O DEBATE SOBRE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA

 

Há forte discussão sobre a eficácia da internação compulsória. O argumento mais usado por aqueles que são contra a internação compulsória é a defesa da liberdade do indivíduo, pois a imposição de tratamento não respeita o direito de liberdade.

Para corrente contrária, somente uma medida desse jaez poderá trazer algum resultado prático na vida do indivíduo. Apesar da grande gama de transtornos mentais, os decorrentes do uso de drogas e entorpecentes parecem ser o que mais impactam a sociedade. Bem por isso, deve-se ter cuidado ao analisar a eficácia da internação sem o consentimento do paciente. Não se pode aceitar a medida como forma de empurrar o problema para debaixo do tapete.

Os psiquiatras dizem que ela pode funcionar ou não – e que o sucesso da internação, voluntária ou involuntária, depende da reinserção social e do acompanhamento cuidadoso do paciente depois da alta. “Nos casos mais graves, a internação é a alternativa mais segura. O ideal seria que ninguém precisasse disso, mas a dependência química é uma doença que faz com que a pessoa perca o controle”, afirma o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, favorável à medida.

João Victor Melhado, de 29 anos, coordenador de uma casa de tratamento de dependentes químicos, deu seu exemplo em matéria veiculada pela Revista Época em 2011. Ele foi taxativo ao discordar e dizer que internar à força não funciona. Durante seis anos, ele foi viciado em crack. Chegou a gastar R$ 1.200 por mês em drogas. O desespero da família de classe média, do interior paulista, levou-o a nove internações. Numa delas, foi carregado na marra. “Acordei com três caras em volta de mim. Eles me algemaram e me enfiaram num camburão. Eu nem sabia se estava sendo levado para a prisão. Só descobri depois de chegar lá que estava numa clínica particular de recuperação”, diz Melhado. Em dois meses, ele conseguiu fugir do lugar e voltou ao crack. Sua recuperação só aconteceu quando, em 2009, por vontade própria, ele se internou. Passou um ano em tratamento. Está há dois anos sem usar drogas e agora trabalha para recuperar outros jovens. “Não adianta chamar ambulância, forçar, enjaular. Eu já passei por isso e sei que não recupera ninguém”, afirma Melhado.

Outra pessoa portadora de transtornos por conta do uso de drogas, a garota A., do Rio, também em entrevista à Época, afirmou que é somente graças à internação forçada que ela está viva. Faltava à menina discernimento e condições psíquicas de pedir ajuda. “Cheguei aqui pesando 23 quilos. Agora estou com 50 e poucos. Aqui é tudo bom, tem comida na hora certa, os educadores são bons”, diz. Ainda assim, o comportamento de A. não dissimula a dificuldade da jornada. Entre os sorrisos e as brincadeiras, ela implora a uma das educadoras um cigarro para saciar sua fissura.

Não se deve olvidar que as políticas públicas para (re)inserção das pessoas com transtornos mentais tem demonstrado a preocupação do Estado com as condições de tratamento oferecidas a estas pessoas. A Lei 10.216/01 corrobora com esta tendência. No entanto, não se pode dizer que a internação seja um fim, mas sim um meio, “tampouco visa o alívio dos transtornos causados pelo paciente à sociedade: essa é apenas uma conseqüência positiva”.[i] Como bem defendido pelo autor, a lei não pode ser usada como um tapete sob o qual se pode esconder o paciente.

O próprio texto legal diz que “o tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral (…), incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.” [artigo 4º, § 2º, Lei 10.216/01]. Porém, a hermenêutica não deve servir ao poder público como ferramenta de coerção, porquanto “se o Estado apenas interna, sem prover a estrutura para o tratamento, ele está instrumentalizando a lei para um fim ao qual ela não serve. A internação vira uma sanção penal, sem devido processo legal e sem lei que a preveja.”

A Organização Pan-Americana da Saúde, ligada a ONU, divulgou nota em maio deste ano, criticando ações iniciadas pelas autoridades no combate ao uso de drogas no país. Segundo o documento, o Brasil “priorizou a implantação de serviços comunitários para o tratamento da dependência de álcool e outras drogas e o resultado foi a expansão da rede de atendimento e do acesso ao tratamento”. No entanto, diz a nota, “ainda que a lei 10.216 de 2001 descreva a internação como uma das estratégias possíveis para o tratamento dos transtornos mentais, ultimamente, alguns Estados e Municípios têm utilizado a internação como principal forma para lidar com a dependência de drogas”.

