Lena....

 

“Pensei em te escrever uma carta definitiva, daquelas que não dá alternativa pra quem lê”.

 Pensava: será, meu Deus que somos já carta fora do baralho?

Até escrevi, mas parecia mais um bilhete. Um bilhete romântico, sério definitivo. No entanto pensei: será que ela vai me entende?

Constatei: entre eu, ela e este bilhete existe um senhor: o tempo.

“Ah, maldito o tempo que tira a novidade das coisas”!

Pensando assim desanimei, até desisti, mas pensei: “Bendito o tempo que  tudo renova e faz florescer”.

Pensei bem: vou fazer é um livro pra Lena.assim vou poder contar a minha história, e a nossa história de amor.

Vou poder dizer o que não disse, retratando tanto sentimento e tanto bem querer que numa carta não caberia.

Escrever um livro, isso mesmo.

Que fale de você, que fale de mim, que fale de nós, que fale por mim.

Que fale de alegria, de amor, de paz, mas também de angustia, de saudade e de solidão.

Que desabafe raivas, que resolva mal entendidos...

Tantas palavras tortas ditas ao vento, ao léu, sem medida, sem razão. Palavras loucas e desvairadas, embriagadas pela paixão. Palavras inocentes, ingênuas, ricas de intenção de carinho mas pobres de atitudes concretas.

Muito falamos, em dez anos, e nada dissemos. Muito quisemos e pouco fizemos.

O que importa é que é mesmo amor.

E o que é amor mesmo?

Como já disse uma poetisa regional, uma maranhense:

“Tanta gente tenta explicar, sábios com tanto conhecimento, o dicionário, aqueles conhecedores de cada palavra e tantos nobres, mas se enganam, ficam equivocados na inútil tentativa de explicar o que é o amor. Amor não se explica, não se define. Amor se dá a quem o faz despertar”.

Amor é o que eu sinto por você Lena.

É o que eu sinto toda vez que lembro de você, ou seja,  é o que eu sinto o tempo todo, já que de ti não esqueço um só momento do meu tempo, nem mesmo quando durmo, pois todas as noites você está nos meus sonhos.

É o que eu sinto desde o dia em que te conheci, é a minha realidade, de você não esqueço nem um instante do meu dia.

Você já sabe agora todo mundo vai saber, por meio deste livro que escrevo pra você, Lena.

Sou pernambucano. Pernambuco é berço do frevo, onde até já imperou o cangaço.

Terra de poetas, de grandes amores, de lindas paisagens e de belas morenas, mas pra mim, nenhuma tão bela quanto você Lena. Aliás, em nenhum estado brasileiro há uma morena mais bela do que você, Lena, minha Lena.

O estado de Pernambuco é famoso pelo seu tipo de carnaval, com trio elétrico que atrai turistas de toda parte. A bela Recife, suas belas praias, a inesquecível Olinda, por onde passou o cangaceiro Cabeleira e lá se findou.

Infelizmente não conheci nem uma nem outra destas cidades. É, nem capital nem nada de bonito do meu estado. Mas a vontade era grande. Vontade de conhecer, de ver, de viajar, estrada a fora.

Eu quando menino sonhava em poder viajar e  pensava: “melhor por água”. Talvez, foi daí que veio o meu sonho de ser marinheiro, mas faltou muito mais estudo, e isso o meu pai não me deu. Estudei um pouco, mas já foi aqui no Pará.

Pernambuco não é feito só de belezas, não. Não só ele, mas os outros estados, e até países, escondem os defeitos, a pobreza, a própria miséria mesmo, deixando no cartão postal só as cidades bonitas, a fartura, a riqueza, arte e alegria.

Minha terra é Cariri-mirim. Mirim mesmo, bem pequena, um lugarejo. Mais feio e esquisito ainda era o lugar onde eu morava, na zona rural, é, na roça.

Eu fico pensando, acho interessante, e até acho estranho... Ouvindo e pensando quantas músicas que falam com saudade da terra natal. O Luiz Gonzaga, aquele, o Gonzagão, cantava que sua terra era um braseiro, uma fornalha, nenhum pé de plantação.

Um dia vai embor, deixando sua amada Rosinha dos olhos verdes, mas vai com a esperança da chuva voltar pra ele poder voltar pra aquele seu sertão.

 Não, não minha irmã. Pois não é que eu não tenho esta saudade.

A lembrança mais marcante que eu tenho lá da minha terrinha é de quando uma chuva que de tanto que demorou chegar, quando chegou levou quase todo mundo embora.

Meus pais tiveram dez filhos. Três morreram e ficamos em seis homens e uma mulher. Eu sou o mais velho e por isso queria mandar, além disso, a cachaça do meu pai me deu a responsabilidade da família muito cedo, roubando a minha infância.

Com a minha irmã eu não brigava porque ela era muito pequenininha, mas com os meninos era um brigueiro só.

Brincadeira entre nós não tinha não. Não tinha tempo. Era trabalhar, trabalhar e trabalhar na roça de sol a sol.

Na escola, com os colegas, às vezes jogava um futebolzinho, ou bolinha de gude, sabe o que também se chama de peteca, por aqui, por aí de burquinha, sei lá, lá chamava de bilota.

Fui crescendo, e comigo crescia a vontade de sair dali e um dia ter uma vida melhor e dar uma vida boa pra minha família.

Eu plantava pra nós, e plantava na roça dos outros também.

Um dia aconteceu uma, quando eu tinha já quatorze anos, que me tirou de tento.

Eu andava contente. Colhi dez sacos de milho e lá eu ia, mais o motorista, carregando de jirico, daqueles tratores, sabe Lena.

