Quando me deparo com situações do cotidiano escolar, na instituição de Educação Infantil na qual trabalho surge fortemente lembranças de minha infância e trajetória educacional. Às vezes procuro comparar minhas inocentes lembranças com os sentimentos de meus alunos, me coloco no lugar deles e os entendo melhor. Um dia fui àquela menina, com medos, ansiedades, curiosidades, e hoje sou aquela mulher, com medos, fortes ansiedades, curiosidades tentadoras e lembranças inspiradoras.

Há probabilidade deste fato, o qual irei relatar, tenha influenciado na minha escolha profissional, de Pedagoga na área da Educação Infantil. Deixo essa questão para refletir: Será que um fato que parecia insignificante para uma criança ( na perspectiva do adulto), pode ser tão irrelevante assim? 

Sou filha única, e sempre fui muito apegada com meus pais. Como a maioria dos pais, eles sempre estiveram ao meu lado me dando carinho e atenção. Lembro-me de muitos fatos marcantes que ocorreram em minha infância, porém, um que marcou bastante na minha memória foi o primeiro dia em que estive na creche, atualmente mudada para educação infantil.

Meu nascimento ocorreu no interior do Rio Grande do Sul, em uma cidade pequena, com poucos habitantes. Porto Lucena fica na divisa com a Argentina, uma cidade calma, e bela. Porém, da calmaria do interior, os compromissos de meu pai, como policial civil, nos fizeram ir para a agitada cidade de Canoas.

Como era somente meu pai que nos sustentava financeiramente, e nossa casa era de aluguem, a comida já não era tão barata, assim como era inviável cultivar plantação e criar galinhas, como antes. Minha mãe teve que começar a estudar para batalhar junto, por um futuro melhor.

Então, um dia veio a recompensa. Minha mãe, após ter feito vários concursos, passou e foi chamada na prefeitura de Canoas, para o cargo de secretária escolar.

Como meu pai trabalhava nos turnos da manhã e tarde, e minha mãe tinha sido chamada no concurso público, devido a esses compromissos foi necessário que me deixassem na Escola de Educação Infantil que ficava perto da escola que minha mãe trabalhava.

Recordo-me que cheguei com minha mãe na creche, carregava minha mochila. Era tudo muito novo, não conhecia ninguém. Já tinha seis anos de idade. Achei legais os brinquedos que a professora me mostrou, mais sempre olhava se minha mãe ainda estava do meu lado. Quando ela falava que tinha que ir trabalhar, me despertava um desespero e começava a chorar. Até que me distrai com os brinquedos e quando me dei conta, e fui olhar para ver se ela ainda estava do meu lado, eis que ela não estava mais.

Quando novos alunos ingressam e não estão ainda familiarizados com a escola e com os colegas, é preciso uma atenção especial, atividades que  envolvam a criança e o façam esquecer-se da separação com seus pais. Para Barreto, Silva e Melo (2009, p.04) "Quanto ao professor, este deve estar proporcionando um ambiente agradável e acolhedor com atividades lúdicas e prazerosas as quais supram o processo de separação vivido pela criança, e que estimule a sua individualidade e socialização, como músicas e danças, jogos e brincadeiras, histórias dentre outras, dessa forma o professor irá conquistar a confiança da criança e conseqüentemente facilitará o processo de adaptação e socialização da mesma, principalmente em se tratando da pré-escola." Se o educador apenas colocar a criança junto com as outras, que já estão sociabilizadas, há uma chance da criança não se sentir bem, e ficar perdida nas atividades, por não conhecer a rotina da turma. Nesse momento podemos observar a importância de uma adaptação para alguns alunos.

Segundo Barreto, Silva e Melo (2009, p.03)"O processo de adaptação da criança à escola é um período muito delicado, pois envolve toda a comunidade escolar, ou seja, os pais, professores e demais funcionários da instituição na qual a criança está inserida. A separação afeta as crianças. Afeta os pais. Faz brotar sentimentos nos professores." Considerando que para algumas crianças não se torna necessário esse período, para outras é um período muito delicado, onde, às vezes, pode ficar guardado na memória para o resto da vida.

             A sensação de quando a minha mãe me deixou, foi de raiva, me sentia traída. Chorei muito, e não queria brincar com nada, só queria que minha mãe voltasse. Não queria ficar mais naquele lugar, longe da minha mãe.

