Artigo 48.º (Regulamentação) – Diz este artigo que o Governo aprova, no prazo máximo de 180 dias após a publicação da presente lei, a respectiva regulamentação. Se bem me lembro, aquando da promulgação da dita, o Presidente da República, Dr. Cavaco e Silva enviou mensagem à AR no sentido da mesma, sobre determinados aspectos carecer de ser regulamentada. Pois bem, essa regulamentação só foi publicada no DR 29 SÉRIE I de 2008-02-11, através do Decreto Regulamentar n.º 5/2008. (Não será isto uma omissão grave? ou será que o Dr. Manuel Pizarro (ilustre médico portuense) andava mais preocupado com a sua nomeação para a actual tarefa de actual Secretário de Estado da Saúde?

Artigo 1.º (Objecto) - A presente lei regula a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida (PMA). Não nos parece verdade, pois regula tb o destino de embriões à investigação científica (art.º 9 – liquidação de embriões para outras finalidades), maternidade de substituição (art.º 8), e o diagnóstico genético pré implantação (arts 28 e 29), que nada têm a ver com PMA como adiante se desenvolverá.

Art.º 11 – A lei pressupõe que as práticas de PMA são actos médicos, no entanto verifica-se em face do art.º 4/2 que não é apenas técnica de superação de infertilidade mas tb da produção heteróloga. E esta é tratamento? E quando se diz “tratamento de doença grave” não se quererá sugerir a produção heteróloga de embriões para tratamento de doenças graves? Então deveremos entender que as técnicas de PMA conforme o nº 1 do art.º 4º, são efectivamente 1 método subsidiário de procriação o que em face da ambiguidade da Lei que no fundo permite mais do que aparenta, abre perigosamente 1 janela para resultados bem mais graves, como os lobbys empresariais e interesses médicos de finalidade duvidosa.
O art.º 5º estabelece a administrativização do sistema, desde logo pelo facto de as técnicas só poderem ser ministradas em centros autorizados pelo Ministro da Saúde supervisionadas e fiscalizadas pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) a quem cabe nomeadamente, o registo de dadores, beneficiários e crianças nascidas conforme art.º 30 (com toda a burocratização implícita).

Os Beneficiários - Beneficiários são as pessoas a quem o ente nascido de técnicas de PMA seria destinado. Do art.º 6º resulta que beneficiário deve ser 1 casal de sexo diferente, o que qto a nós é 1 cautela importante no sentido de evitar o uso abusivo destas técnicas o que mesmo assim não evita o seu contorno com determinadas idas, nomeadamente a Espanha (quer por preconceito tenebroso e encapotado que por ingenuidade confrangedora).
Já no que respeita ao nº 2 do art.º 6º, e se algum dos candidatos sofre notóriamente de anomalia psíquica mas não está interdito nem inabilitado? O centro que aplica as técnicas de PMA pode avançar? Parece-nos que aqui a lei é omissa.
A nosso vêr, gravemente omissa é também a Lei quando não menciona pais ou progenitores, porquanto essa situação se verifica na inseminação artificial homóloga e não na heteróloga. Assim sendo, no caso da inseminação heteróloga, não se poderá falar em continuidade biológica e sim em pais de destinação ou pais sociais do novo ente, que nada têm a ver com a constituição do genoma deste, o que em face do consentimento informado previsto no nº 5 do art.º 9º que pressupõe uma forte ligação humana e não mero negócio jurídico exclui desde logo a inseminação homóloga, isto é, os beneficiários podem doar os embriões a outro casal (art.º 25/2 e 3) inclusive consentir a sua utilização cientifica (art.º 9/5).
Em face do discorrido, entendemos que o vínculo não é familiar, nem sequer de base biológica sendo os beneficiários decisores da vida e morte do embrião. Será por isso que o nº 2 do art.º 22 diz que os embriões podem ser doados? Ou afinal não se defrontam apenas questões de natureza contratual?

