LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA: Princípios Constitucionais e Inovações[1]

                                                                 Bárbara Abreu e Maiana Bastos[2]

SUMÁRIO: Introdução, 1-Lei n°12.153/09 (Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública); 2- Princípios da atividade jurídico-processual da Fazenda Pública; 3- Artigo 7° da Lei n° 12.153/09; Considerações Finais

                  RESUMO

O seguinte paper baseia-se em fazer uma análise sobre a lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, visto pela maioria da doutrina como um importante passo para a realização do Acesso à Justiça e a efetivação dos princípios da celeridade e da supremacia do interesse público. O trabalho abordará a lei n° 12.153/09 e as suas implicações e disposições, focando no artigo 7°, o qual trata dos prazos não diferenciados para o Poder Público em sede de Juizado Especial da Fazenda Pública. Além disso, analisaremos os princípios respeitados e consagrados pela referida lei.

PALAVRAS-CHAVE:

Juizados Especiais. Fazenda Pública. Princípios.

INTRODUÇÃO

 

                Ao Poder Judiciário, foram atribuídas pela Constituição Federal de 1988, várias garantias oferecendo-lhe autonomia institucional até então desconhecida. Apontada autonomia incide ser inerente a sua função jurisdicional, a qual precisa ser prestada de forma imparcial, eficaz e célere, possuindo estes magistrados garantias constitucionais que materializam, por meio de suas decisões, direitos subjetivos, exercendo também o último controle da atividade estatal, interpretando e executando as normas.

            Entretanto, apesar de uno, o Poder Judiciário se subdivide em múltiplos órgãos para a melhoria da prestação jurisdicional conforme impõe o art. 92 da Constituição Federal.

            A evolução do sistema judiciário e a atuação legislativa contribuíram para a garantia do Estado Democrático de Direito instituindo órgãos diferenciados para o acesso à justiça criando, por exemplo, a figura dos Juizados Especiais, autorizados pela norma constitucional do art.98/CF.

            Assim, posterior à criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito estatal e os Juizados Especiais federais, em 22 de dezembro de 2009, foi editada a lei de nº 12.153, que trata da instituição do Juizado Especial da Fazenda Pública, onde foi ratificado a criação pela União e Estados de novos órgãos jurisdicionais no qual figura como pólo passivo a Fazenda Pública.

            Inicialmente serão conotados princípios norteadores da fazenda pública em frente sua atividade processual, bem como a inovação legislativa gerada pela lei 12.153/2009. Após tal introdução, será válida a compreensão do Art.7º da lei em comento, em que serão analisados os efeitos da inexistência de prazos processuais diferenciados diante dos princípios de celeridade processual e isonomia entre as partes.

            Posteriormente far-se-á válida a apreciação do princípio da supremacia do Poder Público em contraposição ao privado, bem como o princípio da Dignidade da Pessoa Humana beneficiado pelo artigo já citado.

1-      Lei nº 12.153/09 (Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública)

            Com base no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, a Lei nº 12.153/09 instituiu a criação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, como órgãos da Justiça comum e integrantes do sistema dos Juizados Especiais, já existente. A referida lei teve como principal objetivo estender às causas que envolvam interesses das Fazendas Públicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, a bem sucedida experiência dos Juizados Especiais Cíveis e dos Juizados Especiais Federais.

            O sucesso dos procedimentos dos Juizados Especiais Cíveis e Federais advém, principalmente, do curto tempo de duração dos processos, isso devido ao fato de as ações nos tais Juizados possuírem rito sumaríssimo, com raros recursos e baseadas nos princípios da celeridade, da simplicidade e do estímulo à celebração dos acordos.

            A partir disso, regem-se os Juizados Especiais da Fazenda Pública especificamente pela Lei nº 12.153/09 e subsidiariamente, aplicam-se também as disposições presentes no Código de Processo Civil, na Lei nº 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais e Criminais) e na Lei nº 10.259/01 (Lei dos Juizados Especiais Federais) naquilo que, obviamente, não conflitar com a disciplina traçada pela lei específica. É importante ressaltar, então, a posição acerca do assunto do professor Humberto Theodoro Junior, na palestra proferida no III Encontro de Juízes Especiais do Estado de Minas Gerais, afirmando que:

“Pela comunhão de princípios informativos, pela adoção de procedimento sumaríssimo basicamente igual e pela própria remissão legal feita entre os três diplomas normativos, deve-se reconhecer que todos eles formam uma unidade institucional, isto é, um só estatuto, qual seja o estatuto legal dos Juizados Especiais brasileiros. Não havendo, portanto, conflito entre regras explícitas, os dispositivos de qualquer das três leis podem ser aplicados nos procedimentos de qualquer um dos diferentes Juizados”. (JUNIOR, 2010, p.3)