Ele era um cabra bom, bebia uma pinguinha, mas nesse dia não tinha bebido não. Não sei “porque cargas d’água”, ele não engatou a marcha certa e o jirico virou com as quatro rodas pra cima.

Levei foi sorte, Lena, não era a minha hora. Deus me acudiu, caí bem numa vala e saí debaixo do tal jirico num relâmpago só. Mas o motorista, coitado, morreu na hora esmagado por todo aquele peso.

Em pé já, quando vi aquilo o desespero chegou, vendo ainda as pernas dele se estremecendo na morte.

 Na terra, na descidinha, vi seu sangue quente escorrendo e se misturando ao óleo derramado daquela máquina, escorrendo vermelho bem mais escuro ladeira abaixo.

Corri, corri tão rápido que até passei por um povo que lá e vinha, sem ver ninguém.

Cheguei lá onde estava o restante do nosso pessoal quase sem fôlego, mal gritando o socorro, contando mais ou menos do acidente. Nesse momento meu corpo foi travando e as pernas endurecendo, só acordei já internado no hospital do patrimônio maior.

Foi o nessa época que eu tinha  conhecido a cachacinha. Meu pai bebia, e muito, e foi ela a maior culpada da nossa pobreza e sofrimento. Mas tinha os peões, e eu querendo animar e agradar para o serviço, comprava pra eles a marvada pinga.

Os primeiros goles que eu experimentei desceram ardendo e queimando, feito formiga braba, mas depois ia se adocicando e parecia que me alegrava, fazendo esquecer um pouco da vida e da amargura.

Pois é Lena, não são muitas as lembranças que trago da minha terra.

Minha mãe trabalhadora, esforçada e sofrida, não tinha boca pra nada.

A molecada, aqueles meus irmãos, me atentando, eu implicando com eles, a ruindade e as bebedeiras do meu pai e aquelas pedras do tamanho de um boi. Pedronas roxas azuladas, pedra pra fazer calçada de rua, pra fazer asfalto.

O sol rebrilhava no arroxeado daquelas pedras criando um arco-íris lilás-alumínio que doía na vista, já ardida pelo suor salgado que se derramava pelo rosto.

Com fé e com coragem eu ia descendo a marreta naquelas pedras. Mas ali, eu só era uma máquina no automático, pois meu pensamento fugia sempre daquela cena pra desviar a atenção das dores nos calos da mão e da força que minha coluna tinha que botar na marreta.

Meu pensamento todo serelepe saía de fininho e ficava lá numa canoa, num rio manso e sereno. Em volta o verde, ao longe barulho de passarinhos alegres, e um burburinho de água fresca e cristalina batendo nas pedrinhas. Águinha vinda de uma nascente do meio da mata.

 Mais pra lá, na beira eu via umas florzinhas singelas, sem orgulho, sem maldade, com perfume nativo, e  em volta delas borboletas de toda cor.

Eu sentia a brisa soprando enquanto eu esperava o peixe morder a isca, mas eu nem tinha pressa. Lá ficava tranqüilo o meu pensamento, enquanto o meu corpo castigava a marreta na pedreira.

Meu pensamento, meu companheiro que fugia daquele dia-a-dia, era quem botava sonho na minha cabeça. Sonhava com a farda da marinha e eu partindo no navio, sumindo no longe, no horizonte do mar azul. Meu pensamento era quem inventava estas pescarias. Imaginava sempre outro lugar, de vida boa, de sucesso, paz harmonia, e assim  aumentava o desejo de sair da minha terra para outro lugar, tentar uma  sorte melhor, pra mim e minha família.

Um dia chegou uma tia , irmã da minha mãe que eu nem conhecia, ela mais meu primo. Passaram lá bem pela pedreira e pra eles os cabras me mostraram: “ aquele lá , ó, é o Ivanildo, seu sobrinho”! E os outros camaradas perto de mim apontaram: “olha  só lá,  aquela é a tua tia mais teu primo!  lá em cima , pra lá. Tá vendo?

Em casa a tia ouvia os nossos casos e contava de sua vida no Pará. Dizia que morava na cidade de Uruará e que tocava roça, o que ela  chamava de lote.

Meus olhos brilhavam e ela percebia. Meu pensamento já estava era lá, no lugar de que a tia falava.  Então tia me fez um convite.

- Querendo ir pra lá, Ivanildo, pode ir, de resto é trabalhar e estudar. Olha o lema da cidade lá , diz que é: “vai lá que vai dar certo”. Vou te mandar o dinheiro pra você ir na conta de mainha, tua vó, ou de teu tio.

Fiquei doido, cheio de esperança e contentamento. Tacava a marreta na pedra com mais força e coragem. Mas às vezes ficava desanimado e meu pensamento me perguntava: “será que ela vai mandar o dinheiro mesmo”?

E não é que ela mandou mesmo. Foi na conta de um visinho, um comerciante.

Lena, fiquei foi alegre por demais.  Mas logo aquele sonho se desmanchou feito castelo de areia, feito sal na água. Pai, mãe, avó, todo mundo disse não. Não deixaram porque era pra longe, e diziam: “- não, não, menino  de menor, não”.

Fiquei foi indignado e revoltado. Pelo quanto que eu já tinha trabalhado no pesado feito homem de maior, na lavoura, na pedreira, desde pequeno, foi. Ah, mas pra viajar, mesmo que pra continuar trabalhando, não podia. E pensava e remoia: será que estou condenado  “ a morrer com a cabeça no toco”, como se diz? Sem tentar nada?

Minha vó ficou emprestando o meu dinheiro que a tia mandou pra uns e pra outros. Isso até que foi bom porque um dia uma tia dela , minha tia segunda , sabe, tia avó,  chegou a passeio lá para aquelas bandas.

