INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 se preocupou em estabelecer limites à liberdade de expressão considerando a possibilidade de colisão com o direito de imagem e de privacidade. Ocorre ser comum na cultura ocidental a efemeridade do interesse pela vida
daqueles que possuem visibilidade na sociedade pelo cargo que ocupam ou pela profissão que exercem sendo esses estereótipos de sucesso, as chamadas pessoas públicas. Essas vêm tendo direitos de imagem e à privacidade constantemente confrontados por veículos de comunicação social que se arvoram na liberdade de expressão para expô-las em demasia.

Nesse sentido, antecipando a aplicação do método proposto por Robert Alexy para a resolução de colisões, surgem questões que devem ser sopesadas antes de se decidir sobre a preponderância de um ou outro direito em casos similares, tais como: A liberdade de imprensa se confunde com a liberdade de expressão? Quais os limites das liberdades de expressão e de imprensa? Quais os limites dos direitos de imagem e à privacidade quando o sujeito do direito é uma pessoa pública?
Essas questões ensejam a pesquisa, pois propiciam a investigação da temática direitos fundamentais e a elucidação de colisões entre eles tendo como plano de fundo a liberdade de expressão e o direito à imagem e privacidade, especificamente de pessoas públicas.
Assim, o trabalho abordará primeiramente a liberdade de expressão e de imprensa.
A intenção é analisar o direito fundamental à luz de Gilmar Mendes, Uadi Bulos e Rafael Lorenzo. Em seguida será examinada a discussão “liberdade de expressão versus liberdade de imprensa”, partindo do entendimento de Rafael Lorenzo de que a liberdade de imprensa é um conteúdo da liberdade de expressão, e aditando alguns elementos trazidos pelo autor Venício A. de Lima sobre o posicionamento contraditório e desviante dos meios de comunicação em face do que apregoa a liberdade de expressão.
Da mesma forma, no capítulo seguinte, a partir dos manuais se pretende esmiuçar o direito de imagem. Ainda, será aditado o entendimento sobre pessoa pública e a discussão sobre a flexibilização do direito à privacidade e à imagem dessas pessoas. Como apoio para tratar do tema, será usado como referência o trabalho monográfico de Lemos (2006) no qual se elucidam os conceitos de pessoa pública e onde é feita toda a discussão sobre a flexibilização do direito à imagem dessas pessoas em face da liberdade de expressão e de imprensa.
Por fim, no terceiro capítulo será abordado a forma atual de resolução de colisão de direitos fundamentais, basicamente o método da proporcionalidade de Robert Alexy e a análise de Luís Roberto Barroso acerca dos parâmetros constitucionais para a ponderação sobre a prevalência da liberdade de imprensa ou o direito à imagem e privacidade no caso concreto.

1 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E LIBERDADE DE IMPRENSA


1.1 Liberdade de expressão


O pensamento é de fato a liberdade plena do homem, e sua manifestação através da linguagem (em suas diferentes formas) torna possível a sociedade. Nesse sentido, no contexto democrático, a liberdade de expressão constitui um corolário. Sua proteção e/ou não afetação são pilares da Democracia, contudo, apesar da soberba importância, isso não a torna algo absoluto sendo possível a restrição constitucional.
Lorenzo fraciona o conteúdo da liberdade de expressão em três: a liberdade de expressão em sentido estrito, liberdade de informação e liberdade de imprensa. O primeiro trata-se da liberdade individual  e cada um de expressar-se livremente perante seus concidadãos. O segundo engloba o primeiro e é acrescido do direito subjetivo de receber informações verdadeiras. Por fim, a liberdade de imprensa engloba os outros dois conteúdos pois é através dos meios de comunicação que se manifestam, trata-se do direito e ao mesmo
tempo dever dos meios de comunicação de veicularem as informações para o grande público (2011, p.398).
Pois bem, a Constituição Federal reconhece o corolário democrático da liberdade de expressão e Gilmar Mendes identifica-o no art. 5º, IV (livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato), no inciso XIV do mesmo artigo (é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional), bem como no art. 220 (a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição) e nos §§ 1º (nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV) e 2º (é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística) (MENDES, 2012, e-book, p. 333). Assim, vê-se pela disposição na Constituição que a liberdade de expressão é um direito formalmente e materialmente fundamental, haja vista que o legislador constituinte decidiu por dispor sobre direitos fundamentais no Título II que se estende do artigo 5º ao 17º. Mas além de identificar a previsão constitucional da liberdade de expressão Gilmar Mendes faz relação desse direito
fundamental à teoria dos status de Jellineck (apud Alexy, 2011) ao dizer que

