LEI "MARIA DA PENHA" E VIOLÊNCIA SEXUAL DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: MECANISMO DE PODER NO PROCESSO DE VITIMAÇÃO DO FEMININO. *

Joelma Medeiros de Araújo Branco e Kerle Costa Pinto **

Sumário: Introdução; 1. A Lei "Maria da Penha" e Sistema Penal Brasileiro; 1.1. A Lei "Maria da Penha" como instrumento de controle social; 1.2. A (in)compatibilização da necessidade e interesse femininos com a lógica da Lei "Maria da Penha"; 2. Violência sexual doméstica contra mulher e Criminologia Crítica; 2.1. A construção imagético-discursiva da vitimação do ser feminino; 2.2. Para além da posição binária: masculino versus feminino; conclusão; referências.

RESUMO

Este trabalho apresenta a necessidade de superação do processo de vitimação do feminino e defende a compreensão da violência sexual doméstica contra a mulher como um processo sócio-político e cultural, que está em permanente relação com a realidade social mesclada de mecanismos imagético-discursiva; estuda a Lei Maria da Penha através do viés da Criminologia Crítica, focalizando a violência sexual doméstica contra a mulher e sua articulação com o Sistema Penal Brasileiro. Propõe-se, então, compreender que a Lei Maria da Penha não é capaz de prevenir e/ou resolver a violência sexual doméstica contra a mulher.

Palavras-chave: Lei "Maria da Penha". Violência Sexual Doméstica. Mulher. Vitimação. Criminologia Crítica.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho traçará a articulação da Lei "Maria da Penha" forte vinculação com o Sistema Penal Brasileiro, entendido como "o conjunto das agências que operam a criminalização (...) ou que convergem na sua produção ¹".
Pode-se visualizar sua nítida incorporação ao Sistema Penal Brasileiro quando se agarra fortemente ao poder punitivo como meio eficaz para solucionar complexidade da problemática social que envolve, por exemplo, agressões sexuais domésticas contra a mulher.
O efeito mais notório dessa vinculação do Sistema Penal é que, ao vincular-se, legitima todo o poder punitivo e reproduz a idéia de que:
"O sistema penal é apresentado como igualitário, atingindo igualmente as pessoas em função de suas condutas, quando na verdade seu funcionamento é seletivo, atingindo apenas determinadas pessoas, integrantes de determinados grupos sociais, a pretexto de suas condutas ."

Reproduz ainda a tão esperada promessa de justiça pelo Sistema Penal com aplicação de penas justas e necessárias para prevenir o delito, punindo os agressores e protegendo a dignidade humana quando na verdade promove a repressão, a seletividade e a estigmatização.
Com o Sistema Penal Brasileiro, buscando entendê-la como instrumento de controle social. Para tanto, tentar-se-á enfocar sua aplicabilidade às necessidades e interesses femininos para, assim ser possível identificar como mecanismo de poder no processo de vitimação da mulher.
Dessa forma, pretende-se expor a ineficiência e incompatibilização da Lei Maria da Penha com o fim que se propõe atingir na sociedade: prevenir a violência doméstica e familiar existente contra a mulher.
Pretende-se, assim, analisar a violência sexual doméstica contra a mulher com o viés da Criminologia Crítica, apontando estratégias de poder que reproduzem a duplicação da vitimação das mulheres e, a necessidade de superação da posição binária masculino versus feminino, bem como da idéia paradisíaca do Sistema Penal na preservação ou resolução de problemas para identificação da violência sexual doméstica contra a mulher enquanto problema social.

1. A LEI MARIA DA PENHA E SISTEMA PENAL BRASILEIRO

A Lei Maria da Penha, Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006 dispõe de uma série de medidas protetivas para a mulher vítima de agressão, em estado de agressão ou sob riscos de vida mediante violência doméstica e familiar. Nesta mesma perspectiva, expandiu a pena para agressões domésticas contra mulheres e, dentre outras medidas, aboliu as penas pecuniárias e determinou a prisão preventiva e em flagrante, quando possíveis, para agressores.
Dessa maneira, alterou-se o Código Penal, bem como a Lei de Execuções Penais. Mas, o mais visível nessa lei é sua.
1.1 A LEI "MARIA DA PENHA" COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE SOCIAL
Vimos das características fundamentais da Lei Maria Penha é servir de instrumento de controle social na medida que reproduz as estruturas do bem e do mal, bem como do medo, presentes em nosso Sistema Penal. Esta é, enfim, sua configuração enquanto mecanismo de controle na sociedade, pois a promessa de coibir e/ou prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher se transforma em falácia.
Justifica-se tal afirmação por valer-se da pena e da prisão, especialmente, para solucionar a problemática social antes de âmbito privado. Dessa forma, reforça e reproduz a ideologia punitiva da necessidade de cominação, aplicação e execução penal para proteger a mulher e intimidar os agressores com ameaça, reproduzindo o discurso do Sistema Penal de promover segurança jurídica e defesa social com o combate à criminalidade.

