .

JOLIVET, Regis. Sartre ou a Teologia do Absurdo.Ed Herder, São Paulo,1.968.

SARTRE, J.P. O Ser e O Nada – Ensaio de Ontologia Fenomenológica, Tradução e notas de Paulo Perdigão . Editora Vozes

_________, As Palavras. Difusao Europeia do Livro . 4ª Edição. São Paulo. 1.970.

_________, O Existencialismo é um Humanismo. Tradução de Rita Correia Guedes. Editor Victor Civita, 1984.

[1] FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre poder, a liberdade, a justiça e o direito. 2ª. Edição, São Paulo, Atlas, 2003, p. 77

[2] SARTRE, J.P. As Palavras. p. 14

[3] SARTRE, J. P. O Ser e o Nada – Ensaio de Ontologia Fenomenológica, Tradução e Notas de Paulo Perdigao – ed. Vozes, p. 19

[4] SARTRE, Op. cit., p. 40

[5] Existencialismo é Humanismo. Os Pensadores. ed. Victor Civita, 1984

[6] Resta aqui uma dúvida porque no texto do JOLIVET fala-se em escolha necessária, mas, pelo que se percebe nas aulas do Professor Franklin não há escolhas necessárias e sim momentos em que é necessário escolher. O homem seria livre mesmo que diante de uma situação fosse necessário ele escolher, enquanto a tradução que encontrei foi compreendida como, que, em face de haverem escolhas que me foram feitas anteriores, ou foram feitas antes de mim, posso reduzir-me a uma situação de ter que ter uma escolha necessária, que vai aparecer como ato volitivo, mas entre coisas postas.

[7] SARTRE, Op. cit., pp.

[8] SARTRE, Op. cit., pp. 290.

[9] SARTRE, Op. Cit., pp. 300

[10]HERCULANO, Alexandre. Cartas, Vol I 5ª. Ed., p 207, apud Joaquim Jose Gomes Canotilho – Estudos Sobre Direitos Fundamentais, 1ª. Edição Brasileira, RT – Coimbra Editora

[11] JOLIVET, Regis. Sartre ou a Teologia do Absurdo.Ed Herder, São Paulo,1.968.p.77

[12] JOLIVET, Op. Cit., pp. 78.

[13] X.x.x.x.,Op. cit., pp. 73-74 ( existencialismo e humanisno)

[14] JOLIVET, Op. cit.,.pp. 82.

[15] SARTRE, Op. cit., pp. 536

[16] Uso o termo “conduta” pelo conceito do Direito Penal para quem conduta signigfica toda a acao ou omissao humana. Uma conduta pode ser ativa ou passiva.

[17] SARTRE, Op. cit., pp. 542

[18] SARTRE, Op. cit., pp. 545

[19] SARTRE, Op. cit., pp. 545

[20] SARTRE, Op. cit., pp. 549 [21] SARTRE, Op. cit., pp. 559