Uma das experiências mais trágicas do uso inoportuno da norma foi a vivenciada em São Paulo. Para muitos, a medida que autoriza a internação compulsória de usuários de crack na capital paulista foi considerada um retorno aos séculos XIX e XX “quando se internavam os indesejáveis à ordem política a pretexto de curá-los”. A opinião é do juiz de Direito e membro da Associação Juízes para a Democracia, João Batista Damasceno, crítico do papel que o Judiciário deve cumprir na tríade com o Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no caso das internações contra a vontade dos viciados.

Opinião diferente ostentou o médico Drauzio Varella: “Sou a favor da internação compulsória dos usuários de crack, que perambulam pelas ruas feito zumbis. Por defender a adoção dessa medida extrema para casos graves já fui chamado de autoritário e fascista, mas não me importo”.

Em entrevista à Revista “Caros Amigos”, o psiquiatra Dartiu Xavier defendeu o uso específico da internação forçada: “ Todo uso de drogas pode trazer algum risco de vida, mas a internação compulsória é um dispositivo para ser usado quando existe um risco constatado de suicídio. A outra situação é quando existe um quadro mental associado do tipo psicose, seria quando a pessoa tem um julgamento falseado da realidade: se ela acha que está sendo perseguida por alienígenas ou se acredita que pode voar e resolve pular pela janela. Nessas situações de psicose ou um risco de suicídio é quando poderíamos lançar mão de uma internação involuntária.

O Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Antonio Malheiros, criticou os que defendem a internação compulsória para tratamento de viciados em drogas, especialmente o crack. Para o desembargador, iniciativas como a dos governos de São Paulo e do Rio de Janeiro não surtiram efeitos e serviram como medidas “higienistas”: apenas tiram das ruas as pessoas sem apresentar uma solução efetiva. “Não é para esconder o problema como o estado de São Paulo fez”, criticou.

Com experiência de quase 20 anos no tratamento de dependentes químicos, a psicóloga Sílvia Tedesco classificou as medidas tomadas nas capitais de alguns Estados como "higienista" e "despreocupada com a saúde dos dependentes químicos".

Para ela, o método adotado pelo CAPS-AD é mais eficiente e mais comprometido com resultados a longo prazo do que as internações forçadas, que encara como uma medida emergencial inútil. "O tratamento ambulatorial é comprometido com o resgate daquele ser. Há uma tentativa de resgate das relações familiares. É diferente do imediatismo de se internar todos os usuários de crack para limpar as ruas. A preocupação não tem que ser com as ruas, mas com as pessoas", diz. "A Prefeitura deveria ampliar os CAPs para ter um bom resultado a longo prazo. Mas fazer melhor dá mais trabalho, né?", indaga.

O Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) é um serviço do Sistema Único de Saúde (SUS), especializado em saúde mental. Atende pessoas com problemas decorrentes do uso problemático de álcool e outras drogas. O objetivo do CAPS AD é acolher pessoas com problemas com álcool e outras drogas, estimular sua integração com a sociedade e família, apoiá-las em suas iniciativas de busca da autonomia e oferecer-lhes tratamento especializado.

Jorge Jaber, médico psiquiatra e Presidente da Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas (Abrad), defende que a internação de dependentes em quadro adoecido é eficaz: "Internação involuntária e compulsória funcionam. O paciente melhora mesmo contra a sua vontade". Jaber alegou ser dever do médico não abandonar o paciente, não deixar de interná-lo, caso seja inevitável e não prescrever alta sem estar convicto de que ele está em boas condições. Ele lembra que, se o médico considerar necessária a internação, deve solicitar ao juiz para que este determine se ela será realizada ou não, já que nenhum indivíduo pode ser retido por mais de 72h sem determinação legal.

Contudo, há opiniões divergentes. Maria Thereza Aquino, médica, professora de psiquiatria da UERJ e ex-diretora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (NEPAD), acredita que a internação compulsória e involuntária de adultos não é válida. A doutora afirma que, por meio de sua experiência, pôde comprovar que internar não resolve: é muito comum o usuário passar 6 meses em tratamento, ser liberado e voltar a utilizar drogas. Segundo ela, a cracolândia não é somente um lugar para uso de entorpecentes, mas também um abrigo, que funciona como saída para a solidão.



[i] ROMANO, Gustavo. Juiz e especialista em Direito criticam a internação compulsória em São Paulo.