De combinação comigo, depois de eu contar toda a minha desventura, falou:

 - Ele pode ir comigo. Eu não moro não é em  Rondônia? Pois então, Ivanildo vai comigo até Imperatriz do Maranhão, de lá é um pulinho pro Pará. É um bocadinho só mais de viagem sozinho. Lurdes espera por ele lá na rodoviária, e pronto. Mas não tô dizendo?!

Assim sim. Concordaram.

Minha avó me deu o dinheiro que já tinha engordado um pouquinho e lá me fui com a tia de Rondônia.

Da roça pro Cariri-mirim fomos a pé,quatro quilômetros e de lá saímos de D20 até Juazeiro do Norte, no Ceará. Pegamos um ônibus até Imperatriz, onde me separei da tia que seguiu pra Rondônia.

Naquela rodoviária fiquei esperando condução umas quatro horas. Não tinha nem dezesseis anos completos ainda, meio bobo, mas nem tanto pra não desconfiar de uns caras que estavam me mirando depois que me viram mexendo na carteira. Devem ter visto as minhas três notas de cem.

Veio um e sentou perto de mim e o outro ficou rondando, expiando, um pouco mais de longe. Andando por volta de nós como quem não queria nada, bem de mansinho. O malandro do meu lado me encheu de perguntas querendo saber de onde eu vinha pra onde eu ia. Primeiro me ofereceu um cordãozão de ouro e insistiu. Disse que era pra comprar uma passagem pois seu destino era Serra Pelada. Eu não quis.

De repente disse que estava de carro próprio e que iria pra Altamira e me levaria cobrando bem mais barato do que eu ia gastar de passagem de ônibus, a metade do preço. Eu disse não.

Disfarcei e acenei para o rapaz do guichê de passagem que me acenou de volta sem entender nada. O cara perguntou se eu conhecia o moço, eu respondi: sim, é meu primo, eu estou com ele. É bom viajar com parente na minha idade. Assim os dois sumiram num estralo.

Bom continuei a viagem , ao todo foram mais quatro dias e quatro noites. Uma parte do caminho foi no asfalto, menos da metade em diante era estrada de chão. Chuva e mais chuva, atoleiro e mais atoleiro.

No caminho então fui fazendo amizade, conversando e tomando uma pinguinha aqui, outra ali, outra acolá, até que cheguei em Uruará, no Pará, era o ano de 1994.

Fui muito bem recebido e em poucos dias comecei a trabalhar no lote da tia. De lá mesmo ia de ônibus pra escola à noite.

Tudo era diferente, tudo era novo. Eu estava empolgado por demais. Na escola belas garotas.  Eu era novinho, acho que era charmoso, pois comecei a chamar a atenção das mulheres. Até a minha professora se mostrava interessada.

Aí pronto, já me sentia o próprio garanhão. Namorava de duas, três meninas de uma vez, isso mesmo, ao mesmo tempo, às vezes até mais.

Sei que isso não é certo nem bonito, mas me fazia bem, pra minha cabeça, como se diz, pra  auto-estima.

Assim ia tentando controlar minha coleção de moradinhas.

Tudo que começa com falsidade não termina bem, e a mentira todo mundo sabe que tem pernas curtas. Aconteceu que de duas delas uma acabou descobrindo da outra. Virou uma fofoca só, uma confusão e eu no meio, e a história se espalhando, fiquei desmoralizado e fui desmascarado com as outras todas também.

Uma das duas meninas que começou a descobrir sobre a minha cara de pau estudava na minha sala. A outra invadiu a sala, arrastou a outra pelos cabelos lá pra fora.  Pelo que eu fiquei sabendo, mesmo antes já tinha se estranhado por outros motivos. Rolaram então pelo chão e deu o que fazer para separar as duas gatas bravas.

A professora que demonstrava estar por mim enamorada, por sua vez, ficou decepcionada comigo e levou o caso para a direção da escola. A diretora me deixou de castigo, de joelho no chão, isso era de costume naquele tempo, naquele lugar, enquanto me dava aquele sermão de mãe. Depois ainda me deu suspensão das aulas por alguns dias, até que a poeira abaixasse, para eu por a cabeça no lugar e não fazer mais estas coisas feias, dizendo ela.

Os dias se passaram. Pensava em voltar pra a escola, mas de vergonha desistia da idéia. Então se foram meses de aula, pois não voltei mais depois da suspensão.

Conheci uns rapazes que trabalhavam com loja de confecções. Eles eram do Piauí. Sempre que eu passava por lá chegava na loja deles. Ajudava nas vendas, só mesmo por esporte, como se diz, só para fazer companhia a eles. E não é que eu vendia mesmo!

Eles começaram a se interessar pelo meu serviço e me chamaram para trabalhar na loja. Gostei da idéia, mas eu pensava: como deixar da roça da tia? Tinha medo que ela pensasse que eu era mal agradecido, um verdadeiro ingrato mesmo.

O tempo foi passando e eu sempre ia lá na loja dos meninos. Ajudava, vendia, só por gosto. Eles continuavam me chamando, insistindo que só. Expliquei meus motivos de não aceitar. Então o próprio dono, mesmo, foi falar com a tia. Ficou tudo certo.

Trabalhei por quase três anos na loja Caruaru, daí que vem meu apelido de Caruaru. Só saí de lá quando a loja fechou.

Este tempo que fiquei trabalhando na loja, fiquei boy, fiquei chicoso. Sapato lustrado, de cinto, bem arrumado, só no perfume. Era outra vida.

Fiz muitas amizades. Por muitos fui incentivado a voltar para a escola e voltei.

Você lembra meu amor? Foi naquela escola que nos conhecemos, 1999.