Conforme nos mostram Rapoport e Piccinini (2001, p. 89) "O temperamento é outro fator que tem sido muito citado nos estudos sobre adaptação da criança à creche". Enquanto uma criança tímida e retraída pode apresentar um comportamento diferente e ativo diante de uma educadora, parecendo agitada, outra que é mais sociável e ativa, pode ser mais acessível a pessoas e ambientes novos. Tudo varia também ao ambiente que presenciavam em casa, se era mais calmo e silencioso, ou se era mais agitado,brincando com irmãos, primos. Os estudos também mostram que crianças que são filhas únicas são mais propícias a querer a atenção dos educadores para si, pois a tinham em casa.

Então a professora me levou para uma sala com vídeo e uma fita de desenho animado. Tentou conversar comigo, mais nada adiantou. Então fique sentada em uma cadeira com minha mochila do lado, ansiosa e ainda triste.

O educando deve se sentir bem na sua escola, pois será o segundo lugar, depois de sua casa, onde estará mais tempo, fazendo amizades e criando um vínculo afetivo. Para algumas crianças, a adaptação é necessária, e necessita da ajuda tanto dos professores quanto dos pais. De acordo com Escaraboto (2007, p.135) “... acreditamos que conhecer o aluno nas primeiras semanas do ano letivo é fundamental não só para a adaptação da criança no contexto escolar, como também para que o professor saiba com quem e como vai trabalhar, delineando práticas e intervenções consistentes que venham ao encontro das necessidades individuais de cada um”. Nesse período é muito importante esse processo de conhecimento do aluno, saber o que ele necessita e o que sente com relação a toda essa mudança.

A opinião da criança é importante, normalmente os pais que decidem onde a criança vai estudar longos e ficar longos anos da sua vida. Porém, não seria importante perguntar o que essa criança pensa dessa escola? Se quer estudar numa determinada instituição, ou se prefere outra que conheça?. Kellen reforça essa idéia, quando cita: "Outro ponto que merece destaque é que as crianças são cidadãs, pessoas detentoras de direitos e que constantemente agem no meio social em que estão inseridas” (2007, p.136). Temos que entendê-las, pois assim como os adultos, as crianças têm suas necessidades, uma vez que pertencem a uma classe social, e tem costumes, brincadeiras, hábitos e valores diferenciados. 

O processo de conhecer o aluno não é uma receita que deve ser seguida em todas as instituições, conforme cita Escaraboto (2007, p.134), "Não existe fórmula nem receita, pois, assim como cada criança é única, cada escola também o será, e o que se aplica a uma realidade pode ser ineficiente a outra." Cada criança tem sua maneira e tempo de se adaptar e conhecer um lugar novo, somos seres únicos e diferentes.

Eis que então vejo minha mãe novamente que veio me buscar na creche. Fiquei muito feliz. Minha mãe me levou para o serviço junto com ela e me deixou em um canto da secretaria desenhando.

            Certamente não é só a criança que fica ansiosa, mas os pais também. É difícil quando um pai vê seu filho chorando e gritando para que ele volte, porém os pais devem entender que é um processo que ocorre com alguns em um período mais curto, mais com outras crianças requer mais tempo.

Outro fato importante que citam Barreto, Silva e Melo (2009, p.03) "Nesse momento a ajuda dos pais é fundamental, é importante que ao ver o choro do filho não o leve de volta para casa, pois agindo dessa maneira irá prolongar ainda mais o processo de adaptação, outro aspecto importante também é vir buscá-lo na escola no horário combinado." De certa forma, é necessário saber qual o motivo que a criança está chorando, se é porque realmente não se adaptou com a escola, ou se é algo comum que faz parte do processo de adaptação. Há também, casos de pais que esquecem os filhos na escola, e assim, criaram um trauma irreparável na vida escola da criança.

Foi bastante traumatizante ter que voltar na creche novamente. Quando pergunto para minha mãe, ela diz que demorou bastante mais fui acostumando, e depois só queria saber de ir para a creche para brincar com os “amiguinhos”. De maneira nenhuma julgo minha mãe por não ter feio o período de adaptação, mesmo porque quando a chamaram no concurso, tinha que assumir imediatamente. Porém, seria interessante e menos traumatizante para mim, se uma semana antes, eu fosse junto com meus pais para conhecer a escola e os colegas, e aos poucos ir freqüentando a creche.