"Não é o Estado que deve estabelecer quais as opiniões que merecem ser tidas como válidas e aceitáveis; essa tarefa cabe, antes, ao público a que essas manifestações se dirigem. Daí a garantia do art. 220 da Constituição brasileira. Estamos, portanto,
diante de um direito de índole marcadamente defensiva — direito a uma abstenção pelo Estado de uma conduta que interfira sobre a esfera de liberdade do indivíduo" (MENDES, 2012, e-book, p. 335).


O entendimento de que a liberdade de expressão tem faceta negativa vai ao encontro do que diz Lorenzo para justificar a proteção dela sob duas perspectivas: uma substantiva e outra instrumental. Na primeira, e que se encaixa bem ao que disse Gilmar Mendes, defende-se que a liberdade de expressão representa um valor em si. “Essa perspectiva pressupõe a ideia de que os indivíduos são capazes de discernir aquilo que é bom
do que é ruim e, portanto, têm o direito de definir suas próprias escolhas” (2011, p. 394).


Dessa forma, a censura ao conteúdo de qualquer manifestação seria incompatível com a autonomia dos cidadãos, não sendo dever do Estado definir quais ideias circulam na sociedade. Quanto à outra perspectiva, a instrumental, Lorenzo vê a liberdade de expressão como instrumento para a promoção de valores consagrados, a saber, a democracia e o que decorre dela como pluralismo e a ideia de isonomia (2011, p. 395).


O Ministro do STF, Celso de Mello, destacou bem a importância da liberdade de expressão para o regime democrático quando citou o caso de críticas jornalísticas que são imunes a restrições provenientes inclusive dos Poderes Públicos:
O Judiciário, por exemplo, não pode impor segundo convicções próprias do magistrado, cerceamento a comentários jornalísticos de natureza política, sociológica, filosófica, ideológica ou confessional, nem estabelecer padrões de conduta cuja observância implique restrições aos meios de divulgação do pensamento, [...] [porque] o exercício regular do direito de crítica, que configura direta emanação da liberdade constitucional de manifestação do pensamento, ainda que exteriorizado em entrevista jornalística, não importando o conteúdo ácido das
opiniões nele externadas, não se reduz à dimensão do abuso da liberdade de expressão, qualificando-se, ao contrário, como verdadeiro excludente anímica, que atua, em tal contexto, como fator de descaracterização do intuito doloso de ofender.
Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência comparada (Corte Europeia de Direitos Humanos e Tribunal Constitucional Espanhol) (STF, Ag. Reg. No AI 675.276/RJ, Rel. Min, Celso de Mello, clipping do DJ de 11 a 15-04-2011, apud BULOS, 2012, p. 577).


Diante desse posicionamento a liberdade de expressão aparenta ser um absoluto, mas de fato não o é. A Constituição Federal tratou de estabelecer critérios para o seu exercício como, por exemplo, a vedação ao anonimato, ou seja, a identificação de autoria é condição para a proteção da liberdade de expressão.
Outro ponto a ser observado, asseverado por Uadi Bulos, é o de que a proibição à censura não constitui garantia para prática de atos ilícitos que choquem com outras garantias fundamentais (2012, p. 576). Por exemplo, a proibição ao chamado hate speech ou discurso de ódio que fomenta práticas diversas do que se espera de uma sociedade igualitária, diversa e, sobretudo, tolerante, que promove fervoroso debate por todo o mundo. Sobre o hate speech, Daniel Sarmento destaca bem o posicionamento da corte suprema do Brasil:

No Brasil, como se sabe, o tema foi objeto de uma importante decisão do Supremo Tribunal Federal em 2003, no caso Ellwanger4 – já qualificado por integrantes da Corte como o mais relevante julgado da história daquele tribunal em matéria de direitos humanos. Decidiu-se, naquele julgamento, que a liberdade de expressão não protege manifestações de cunho anti-semita, que podem ser objeto de persecução penal pela prática do crime de racismo. E há vários outros casos em cortes inferiores
apontando na mesma linha (SARMENTO, p. 3).


Além da vedação ao anonimato e do posicionamento dos tribunais contrário ao hate speech, a Constituição Federal no artigo 220, §3º, I e II, diz que cabe à lei federal regular as diversões e os espetáculos públicos e dar possibilidade à pessoa e à família de se
defenderem de programações midiáticas que contrariem o artigo 221 (BULOS, 2012, p. 576- 577).
Por fim, a Carta Maior veda no artigo 5º, X, a violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, e assegura o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação. Aqui se encontra o ponto nevrálgico do artigo haja vista ser a partir da colisão entre a liberdade de imprensa e o direito de imagem que se debruça o presente estudo, assim, haverá maior aprofundamento mais adiante.
Pois bem, apesar das limitações constitucionais vê-se constantemente a colisão da liberdade de imprensa, enquanto conteúdo da liberdade de expressão na visão de Lorenzo, com outros direitos fundamentais especialmente a honra e a imagem de particulares. De fato o que se pretende discutir é o comportamento abusivo dos meios de comunicação de massa a respeito do uso dessa liberdade. Nesse sentido, o próximo item pretende  profundar a discussão da limitação à liberdade de imprensa.
1.2 Os meios de comunicação e a liberdade de imprensa. 

Os conglomerados das empresas de comunicação defendem a ideia de que a liberdade de imprensa é uma espécie de termômetro do nível de democracia de um país. O raciocínio é o de que o crescimento da liberdade de imprensa é diretamente proporcional ao enraizamento dos princípios democráticos em uma sociedade. Nesse sentido a intervenção estatal constitui risco à democracia.

Por outro lado, quando era discutida a inconstitucionalidade da lei de imprensa na ADPF 130, o Ministro Menezes Direito identificou o seguinte paradoxo “quanto mais forte a imprensa se torna, mais frágil ela se torna” e que este só poderia ser resolvido através de um sistema de freios e contrapesos. O Ministro Joaquim Barbosa acrescentou a necessidade de pluralidade da imprensa, não bastando a ela ser inteiramente livre e que por isso o Estado, ao
intervir, não figura como inimigo da liberdade de expressão, mas sim como fortalecedor dela (LORENZO, 2011, p. 420).
Kaarle Nordenstreng, professor da University of Tampere na Finlândia (apud LIMA, 2012, p.30) ao comentar o artigo 195 da declaração Universal dos Direitos Humanos diz que “a frase ‘liberdade de imprensa’ é enganosa na medida em que ela inclui uma ideia ilusória de que o privilégio dos direitos humanos é estendido à mídia, seus proprietários e seus agentes, ao invés de ao povo para expressar sua voz através da mídia” e continua dizendo que “ nada no artigo 19 sugere que a instituição da imprensa tem qualquer direito de propriedade sobre esta liberdade”.
Como foi dito um pouco antes a liberdade de imprensa é um dos conteúdos da liberdade de expressão e é através dela que se realizam os outros dois conteúdos (liberdade de expressão em sentido estrito e direito à informação). A presunção seria a de que o acesso aos meios de comunicação deveriam ser tão democráticos quanto possível para que de fato fosse plena a liberdade, mas o que ocorre é algo diverso, haja vista a concentração dos meios de comunicação nas mão de poucos grupos6 com interesses os mais variados. Pois se estabeleceu
a lógica capitalista e os meios de comunicação se transformaram em grandes empresas. Nesse sentido “a imprensa passou a deter o monopólio virtual da construção, manutenção e reprodução de capital simbólico e, portanto, a funcionar dentro de uma outra lógica, isto é, a lógica do poder” (LIMA, 2012, p. 36). Lima é categórico ao dizer que ao se transformar em empresas, ao estabelecer para si a lógica do capital a relação direta entre imprensa e liberdade de expressão deixa de existir.