A gente não estudava na mesma sala, mas a gente se via na entrada, no pátio, no intervalo, todo dia.

Eu te enxergava Lena, mas ainda na te via .Não sabia que aquela moça, com quem muitas vezes até esbarrei sem querer no alvoroço e tumulto das turmas, se tratava do grande amor da minha vida.

É, Lena, naquele tempo eu estava vaidoso, deslumbrado pela nova vida. Queria viver, curtir, saborear os momentos dos passeios, das festa, das pescarias que desde menino eu sonhava fazer.

Você deve lembrar que você morava no lote e recém tinha chegado para morar na cidade. Não trazia contigo a malícia, nem a vaidade de usar coisas da moda, nem tão pouco o orgulho que julga as pessoas pelas roupas que usam, não dando valor ao coração do ser humano.

Agora eu sei que o precioso está no sentimento,  na bondade, na humildade, na vida e na natureza.

Sabia, Lena, que tem quem pensa que a simplicidade é um defeito? Eu já pensei assim, e hoje sei que a simplicidade é na verdade uma grande qualidade.

Eu via você pra lá, pra cá de chinelinho de dedo nos pés...  Eu com o meu sapato engraxado, driblando o barro... Minha roupinha da moda bem passada...

Bem, isso tudo parecia ser uma grande diferença, uma barreira, um abismo entre nós.

Além disso, eu tinha mulheres pra todo o lado, de todo o jeito.  Era com se eu estivesse montando um grande bouquê de rosas encarnadas, rubras, tão vermelhas quanto a paixão.

Não havia sentimento, era só mesmo a emoção da conquista, da posse. Como podia perceber uma flor do campo, tão singela e solitária como você?

Meus sentidos estavam constipados por vários perfumes. Fragrâncias fatais. Meus ouvidos, ludibriados por juras e mais juras de amores rápidos e descompromissados. Roseiras sem amanhã, sem raízes, e por elas eu não me dava o tempo, nem o trabalho de olhar pra trás e vê-las murchando e perdendo suas pétalas. Por isso tudo, Lena, é que eu te disse que te enxergava sim , mas não te via.  

Colegas começaram a comentar, pois não estavam cegos como eu:

-“aquela moreninha está a fim de você ”.

 -“Que nada”, eu dizia: isso é coisa da cabeça de vocês, e depois, não tem nada a ver nós dois”.

Só por curiosidade passei a observar. Não sei mais. Acho que li em seus olhos a paixão, não tive certeza, poderia ser só impressão minha.

De repente me envolvi com a Lucilene. Lembra? Uma amiga tua lá da escola. Hoje refletindo:- “O que será que você sentiu? O que será que você pensou”?

Foi namorico rápido, sem peso, sem saudade, nem tão pouco sentimento. Acabou tão rápido quanto começou.

O trabalho, as festas, as pescarias, os amigos e as garotas consumiam o meu tempo. Já fora da loja fazia muitos trabalhos. Ia para os travessões e faltava muito às aulas. Não me dedicava aos trabalhos que os professores passavam e por isso tudo parei de estudar.

Como você sabe depois da loja fui trabalhar na serraria, e entre outros, conheci Ênio, que viria ser um bom amigo, um companheirão.

Uruará é terra de muita mistura, gente de todo o lado. Muitos nordestinos como eu, e também muita gente do sul: gaúchos, paranaenses, catarinenses. Essas pessoas todas trouxeram para cá um pouco da suas culturas, dos seus costumes lá de longe, suas músicas, suas danças, comida, e tudo foi se misturando com o tempero do Pará.

Não é difícil ver um gauchão dançando o brega, tomando um tacacá, comendo um vatapá, e ainda um nortista ou nordestino experimentando um chimarão. Eu experimentei e gostei do tal do tererê dos catarinos. Um tipo de chimarão frio ou gelado. E fui gostando, e cada vez mais pegando gosto, que virou costume. Não que o Ênio, meu colega da serraria também gostava, e muito, do tererê.

Não sei se foi por causa do tererê, mas a nossa amizade foi crescendo, viramos amigos inseparáveis de trabalho, de festas e de tererê.

Uma vez me convidou para ir a sua casa para conhecer a família e para tomar um tererê. Eu fui. Conheci a mãe, irmãos e uma das irmãs era você, Lena. Você lembra desse dia? Senti uma coisa forte, diferente, acho que foi surpresa, não sei.

Saí da serraria e fiquei trabalhando no mato.    Ênio ficou mais um tempinho na serraria, mas depois foi pro mato também, mais seu irmão Ivan.

Fui me apegando a todos da sua família como se a minha própria. Tua mãe me tratava como a um filho. Quando a gente voltava do mato era só alegria. Juntava eu e seus irmãos e lá íamos pras festas. Não perdíamos nenhuma, e você sempre nos acompanhando. Você lembra, meu amor?

Alguma coisa dentro de mim não sei se é o certo dizer que foi mudando ou que foi se mostrando aos meus olhos. Fui te conhecendo aos poucos, e cada vez mais  te admirando pelo teu caráter, pelo teu jeito de ser.

Em cada passeio, nas festas, nas pescarias, nas cavernas, nos natais em família, nas noites de ano novo com toda a sua família no lote, aos poucos tudo em você me encantava.

Pensava em te falar dos meus sentimentos, ensaiava, ensaiava e faltava coragem. Temia um não.

A torcida por nós era grande. Todos da sua casa perguntavam pra nós pra quando era o casamento. Era engraçado. Você lembra?

Você tímida respondia:

-Eu não quero me casar agora não. Toda sem jeito.

Eu, pra não ficar por baixo, dizia:

-E nem eu tão pouco.

