LEI DOS REMÉDIOS E A EQUIPARAÇÃO DE COSMÉTICOS E SANEANTES A MEDICAMENTOS: Análise crítica acerca da tipificação da conduta e sua inclusão no rol dos crimes Hediondos[1]

Patrícia Nunes[2]

Rafaella Costa Marques[3]

 

Sumário: Introdução; 1. Análise estrutural do art.273 do CP e da lei 6360/76, dando ênfase ao art. 3º, V e VII;; 1.1 Inconstitucionalidade face aos princípios da proporcionalidade e ofensividade;  2. O que é medicamento e os efeitos de sua adulteração na saúde pública; 3. Seria esse um crime de perigo concreto? 3.1 Ponderação do risco e do dano efetivo (principio da lesividade) em todas as condutas, por ser este, um delito de ação múltipla. Conclusão. Referências. 

 

 

RESUMO

Aborda-se primeiramente a análise estrutural do art. 273 do código penal e da lei 6360/76, dando ênfase ao art. 3º, V e VII. Em seguida, faz-se uma breve explicação à respeito do registro de cosméticos e saneantes, devido a importância da sua composição e destinação. Ainda neste capítulo, trata-se da inconstitucionalidade face aos princípios da proporcionalidade e ofensividade. No segundo capítulo aborda-se o que é medicamento e os efeitos de sua adulteração, na saúde pública. Além do impacto do medicamento falsificado e sua equiparação aos cosméticos e saneantes, como uma ofensa à vida. Para concluir, questiona-se, seria esse um crime de perigo concreto. Finaliza-se o artigo com a abordagem sobre a ponderação do risco e do dano efetivo (principio da lesividade) em todas as condutas, por ser este, um delito de ação múltipla.

 

PALAVRAS-CHAVE: Medicamentos. Cosméticos. Saneantes. Crimes Hediondos

 

INTRODUÇÃO

A Lei nº 9.677 de 1998 que alterou significativamente a redação dos art. 272 e 273 do Código Penal, ainda hoje repercute discussão acerca de sua (in) constitucionalidade, uma vez que é visto uma flagrante violação a determinados princípios inerentes ao Estado Democrático de Direito.

Percebe-se que a política criminal adotada pelo legislador, consubstanciada em uma política altamente punitiva, onde o Direito Penal é a visto como único meio de controle das mais diversas formas de criminalidade. Desta forma, é comum no ordenamento jurídico brasileiro nos depararmos com a inflação da legislação penal especial, bem como com a edição de leis penais que em sua grande maioria aumentam as penas e restringem eventuais benefícios aos acusados.

Logo, no que tange a lei dos remédios, objeto de estudo do presente artigo, e sua equiparação a cosméticos e saneantes, está altamente desproporcional no que tange à pena aplicada. De acordo com tal política criminal, as penas cominadas ao art, 272 e 273, CP foi expressiva e desproporcional, uma vez que passou a ser considerado crime hediondo, o que então inviabiliza a concessão de anistia, graça e indulto, e, ainda, proíbe concessão de fiança e liberdade provisória. Ressalta-se, ainda, que em relação à possibilidade de progressão de regime em crimes hediondos deve ser observado o recente entendimento do STF, o qual reconhece a inconstitucionalidade da norma proibitiva de progressão de regime em crimes hediondos (HC nº 82.959-7).

Nota-se então que a alteração de tais artigos incorreu em um absurdo aumento de penas, sendo questionado acerca da violação dos princípios da proporcionalidade (proibição de excessos), bem como o principio da ofensividade, uma vez que tal lei optou por criminalizar condutas que na verdade representam muito mais uma infração administrativa do que um ilícito penal.

Frisa-se, que não é objetivo do presente trabalho exaurir a matéria proposta, mas apenas levantar as principais questões que envolvam o tema, sempre levando em consideração os direitos e princípios constitucionais que envolve a conduta de falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e sua inclusão no rol dos crimes hediondos.