1.2 A (IN)COMPATIBILIZAÇÃO DA NECESSIDADE E INTERESSE FEMININOS COM A LÓGICA DA LEI MARIA DA PENHA.

As necessidades e interesse femininos ultrapassa as barreiras do privado para o público buscando apoio e solução dos seus problemas. Mas, ao recorrer ao Direito Penal, seguindo a lógica da Lei Maria da Penha, não há garantia de concretização para tanto, pois:
"(...) Numa sociedade dividida em classes, o direito penal estará protegendo relações sociais (...) escolhidos pela classe dominante, ainda que aparentem certa universalidade, e contribuindo para a reprodução dessas relações ".

Ao buscar a tutela do Sistema Penal, as mulheres desejam liberta-se da opressão masculina, infelizmente tal Sistema além de classista e sexista e, extremamente sedutor.
Assim, ao vincular-se da pena e da prisão não será eficaz na tutela às mulheres contra a violência pois não busca compreender as razões da própria violência sexual conflituosa nem mesmo é capaz de modificar as relações de gênero.
Há uma nítida incompatibilização da necessidade e interesse femininos com a lógica da Lei Maria da Penha pois esta, ao invés de prevenir e/ou solucionar o problema da violência sexual dos agressores, é também vitimada institucionalmente com a reprodução da violência estrutural das entranhas do patriarcalismo e da opressão sexista.

2. VIOLÊNCIA SEXUAL DOMÉSTICA CONTRA MULHER E CRIMINOLOGIA CRÍTICA

Observa-se que, com a entrada das mulheres no mundo dos homens criminólogos houve uma grande contribuição para o estudo da Criminologia Crítica. Há nesse aspecto, uma desigualdade de grupos e classes sociais engendradas no capitalismo.
As criminólogas feministas terão o sustento, onde a opressão das mulheres irá abarcar o reduzimento à sociedade capitalista, obtendo o produto da estrutura patriarcal da sociedade.
Colocando o posicionamento da ideologia da superioridade masculina, será abarcador uma visão na qual será aplicado determinados estereótipos referidos aos comportamentos de cada gênero e direcionado a mulher como alvo, partindo para a vitimologia critica, assumindo um lugar central. O capitalismo e patriarquismo serão aspectos que apresentara de modo análogo.
Portanto, a continuada conversar de problemas sociais de complexa envergadura no código crime-pessoa, quando deveriam ser aprendidos e equacionados no espaço da cidadania, e de outros compor do se, apontando para a necessidade de reversa deste processo. Os processos, simultâneos, de criminalização ou construção social da cidadania, no espaço publico da vista, são vistos, parar alem daquele senso comum maniqueísta, não como intrínseca, mas como politicamente contraditórios.

2.1 A CONSTRUÇÃO IMAGÉTICO-DISCURSIVA DA VITIMAÇÃO DO SER FEMININO.

Na sociedade há de se compreender que sempre existem indivíduos que exercem poder mais ou menos arbitrário sobre outros, ora de maneira brutal e violenta, ora de maneira sutil e oculta. Em qualquer sociedade, múltiplas relações de poder perpassem, caracterizam e constituem o corpo social como, mas ensina o pensamento Foucaultiano. E, é nessa perspectiva que se constrói a dominação do homem sobre a mulher, mesclado e reproduzido com as teias do patriarcalismo.
As relações sociais mantêm na contemporaneidade, laços patriarcalistas de dominação do homem sobre a mulher frágil emotiva nem sempre visíveis aos nossos olhos, mas presentes e dominantes, concebendo a mulher como vítima, cuja ação limita-se a aceitar e se conformar com este status a espera do Sistema Penal para resolução de seus problemas.
É assim que propõe a Lei Maria da Penha que vem tornar dizível e visível a violência sexual da mulher, tomentando a percepção pública do poder violento do homem sobre a mulher, fazendo urgir o reconhecimento da mulher enquanto vítima e, a redefinição da situação enquanto conflitiva. No entanto, ágil de forma seletiva e extinguir matizante selecionando não só os agressores mais também as vítimas fazendo surgir ainda uma duplicação da violência para mulher quando se duplica a vitimação para esta que além se ser vítima do agressor, também é vítima do Sistema Penal.