E assim ficamos num jogo, ora de gato e rato, às vezes de cão e gato, sem perceber que o tempo corria ligeiro, não podia nos esperar.

A espera de que algo acontecesse, que algo mudasse, já era insuportável e o tempo impiedoso sempre passando, sempre indo sem esperar.

O sentimento já me sufocava já me confundia sem dizer se era paixão ou se era amor. Sem dizer se você tinha realmente se apaixonado por mim naquele tempo da escola, ou se ainda me amava, se ainda me queria, ou não. Se eu te pedisse pra ficar comigo será que você ficaria? Me sentia culpado por não ter te notado no passado, ou será que notei e não entendi, ou na verdade não aceite?

E assim continuava tudo igual, às vezes tudo bem, às vezes tudo mal. A chuva continuava a cair e o sol a brilhar generoso. A lua continuava a aparecer em quatro fases no mês. A emoção continuava a derramar lágrimas. Palavras sendo ditas, palavras sendo esperadas. Músicas mexendo com a gente. A noite continuava chegando  inevitável, após um longo dia de luta, e a solidão alongando essas noites. O sonho sempre misterioso e às vezes surpreendente, nos meus sempre lá estava você. Muitos como eu esperando e almejando a felicidade. O amor continuava a ser tudo no mundo. O bom Jesus continuava “a ser o caminho a verdade e a vida”, e a minha vida continuava a ser você.

Em 20002 meu pai me escreveu dizendo que queria vir pra cá e trazer a família. As coisas por lá no nordeste não melhoraram, era só sofrimento. Juntei um dinheiro e mandei para ele. Vieram meus pais e meus irmãos. Alugamos uma casa perto da sua e então saí da casa da tia pra morar com eles.

Morando tão perto, vendo você indo e voltando eu sentia que aquele sentimento aumentava mais e mais.

Não demorou muito quando o pai conseguiu um lote, visinho daquele que possuo hoje. Mudamos pra lá, mas continuamos sempre juntos, nós e os seus.

As festas eram inesquecíveis e fazem parte das lembranças boas que trago da mocidade. Eu sempre quis aproveitar algum momento daquelas festas para te dizer o que eu pensava e o que eu sentia.

Lembro de tudo e hoje sinto tanto pela perda de tempo e pela nossa insistência em esconder e disfarçar nossos sentimentos.

É como um álbum de fotografia na mente. Lembro como se fosse agora. Naquelas festas quantas vezes fraguei seus olhos fixos nos meus,  e aquela sensação boa que dominava o meu instinto, causando a impressão de sentir você em mim, e de sentir até o gosto do beijo que não se consumava.

Lembro bem que numa dessas festas você conheceu um rapaz que eu já conhecia e com ele não simpatizava. A antipatia que sentia por ele piorou depois que ele se tornou seu namorado. Não sei, Lena, se consigo descrever o que eu senti, se raiva de mim, se ódio de ti.

Foi fatal. As lágrimas não vertiam, mas a dor era profunda, dor na alma. Como se eu tivesse sido lançado num canto da vida e por ti esquecido. Olhava em volta e nada me interessava, nada importava. Dali pra frente foi disfarçar, mostrar que nem ligava, porem quando chegava a noite, eu estava só e podia  então sofrer em paz.

Lembrava do teu olhar que sempre me pareceu tão verdadeiro e tão sincero. O teu olhar que confessava que me queria. Como poderia ter me enganado tanto? Eu pensava.

Sorte minha que aquele namoro não durou a vida inteira. Senti um alívio imediato, descanso e paz, no entanto ficou uma mágoa, uma birra, um sentimento irracional.

Livre daquele sujeito você então voltou a nos acompanhar nas praças, nas festas,  nas praias, nos passeios. E lá a gente ia pro Rio Iriri, pro Rio Guará, pescar e caçar bicho do mato. Aquela natureza toda era o cenário perfeito para um grande amor como o nosso.

Eu pensava:

Será que ela gostava daquele cara? Será que já esqueceu dele?

E de mim? Será que ela gosta, ou será que um dia ela gostou?

E se ela disser não, eu não te quero. Eu não agüentaria.

O tempo foi passando, passando tão depressa que nem sei pra onde ia com tanta pressa.

A gente conversava sobre tantas coisas menos sobre nós. Eu disfarçava meu olhar, você disfarçava o teu, e o tempo passando, lá ia longe acenando.

Qual na foi o dia que recebi um recado:

 - A Lena tá te chamando. É urgente, vá lá.

Eu fui ligeiro. Era uma surpresa muito grata e bonita. Seríamos padrinhos de batizado de uma linda menina. Fiquei feliz e honrado. Na verdade mais contente por você, Lena, ter me chamado para ser o padrinho contigo da filha de um casal de amigos teus.

No dia do batizado eu parecia mais um noivo do que um padrinho, bem alegre e muito inquieto.

Correu tudo muito bem, no dia do batizado, teve almoço e depois só foi festa.

Não muito tempo depois fomos todos para aqueles passeios de final de semana. Pescaria, depois peixe assado na brasa, uma cachacinha, uma cervejinha.

Fomos pra ficar três dias e três noites. Era bom demais balançar na rede. Era muita gente entre seus pais, irmãos, primos e amigos. Era muito bom mesmo.

Lembra que andando pela beira do Rio Iriri esbarrei com você. Não sei o que me deu, mas disse de uma vez:

-Quer se casar comigo, Lena? Lembra? E você respondeu:

- Eu quero.

- Mas quer mesmo?

- Sim eu quero.

De repente, antes que disséssemos mais alguma coisa, foi juntando gente em volta de nós, sem saber do que a gente estava tratando, que era de um assunto tão sério, tão bonito e tão importante.