Inseminação artificial – art.º 19/1 - A inseminação com sémen de um terceiro dador só pode verificar-se quando, face aos conhecimentos médico-científicos objectivamente disponíveis, não possa obter-se gravidez através de inseminação com sémen do marido ou daquele que viva em união de facto com a mulher a inseminar.
Só qd não for possível com sémen do marido ou do companheiro? Surpreendente. O que parece ser uma restrição, afinal parece-nos mais não ser do que a permissão da inseminação heteróloga. Com que fim?
Mais uma vez nos parece que no que concerne à fecundação heteróloga é no fundo estender sub-repticiamente à União de Facto a presunção de paternidade estabelecida no art.º 1839/3 do CC, isto é, uma forma de legalização enviesada, mais ainda quando temos presente o entendimento que nos é dado pelo Professor Pereira Coelho sobre a interpretação da União de Facto e a sua interpretação sobre o art.º 36, 1ª parte da Constituição da República Portuguesa.

Art.º 22º - É de louvar, pois é 1 questão que pode provocar as maiores perturbações nas relações familiares e sucessórias. Aqui se verifica que mesmo que a lei seja violada é sempre possível estabelecer a filiação do ente nascido recorrendo mais 1 vez ao art.º 1839/3 CC.

Anonimato ou Identificação do dador - Confidencialidade. Contráriamente ao proposto no parecer do CNECV a lei defende o ppio da confidencialidade quer no que diz respeito ao acesso sobre a identidade dos participantes quer sobre o próprio acto de PMA (art.º 15/1). Ora, parece-nos que nomeadamente no que diz respeito à procriação heteróloga acreditamos que mais 1 vez concorrem os poderosos interesses empresariais pelo que nos é dado admitir que na inversão clara da posição do CNECV aquando da aprovação da Lei na Assembleia da Republica falaram mais alto os interesses empresariais. Senão, vejamos o n.º 2 e o n.º 3 do art.º 15 e as absolutas restrição ai implícitas.
Mais ainda, quando se infere da interpretação do n.º 4 do mesmo artigo, esta ser uma clausula aberta que ao permitir a possibilidade de acesso a essas informações, mais não é do que dar azo ao puro arbítrio judicial, sem fixação de quaisquer critérios que pautem a intervenção dos juízes.
E aqui subjazem questões essenciais;
- E então os impedimentos dirimentes relativos constantes no art.º 1602 do Código Civil?
- E as considerações relativas aos Direitos Fundamentais constantes na CRP, nomeadamente nos preceitos do art.º 26/1 que reconhece o dto à identidade pessoal e no nº 3 que garante a identidade genética do ser humano?
É que a ser assim, parece-nos que uma criança que nasça de gâmetas anónimos é no fundo 1 ser amputado em face dessa desse princípio.

Fertilização in Vitro - Em face do entendido, a PMA abrange a criação deliberada de embriões (art.º 24) para utilização cientifica (art.º 9/2 a 5), embora a proíba (art.º 9/1) e isso assim se verifica (art.º 10/1) ao prever-se a dádiva de ovócitos, espermatozóides e de embriões, o que implicitamente admite a procriação heteróloga.

Artigo 18.º - Daqui resulta que nenhum valor pode ser atribuído a esse material no cálculo de retribuição (art.º 17/1). E a correspondente sanção? É o mundo do faz de conta, o Nacional porreirismo no seu melhor, nomeadamente no que concerne à dádiva gratuita de ovócitos.
Urge portanto regulamentar, quer através de regulamentação específica quer seja por via do Código Penal a correspondente penalização à sua violação.