 

1 ANÁLISE ESTRUTURAL DO ARTIGO 273 DO CP E DO ART. 3º, V e VII DA LEI Nº 6360/76

De acordo com o art. 3º da Lei nº 6360/76, conceitua-se cosméticos e saneantes como,

V - Cosméticos: produtos para uso externo, destinados à proteção ou ao embelezamento das diferentes partes do corpo, tais como pós faciais, talcos, cremes de beleza, creme para as mãos e similares, máscaras faciais, loções de beleza, soluções leitosas, cremosas e adstringentes, loções para as mãos, bases de maquilagem e óleos cosméticos, ruges, "blushes", batons, lápis labiais, preparados anti- solares, bronzeadores e simulatórios, rímeis, sombras, delineadores, tinturas capilares, agentes clareadores de cabelos, preparados para ondular e para alisar cabelos, fixadores de cabelos, laquês, brilhantinas e similares, loções capilares, depilatórios e epilatórios, preparados para unhas e outros;

VII - Saneantes Domissanitários: substâncias ou preparações destinadas à higienização, desinfecção ou desinfestação domiciliar, em ambientes coletivos e/ou públicos, em lugares de uso comum e no tratamento da água compreendendo:

 a) inseticidas - destinados ao combate, à prevenção e ao controle dos insetos em habitações, recintos e lugares de uso público e suas cercanias;

 b) raticidas - destinados ao combate a ratos, camundongos e outros roedores, em domicílios, embarcações, recintos e lugares de uso público, contendo substâncias ativas, isoladas ou em associação, que não ofereçam risco à vida ou à saúde do homem e dos animais úteis de sangue quente, quando aplicados em conformidade com as recomendações contidas em sua apresentação;

 c) desinfetantes - destinados a destruir, indiscriminada ou seletivamente, microorganismos, quando aplicados em objetos     inanimados ou ambientes;

 d) detergentes - destinados a dissolver gorduras e à higiene de recipientes e vasilhas, e a aplicações de uso doméstico.

Por sua vez o art. 273 do Código Penal dispõe,

Art. 273. Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.

§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe a venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.

§ 1º A. Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.

§ 1º B. Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:

I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;

II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;

III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;

IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;

V - de procedência ignorada;

VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.

§ 2º. Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa

 

Em análise ao art. 273 do código penal, percebe-se que seu objeto jurídico é a saúde pública e seu objeto material é o produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. Logo, é necessário, segundo o “caput” do artigo 273 do CP, que o produto seja destinado a fins terapêuticos ou medicinais, meios adequados para aliviar, tratar e curar doentes.

Desta forma percebe-se que a Lei nº 9.677/98 incorreu em um exacerbado aumento das penas cominadas aos delitos em questão. Ainda pode-se afirmar que referida Lei ao estabelecer os incisos do art. 273, §1º, CP, optou por criminalizar condutas que poderiam representar muito mais uma infração administrativa do que um ilícito penal.

No que diz respeito a Lei nº 6360/98, esta dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos, saneantes e outros produtos.

O objeto deste trabalho gira em torno do art. 3º, V e VII do referido diploma legal. Estes por sua vez dispõem,

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, além das definições estabelecidas nos incisos I, II, III, IV, V e VII do art. 4º da Lei nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973, são adotadas as seguintes:

V – Cosméticos: produtos para uso externo, destinados à proteção ou ao embelezamento das diferentes partes do corpo, tais como pós faciais, talcos, cremes de beleza, creme para as mãos e similares, máscaras faciais, loções de beleza, soluções;

VII - Saneantes domissanitários: substâncias ou preparações destinadas à higienização, desinfecção ou desinfestação domiciliar, em ambientes coletivos e/ou públicos, em lugares de uso comum e no tratamento da água compreendo.

 

Depois de esmiuçar ambos os dispositivos legais, bem como os conceitos de cosméticos e saneantes, que foram equiparados aos remédios, em caso de adulteração, percebe-se que foi completamente equivocado o legislador em fazer tal equiparação, uma vez que os cosméticos e saneantes nem de longe se assemelham a remédios, visto que os primeiros são produtos de beleza em geral, enquanto que o último é utilizado em casas de tratamentos de doenças.

A primeira conduta é a de falsificar (alterar com fraude o produto). Pode o crime ser praticado com o emprego de substância diversa das que entram na composição normal do produto, embora externamente tenha este, aparência idêntica ou semelhante à genuína. É uma alteração na composição do produto. A Segunda conduta típica é a de corromper o produto, ou seja, a de decompô-lo, estragá-lo, desnaturá-lo, mesmo por omissão. Ou seja, acrescenta-se ou retira-se substâncias que fazem parte da composição do produto. A terceira conduta é adulterar, modificar, mudar para pior o produto(ex:alterando a quantidade das substâncias que o compõe, fazendo-o perder seus efeitos).