Não deu para continuar melhor a conversa. Seu sorriso resplandecia e meu coração parecia que ia sair pela boca de emoção. Então eu disse, lembra?

- Vou pescar e voltar com  bastante peixe pra gente assar.

O Rio Iriri parecia festejar comigo e minha felicidade, me dando muitos peixes.

Tudo parecia mais bonito naquele dia e eu pensava cá comigo: - Hoje é o dia mais feliz da minha vida. Ela é meu lírio, é como a pétala da rosa mais linda desabrochando no amanhecer, se alegrando com o ar puro matutino. Ela me faz virar poeta. É meu dia, minha noite, como o orvalho que banha as flores. Ela tem o encanto da natureza que emociona e encanta. Juntos casados nós viveremos as alegrias de um grande amor.

Ah, Lena finalmente será a minha mulher, a minha companheira, razão do meu viver, meu desejo, da minha felicidade.

Finalmente nosso amor ia tomar forma e se propagar por toda a realidade.

Voltei com bastante peixe mesmo, pois o Iriri foi generoso comigo.

Já era boca da noite, qual não foi a minha surpresa, você não estava mais lá, não estava me esperando, eu que agora era seu noivo.

Sua mãe esbravejava e prometia taca. Então me disse revoltada:

- Lena se juntou mais os primos e irmãos  e pinoteram pra festa.

- Que festa? Onde isso, mesmo?

- Foram de barquinho para um forró que é daqueles que anoitece e amanhece. Vamos ver que horas ela chega. Nem me avisou que ia.

Perdi a fome, o gosto e o sono. Acho que foi a noite mais longa da minha vida.

Tudo que sonhei e imaginei pra nós dois naquela tarde parecia que não fazia mais sentido. A felicidade com meus filhos e com a minha amada, admirando a natureza, nossa casinha, um harmonioso lar... Ver com você o sol despertando e depois ir sumindo no fim do dia... Envelhecer juntos vendo os meninos crescidos. No dois juntos na labuta. Junto vendo dia cair, dia amanhecer enquanto a gente tivesse com vida... Andar de mãos dadas apreciando o canto dos pássaros, revoada de aves voltando para o ninho. A chegada da noite com o cri-cri dos grilos e o coaxar dos sapos. A brisa fresca nos cercaria, e às crianças adormeceriam. Nesse silêncio abençoado nós nos amaríamos, morrendo de paixão. Então eu te diria:

- Lena a felicidade existe e vive comigo.

Mas você só apareceu mesmo foi no outro dia, lá pelas tantas. Sua mãe brigou, brigou e muito, e você chorou.

- Tá desfeito o casamento. Eu disse.

- Então eu vou embora com a tia lá pro Maranhão, trabalhar no hotel e estudar. (você me respondeu)

- Vá mesmo. Quer que eu te compre a passagem? Eu compro.

E você foi, e eu fiquei aqui com a minha dor.

O tempo passou, bem um ano. Mas desta vez não passou ligeiro não. O tempo me fez pirraça e ia passando bem devagar, corroendo os meus dias. A raiva foi passando e a saudade tomando seu lugar. O amor é mesmo assim, faz a gente dizer coisas pra depois se arrepender. Depois vem o desespero machucando o coração. E aquele desengano e o medo da sólida dez eu me entregar por inteiro, quase como se implorando um perdão, louco de saudade fui perdendo o desafio.

Seus irmãos foram casando, se mudando, uns pra longe, outros pra perto.

Sua mãe pediu que eu ficasse na casa cuidando, já que eu estava trabalhando por perto, enquanto ela ficava no lote. Aceitei. Mas morar na sua casa, ficar lá sozinho me trazia dor, mas também prazer. Era como de certa forma você me pertencesse e eu a você. Era uma forma de proximidade. Lá tinha tantas coisas tuas que marcavam tua presença em cada canto e de certa\ maneira me consolavam. Eu passei então a te esperar, e pensava: - será que ela volta?

Quando ela voltar quero ter com ela uma conversa séria, sem ninguém para atrapalhar. Tenho certeza que a gente vai acabar se entendendo e se acertando.

Estava trabalhando no mato quando soube que você estava chegando de viagem. Vim assim que pude na maior ansiedade

Te vi.

Era você mesmo?Me perguntei.

Como estava linda, parecia uma pintura. Tão elegante e bem arrumada...o cabelo reluzia.

A paixão que já ocupava o meu peito há tanto tempo pareceu aumentar de uma forma que dentro de mim não comportava mais.

Queria te dizer que desde que você se foi das minhas vistas te procurei e não te encontrei mais, nem nas paisagens nem nas água do Uriri, nem nos jardins das praças.

Queria te dizer que estive te procurando em outros rostos, mas isso seria impossível porque você é única, e insubstituível.

Pensava e me perguntava: - será que o amor dela por mim acabou, morreu? O meu ainda vivia.

Queria dizer também que durante toda a  vida que me restaria eu estaria esperando por você, pra te amar. Mas eu lembro que eu não te disse nada disso.

O nosso conviver voltou a ser como sempre foi normal. Conversávamos como nos tempos passados. E mais um ano inteiro ia se passando. Você que voltou pra ficar alguns dias, só mesmo par passear e rever a família, os amigos e matar a saudade do lugar, ficou por um ano todo.

E naquele ano em que o nosso convívio passou com o tempo daquele ano, sem problemas, numa amizade tranqüila.

Você falava muito em reviver aquelas pescarias no Rio Iriri, mas sempre acontecia alguma coisa, um atrapalho ou outro e não deu para ir nenhuma vez.

