INTRODUÇÃO

Nos dias de hoje, ser alfabetizado, isto é, saber ler e escrever, tem se revelado condição insuficiente para responder adequadamente às demandas da sociedade. Há alguns anos, não muito distantes, bastava que a pessoa soubesse assinar o nome, porque dela, só interessava o voto. Hoje, saber ler e escrever de forma mecânica não garante a uma pessoa interação plena com os diferentes tipos de textos que circulam na sociedade. É preciso ser capaz de não apenas decodificar sons e letras, mas entender os significados e usos das palavras em diferentes contextos.

Afinal, o que falta a uma pessoa que sabe ler e escrever? Por que muitos terminam a Educação Básica e não conseguem entender uma bula de remédio ou redigir uma simples carta? Para Moacir Gadotti apud Vargas (2000: 14):

O ato de ler é incompleto sem o ato de escrever. Um não pode existir sem o outro. Ler e escrever não apenas palavras, mas ler e escrever a vida, a história. Numa sociedade de privilegiados, a leitura e a escrita são um privilégio. Ensinar o trabalhador apenas a escrever o nome ou assiná-lo na carteira profissional, ensiná-lo a ler alguns letreiros na fábrica como perigo, atenção, cuidado, para que ele não provoque algum acidente e ponha em risco o capital do patrão não é suficiente... Não basta ler a realidade. É preciso escrevê-la. [Grifo da autora].

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1 - Trabalho apresentado ao Curso de Pedagogia da UNIASSELVI, na disciplina de Fundamentos da Lingüística no ano de 2008.

2- Graduado em Educação Física pela Universidade do Sul de Santa Catarina no ano de 2009.

A preocupação com o analfabetismo funcional (terminologia que a Unesco recomendara nos anos 70, e que o Brasil passou a usar somente a partir de 1990, segundo a qual a pessoa apenas sabe ler e escrever, sem saber fazer uso da leitura e da escrita) levou os pesquisadores ao conceito de "letramento" em lugar de "alfabetização". O conceito de alfabetização tornou-se insatisfatório. Segundo Soares (2000a: 1), "Se uma criança sabe ler, mas não é capaz de ler um livro, uma revista, um jornal, se sabe escrever palavras e frases, mas não é capaz de escrever uma carta, é alfabetizada, mas não é letrada".

Assim, nas sociedades letradas, ser alfabetizado é insuficiente para vivenciar plenamente a cultura escrita e responder às demandas da sociedade de hoje. Mas, o que é letramento? Letrar é melhor que alfabetizar? O que é uma pessoa letrada? Quais as diferenças entre alfabetizar e letrar? Quando se pode dizer que uma criança ou um adulto estão alfabetizados? Quando se pode dizer que estão letrados? É possível alfabetizar letrando?

Mesmo que não consigamos responder a todas essas questões, somos conscientes de que é preciso um novo olhar, um jeito diferente de caminhar, a fim de conduzirmos o processo ensino-aprendizagem da leitura e da escrita de modo significativo tanto para crianças como para jovens e adultos.

LETRAMENTO

Letrar é mais que alfabetizar, é ensinar a ler e escrever dentro de um contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida do aluno.

Magda Becker Soares, professora titular da Faculdade de Educação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e doutora em educação, explica que ao olharmos historicamente para as últimas décadas, poderemos observar que o termo alfabetização, sempre entendido de uma forma restrita como aprendizagem do sistema da escrita, foi ampliado. Já não basta aprender a ler e escrever, é necessário mais que isso para ir além da alfabetização funcional (denominação dada às pessoas que foram alfabetizadas, mas não sabem fazer uso da leitura e da escrita).

O sentido ampliado da alfabetização, o letramento, de acordo com Magda, designa práticas de leitura e escrita. A entrada da pessoa no mundo da escrita se dá pela aprendizagem de toda a complexa tecnologia envolvida no aprendizado do ato de ler e escrever. Além disso, o aluno precisa saber fazer uso e envolver-se nas atividades de leitura e escrita. Ou seja, para entrar nesse universo do letramento, ele precisa apropriar-se do hábito de buscar um jornal para ler, de freqüentar revistarias, livrarias, e com esse convívio efetivo com a leitura, apropriar-se do sistema de escrita.

