LEVANTAMENTO SOBRE O ESCAMBO NA ERA DA INTERNET: NOVA FORMA DE NEGOCIAÇÃO E REPERCUSSÃO JURÍDICA

 

 

Amanda de Souza Viana

Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – FACISA

[email protected]

Laíze Grace de Macêdo Dantas

Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – FACISA

[email protected]

 

INTRODUÇÃO

 

Nas sociedades pré-mercantilistas, as práticas comerciais surgiram a partir do excedente. Como inexistia a figura da moeda, as negociações, denominadas escambo, eram efetivadas através da troca (produto por produto), sem que houvesse características monetárias, apenas remetendo à utilidade do produto.

Porém, diante da evolução da sociedade, os negócios aumentaram, os artesãos abriram suas próprias oficinas, comerciantes passaram a organizar feiras nas quais vendiam seus produtos. Dessa forma, o uso de moedas tornou-se essencial, pois, proporcionou muitas facilidades, como, por exemplo, a ampliação do poder de compra devido ao estabelecimento de preços, valorando, assim, os produtos. Em virtude dessa facilidade, houve o declínio da prática do escambo, visto que o uso da moeda se tornará uma forma menos dificultosa de realizar o exercício comercial.
            Apesar dessa prática de permuta não ser mais a principal forma de negociar (diante do desaparecimento da atividade “escambista”) e, atualmente, a economia ter como base a moeda, houve a necessidade de serem resgatadas as trocas comerciais não monetárias, com o objetivo de evitar o desperdício, a desvalorização de produtos, além de incentivar o consumo colaborativo.

Dessa forma, o escambo ressurge, principalmente com o advento do e-commerce. Assim, a permuta multilateral agrega flexibilidade e liquidez ao permitir que mais empresas participem do intercâmbio. Diante desse novo contexto, por desencadear grande repercussão na esfera empresarial e econômica, cabe ao direito o poder de regular estas relações interpessoais. 

Existe previsão legal para realizar negócios através de Escambo na internet? A justificativa desta pesquisa está relacionada a inexistência de conteúdo relacionado ao tema, visto que, as relações escambistas tem sido alvo da economia internacional e nacional na atualidade. Em virtude desse impacto social e econômico, causado pelo retorno do escambo, necessitamos de prévio conhecimento sobre previsão legal que discipline esse tipo de comércio realizado via internet, e de proteções legais existentes que possam ser utilizadas na ausência de lei específica.

Para cumprir com o propósito de investigação supracitado, este trabalho objetiva analisar os acontecimentos econômicos oriundos do escambo moderno e traçar as repercussões jurídicas das trocas virtuais. Dessa forma, os objetivos específicos foram verificar o retorno dessa prática e caracterizar essas negociações no mercado internacional e nacional buscando relacionar essa forma de comércio ao universo jurídico.

 

1        CONTEXTO HISTÓRICO

 

De acordo com Martins (1996), no início os grupos sociais buscavam bastar-se a si mesmos, mantendo-se com suas produções rurais familiares. O natural crescimento populacional forçou as trocas de mercadorias e posteriormente a criação da moeda, o que tinha o único intuito de facilitar o escambo.

Esses intercâmbios de mercadorias ocorreram de uma forma natural, como uma forma conveniente de evitar o desperdício. Em virtude disso, percebemos a simplicidade existente nessa forma inicial de comércio, produto por produto, podendo ser proporcional ou não, pois, a necessidade era o viés inerente a escolha do objeto da troca.

Ainda nesse sentido, Platão descreve o surgimento do comércio de forma sucinta, em seu livro “A República”. O filósofo, ao explicar a origem da justiça, indaga antes as origens do Estado e do Comércio. Devido à impossibilidade dos indivíduos saciarem todas as suas necessidades com suas aptidões e recursos, se viram obrigados a aproximarem-se uns dos outros com o intuito de trocar os excedentes de seu trabalho. Tal aproximação acarreta a vida em grupo e posteriormente a sociedade. (PERINE, 2001)

Em decorrência disso, observamos o desenvolvimento da civilização, e o mecanismo das trocas em espécie se tornando complicado. Consequentemente, para facilitar as trocas, surgiu uma mercadoria-padrão, denominada moeda, que servia de intermediária no processo circulatório. Conchas, animais, sobretudo bois e, posteriormente, metais preciosos, servindo como denominador comum do valor.