Art.º 25º - Não parece que a norma tenha conteúdo. Afinal que compromisso existe? Existe alguma regra que imponha a obrigatoriedade da utilização dos embriões durante esse período? Onde está a sanção? Não será eventualmente um apelo dissimulado a uma segunda gravidez?
Art.º 25/2 - Já vimos que o art.º 10, o art.º 17/1 e o art.º 25/2 admitem ou referem a dádiva de material genético e embriões o que implicitamente significa que estes elementos genéticos são de ordem pessoal e não “coisa” no sentido do art.º 202 e seguintes do Código Civil. É que ao falar-se em doação, esta implica necessariamente que o objecto seja uma “coisa”. Ora, se o elemento genético não é coisa então porque se fala em doação? Mais grave ainda é qd se lê no art.º 25/2 e 3 que “decorrido o prazo de 3 anos podem os embriões ser doados a outro casal mediante o consentimento dos beneficiários originários”. E então se os beneficiários não coincidirem com os que forneceram os gâmetas e serem eles também destinatários, eles são donos?
Partindo do princípio que há PMA homóloga, o art.º 1878 do CC que regula o poder paternal determina que “compete aos pais, no interesse dos filhos, representá-los ainda que nascituros”. Se aqui estamos perante um direito/dever, porquanto a representação é atribuída no interesse do representado, então como é possível a doação? Parece-nos que não cabe no interesse do representado ser doado e muito menos ser entregue para ser aniquilado para outras finalidades como as previstas no art.º 25/5 e art.º 9 (“investigação científica”).

Embriões excedentários - A lei compreende uma proibição e 1 recomendação. Curioso é que a Lei mais uma vez não prevê qualquer tipo de sanção (provavelmente foi uma falha técnica do Legislador).
Na prática o que se verifica é o excedente de embriões.
Será inevitável a produção excedente de embriões?
A prática na Áustria, Alemanha e curiosamente (ou não) em Portugal, nos hospitais de Coimbra demonstra-se o contrário.
De que forma? Simples.
    
Basta o processo de fecundação até ao momento anterior à singamia (processo em que duas células, um espermatozóide e um óvulo se juntam durante a fertilização) e aí suspendê-lo por meio de criopreservação. Assim teremos não um embrião mas sim um pré-embrião. Querendo-se prosseguir basta proceder ao descongelamento para que a singamia se complete.
Leva-nos a concluir portanto, que o que se verifica é uma total indiferença da lei perante a criação de embriões excedentários. Acaso?

Investigação cientifica - Os embriões excedentários do tipo do art.º 9/4, al. a) e c) e os do art.º 25/3 (desde que não haja projecto parental), seriam destinados, em ppio à investigação cientifica desde que devidamente autorizados pelos beneficiários.
No mínimo consideramos este desiderato inquietante. Não estaremos mais uma vez perante interesses médico empresariais? Não será isto mais do que o simples ensejo do aproveitamento da liquidação dos embriões para obtenção de células estaminais? Então assim não sendo, de onde advêm os gâmetas e embriões a não ser da investigação científica?
Afigurasse-nos naturalmente que não provêem de nenhum hipermercado ou de uma qualquer mercearia de esquina.

Liquidação de embriões – O embrião tem 1 genoma inteiramente definido que faz dele 1 ser único e irrepetível. Após o processo da singamia, este já fica definido quer a na sua identidade no seu eixo e na sua matriz genética, e assim parece-nos que entregar 1 nova vida autónoma para ser aniquilada mesmo para investigação cientifica é demasiado grave, agravada até pelo facto dos progenitores serem representantes do nascituro e essa representação ser feita no interesse do representado. Assim o argumento que abona em torno da entrega do embrião para destruição parece-nos o argumento do mal menor ultrapassando toda e qualquer ponderação ética e moral utilitária.

Clonagem – O art.º 9/4, prevê a utilização para a investigação científica de “embriões obtidos sem recurso à fecundação por espermatozóide”, o que implica parece-nos, salvo melhor opinião, de forma dissimulada a clonagem mesmo sendo esta proibida conforme estatuído no art. 36/1 e até em Convenções Internacionais de que Portugal faz parte (Protocolo de proibição de clonagem anexo à Convenção de Oviedo).
Por outro lado o texto do mesmo artigo na alínea d), abre uma excepção. Este disparate, irresponsabilidade e enorme falta de senso não visará experimentações com clones no útero? Este absurdo até no plano da razão e da inteligência não será mesmo abrir uma auto-estrada à clonagem reprodutiva?