É a conduta de alterar o produto, modificando a sua qualidade, fazendo desaparecer suas características, seus atributos de pureza, perfeição, suprimindo total ou parcialmente, qualquer elemento da composição normal, adicionando outras substâncias ou substituindo um elemento por outro, de qualidade inferior (podendo inclusive, causar efeitos contrários ao do medicamento original). Vale ressaltar, que, se o agente realiza mais de uma conduta dentre as alternativamente previstas no parágrafo 1º, responde por delito único.

A titulo de informação, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é a responsável pelo registro de medicamentos, pela autorização de funcionamento dos laboratórios farmacêuticos, bem como das empresas da cadeia farmacêutica e, ainda, pela regulação de ensaios clínicos e de preços, por meio da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). A responsabilidade pela inspeção de fabricantes e pelo controle de qualidade dos medicamentos é feita juntamente com os Estados, realizando a vigilância pós comercialização, as ações de farmacovigilância e a regulação da promoção de medicamentos. A ANVISA está encarregada, ainda, de analisar pedidos de patentes relacionados a produtos e processos farmacêuticos, em atribuição conjunta com o Inpi – Instituto Nacional de Propriedade Industrial e com a finalidade de incorporar aspectos da saúde pública ao processo. (MACEDO, 2010, p – 1)

 

1.1  Inconstitucionalidade face aos princípios da proporcionalidade e da ofensividade

 

Neste crime o elemento subjetivo é o dolo, não se exigindo qualquer fim especial da conduta. Em relação às condutas descritas no parág. 1º-, exige, além da vontade de praticar a ação, que se tenha ciência da falsificação, corrupção ou adulteração do produto. Admite-se a forma culposa no parágrafo 2º. É importante mencionar, que, se o agente tem ciência da adulteração e falsificação do produto, e mesmo assim, o vende, neste caso, ele se torna garantidor de quem o consome, pois, assume o risco do resultado final. A qualificação da pena será ainda pior, por atentar contra uma coletividade. Logo, nestas circunstâncias pensa-se estar correta a conduta do legislador ao inserir este crime no rol de crimes hediondos, incluindo seus equiparados, quais sejam, cosméticos e saneantes.

Porém, este não é um assunto pacífico, e levando em consideração suas divergências, deve-se notar que o crime consuma-se com as condutas descritas no tipo, independentemente de qualquer outro resultado. Logo, fere princípios constitucionais, como o da proporcionalidade e ofensividade (pune uma pessoa sem prova da lesão), presunção de inocência (o ônus de provar é do Estado).

Assim, inegável que a Lei 9.677 /98 incorreu em um absurdo aumento das penas cominadas aos delitos em questão, violando o Princípio da Proporcionalidade (proibição de excessos), bem como o Princípio da Ofensividade. Nesta linha Miguel Reale Junior (1999, p – 415) aduz,  

Ora, o princípio da proporcionalidade, decorrente do mandado de proibição de excessos, e o princípio da ofensividade foram claramente afrontados na Lei 9677 de 02.07.1998, bem como pela Lei 9695 , de 20.08.1998. Regras ai contidas concretizam graves distorções entre os fatos inócuos descritos e a sua criminalização. Isto porque não se exige, no modelo de conduta típica, a ocorrência de resultado consistente em perigo ou lesão ao bem jurídico que se pretende tutelar, vale dizer, à saúde pública .

Percebe-se então que o bem jurídico tutelado por tais normas é da mais alta relevância, bem como a falsificação de remédios é um problema que merece toda atenção do Estado no que tange a punição para os que violarem os dispositivos. Porém, é necessário que haja parâmetros para tal punição, uma vez que deva estar dentro dos limites impostos pelos princípios constitucionais basilares do direito penal.