Diante desse cenário cabe agora analisar o direito que costumeiramente vem sendo confrontado, o direito à imagem, honra e privacidade, especialmente daqueles que são
considerados pessoas públicas.


2 DIREITO À PRIVACIDADE E À IMAGEM


O artigo 5º, inciso X da Constituição Federal diz ser invioláveis a intimidade, a vida privada a honra e a imagem das pessoas, sendo assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação. O direito à privacidade conduz “à pretensão do indivíduo de não ser foco de terceiros, ou seja, de não ter seus assuntos e informações particulares expostas ao público em geral”. (MENDES, e-book, 2012, p. 350). A vida privada
do homem é direito assegurado também pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em seu artigo 12, dispõe: “Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação.
Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques”. Tércio Sampaio Ferraz Júnior, entende que esse é
“um direito subjetivo fundamental, cujo titular é toda a pessoa, física ou jurídica, brasileira ou estrangeira, residente ou em trânsito no país; cujo conteúdo é a faculdade de constranger os outros ao respeito e de resistir à violação do que lhe é próprio, isto é, das situações vitais que, por só a ele lhe dizerem respeito, deseja
manter para si, ao abrigo de sua única e discricionária decisão; e cujo objeto é a integridade moral do titular”.

O direito à privacidade abrange também, a inviolabilidade do domicílio e a vida doméstica, o sigilo da correspondência e das comunicações convencionais ou eletrônicas, e os dados pessoais. Já o conceito de imagem trata de um aspecto visual, que nada mais é do que representações gráficas, fotográficas, esculpidas, entre outras, tanto de pessoas quanto objetos. Partindo do pressuposto que toda pessoa tem um patrimônio jurídico, direitos personalíssimo sendo uns de caráter patrimonial e outros não, advém a ideia de que a imagem faz parte do patrimônio moral da pessoa e portanto requer proteção jurídica (LEMOS, 2006 p. 20). Nesse sentido, além de garantir a inviolabilidade desses direitos conexos (privacidade, intimidade e imagem), porém autônomos, no inciso X do artigo 5º a Constituição assegura, o direito de resposta (art. 5º, V, CF) como meio de sanar ou mitigar possíveis lesões a esses direitos.
A respeito da afetação a eles, William Prosser (apud MENDES, e-book, 2012, p. 349-350) considera quatro formas para fê-lo: 1) intromissão na reclusão ou na solidão do indivíduo; 2) exposição pública de fatos privados; 3) exposição do indivíduo a uma falsa
percepção do público (false light), que ocorre quando a pessoa é retratada de modo inexato ou censurável; 4) apropriação do nome e da imagem da pessoa, sobretudo para fins comerciais.