Maternidade de substituição - Conforme o estipulado no art.º 8 o que se pretende é abolir a questão negocial e muito bem. Mas, já não tão bem nos parece quando, como se infere do mesmo artigo, a maternidade ser atribuída a título de sanção. O interesse prioritário é o do novo indivíduo, e da leitura do artigo subentende-se que ele é de todo menosprezado com semelhante vínculo jurídico de filiação, pois o ppio fundamental da filiação na nossa Ordem Jurídica é o da continuidade biológica conforme interpretação dos arts 1807, 1839 e 1859 do Código Civil.
Se o sémen provir do marido ou companheiro e for fecundado o óvulo do cônjuge e a gestação se der no útero de terceiro não se sabe a origem biológica?
Imaginemos por exemplo uma mulher que tem carcinoma do colo do útero e não pode receber o embrião. Não será de todo em todo aceitável (claro está, sem interesses de natureza comercial) que o seu embrião possa ser recebido no útero de outra mulher?
Por outro lado, se tivermos um embrião e não havendo possibilidade de lhe dar o seu direito absoluto à vida e ao desenvolvimento no útero do casal, recorrer à utilização de um útero que vai possibilitar e permitir salvar essa vida que já foi constituida, será moral e eticamente censurável?

Diagnóstico Genético Pré-implantação – O art.º 2, alínea e) inclui as técnicas. O art.º 7 restringe as situações em que é possível utilizar o (DGPI), depois regulada nos arts 28 e 29.
O objectivo desta técnica é a averiguação de anomalias antes da transferência para o útero da mulher. Está implícito que a finalidade é a rejeição dos embriões anómalos cujo destino é a investigação científica.
Não registamos com agrado a não existência de orientação constante na Lei.

Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) – Do exposto no art.º 30 e art.º 31 da Lei, cumpre-nos aqui deixar claro o profundo lamento, porquanto mais uma vez se verificar que todos os seus elementos emanam de entidades políticas.
É o Estado no seu melhor. Mais uma vez, quiçá, por inobservância do Legislador a necessária presença da Ordem dos Médicos, das Universidades, das Comissões de Ética, etc., foram votadas ao ostracismo.
Da leitura do artigo, particularmente importante parece-nos a função do CNPMA acompanhar a actividade dos centros onde são ministradas as técnicas de PMA e a fiscalização da presente lei.

Apreciação Ética – Apreciação tremendamente difícil. Há o desvalor da provocação deliberada da destruição de uma vida humana emergente e correspondente perda que daí pode derivar e por outro lado e não sendo medicamente viável o embrião ser condenado a um perecimento que não traz qualquer vantagem social, o que em termos de moral utilitária pesa mais o benefício a retirar.
Assim será necessário proceder com as maiores cautelas, porque o sacrifício de embriões é um mal e não foi assim que se legislou.
- O Embrião é vida
- Vida humana, não “coisa humana”
- Vida nascente, porque o seu desenvolvimento natural conduz ao nascimento de um novo ser.
- Vida diferenciada, porque mesmo in utero tem a sua própria vida, podendo sobreviver após a morte da própria mãe.
- Não é parte do corpo da mãe, porque desde o início, o embrião tem um genoma único que o identifica, sendo que, se há um genoma diferente, há também uma vida humana diferente.

Conclusão

Parece-nos que a Lei nº 32/06 apresenta inúmeras deficiências jurídicas.
- A intervenção médica só faz sentido se for para tratar a infertilidade do casal
- Podem criar-se livremente embriões por clonagem?
- Podem aniquilar-se embriões para extrair células estaminais?
- Qual a origem dos gâmetas ou embriões que são preservados para serem utilizados em PMA heteróloga?
- Entidades com fins lucrativos dispõem de material genético que não pode ser comprado? Só pode ser “doado” sem qualquer remuneração? Então como se explica a disponibilidade de embriões comercializáveis? Será tudo fruto de gestos altruístas em benefício de clínicas sem fins lucrativos?
- O pressuposto da investigação científica é o de aportar paz social e benefícios à humanidade.
- A lei nº 32/06 sobre vários aspectos não será um retrocesso enorme à época da 2ª Guerra Mundial? Ao arianismo? Ao berçário?
- Estamos a passar da investigação no embrião para a investigação com o embrião?
- Não estaremos em presença de um conto de fadas?