Desta forma, a punição dada para os agentes que violarem o tipo penal os princípios da ofensividade (ou lesividade), exigindo que a conduta realmente tenha causado algum dano, tenha lesado o bem jurídico de forma grave, intolerável e transcendental. Muitas vezes formalmente há a conduta típica, mas materialmente a lesão, o prejuízo se revela tão ínfimo que nem sequer ofendeu o bem jurídico tutelado, não merecendo assim nenhum tipo de reprimenda penal. (ABRÃO, 2009, P – 3)

O princípio da ofensividade sob as célebres de palavras de Francesco Palazzo (1989, p- 79/80),

O princípio da lesividade do delito, pelo qual o fato não pode constituir ilícito se não for ofensivo (lesivo ou simplesmente perigoso) do bem jurídico tutelado, responde a uma clara exigência de delimitação do direito penal. (...) A nível jurisdicional-aplicativo, a integral atuação do princípio de lesividade deve comportar, para o juiz, o dever de excluir a subsistência do crime quando o fato, no mais, em tudo se apresenta na conformidade do tipo, mas, ainda assim, concretamente é inofensivo ao bem jurídico específico tutelado pela norma

 

A ocorrência de lesão relevante ou perigo de lesão ao bem jurídico penal é primordial para configuração do delito, caso contrário não há o que se falar em conduta típica. É sob esta ótica que E. Tribunal de Justiça de Porto Alegre decidiu,

 

"VENDA DE COSMÉTICOS SEM REGISTRO. Não podem ser responsabilizados criminalmente por este ilícito penal sócios da empresa que, na condição de" laranjas Não têm nenhuma participação na administração da sociedade comercial, sendo totalmente alheios ao que nela se passa. Meros empregados também não podem ser responsabilizados pelos atos de administração, ainda que cientes de que os gestores da sociedade comercial estejam a cometer crime, porque não lhes é lícito exigir conduta diversa, sob pena de perderem seus empregos. Ainda, a norma penal incriminadora (art. 273 , § 1º - B , I, CP)é flagrantemente inconstitucional, dada a afronta ao princípio da proporcionalidade, por aplicar penas altíssimas, superiores às incidentes no crime de homicídio doloso, por fato sem maior gravosidade, qual seja a venda de cosmético sem registro, erigida mera infração administrativa em crime hediondo. (Apelação Criminal nº 70010363745 - TJRGS - 8ª Câmara Criminal - Rel. Des. Luis Carlos Ávila de Carvalho Leite - j. 19/10/2005)

No que tange ao principio da proporcionalidade, importante ressaltar que no Estado Democrático de Direito deverá haver um constante respeito aos princípios jurídicos, o que nos permite ressaltar que este princípio é ligado à vigência formal e material deste Estado Constitucional. Nesse sentido, o principio da proporcionalidade atua como um instrumento de limitação do poder de punição do Estado, uma vez que sempre deverá ser decidido qualquer questão pelo viés que prejudique menos o indivíduo.

Desta forma é necessário que haja um equilíbrio entre os meios e o fim, ou seja, os meios para reprimir a criminalidade e a punição escolhida para o caso concreto, sob pena de realizarmos inúmeras violações aos direitos humanos e às garantias constitucionais. (ABRÃO, 2009, p – 3)

Luiz Flavio Gomes (2006, p – 20/21), destaca acerca do princípio da proporcionalidade,

Toda intervenção, na medida em que constitui uma restrição da liberdade, só se justifica se: (a) adequada ao fim a que se propõe (o meio tem aptidão para alcançar o fim almejado); (b) necessária, Istoé, toda medida restritiva de direitos deve ser menos onerosa possível; (c) desde que haja proporcionalidade e equilíbrio na medida ou na pena. Impõe-se sempre um juízo de ponderação entre a restrição à liberdade que vai ser imposta (os custos disso decorrente) e o fim perseguido pela punição (os benefícios que se pode obter). Os bens em conflito devem ser sopesados.

 

Conforme interpreta o jurista acima, o principio da proporcionalidade no Direito Penal deve ser tido em consonância com seus três sub-principios, quais sejam: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Bruno Haddad Galvão (GALVÃO, 2010, p – 3) aduz acerca desses três sub-princípios,

 

Adequação, nada mais é do que saber se a norma é capaz de atingir o fim esperado. Necessidade, por sua vez, é se imaginar se a medida adotada gera mais bônus do que ônus. Proporcionalidade em sentido estrito, por fim, é verificar se a medida é razoável.