2.2 PARA ALÉM DA POSIÇÃO BINÁRIA: MASCULINO VERSUS FEMININO

A emergência da abordagem violência sexual doméstica enfatiza a importância da contribuição do movimento do feminismo no Brasil, pois tal movimento foi responsável pela transposição de tal problemática do âmbito privado para o público, denunciando formas de violência antes encobertas. Ocorre, porém, que a publicização da violência doméstica e familiar contra a mulher mas, mesmo com oposições abraçou o Sistema Penal para perpetuar a luta através dessa maquina sedutora.
Recorrendo ao Sistema Penal, as mulheres continuam introjetando e reproduzindo a idéia seletiva e estigmatizante do masculino versus feminino. É necessário rejeitar o caráter fixo e permanente da oposição binária masculino versus feminino que por tanto alimentou as demandas feministas, e entender a problemática enquanto questão de gênero.

CONCLUSÃO

A partir do que foi exposto, pode-se ter a constatação daquilo que atravessa os tempos e os lugares como o patriarcado e o maniqueísmo para se fazer presente em problemáticas do âmbito social-político-cultural da violência sexual doméstica contra a mulher, transportada para o Sistema Penal na busca de respostas satisfatórias e justas que, infelizmente, por si só não consegue promovê-las, mesmo prometendo alcança-las.
É dessa maneira que se configura a Lei Maria da Penha buscando coibir e prevenir a violência domestica e familiar contra a mulher numa dimensão micro, reafirmando e reproduzindo a ideologia punitiva dominante do sistema penal e se enquadrando enquanto falácia, já que também não consegue cumprir o fim desejado, fomentando a duplicação da vitimação feminina.
Ao contribuir para a publicização da violência sexual domestica contra a mulher e vinculando-se diretamente ao Sistema Penal Brasileiro, a Lei Maria da Penha não só duplica o processo de vitimação do feminino, mas também afirma e reproduz a ideologia punitiva dominante, estigmatizante, seletiva e estereotipada dos agressores bem como das vitimas. É necessário, portanto, ultrapassar a herança patriarcal do masculino versus feminino e buscar solucionar o problema da violência sexual doméstica contra mulher enquanto problema social e não penal, com nossa constituição Federal e não com pena.
Conclui-se então, com o conhecimento da celebre Vera Regina Pereira de Andrade ao dispor sobre a necessidade de inversão do senso comum para enxergar a violência do poder em um contexto macro, segue afirmando que "os códigos da violência têm que ser urgente e vitalmente submetidos a outras lupas e holofotes que não os da tecnologia midiática, cujo flash não ultrapasse a cena da dor (...) para radiograficar os braços que se armam muito aquém do humano".

LAW "MARIA DA PENHA" VIOLENCE AND SEXUAL DOMÉSTICA AGAINST WOMEN: MECHANISM OF POWER IN PROCESS VITIMAÇÃO OF WOMEN. *
ABSTRACT
This work presents the need for overcoming the process of vitimação females and defends the understanding of domestic sexual violence against women as a socio-political and cultural, which is in a permanent relationship with the social reality merged mechanisms Imaging - discursive; Studying the law Maria da Penha through the bias of Criminology Review, focusing on domestic sexual violence against women and its linkage with the Brazilian penal system. It is proposed, therefore, understand that the law Maria da Penha is not able to prevent and / or resolve domestic sexual violence against women.

Keywords: Law "Maria da Penha." Domestic Sexual Violence. Women. Vitimação. Critical Criminology.







REFERÊNCIAS

- ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema Penal Máximo x Cidadania Mínima: Código da Violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2003.

- BATISTA, Nilo. Introdução Crítica do Direito Penal Brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Renan, 2004.

- FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 19ªed. Petrópolis: Vozes, 1999.

- _________________. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

- PIORE, Mary Del. História das mulheres. São Paulo: contexto, 1997.

- SHOIET, Raquel. História das mulheres. IN:CARDOSO, Ciro Flamarion S. & VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

- ZAFFARON, E. Raul & BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro ? I. Rio de Janeiro: Revan, 2003.