                Apesar de a maioria dos procedimentos dos Juizados Especiais da Fazenda Pública serem espelhados nos dispositivos legais da Lei do Juizado Especial Cível e do Juizado Especial Federal, a lei traz algumas inovações, tais como a fixação de teto do valor em discussão para fins de competência por processo (e não por autor). Além de a previsão expressa de antecipação de tutela no curso do processo e o regimento pelo Código de Processo Civil nas citações e intimações do autor e do réu.

            Os tais Juizados Especiais da Fazenda Pública serão competentes para julgar, processar e conciliar causas com o valor de até sessenta salários mínimos e nos casos de obrigações vincendas, a some de doze parcelas vincendas com as parcelas já vencidas não poderá ultrapassar o referido valor.

            Porém, de acordo com o artigo 2° da lei 12.153,/08, não se incluem na competência dos Juizados Especiais Cíveis, resumidamente, julgar os mandados de segurança, as execuções fiscais, as ações populares e as ações sobre direitos difusos e coletivos. Assim como não serão competentes para julgar as ações de improbidade administrativa, de impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares. As ações de divisão, demarcação e desapropriação de imóveis dos Estados, do Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias e fundações públicas a eles vinculadas também estão afastadas da competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública.  

2. PRINCÍPIOS DA ATIVIDADE JURÍDICO-PROCESSUAL DA FAZENDA PÚBLICA

 

            A administração pública, seja ela direta ou indireta, é conduzida por determinados princípios que estabelecem a sua atividade singular, diferenciando-a, intensamente, das atividades dos particulares, tanto quando da execução de suas freqüentes tarefas quanto no momento da composição de suas controvérsias.

            É evidente, porém, que todos esses princípios não possuem outra origem senão a necessidade, a que se arroga a Fazenda Pública, de sobrepor o interesse público ao interesse particular. Sendo perante este apontamento que surgem todos os poderes-deveres capazes de sustentar e organizar a atividade Público-fazendária.

            Desta forma, todo e qualquer ato dos Administradores Públicos devem ser guiados para a concretização do bem comum da coletividade administrada. O administrador que assim não o fizer incorrerá em algum ilícito ou imoralidade que terminará por ser entendido como desvio ou abuso de poder, donde se extrai que o fim ou vontade a que visa o Administrador não pode ser outra coisa senão o atendimento ao interesse público da coletividade sob sua administração e nunca refletir seus próprios desejos e caprichos.

            Infere-se daí que todo aquele que tiver por dever gerir a coisa pública deverá guiar sua conduta por princípios da legalidade, da moralidade da impessoalidade, da proporcionalidade, da publicidade, em prol exclusivamente da coletividade;

            Nessa altura, cabe observar que esses princípios transcendem a esfera meramente executiva da Fazenda Pública e norteiam também sua atividade processual, a forma com que tenta solucionar os conflitos dos quais é parte.

Não é descabido asseverar que surge aqui um verdadeiro direito processual público, pois são concedidas à administração inúmeras prerrogativas, em decorrência daqueles princípios, para que não seja, em hipótese alguma, o interesse público mitigado

            Por tais razões a Fazenda Pública recebeu do sistema processual brasileiro privilégios, indicados principalmente pelo Código de Processo Civil, indisponíveis ao particular que decide fazer uso da máquina judiciária para ter seus conflitos resolvidos, tais como: o prazo quadruplicado para contestar e duplicado para recorrer, a citação e a intimação feitas sempre pessoalmente por oficial de justiça, sentença sujeita a duplo grau obrigatório de jurisdição, entre outras prerrogativas, as quais têm origem no longo percurso até agora construído entre a Fazenda Pública e o Poder Judiciário. A vasta experiência oriunda dessa estreita relação levou o legislador ordinário a criar normas capazes de tornar mais imbricada a atividade de ambos sem permitir que se esquivassem do dever de assegurar o interesse público, normas as quais mais adaptadas a atender a necessidade da Fazenda Pública, sempre incumbida de analisar um alto número de processos, e por isso, com maiores dificuldades para acompanhá-los.