 

Isto posto, conclui-se que através do princípio da proporcionalidade deveria haver um equilíbrio entre o bem jurídico lesado, isto é, o perigo concreto ou colocado em perigo (perigo abstrato) em relação a pena aplicada, uma vez que se houver desequilíbrio entre este binômio, ocorrerá violação ao princípio citado.

2        O QUE É MEDICAMENTO E OS EFEITOS DE SUA ADULTERAÇÃO NA SAÚDE PÚBLICA

 

Medicamento provém do latim medicamentum, vocábulo que tem o mesmo significado de médico, medicar e etc., e que se liga ao verbo medeor, que significa cuidar de, proteger, tratar. Medicamentum, em latim, tinha também o sentido de bruxaria, feitiço.

Já o remédio, provém do larim remedium, aquilo que cura. Este compreende tudo aquilo que é utilizado para a cura de uma doença.

Como consequência da adulteração dos remédios na saúde pública, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, temos que,

Os medicamentos falsos podem minar a confiança pública nos sistemas e nos profissionais de saúde, nos estabelecimentos que fazem a distribuição/dispensação e comercialização de medicamentos genuínos, na indústria farmacêutica e na autoridade reguladora de medicamentos. A rotulagem incorreta, no que diz respeito à fonte, também pode ser prejudicial à reputação e posição financeira do fabricante original, cujo nome está sendo fraudulentamente utilizado        [4].

Desta forma, percebe-se que a falsificação dos remédios fere gravemente a imagem dos verdadeiros fabricantes, uma vez que o agente provocador do delito se utiliza do nome deste para a venda dos remédios que na verdade estão adulterados.

Já no que diz respeito as falsificações e adulterações de cosméticos e saneantes, vez que estes passaram a ser equiparados a medicamentos, é bem maior em relação as mulheres, que são as que mais se utilizam desses produtos. Sabe-se que os efeitos que estes produtos podem causar no organismo, variam de alergias, manchas, queimaduras, vermelhidão, coceiras, levanto até a morte, sendo esta última prevista como qualificadora do tipo penal.

A saúde pública é um bem altamente protegido pelo poder público. Este tem por obrigação zelar pelo acompanhamento na fabricação e distribuição de tais medicamentos. A lei dos remédios foi criada justamente com este intuito, zela pela vida e dignidade da pessoa humana que por vez pode ser levado a erro na compra de medicamentos adulterados.

Ao comentar a Lei dos Remédios, Miguel Reale Junior expõe,

Não há interpretação que possa ser feita para conformar a norma aos valores e princípios constitucionais. A interpretação congruente com a Constituição tem limites, pois deve-se neste esforço, oara salvar a norma, analisar as possibilidades de ambos os textos, o constitucional e o ser conservado, de acordo com tê-los de ambos. Com relação à norma do inciso I do §1º-B do art. 273, bem como referentemente aos demais incisos, frustra-se a tentativa de conservação dos dispositivos, porque para tanto seria necessário impedir a realização absoluta dos valores e princípios constitucionais.

3        O CRIME DE PERIGO DE PERIGO CONCRETO E A PONDERAÇÃO ENTRE AS CONDUTAS POR SER UM CRIME DE AÇÃO MÚLTIPLA

 

Os delitos de perigo concreto requerem que no caso concreto haja produzido um perigo real para um objeto protegido pelo tipo, os delitos de perigo concreto ou efetivo têm expressamente estabelecido no tipo, a necessidade de que haja provocado uma situação de perigo(resultado de perigo). Não se trabalha com possibilidades, mas com provas em si da existência do perigo.

O legislador tipifica o próprio perigo pela descrição de uma conduta perigosa, da qual se vislumbra um resultado típico, resultado este que será o próprio perigo para o bem ou bens jurídicos tutelados pela incriminação. E os crimes de perigo concreto, quanto ao seu elemento subjetivo, postulam um dolo especial ou específico, que é o chamado dolo de perigo.

