Emmanuel Levinas na sua obra Totalidade e infinito,vai abrir a discussão de que o infinito se opõe a totalidade, de que forma? A totalidade discutida e levantada em algum momento da filosofia principalmente por Hegel é uma tentativa de sintetizar todo conhecimento, apesar de sabermos que não há uma verdade a ser revelada por completa, já que não teremos nunca esta possibilidade mesmo que essa tal verdade possa existir, esse tipo de tentativa de síntese implica em dizer que toda realidade é abraçada pela consciência, que não há nada que fique de fora, é uma interpretação do significado de tudo.
Levinas vai dizer um não a esta síntese da consciência universal, e vai propor uma leitura pela individualização de cada homem diante do significado moral que ronda a sociedade e ainda vai dizer, para arrepiar os cabelos dos mais tradicionais, que a Ética é a filosofia primeira, quebrando com a totalidade de todas coisas. Afirmando que este tipo de pensamento não abrange a individualidade de cada um no período em que nascemos, crescemos e morremos, diagnosticar este processo como vida é negar a particularidade de cada homem diante deste acontecimento, esta relação particular não cabe em uma síntese.
Assim o filosofo Levinas leva o seu pensamento as relações mais puras do cotidiano e entra em uma filosofia ligada diretamente ao homem e sua relação com os outros. Mas como a ética virou filosofia primeira? A moral não é uma camada que cobre as relações, a moral ela é revelada das entranhas do infinito das coisas do homem, a moral compõe o que já era de lei no homem, esta moral não limitada ao termo ou as etiquetas estabelecidas por classes,é uma moral além, revelada, uma moral metafísica, sendo a moral o primeiro contato do saber do homem com o outro, encontrando uma filosofia primeira no rosto do outro.
Assim encontramos outro ponto no pensamento de Levinas, o rosto. O rosto é ético, estar além de traços, cor de olhos ou de pele, o rosto estar além, é um dizer filosófico, é o que mesmo em silencio fala eis me aqui, é o que anda nu e desprotegido, e mesmo assim diz não mataras, o que carrega o ser além de suas roupas, figurações, encenações da vida. O rosto é aquém, é infinito para o outro, mas é tu de tu mesmo para si. É belo e incompreensível. Tratando o rosto desta maneira Levinas traça um caminho para compreendermos melhor o infinito do rosto e a ética como filosofia primeira.
Afirmamos que o rosto é ético, de qual maneira seria possível um rosto ser ético, ser motivo de contemplação, de indagação, de filosofia? É necessário compreender o infinito interpretado por Descartes, para entender o rosto do outro como infinito de Levinas, a compreensão de Descartes para a temática do infinito, tentando ser o mais breve possível com estas palavras, é de que o infinito é teoretico é contemplação, um saber, é uma teoria posta em nós, como poderíamos pensar no infinito já que somos finitos? Levinas vai além, vai dizer que é impensável o infinito, possuímos o desejo de compreender a esta idéia, mas não temos a capacidade de compreendê-la em sua totalidade. Dessa forma quem pode decifrar alguém por completo? No rosto de outrem esta um infinito a ser desejado por nossa tentativa de compreensão, mas nunca uma conclusão sintetizada. E novamente Descartes, a resposta de como um ser imperfeito tem a idéia de perfeito já que ele é limitado, em longas meditações, ele vai concluir que só um ser perfeito para embutir em nós uma idéia de perfeito, assim se revela Deus no pensamento de Descartes, o infinito do rosto do outro trás Deus para Levinas, tem um pouco de Deus no rosto de cada um. E tem muito de filosofia no rosto de cada um.
É nessa grandeza da compreensão do rosto, que poderemos finalmente entender como a ética virou filosofia primeira, um rosto como algo infinito, a sempre ser revelado, estar sempre mesmo em silencio pedindo sua atenção, de qual maneira? Frente a frente com um rosto este estabelece com você uma frase "Eis me aqui", nos impõe a uma palavra, a ser percebido. Quando falamos antes que o rosto diz "não matarás", falamos justamente nesse processo de construção da ética no rosto, além do "eis me aqui" e do "não mataras", encontramos um imposição no rosto do outro, mesmo nu, ele da uma ordem e pede clemência. Perceba que as relações morais estão ditadas no contato com o rosto do outro, então a relação ética sincera esta incluída no homem e codificada na relação com o rosto, a moral não é um cobertor, mais uma vez, é algo retirado das entranhas das nossas ordens do infinito.
A identificação das atitudes pedidas pelo rosto do outro é medida pelo outrem, um terceiro. É uma justiça que paira plana nas nossas relações, quem sabe deste principio fundamental não nascia os primeiros lampejos éticos em homens antigos em suas cavernas, o homem se completando no rosto de outrem. Construindo a primeira filosofia, a ética.
Somos responsáveis pelo outro, esta responsabilidade não surge a partir de um raciocino pós o conceito de ética, não pensamos na ética primeiro para depois pensarmos na nossa responsabilidade com o outro, a ética sempre esteve em nossos rostos. E como já discutimos a cima, isso nos levou a responsabilidade com o outro, mesmo este outro não sendo responsável por nós, surge do rosto do outro uma relação nossa com a ética e assim por seguinte uma construção pela responsabilidade.
É nesta responsabilidade que o homem pode compreender a glória do infinito, esta responsabilidade pelo outrem é uma forma de exteriorizar um registro do infinito, é como se a ação do eis me aqui para com o outro fosse um dizer, além de nós, uma palavra tirada do infinito, do divino, não é apenas um dito, uma palavra que se atira da boca, é o que nos pede a lei do rosto com o outro.
Assim parecendo nos cobrar uma postura messiânica do entendimento do outro e das nossas atitudes de responsabilidades com o outrem, Levinas também nos deixa claro que esta postura messiânica, que parece sair de escrituras sagradas, não vai tão longe assim. Compreendendo a importância das particularidades do infinito de cada rosto e sendo sensato nas responsabilidades com o outro, atingiremos nossa própria postura messiânica e compreenderemos a gloria do infinito, que fica bem claro a ele que uma postura religiosa nos consola, nos entregando o infinito, enquanto a postura filosófica não encontra o infinito, mas podemos pela ética filosófica ou pela postura dos livros religiosos, sermos melhores, e nos render ao grande momento de estar e respeitar um outrem.