Afinal, a professora defende que, para a adaptação adequada ao ato de ler e escrever, "é preciso compreender, inserirse, avaliar, apreciar a escrita e a leitura". O letramento compreende tanto a apropriação das técnicas para a alfabetização quanto esse aspecto de convívio e hábito de utilização da leitura e da escrita.

LEITURA

O processo da leitura pode ser definido de várias maneiras, dependendo não só do enfoque dado (lingüístico, psicológico, social, fenomenológico, etc.), mas também do grau de generalidade com que se pretenda definir o termo. Quatro definições serão apresentadas e discutidas aqui: uma geral, duas específicas e uma conciliatória.

A definição geral tem a finalidade de oferecer a essência do ato de ler, servindo de base comum para qualquer definição mais específica. As duas definições específicas atêm-se, cada uma, a um determinado pólo da leitura, desconsiderando o outro. Finalmente, a definição conciliatória tenta captar justamente os elementos que unem os dois pólos, oferecendo uma definição que seja, ao mesmo tempo, suficientemente ampla para que se incluam os elementos essenciais da leitura e suficientemente restrita para que não se incluam aspectos que pertencem a outras áreas de conhecimento.

ESCRITA

A escrita é uma tecnologia, criada e desenvolvida historicamente nas sociedades humanas, podendo ser globalmente caracterizada como a ocorrência de marcas num suporte. Mesmo que, habitualmente, a função central atribuída à escrita seja a de registro de informações, não se pode negar sua relevância para a difusão de informações e a construção de conhecimentos. O avanço das novas tecnologias e as interações entre diferentes suportes (por exemplo, papel, tela) e linguagens (verbal ou não verbal)têm permitido, inclusive, o aparecimento de formas coletivas de construção de textos, como é exemplo a própria Wikipédia.

O(s) instrumento(s) usados para se escrever e os suportes em que ela é registrada podem, em princípio, ser infinitos. Embora, tradicionalmente, conceba-se que a escrita tem durabilidade enquanto a fala seria mais "volátil", os instrumentos, suportes, formas de circulação, bem como a função comunicativa do texto escrito, são determinantes para sua durabilidade ou não. Na maioria das vezes, a intenção da escrita é a produção de textos que serão alvos da atividade de leitura.

CONCLUSÃO

Na sala de aula, o professor pode valorizar os usos da escrita presentes no cotidiano para ensinar os devidos conteúdos acadêmicos, como fazia a professora de Língua Portuguesa da referida escola. O professor, ao propor atividades que envolvem os usos da escrita que ainda não fazem parte do cotidiano, pode introduzir essas práticas de letramento de forma que os indivíduos compreendam a função da escrita no contexto social e sua relação com o contexto escolar (Terzi, 2001). Assim, ler e escrever através das práticas sociais pode favorecer o acesso ao conhecimento, habilitando o aluno a interpretar diferentes textos que circulam socialmente e a produzir textos eficazes nas diferentes situações sociais de que participa.

Cabe à escola e à educação como lugar de formação do sujeito social e espaço de construção da moral e da ética, de circulação das ideologias (pelo menos deveria ser), proporcionar ao aluno possibilidades para o exercício da compreensão, capacitando-o a utilizar-se da palavra de outrem não de maneira autoritária, mas de maneira internamente persuasiva para dela fazer uso num exercício de revisão e réplica.

REFERÊNCIAS

SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados, 1989.

––––––. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

KATO, Mary. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística. São Paulo: Ática, 1986. (Série Fundamentos)

KLEIMAN, Ângela B. (Org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 1995.

GERALDI, João Wanderley (Org.) O texto na sala de aula. 3ª ed. São Paulo: Ática, 2001.

PEIXOTO, Cyntia Santuchi et alli. Letramento: você pratica? In: Anais do VIII Congresso Nacional de Lingüística e Filologia. Rio de Janeiro: UERJ, 2004. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno09-06.html> Acesso em: julho de 2005.

SOARES, Magda. Letrar é mais que alfabetizar. In: Nossa língua – nossa pátria. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, 26/11/2000a. Entrevista. Disponível em <http://intervox.nce.ufrj.br/~edpaes/magda.htm> Acesso em: julho de 2005.