Liberdade e igualdade são conceitos. Não fatos. Uma abstração teórica.

O estado de liberdade e de igualdade é construído de acordo com determinados padrões éticos e políticos da sociedade. Ninguém ou nenhuma sociedade é ou já foi plenamente livre e igual.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos diz: "todos os homens são livres e iguais...". Mas basta observar à sua volta, ou mesmo observar a sua própria condição humana que perceberá que essa idéia é falsa.

O único estado de igualdade factual é a vontade sobre algo. Quando duas pessoas querem a mesma coisa elas se tornam iguais. E quando existe a vontade de duas pessoas sobre uma coisa surge a competição. Portanto o estado de igualdade é, na essência, o estado de guerra, de competição entre as pessoas.

A liberdade é, literalmente, a ausência de oposição. Assim sendo nunca existirá liberdade que conviva harmonicamente com igualdade, pois, se o estado de igualdade só se legitima sob o controle de uma autoridade, em que duas pessoas devem compartilhar o "objeto" ou objetivo desejado, elas não serão livres plenamente.

A partir desse ponto de vista, os conceitos de liberdade e igualdade chocam-se com as noções de direitos e deveres necessárias à convivência harmônica de qualquer sociedade. Para um indivíduo ter direitos ele deve cumprir deveres. E o cumprimento de deveres consiste em aceitar a oposição à vontade própria. Em outras palavras, a liberdade de um indivíduo termina quando começa a liberdade de seu próximo.

As noções de liberdade e igualdade que permeiam nossa sociedade, nossas leis, nossos direitos e deveres foram construídos de acordo com a ética burguesa, em uma sociedade capitalista. Essa noção de liberdade está ligada à capacidade de diminuir as oposições postas às vontades próprias através das forças econômicas. Do mesmo modo atribui-se o significado de liberdade à capacidade de adquirir bens materiais em função do fluxo de produção e consumo necessários ao mundo capitalista. Ou seja, sua liberdade se dá na mesma medida de seu poder de consumo.

A igualdade, dentro dessa mesma perspectiva, é a igualdade de direitos, e não a igualdade na aplicação deles. "Todos são iguais perante a lei desde que...". A única igualdade existente no mundo capitalista é a igualdade da necessidade, ou seja, todos necessitam das mesmas coisas. Porém a liberdade para conseguir essas coisas é falsa, pois as liberdades, ou melhor, as oportunidades também estão diretamente associadas ao poder de consumo.

Quando se questiona os modelos econômicos "capitalista e socialista", são a "liberdade e a igualdade" os conceitos centrais da discussão. Ou melhor, a "liberdade capitalista X igualdade socialista".

Como promover a liberdade sem oferecer as condições materiais para exercê-la? Como é possível que em uma sociedade haja liberdade plena sem que alguns violem a liberdade de outros? Como oferecer a liberdade coletiva sem o cumprimento de direitos e deveres que obrigam as pessoas a abrir mão de suas vontades próprias para o bem da coletividade?
Como promover a igualdade material socialista se as pessoas não são intelectualmente iguais? Se não existe a igual disposição ao trabalho? Se não são providas de iguais habilidades? Como estabelecer a igualdade entre pessoas culturalmente e eticamente diferentes?

Na histórica disputa política, econômica e cultural entre capitalismo e socialismo do século XX, o capitalismo conseguiu estabelecer sua concepção de liberdade e igualdade e convencer as pessoas que elas são legítimas e factuais, mesmo que não sejam na realidade. Ao contrário, o socialismo não conseguiu convencer as pessoas de sua proposta de igualdade. Podemos apontar vários motivos para esses fatos, que se ampliam desde estratégias ideológicas até práticas e aplicações políticas e econômicas de ambos os lados.
***

Considerando a essência humana, a nossa condição ética e moral, poderia afirmar que se trata da vitória da teoria de T. Hobbes em que "o homem é o lobo do homem" sobre a teoria de Rousseau em que o homem é o "bom selvagem". Os seres humanos são maus, egoístas e individualistas por natureza, e não bons porém corrompidos como afirmou Rousseau.

Os conceitos de liberdade e igualdade burgueses são muito mais atraentes e facilmente aplicáveis do que aqueles propostos pelos socialistas.

O sucesso do capitalismo no mundo explica e comprova a validade da teoria de T. Hobbes sobre a essência humana. A conjuntura social, política e econômica do mundo hipermoderno nos mostra nossa fraqueza e inferioridade ética e moral em relação à nossa espécie e à própria natureza.

Não somos afeiçoados a respeitar os direitos do próximo, uma vez que isso envolva cumprir deveres que se opõem à nossa "liberdade". Nossos direitos e deveres que buscam manter a harmonia social necessitam de autoridade, que por sua vez se vale da vigilância e da punição para ser eficiente. E mesmo assim os indivíduos aos quais é legitimada a autoridade se valem de sua condição para o benefício próprio, pois também não escapam à condição de "lobo do homem".

E se tal condição é de nossa natureza significa ser imutável? Não.

A maior virtude da natureza é a transformação. Na natureza nada é imutável. Tudo se transforma e se adapta. Isso significa que nós, enquanto frutos da natureza e seres que são providos de "natureza" própria, somos capazes de tranformarmo-nos. Necessitamos dessa transformação de nossa própria natureza. Por um novo "ethos". Transformar as palavras ideais em fatos reais. Transformar cada indivíduo para o benefício da espécie.

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Obs: o artigo foi elaborado com bases nos estudos de T. Hobbes, Rousseau, Hobsbawm e nos valores éticos de minha religião, o Candomblé.