A impressão que você passava com este desejo de voltar comigo às margens do Iriri er..., eu pensava; talvez... é que gostaria, de certeza queria voltar lá pra recomeçarmos a nossa conversa de onde paramos, apesar de não falar isso declaradamente.

As margens do Iriri são mágicas e você sabia que só mesmo lá eu poderia refazer o pedido de casamento.

Mais um ano se foi, mais um natal com a sua família. E como sempre nós dois muito falamos e nada dissemos.

Sua tia te chamou para trabalhar mais uma vez com ela no Maranhão. Pensei que você não fosse, mas você foi.

Senti ódio, minha alma ficou obscura e os olhos da razão se turvaram, Minha vida sem ti adoeceu.

Você ignorou a minha paixão, fingindo que não precisava do humilde coração que só palpitava por você?

Ignorou o apelo dos meus olhos?

Se você me enxergasse por dentro naquela hora, será que ia rir do meu pranto?

Será que não entenderia o meu desespero e me deixaria assim mesmo triste num canto?

Se você esperasse só mais alguns dias eu teria me lançado nos seus braços, aos seus pés. Só precisava de mais um tempo, esperava uma chance, esperava o momento certo. Eu juro que mostraria ser o melhor dos amantes, aquele que só quer a tua chama.

A minha voz quis tantas vezes te dizer “ te amo”, mas era a esperança que esperava o instante perfeito pra te dizer que meu pensamento  só era voltado pra ti.

Como aconteceu comigo no passado, quando te conheci, naquela sua partida, eu só fui um detalhe que você nem notou. Não me percebeu entre tanta gente.

Fui um tolo, um bobo, um apaixonado. Você foi o meu tudo, o tudo que me fez em nada.

Nem eu mesmo acredito no que aconteceu. Minha vida, minha história já parecia coisa de imaginação, obra do pensamento.

Fora então o golpe fatal que me atingiu em cheio. O golpe final veio depois de mais de ano e meio que você pela segunda vez ficou fora,  quando eu vivi uma dor tamanha que me acabou o coração, que me tirou do prumo e me deixou sem palavras.

Naquela segunda volta você chegou de repente. Nem sei se estava a te esperar, já ia o tempo pra quase dois anos, sei lá, apesar de não ter deixado de te amar nem um momento, nem de pensar em nós dois.

Você chegou diferente, trazendo um brilho no olhar que tenho certeza que nunca mostrou. As outras pessoas também te sentiam assim, algo especial, diferente. Talvez a pele estivesse mais viçosa, mais corada que antes, mais linda que sempre.

Como eu estava ficando  na sua casa, conforme o combinado com sua mãe, dava para te perceber mais de perto, mais agitada, não sei se preocupada, às vezes inquieta, as vezes muito morna. Mas, uma coisa tenho certeza estava bonita demais, cabelos sedosos e mais forte de corpo. Às vezes você parecia muito nervosa brava e sem paciência.

Soube que você teve por lá um namorado, um caminhoneiro. Fiquei enciumado, só de pensar. Partiu-se ao meio, em dois pedaços o meu coração e a minha saudade. Eu que de tão longe de ti lembrava, que por ti chorava, num amor desvairado te esperava sem poder aliviar a dor... E você Lena como pode ter estado em braços alheios?

Os meses se passavam e você cada vez mais diferente e indiferente, então me vi obrigado a perguntar ao seu irmão: “Lena está esperando um filho? Me confirme, por favor”.

Perdi meu chão com a resposta. Não enxergava claridade porque uma enorme onda de fumaça grossa encobriu meus sonhos, minhas fantasias e até a realidade. Meus sonhos foram se esvaindo da minha mente, me vi nas trevas, nas sombras sangrando. Fui sentindo naquele instante um cansaço, não sentia as minhas pernas,  e só sentia as dores de todos as dores de amor do mundo.

Sai andando sem destino pelas ruas de Uruará, bem devagar, nem sei por quanto tempo, nem a onde queria parar com aquela dor me consumindo. Queria encontrar um bálsamo, um remédio para curar a ferida que em mim se abriu depois daquela revelação.

Em sua casa, no decorrer do tempo, ouvia mesmo sem querer, suas conversas  com o pai do seu filho pelo celular. Por certo ouvi mesmo uma palavra ou outra, na verdade eu sentia a conversa, adivinhava, compreendia o todo que não dava pra escutar.

Parecia-me que faziam bons planos, alguma coisa assim. Parecia que você tratava de voltar pro Maranhão e ficar com ele.

O meu refúgio foi a pescaria. Lá ficava só com a natureza, uma beleza que muitas pessoas esquecem de valorizar. Só se pensa em progresso, em técnica, em comércio e se esquece do encanto natural, que além de nos dar a vida nos dá paz. Esta sim é real.

Ficava na beira pescando dias e dias, olhando o verde, o rio, a correnteza que é igual a vida, vai e vem, leva amarguras e pode trazer alegrias.

A gente corre risco na vida de querer ser, sem saber o que. De querer ter, sem saber ter o que. Querer sentir. Sentir exatamente o que? Às vezes a si mesmo.

Em casa percebia que você, Lena, me olhava com rancor. Alguma coisa estava acontecendo.

Muita gente achava que o filho que você esperava era meu. Afinal nos conhecíamos já há oito anos e o povo se encarregava de ora dizer que você me queria, ou que era eu que te queria. Ás  vezes que éramos namorados, noivos, casados...

E sempre foi assim, um diz que diz que daqui e dali. Foi cicrano que falou, não, foi beltrana que falou, que ouviu, que pensou, que entendeu e assim sempre foi, até hoje.