De acordo com o supracitado, percebemos que a evolução do comércio tem acompanhado a evolução da sociedade, de maneira que estão diretamente ligados, os avanços tecnológicos e o aumento populacional contribuíram de maneira essencial ao alargamento das relações interpessoais comerciarias.

Montoro Filho (1996) entende que o escambo força a auto-suficiência pela dificuldade da troca direta, além do tempo que se perde nas transações. Essas dificuldades são superadas pela moeda que permite a especialização de cada um na produção em que for mais capaz.

Diante do exposto, concluímos que os grupos humanos pré-mercantilistas ainda não conheciam a unidade monetária e, naquela sociedade havia pouca diversidade de produtos, o que tornava desnecessária uma forma mais elaborada de comércio, portanto, o escambo era a única forma de comércio existente, até o surgimento da moeda que passou a facilitá-lo.

 

2        E-COMMERCE: CONCEITO E CARACTERIZAÇÃO

 

A internet nos trouxe muito mais facilidades do que talvez esperássemos possuir. Hoje, além de nos comunicarmos em tempo real, podemos comprar sem sair de casa, além de obtermos, em virtude do grande alcance de informações que ela nos traz, a grande variedade de produtos e preços.

O fenômeno da internet, de acordo com Lima (2013), inovou as relações humanas, posto que a mesma promove a comunicação de pessoas a longa distância e o acesso a uma gama de informações, gerando assim um mercado de publicidade e vendas, proporcionando inclusive uma maior concorrência. Com isso, em análise aos aspectos antropológicos da sociedade neste lapso de tempo, é possível perceber as mudanças de hábitos, de cultura e a complexidade nas interações humanas.

Podemos denominar o e-commerce, ou comércio eletrônico, como a forma on-line de compra e venda, na qual clientes conectados a uma loja virtual podem adquirir os mais diversos produtos e serviços disponíveis na grande rede de forma on-line e receber em um prazo determinado no endereço informado no ato da compra. Para O’BRIEN, a definição de comércio eletrônico é conhecida como a relação de compra e venda, realizada por meios digitais.

Outro conceito de comércio eletrônico que podemos citar é o de Kalakota e Whinston (1997), que o definem como o processo de compra e a venda de informações, produtos e serviços através da rede de computadores. De fato, o comércio eletrônico pode ser definido em diferentes perspectivas, compreendendo desde a venda e entrega de bens tangíveis à entrega de intangíveis através de meio eletrônico.

De uma forma geral, podemos classificar o e-commerce como o comércio realizado por vias digitais, possuindo como marco inicial a expansão da internet. O e-commerce surge em virtude da praticidade gerada, pois, além de comprar ou vender em questão de minutos, fazemos isso sem sair de casa, apenas com alguns “cliques”.

Teixeira Filho (2000) ensina que o comércio eletrônico enseja ao cliente maiores opções e customização de produtos ou serviços, reduz o tempo de busca e escolha, expande mercados com níveis de investimento relativamente mais baixos, enseja a produção sob demanda, reduzindo o overhead (custos fixos), especialmente o custo de estocagem.

Ainda podemos destacar, segundo Dar`t (2001), a eliminação do intermediário, possibilidade de venda em tempo integral, maior raio de atuação, pedido direto na base de dados e acesso ao histórico e preferências de comportamento como principais benefícios do comercio eletrônico.

Em relação às informações aqui elencadas, percebemos o quanto as transformações sociais ainda estão ligadas ao comércio, ou seja, um depende do outro para que possa existir. As mudanças causadas na sociedade ocasionadas pela internet não ficaram alheias às alterações do mercado, sociedade moderna, então, mercado moderno.