Deixar-me sozinha no primeiro dia, foi como me abandonar em um lugar totalmente estranho e desconhecido. Por isso ficou até hoje guardado em minha memória, como uma lembrança de algo que não foi bom.

A adaptação na Educação Infantil é um período muito importante para algumas crianças. De fato há crianças que se adaptam rápido e não precisam desse período, porém há outras que necessitam, e muito. É nesse período que a criança começa a se familiarizar com o ambiente, com as professoras e com os colegas, de uma maneira tranqüila, divertida e aconchegante, e observando as necessidades de cada indivíduo.

Dependendo do caso, pode ser feita primeiramente uma visita para conhecer a instituição, as salas de aula e a praça. No dia seguinte pode conhecer já os colegas e brincar com eles.

Depois o aluno pode começar a entrar na sala, com os pais aguardando-o em outro local. Conforme o educando vai se familiarizando com o ambiente, com os colegas e com a professora, os pais já podem deixá-lo na escola. Segundo Rapoport e Piccinini (2001, p.83) "Existem diferenças nas reações da criança à separação materna prolongada. Enquanto algumas crianças parecem desenvolver-se normalmente após uma experiência de separação e perda, outras apresentam dificuldades para superar estas situações". Sendo assim, é necessário observar cada aluno como um indivíduo único, com sentimentos e reações diferentes.

Não existe um período determinado para a adaptação da criança na escola, até porque cada um tem seu período diferente de sociabilização, existem inclusive alunos que nem precisam desse período.

Segundo a autora Escaraboto (2007, p.137) "Refletir sobre a criança, seu lugar e seu papel na sociedade hoje é condição fundamental para que se possa planejar o trabalho na escola e, assim, programar o currículo, favorecendo, mais do que uma escola, uma vida digna". Sendo assim, o professor deve trabalhar a partir das necessidades de seus alunos, para que eles se sintam bem no ambiente educativo.

A observação e análise do aluno novo são muito importantes. Assim como há alunos que se adaptam facilmente, há outros que necessitam de muita ajuda e tempo para essa adaptação. Se para alguns indefere, para outros pode determinar um período crucial e talvez traumático, da sua vida.

 

 

EDUCAÇÃO INFANTIL E ADAPTAÇÃO: BOM, OU RUIM?

 

          Cada vez mais as mulheres estão ingressando no mercado de trabalho, tendo como opção deixar as crianças pequenas nas instituições de Educação Infantil. A partir da nova LDB (20/12/1996) a creche passou a ser incluída como parte da educação infantil responsável pelas crianças até os três anos de idade e as pré-escolas para crianças de quatro a seis anos.

Por outro lado, a entrada de bebês e crianças muito pequenas no ambiente escolar, gera separação diária dos pais, muito prematura, gerando controvérsias do que realmente é o melhor para a criança. Para Rapoport e Piccinini (2001, p. 83) "Vários estudos têm apontado conseqüências negativas à entrada precoce em cuidados alternativos para o desenvolvimento infantil." Temos como exemplo Barglow, Vaughn e Molitor (1987), que à partir de seus estudos, detectaram crianças com apego inseguro, devido à separação precoce das mães e pais. Esse é um período muito delicado, que necessita de um vínculo afetivo forte, que se não feito, pode causar conseqüências negativas para as crianças.

            Por outro lado, conforme afirma Rapoport e Piccinini (2001, p. 85) "Os cuidados alternativos, podem compensar uma relação empobrecida com a mãe, através de cuidados mais estáveis e consistentes no ambiente de cuidado substituto". Há casos em que as mães não estabelecem um vínculo afetivo bom, às vezes em função de falta de tempo, ou até mesmo de falta de interesse. Nesses casos, são importantes para a criança os cuidados disponibilizados nas instituições escolares, que suprem os dos familiares.

          O que pode prejudicar esses cuidados são as creches de má qualidade, com recursos baixos, e onde há poucos adultos para um grande número de crianças. Esses fatores também podem influenciar mais tarde. Nas observações de Rapoport e Piccinini (2001, p. 85) "As crianças que entraram em centros de má qualidade quando bebês tiveram mais dificuldade com pares quando pré-escolares e foram classificadas por suas educadoras do jardim de infância como mais distraídas e menos orientadas para a tarefa." Sendo assim, é importante conhecer a instituição onde a criança está ingressando, e por parte dos educadores, deve-se ter um maior cuidado e respeitar os direitos das crianças que estão presentes nas leis que deveriam ser obedecidas.