Sabe-se que a lei de crimes hediondos foi criada devido o clamor público por normas penais mais rígidas, mas equiparar cosméticos e saneantes à medicamentos, e aplicar a mesma punibilidade não seria excesso de rigidez por parte do legislador? Que na tentativa de ser democrático acaba sendo inconstitucional ou desproporcional, já que os equiparados não tem por finalidade cuidar, proteger ou tratar, assim como os medicamentos. Logo, afasta-se a possibilidade de perigo concreto, que se confirma na doutrina apenas, por Greco. (GRECO, 2006)

O art 273, CP passou a ser considerado crime hediondo, o que então inviabiliza a concessão de anistia, graça e indulto, e, ainda, proíbe concessão de fiança e liberdade provisória. Anistia significa o esquecimento de certas infrações penal. É cabível a qualquer momento: antes ou depois do processo e mesmo depois da condenação. É uma lei, portanto, é concedida pelo congresso nacional. Após concedida a anistia, não pode ser revogada. Ela possui caráter de generalidade, não abrangendo pessoas e sim fatos, atingindo um maior número de beneficiados. É uma das causas de extinção de punibilidade e não abrange os efeitos civis. A graça é espécie de indulgência de ordem individual, pois só alcança determinada pessoa. Enquanto o indulto é de caráter coletivo.

O que impossibilita a aplicação da fiança e da liberdade provisória são os requisitos obrigatórios que estes devem ter para serem concedidos, e no caso do art. 273, sua equiparação à crime hediondo, torna a pena elevada demais para que se possa conceder a fiança ou liberdade provisória. Logo, deve-se ponderar risco e dano, para que o direito penal seja aplicado coerentemente, como ultima ratio, independente do clamor público.

 

CONCLUSÃO

Com base no que foi exposto acima percebe-se que a nova redação do art. 273, CP, não pactua com os princípios da proporcionalidade e da lesividade, não havendo equilíbrio entre ambos para a punição do agente causador da referida conduta. Isto é, o equilíbrio previsto deveria ser entre o bem jurídico que é lesado (perigo concreto) ou colocado em perigo (perigo abstrato) em relação a sanção aplicada.

Desta forma, podemos concluir que nos parece inconstitucional os art. 272 e 273, CP, em face da ausência desse equilíbrio, de uma justa medida, atingindo-se os valores constitucionais  previsto no Estado Democrático de Direito, tais como, a liberdade, justiça e dignidade da pessoa humana.

Uma vez já falado anteriormente percebe-se que foi inequívoca a atitude do legislador em tipificar este crime como hediondo, visto que criminalizou condutas que na verdade poderiam configurar meras infrações administrativas. Não é justo tratar um adulterador de remédios no mesmo patamar de um homicida. São bens jurídicos diferentes e que não coincidem.

Isto posto, é necessário que haja um juízo de ponderação sobre o bem lesado ou posto em perigo, com a devida punição, pois do contrário a desatenção a estes princípios basilares não gera apenas uma ofensa a um mandamento obrigatório, seja ele o código penal, mas a todo o sistema de comandos, ou seja, a Constituição Federal. Seria de fato uma grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, pois haveria uma subversão de seus valores fundamentais.

REFERÊNCIAS

ADAMI, Adam Macedo. Curso de Legislação Farmacêutica. Portal Educação, 2010. Disponível em: <www.portaleducacao.com.br> . Acesso em 25 de maio de 2012.

 

GALVÃO, Bruno Haddad. Da declaração de inconstitucionalidade do art. 273 do CP ou reconhecimento da atipicidade da material do fato, ante a inexistência de resultado jurídico. Disponível em: <www.sosconcurseiros.com.br>. Acesso em 20 de maio de 2012.

 

PALAZZO, Francesco. Valores constitucionais e direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1989.

 

REALE, MIGUEL JUNIOR. A inconstitucionalidade da Lei dos Remédios. Revista dos Tribunais 763, São Paulo: RT, 1999, P – 426.

 


[1] Paper elaborado à disciplina de Direito Penal Especial II, ministrada pela Professora Socorro para obtenção de nota.

 

[2] Aluna do 5º período vespertino da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB)

 

[3] Aluna do 5º período vespertino da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB)

 

[4] Organização Mundial de Saúde. Departamento de Medicamentos Essenciais e Outros medicamentos. Medicamentos falsificados: diretrizes para o desenvolvimento de medidas de combate a medicamentos falsificados/Organização Mundial de Saúde – Brasília. Organização Pan Americana da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2005.