 

3        ESCAMBO NA INTERNET

 

De acordo com Krupinsk (2013), mesmo com a criação e circulação da moeda, o escambo é utilizada até hoje. Atualmente, com a massificação da Internet, é possível realizar permutas em sites de negociação e até mesmo em redes sociais. Essas novas ferramentas da web permitem trocar produtos e serviços em diversas frentes, prática que é conhecida como uma permuta multilateral. 

Vivemos um novo momento do mercado internacional, o retorno do escambo. Essa nova modalidade de permuta vem sendo realizada nas vias digitais de forma cada vez mais forte, por meio de sites especializados essas transações ocorrem de forma semelhante às descritas pelo e-commerce, porém, com sua característica de não-monetariedade.

O escambo na internet teve seu apogeu após a crise econômica ocorrida na Europa. Com essa crise, as empresas viram-se abarrotadas de grandes estoques, e para evitar o desperdício e o possível prejuízo, as multinacionais começaram a realizar trocas de mercadorias. Por exemplo, empresa “x” possuía grandes quantidades de madeira, e precisava de certa quantidade de plásticos, e a empresa “y” precisava de madeira e possuía o plástico, essas empresas começaram a trocar esses produtos entre si.

A partir disso, o escambo se propagou nas vias digitais com a finalidade de facilitar o contato entre os interessados, não mais só correspondente a empresas europeias, mas também as demais empresas existentes.

Esse método arcaico de comércio começou a se expandir nas redes sociais, em sites especializados, entre outros. E, vem sendo cada vez mais útil para os empresários essas trocas via internet, pois, a facilidade gerada e a diminuição de desperdício de estoque vem sendo vistas com grande apreço para o mundo dos negócios.

Com isso, podemos concluir que o escambo na internet veio revolucionar o mercado das empresas, com o cerne de conveniência, juntar o “útil ao agradável”, ou seja, usar o que se tem em mãos para ter o que precisa. Isso trouxe uma rotatividade necessária ao mercado, como forma de minimizar os impactos da superprodução.

 

4        REPERCUSSÃO JURÍDICA

 

O contrato de permuta é considerado como bilateral, uma vez que se desdobra em direitos e obrigações para ambas as partes. Da mesma forma, a troca é um contrato oneroso, mas não é um contrato gratuito, apesar de não haver a entrega da pecúnia nesta modalidade contratual. (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2009)

 Gagliano e Pamplona Filho (2009) abordam ainda que a troca ou permuta, em regra, pressupõe que as partes estejam em iguais condições de negociação, estabelecendo livremente as cláusulas contratuais na fase de pontuação, considerando-se, assim, um contrato paritário.

Como o legislador não detalhou sobre o contrato de permuta, de acordo com o artigo 533 do Código Civil de 2002, aplicam-se os regramentos da compra e venda, com as ressalvas dispostas nos incisos I e II, como segue:

 

Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações: 

I - salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da troca; 

II - é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante”.

 

Um contrato válido e eficaz, de acordo com Venosa (2008, p. 360), deve ser cumprido pelas partes: pacta sunt servanda. O acordo de vontades faz lei entre as partes, dicção que não pode ser tomada de forma peremptória, aliás, como tudo no Direito. Sempre haverá temperamentos que por vezes conflitam, ainda que aparentemente, com a segurança jurídica.

Diante do exposto, percebe-se que não há lei específica que regulamente o comércio através do escambo. Com isso, por analogia, é utilizado o Código Civil, mais especificamente na parte que regulamenta os contratos de compra e venda, a que o escambo é equiparado.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O fenômeno moderno caracterizado pela prática intencional de trocas de mercadorias, denominado escambo, tornou-se ferramenta essencial ao mercado moderno, objetivando a diminuição de desperdício de estoque.

Em decorrência de sua metamorfose, é observável a transposição dos limites de seus locais comuns, conseguindo atingir os mais diversos tipos de mercado, tais como comida, gado, madeira, móveis, diárias em hotéis, etc.