No que diz respeito à imagem hoje em dia existe uma diversidade de meios de divulgação e reprodução, dentre eles temos: o desenho, a escultura, a pintura, a fotografia, a televisão, a imprensa escrita e a internet (LEMOS, 2006, p. 23). A situação conflituosa diz respeito ao consentimento daqueles que têm sua imagem de alguma forma capturada ainda mais se quem capturou o fez com objetivo de obter alguma vantagem com a reprodução ou
divulgação. Nesse sentido Gilmar Mendes trabalha com duas possibilidades de consentimento, o tácito e o expresso. Na primeira hipótese a imagem capturada da pessoa não é o objeto principal mas tão somente um elemento, por exemplo a fotografia de uma paisagem com vários transeuntes. Presume-se que o consentimento desses transeuntes é tácito, não sendo necessário por tanto uma autorização expressa. Ao passo que no consentimento expresso o objeto da captura é a imagem da pessoa, sendo necessária a sua autorização para a veiculação (MENDES, e-book, 2012, p. 351).
Ocorre que em casos nos quais o objeto da captura ou o conteúdo da matéria dizem respeito a pessoas públicas a questão do consentimento parece se fragilizar. Nesse sentido é de bom tom esclarecer o que incide nessas situações de choque entre liberdade de imprensa ensejando a fragilização do consentimento e, por conseguinte, a afetação do direito à imagem, privacidade e intimidade dessas pessoas diferenciadas.
Pois bem, por pessoa pública Alcides Leopoldo e Silva Junior entendem ser aquela que se dedica à vida pública ou que a ela está ligada, ou exerce cargos políticos, ou cuja atuação dependa do sufrágio popular ou do reconhecimento das pessoas ou a elas é voltado, ainda que para entretenimento ou lazer, mesmo que sem objetivo de lucro ou com caráter eminentemente social, como são por exemplo, os políticos, artistas, modelos e outras pessoas notórias. (apud LEMOS, 2006, p. 35)

Ou seja, toda a pessoa devido o cargo ou atividade que exerça, e ao mesmo tempo seja reconhecida por um número significante de pessoas, é considerada pessoa pública. A atribuição do caráter de publicidade à pessoa é a sua voluntariedade diante da exposição
perante a imprensa. Para essas pessoas a imagem é de grande importância, pois está ligada à opinião de outras pessoas, ou seja, a opinião pública.
Toda a pessoa pública tem a necessidade de ser notada e reconhecida por outras pessoas, sejam elas pessoas comuns ou outras pessoas públicas. Portanto o direito à imagem não pode ser absoluto, devendo haver uma limitação, pois toda pessoa pública também tem o direito que sua intimidade em relação a sua vida privada seja preservada. (LEMOS, 2006, p. 37). Mas, quando há algum tipo de divulgação dessas pessoas, sua privacidade torna-se
reduzida ou limitada, pois ao mesmo tempo, a sociedade tem o direito e o interesse em saber o que se passa na vida pública dessas pessoas. (LEMOS, 2006, p. 38)
Paulo José da Costa Junior, esclarece o fato de haver divulgação de fatos da vida de uma pessoa pública, ao dizer que “ao se tratar de pessoa notória, o âmbito de sua vida privada será reduzido, de forma sensível. Isto porque, no tocante às pessoas célebres, a
sociedade tem maior interesse em conhecer-lhes a vida íntima, as reações que experimentam e as peculiaridades que oferecem” (apud LEMOS, 2006, p. 38).
Assim qualquer notícia a respeito da pessoa pública, acaba repercutindo os vários meios de comunicação, desde a televisão até a internet. Toda a pessoa considerada pública, principalmente no início da carreira, tem como objetivo estratégico atingir a notoriedade.
Porém, ao conquistar a fama, perdem a sua intimidade, mas não o direito a ela, apenas tornase este direito mais restrito e limitado. (LEMOS, 2006, p. 39) Para a divulgação e propagação dessa imagem, a autorização do titular é tida como requisito básico. Sem essa autorização, o uso da imagem é considerado ilícito e pode gerar responsabilidades e também o dever de indenizar.
Sobre essa limitação ao direito de imagem e privacidade de pessoa pública Gilmar Mendes assevera:
Por vezes, diz-se que o homem público, é aquele que se pôs sob a luz da observação do público, abre mão da sua privacidade pelo só fato do seu modo de viver. Essa impressão é incorreta. O que ocorre é que, vivendo ele do crédito público, estando constantemente envolvido em negócios que afetam a coletividade, é natural que em torno dele se avolume um verdadeiro interesse público, que não existiria com relação ao pacato cidadão comum. [Mas] É importante frisar que não basta a veracidade da notícia sobre um indivíduo para que se legitime a divulgação.