Chegou aos seus ouvidos que eu disse que o filho que você esperava era meu. Você achou errado, ficou ofendida, chateada. Você estava certa. Isso era uma mentira, pois eu nunca te toquei. Eu não falei nada pra ninguém. Eu estava calado, distante, para me refazer de tudo.

Você não acreditou em mim. Lembra?

Sairia da casa de sua mãe por minha causa. Eu disse: - não, quem sai sou eu.

Fiquei morando num hotel por uns dois meses.  Quando saí da casa de sua mãe não levei nem a boroca. Só depois teu irmão levou pra mim.

Foi uma discussão séria e ficamos intrigados um com o outro. Fui para uma fazenda e lá vivia quieto, trabalhando e em paz com a natureza.

Essa não foi a única conversa fofoqueira que fizeram entre nós. É só uma delas.

Muitas vezes sei que é inveja. A inveja é sentimento negativo que faz separar famílias, pessoas que se amam e amizades. Por inveja tem gente que agride e até mata. Por inveja pessoas se ofendem se ferem e se magoam sem pensar. Pessoas têm inveja do trabalho dos outros, do dinheiro, da saúde, das amizades e do amor.

Viver inventando fofoca é viver praticando o mal. Há quem lucre com boato, mentira e difamação, causando tanto sofrimento, mas com certeza, Lena, tudo volta pra eles mesmos.

Soube que seu bebê nasceu uma menina. Soube também da noticia que você recebeu, uma tragédia. Seu irmão comentava comigo que você estava esperando uma visita minha, pra conhecer sua filhinha.

Perguntei se o pai da criança estaria por lá, pra evitar um encontro doloroso  pra mim, quando ele me disse:

- Não ele não veio, e nem vem. Quando estava vindo pra cá sofreu um acidente de caminhão e morreu na hora, faz poucos dias. Nem toque no assunto com a Lena, por favor. É melhor não se ficar falando nisso, o sofrimento já é grande.

Apesar do ciúme doentio que tinha sentido, lamentei muito, de coração, lamentei. Uma coisa assim tão triste ninguém merece.

Acabou você mesma trazendo a menina pra eu conhecer. Linda, preciosa e fofa. Ela até gostou do meu colo no primeiro dia, lembra? Ela gostou de mim e gosta até hoje, você sabe.

Minha tia Lurdes me convidou pra ficar trabalhando na cidade no hotel dela. É um trabalho bom, tranqüilo, limpo, mas toma bastante tempo, recepção é mesmo que vinte e quatro horas no ar.

Te vejo bem menos, ou melhor te vejo todos os dias. Pela manhã você passa rapidamente de bicicleta para o trabalho, bem na frente do hotel, não é.

Fico pensando: ela passou para me ver? par aliviar a minha saudade.?

 Quando volta, à tarde, vem pela outra rua e eu fico expiando sua passagem de longe, me contentando com seu vulto que ligeiro passa.

Deus nos deu dois olhos pra enxergar bem às coisas, dois ouvidos para escutar com atenção tudo direitinho, e uma só boca pra falar menos. Mas as pessoas têm mania de mudar as coisas de Deus.

A natureza das pessoas não é boa porque sentem inveja, ódio e rancor. A fofoca, o diz que disse que, causa tanta desgraça, e ninguém pensa como que ficar fazendo comentários sem motivo é grave e sério.

Até hoje do nada sempre aparece alguém pra dizer sem que eu pergunte como você está, como você vive, se foi na festa ou se deixou de ir, se namorou, ou se estava na praça.

Hoje, mais experiente, eu entendo que isso é pra procurar um pé qualquer de conversa e pra poder inventar uma outra história por cima.

É como você sempre me diz: deixar tudo no passado, esquecer estas coisas ruins que acontecem nas nossas vidas, que vieram mais de falatório de pessoas desocupadas.

Sei minha querida que sua vida não tem sido fácil trabalhando em uma cerâmica, serviço pesado, sei que está cansada.

Te admiro muito, pela mulher trabalhadora e corajosa que você é, boa mãe, boa amiga, pessoa de fibra.

Tua filhinha hoje com dois aninhos, quando me vê faz festa. Ela deve sentir, de alguma forma que sua mãe e eu temos um destino para ser cumprido, e este destino é juntos, nós dois, para sempre.

Sabe, Lena, o tempo constrói coisas na natureza, mas o tempo também destrói, muda a paisagem, acaba com a beleza e com a juventude.

O tempo tudo apaga, tudo acalma, mas devagar inflama a chama.

Dez anos... Tivemos tanto tempo, e o que fizemos dele?

Brincamos de gato e rato, de esconde-esconde, pensando que o tempo era eterno para nós.

O tempo não ficou esperando por nós na esquina, nem na estrada.

Mas hoje o tempo resolveu dar um tempo pra nós e parou um pouquinho.

Ele está me chamando, está te chamando também.

O tempo parou agora mesmo só pra eu te escrever.

Lena, o tempo é gaiato e zomba de nós quando nos diz: “olha só os dois sozinhos, tristes passarinhos sem ninho”.

O tempo parou agora pra eu te dizer tudo que eu já devia ter dito, repetido e insistido em dizer:

Quero ficar com você há muito tempo, mas não deu tempo para escolher as palavras mais bonitas e mais certas.

O tempo agora está de birra, está contra nós, mas resolveu nos dar uma ultima chance.

É tempo de reconciliação, é tempo de eu te amar por todo o tempo, e de você me amar o tempo todo.

Já é tempo de você me perdoar, de eu te perdoar, perdoar o que puder ser perdoado, e esquecer de vez,, deixando no tempo passado o que não tiver perdão.

Lena, eu te amo.

Quer se casar comigo?

Não temos mais tempo.

Preciso de uma resposta agora e sem tempo.

 

 

Ivanildo