Este último momento, o do escambo na internet, configura a transmissão das ações de permuta do mundo real para um contexto virtual, ou seja, as trocas são efetuadas através dos recursos tecnológicos, transferidas para um espaço “não-presente”. Dessa forma, atinge-se um maior número de “trocadores” em um menor espaço de tempo, quebrando, assim, as barreiras territoriais e temporais existentes no mundo real.  

Destarte, por meio da consideração dessas características, observa-se a adaptação do escambo ao e-commerce e a sua aplicação na vida jurídica, visto que há o respaldo legal sob essa forma de negociação.

REFERÊNCIAS

CAVALCANTE, Benigno. Manual de Direito Empresarial. Leme: Cronus, 2010.

D’ART. P. R. Os acertos do comércio eletrônico. São Paulo: Informal informática, 2001. Disponível em: <http://www.informal.com.br/artigos/artigos.htm>. Acesso em: 23 de outubro de 2014.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Contratos em Espécie. Volume IV: Tomo 2. São Paulo: Saraiva, 2009.

KALAKOTA, R.; WHINSTON, A. Electronic commerce: a manager’s guide. New York, USA: Addison-Wesley, 1997.

KRUPINSK, Cassio. O escambo em tempos de Internet. 2013. Disponível em: <http://www.adnews.com.br/index.php?url=artigos/o-escambo-em-tempos-de-internet>. Acesso em: 24 de outubro de 2014.

 

LIMA, Maria Renata Barros de. A vulnerabilidade do consumidor no e-commerce. 2013. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/24601/a-vulnerabilidade-do-consumidor-no-e-commerce>. Acesso em: 24 de outubro de 2014.

MARTINS, Fran Martins. Curso de Direito Comercial. Rio de Janeiro, 1996.

MONTORO FILHO, A. F. Teoria elementar de funcionamento de mercado. In Manual de economia. Equipe de Professores da USP. São Paulo, 1996, Parte I, Cap. 2.

O’BRIEN, James A. Sistemas de Informação e As Decisões Gerenciais na Era da Internet. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004

PERINE, Marcelo. República/Platão: Tradução e adaptação em português. 1ed. São Paulo: Scipione, 2001.

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

SILVA, Maíra Santos Antunes da. Do contrato de troca ou permutaRevista Busca Legis. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br>. Acesso em 23 de outubro de 2014.

TEIXEIRA FILHO, J. O administrador e a internet. São Paulo: Informal Informática, 2000. Disponível em: <http://ww.informal.com.br/artigos/artigos.htm>. Acesso em: 23 de outubro de 2014.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Atlas, 2008, p. 360.

LEVANTAMENTO SOBRE O ESCAMBO NA ERA DA INTERNET: NOVA FORMA DE NEGOCIAÇÃO E REPERCUSSÃO JURÍDICA

 

 

Amanda de Souza Viana

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Laíze Grace de Macêdo Dantas

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RESUMO

Este artigo foi desenvolvido a fim de apresentar o escambo na era da internet, tendo como base uma revisão bibliográfica através de livros, monografias e artigos científicos provenientes da internet abordando o tema citado. Nas sociedades pré-mercantilistas, ainda quando era desconhecida a moeda, a primeira relação contratual foi através de permuta, também denominada de troca ou escambo. Como o comércio eletrônico vem se destacando no cenário dos negócios, também foram contemplados neste estudo os principais conceitos de e-commerce e sua caracterização. Partindo desses conceitos, foi discutido o escambo na internet e, em seguida sua repercussão jurídica. Mesmo com a criação da moeda, o escambo na internet se mostra como uma alternativa viável de comércio, visto que a permuta multilateral agrega flexibilidade e liquidez ao permitir que mais pessoas ou empresas participem do intercâmbio. Esse comércio é regulamentado pelo código civil, aplicando-se as regras de compra e venda, pois o legislador não detalhou sobre o contrato de permuta.

Palavras-chave: permuta, escambo, e-commerce, internet, repercussão jurídica.