Cobra-se, além disso, que a divulgação não se destine meramente a atender à curiosidade ociosa do público, mas que vise a se constituir em elemento útil a que o indivíduo que vai receber o informe se oriente melhor na sociedade em que vive. (ebook,
2012, p. 353).
Destarte o gargalo que surge é o de como qualificar a informação como sendo de utilidade pública ou não quando essa informação diz respeito ao proceder de determinada pessoa pública, ou seja, qual a relevância da conduta de determinada pessoa para a sociedade que mereça destaque na mídia?
Quando fala-se em escândalos de corrupção, denúncias de desvio de verba pública por prefeitos, deputados, secretários, ministros, etc. parece muito fácil a resposta e justa a devassa feita pela mídia na vida dessas pessoas especialmente quando as denúncias se
confirmam. Mas quando as denúncias não procedem? Como foi dito acima por Uadi Bulos, apesar do uso do direito de resposta “a força do desmentido nunca é maior que a do mentido”.
E quando as celebridades têm suas vidas expostas pelos  chamados paparazzos? Diante dos valores cultivados pela sociedade do consumo, como por exemplo o culto ao corpo, o
aparecer pelo aparecer, como discernir o que é ou não informação de utilidade pública?
Gilmar Mendes considera que antes da divulgação deve ser feita a ponderação acerca da necessidade de veiculação ou não de determinada informação (e-book, 2012, p. 353). Assim, diante do que se observa constantemente nos veículos de comunicação de massa é que se faz necessária a análise de como resolver esse conflito de direitos. É do que trata o tópico seguinte.


3 PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS PARA A RESOLUÇÃO DA COLISÃO


Em sua teoria, Robert Alexy (2011) defende um método para a resolução de colisões entre os direitos fundamentais, a proporcionalidade. Esse método se divide em três etapas: adequação, necessidade e ponderação. Na primeira etapa, diante da afetação de um direito fundamental pelo exercício de um outro, é verificada a adequação da escolha de um meio, uma forma de reparação ou mitigação à ofensa sofrida. Sendo esse meio adequado, passa-se à segunda etapa, a necessidade, nela há uma comparação da eficiência do meio escolhido em face de meios alternativos, assim, o que se observa é: qual deles realiza o
objetivo da reparação ou mitigação de forma igual ou superior ao meio escolhido; qual tem maior probabilidade de alcançar a finalidade; e qual deles é o mais veloz nessa reparação ou mitigação. Por fim, há a ponderação (ou proporcionalidade em sentido estrito) através do sopeso de argumentos prós e contras à prevalência de um determinado direito sobre o outro.

Em seguida há uma decisão. 

Embora se observe o esforço da racionalização para a resolução de colisões entre direitos fundamentais, quer queira ou não, há significativa dose de subjetivismo para decidir sobre a prevalência de um ou outro direito nos casos concretos. Nesse sentido, o legislador constitucional criou dispositivos (reservas legais) para restringir os direitos fundamentais e, portanto, facilitar o trabalho do intérprete quando da aplicação do método da proporcionalidade.
Na colisão tratada no presente trabalho, entre liberdade de imprensa e direito de imagem e privacidade de pessoas públicas, Luís Roberto Barroso em artigo publicado na internet trabalha com os parâmetros constitucionais para a elucidação desse tipo de colisão.
Alguns já foram citados neste trabalho, mas de forma superficial, por isso a necessidade de criação deste tópico.
Pois bem, inicialmente, Luís Roberto Barroso fala da veracidade dos fatos, considerando que a falsidade destes não constitui um direito fundamental do emissor.
Devendo ser considerada para a responsabilização o dolo da divulgação de notícias falsas e a negligência na apuração dos fatos. Deve ser considerada também a licitude do meio empregado na obtenção da informação, pois, por exemplo se a notícia foi obtida por meio de interceptação não autorizada se configura crime e ilegítima a divulgação. O local do fato também merece atenção, se a informação foi obtida em local público, em princípio, os fatos
são noticiáveis, mas se foram obtidos através da violação de área particular ou de circulação restrita de pessoas, não são noticiáveis.
A natureza do fato, se tem caráter noticiável ou não, como no exemplo da divulgação de crimes ainda que seja afetada a imagem, honra e intimidade dos envolvidos, percebe-se com clareza o interesse público nesse tipo de notícia. Nesse sentido os fatos noticiáveis são de interesse público a menos que o interessado na não divulgação demonstre que em determinada hipótese há interesse particular que seja capaz de sobrepor-se ao interesse público. Nos caso de informações provenientes de órgãos públicos a regra é a divulgação a menos que elas envolvam questões de segurança nacional.
Por fim, Luís Roberto Barrosos ressalta menor intensidade da proteção dos direitos à imagem e privacidade de pessoa pública contudo sem corresponder a essa situação a supressão dos direitos de tais pessoas. Considera ainda que deve-se preferir por sanções posteriores e nunca pela censura prévia da divulgação das informações, pois há meios de reparação, como o direito de resposta e as indenizações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS


As grandes empresas de comunicação subverteram a ordem constitucional, pois não são meios de expressão da liberdade do povo, mas detentores e manipuladores de discursos. Se consideram o quarto poder, acima do bem e do mal. A liberdade de expressão, pilar da democracia, foi sequestrada pelos conglomerados de comunicação e só estes podem usá-la.
Esse é o primeiro ponto a ser desmistificado, considerando os aspectos analisados, entende-se que, a liberdade de imprensa, à semelhança do que ocorre com todos os outros direitos fundamentais, não constitui absoluto. O seu exercício está sujeito a restrições, nos termos constitucionalmente previstos. Ainda que se verifiquem contra-ataques por parte da mídia quando se vê a liberdade de imprensa não prevalece em face de outros direitos.
Por óbvio, a liberdade de expressão é o pilar mais importante da democracia e por isso o magistrado deve ter muito cuidado ao considerar prevalente o direito de imagem e privacidade, embora o cenário requeira maior assertividade no controle para que a democracia não vire demagogia nas mãos da parcial imprensa.
No que diz respeito ao choque da liberdade de imprensa com o direito de imagem e privacidade de pessoas públicas, realmente há a fragilidade por conta do chamado interesse público. No entanto, o direito de não sofrer devassas não é suprimido e é possível a
responsabilização quando afetados incisivamente.
Por fim, o juiz ao aplicar a proporcionalidade deve sopesar essas considerações bem como pautar-se nos parâmetros constitucionais para que o nível de racionalização em suas decisões seja o mais elevado possível.

REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre Liberdade de Expressão e Direitos da
Personalidade. Critérios de Ponderação. Interpretação Constitucionalmente adequada
do Código Civil e da Lei de Imprensa. Disponível em:
http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art_03-10-01.htm; acesso em: 10/05/2013;
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. – 7ª ed. rev. e atual. – São Paulo:
Saraiva, 2012;
FERNANDES, André de Godoy. Meios de comunicação social no Brasil: promoção do
pluralismo, direito concorrencial e regulação. tese de doutorada apresentada à Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009;
LEMOS, Renata Prataviera de Andrade. Direito à imagem da pessoa pública. monografia
apresentada à Faculdade de Direito de Presidente Prudente, Presidente Prudente - SP, 2006
Disponível em:
http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/498/492; acesso em:
04/04/2013;
LIMA, Venício A. de. A liberdade de expressão X liberdade de imprensa: Direito à
comunicação e democracia. 2º ed. revista e ampliada. – São Paulo: Publisher Brasil, 2012;
LORENZO, Rafael. As Liberdades de Expressão e de Imprensa na Jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal. In: SARMENTO, Daniel. SARLET, Ingo Wolfgang (Coord.).
Direitos fundamentais no Supremo Tribunal Federal: balanço e crítica. Rio de Janeiro:
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MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gonet. E-book: Curso de Direito Constitucional. 7ª
ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “hate speech”.
Disponível em: http://www.danielsarmento.com.br/wp-content/uploads/2012/09/a-liberadeexpressao-
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