          Muitos autores reconhecem a importância do período de adaptação, porém nem todas as instituições o seguem, assim como na Espanha há instituição que optam por não haver esse período, há aqui no Brasil escolas que consideram extremamente necessário o mesmo. Para Rapoport e Piccinini (2001, p. 85) "Em relação ao conceito de adaptação, cada contexto de cuidado alternativo tem suas particularidades, demandas e valores e se as características individuais da criança são compatíveis com estes, então ela tende a ser percebida mais rapidamente como bem adaptada". Considerando esses aspectos, deve-se analisar primeiramente a adaptação de cada indivíduo como um ser único, com diferentes tempos para familiarização com o ambiente e com as pessoas nele envolvidos.

          A adaptação de bebês ou crianças pequenas na creche pode variar, e durar dias ou meses. Outro aspecto que é variável é o choro, sendo que há algumas crianças que apresentam choro constante, já outras, mesmo não chorando e ficando quietas, podem não estar satisfeitas e com medo daquele ambiente desconhecido. Por isso é necessário uma observação constante nas reações que o aluno em fase de adaptação apresenta.

          A partir da análise dos estudos, Rapoport e Piccinini (2001, p. 92), concluíram que: "Estudos sugerem que estas reações podem estar associadas com inúmeros fatores, entre eles as diferenças individuais do bebê ou criança pequena (temperamento, idade, sexo) a qualidade da relação que mantém com os pais antes e depois da separação, as condições nas quais a criança recebe cuidados, a duração da separação e grau da privação, e os sentimentos e atitudes dos pais". Dentro dessas perspectivas é sugerido um cuidado e atenção especiais com crianças nesse período de adaptação. O ingresso dessas crianças deve ser o menos estressante possível, e é necessária a ajuda dos pais e professores trabalhando em conjunto.

          Esse é um período complicado tanto para as crianças, quanto para os pais e educadores. Requer esforço e tempo que para alguns se torna mais longo, já para outros talvez nem seja necessário. Mais de fato o planejamento pedagógico é muito importante, proporcionando momentos agradáveis, para que a criança se sinta bem, acolhida e feliz.

         Desta forma, é concluído que a adaptação é um processo que pode ser longo, dependendo da criança, não existe uma receita, porém, existem propostas que foram concretizadas e deram certo. Para Barreto, Silva e Melo (2009, p.06) "Pode-se concluir que a adaptação é uma situação de muito estresse tanto para os pais, como para as crianças e de certa forma para os professores. A decisão de colocar o filho na escola ou creche tem que ser muito bem pensada. Os pais devem estar muito seguros desta atitude". De fato, há casos em que existe uma necessidade de agilizar esse processo, em função do compromisso dos pais, porém, os pais devem respeitar também o tempo que a criança precisa, senão pode-se tornar traumatizante para o educando, e ficar guardado em sua memória por toda sua vida.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BARRETO, Luciani Gallo Machado; MELO, Solange dos Santos; SILVA, Neide. A adaptação na educação infantil. Um elo entre a criança, a família e a escola.Disponível em <http://www.webartigosos.com> Acesso em 04/05/2011.

Escaraboto Kellen M.. Relato de experiência sobre a importância de conhecer e ensinar. PSICOL. USP, São Paulo, dezembro de 2007. Disponível em <www.scielo.com> Acesso em 03/05/2011.

NASCIMENTO, Jussara Cassiano. Memórias e histórias de uma educadora perspectivas metodológicas das abordagens autobiográficas. 11p. Disponível:http://alb.com.br/arquivomorto/edicoes_anteriores/anais16/sem10pdf/sm10ss01_02.pdf

PICCININI, Cesar Augusto; RAPOPORT, Andrea. O Ingresso e Adaptação de Bebês e Crianças Pequenas à Creche: Alguns aspectos críticos. Psicologia: Reflexão e Crítica, Rio Grande do Sul, março de 2001. Disponível em <www.scielo.com> Acesso em 05/05/2011.