3 ART. 7º DA LEI 12.153/09

Primeiramente, em ratificação ao exposto no Art.8 da Lei nº 9099/95, pessoas jurídicas de direito público seriam impossibilitadas em figurar como partes perante o procedimento dos Juizados Especiais, situação esta modificada pela Emenda Constitucional nº 22199, regulada pela lei federal nº 10.259/2001, a qual instituiu  os Juizados Especiais Cíveis e Criminais na Justiça Federal, aceitando os entes de Direito Público, bem como empresas públicas federais, no procedimento por ela instituído. Igualmente pôde ocorrer com os entes de Direito Público Estaduais e Municipais, após a inovação da Lei 12.153/09, a qual possibilitou a participação de determinadas entidades como partes do procedimento dos Juizados Especiais.

Isto posto, entre as novidades ocasionadas pela lei analisada, faz-se válida a atenção ao conteúdo de seu Art. 7, uma vez que a previsão de prazo diferenciado para o Poder Público não possui disposição expressa na mesma, devendo os representantes legais atuarem em conformidade com os prazos impostos pelo Código de Processo Civil, não havendo nenhuma diferenciação, em face da pessoa jurídica de direito público, quanto a sua contagem.

Para melhor entendimento, faz-se válida a análise do dispositivo.

Art. 7o  Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos, devendo a citação para a audiência de conciliação ser efetuada com antecedência mínima de 30 (trinta) dias

            Tal regra está em plena consonância com a preconizada isonomia processual, bem como da razoável duração do processo, concretizando o efetivo objetivo da instituição dos Juizados Especiais, finalidade esta de desafogar o judiciário e prestar de forma mais hábil a tutela jurisdicional.

            Apesar da inexistência de prazos diferenciados, permanece imutável o conteúdo do Art.191 do CPC, no concernente à concessão de prazo em dobro para formulação da contestação na hipótese de possuírem os litisconsortes diferentes procuradores, dispondo o artigo que: “quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer, e de modo geral, para falar nos autos”

            Todavia, nesse caso não se trata de um privilégio, mas de possibilitar às partes, e os seus respectivos advogados, o acesso aos autos do processo, viabilizando a correta defesa dos seus interesses, já que com a atuação de diversos advogados, é provável que nem sempre estarão os autos disponíveis para consulta, demonstrando o respeito aos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

            Verificando a parte final do Art. 7 é possível verificar que a citação deve ser efetuada com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias.

            O referido dispositivo guia ao entendimento o errôneo quanto a inexistência de audiência de conciliação prévia, prevista na Lei 9.099/95, o que não se configura, visto que esta tem aplicação subsidiária à Lei 12.153 (art.27), viabilizando a ocorrência de conciliação prévia, sendo sua realização adaptada à realidade da legislação estudada.

            Desta forma, determinado fato acerca da audiência de conciliação, assim como a 1ª parte do Art.7, também confirma o objetivo dos Juizados Especiais, posto que já é uma adaptação à previsão de que não haveria prazo diferenciado para pessoa jurídica de direito público, culminando na solução de ampliação do prazo inicial (15 dias) para 30 dias.

Considerações Finais

A Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública está concluindo um ciclo iniciado em 1995 com a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e intensificado em 2001 pela Lei dos Juizados Especiais Federais. Destaca-se então que a Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública representa um importante passo em direção à constituição de um sistema judiciário mais acessível, eficaz e efetivo, que possibilitará a integração de grande parcela da população brasileira até então à margem de uma prestação jurisdicional compatível com suas realidades sociais e econômicas.

Reafirmando o disposto anteriormente e de acordo com o que foi afirmado no presente paper , Adriana Fasolo Pilati Scheleder, na obra As Garantias Constitucionais das Partes nos Juizados Especiais Cíveis, a função dos juizados é possibilitar a efetivação dos direitos do autor num período razoável e compatível com a complexidade do litígio, ao contrário do que ocorre hoje com os procedimentos da justiça comum, onde as demandas são intermináveis.

 Referências

 

DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno, Vol. I.

4.ed. Malheiros: SP, 2001

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. 2.ed.; São Paulo, Atlas,

1980.

JUNIOR, Humberto Theodoro. Os Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei N° 12.153, de 22.12.2009). Disponível em: < http://www.ejef.tjmg.jus.br/home/files/publicacoes/palestras/pal022010.pdf>. Acesso em 21 maio 2012.

SCHELEDER, Adriana Fasolo Pilati. As Garantias Constitucionais das Partes nos Juizados Especiais Cíveis. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2009, p. 70.

           

           

           

           

 



[1] Paper apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina Processo de Conhecimento II do curso de Direito da UNDB ministrada pelo professor Hugo Passos.

[2] Alunas do 5° período noturno do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.