Legítima defesa e desforço imediato da propriedade. 

A propriedade é um direito social existente há milhares de  séculos, mas a propriedade quanto propriedade privada era entendida apenas como coisas móveis, não acobertado como direito direitos reais, ou seja, bens imóveis, antes da época romana. Nesse sentido, afirma o doutrinador Silvio de Salvo Venosa

Antes da época romana, nas sociedades primitivas, somente existia propriedade para as coisas móveis, exclusivamente para objetos de uso pessoal, tais como peças de vestuário, utensílios de caça e pesca. O solo pertencia a toda a coletividade, todos os membros da tribo, da família, não havendo o sentido de senhoria, de poder de determinada pessoa. A propriedade coletiva primitiva é, por certo, a primeira manifestação de sua função social. 

O direito á propriedade é  garantido constitucionalmente pelo art. 5º, inciso  XXII ao XXVI da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, também assegurado no Livro III, Título III, do Código Civil Brasileiro em vigor, a partir do art. 1.228 e seguintes, mas, o presente artigo versará sobre o direito à legítima defesa da posse, e não discutir, propriamente o direito material. 

A propriedade na antiguidade grega e romana, era um bem sagrado que aguardava restrita ligação entre religião doméstica e a família, com o culto aos antepassados e deuses Lares, pois o lar da família era o lugar de culto, tinha íntima relação com a propriedade do solo onde se assentava e onde habitavam também os deuses. 

O solo pertencia a toda a coletividade em razão dos povos primitivos sobreviviam da caça, frutos silvestres e da pesca, portanto, não havia a noção de apropriação do solo como bem imóvel. 

Continua afirmando citado doutrinador que não há uma data exata de quando a propriedade territorial começou a ser instituída na sociedade romana primitiva, mas nesse primeiro período o individuo recebia uma porção de terras a ser cultivada, mas uma vez terminada a colheita, a terra voltar a ser coletiva. Assim, eternizava-se o direito de sempre conceder a mesma porção de terras às mesmas pessoas ano após ano, e, em razão disso, o pater famílias instalava-se para construir a sua moradia e vivia com a sua família e escravos. Isso foi durante a constituição da “gens romana”. 

 A noção de propriedade imobiliária individual, segundo algumas fontes, data da Lei das XII Tábuas. 

Quanto à defesa direta da propriedade, o direito romano já previa o uso abusivo do direito de propriedade e sua reprimenda. 

  Acerca do exagero empregado, as Ordenações do Reino já trazia regramento do instituto ora em análise, de acordo com o direito romano, estabelecendo o critério judicial 

Se um for forçado da posse de alguma coisa, e a quiser logo por força recobrar, podê-lo-á fazer. E quanto tempo se entenderá este logo ficará em arbítrio do julgador, que sempre considerará a qualidade da coisa, e o lugar onde está, e das pessoas do forçador e forçado ( Liv. 4, tít. 58, § 2º). 

Prescreve o art. 1.210, § 1º do Código Civil Brasileiro de 2003 “ que o possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se, ou restituir-se por sua própria força contando que o faça logo”.

Dessa forma, trata o dispositivo como meio eficaz a defesa direta  como meio hábil à proteção possessória.

Se formos analisar historicamente, percebe-se que essa reminiscência nos remete ao período da vingança privada. Já a esfera civil, permite que o possuidor esbulhado ou turbado faça justiça com as próprias mãos, sem precisar recorrer ao poder judiciário, sendo, portanto, nessa circunstância, afastada  a antijuridicidade ( pena)  do delito de exercício arbitrário das próprias razões, conforme está previsto no art. 345 do Código Penal.

Ressalta-se que esse instituto da legítima defesa da propriedade deve ser praticado de imediato, logo em seguida à invasão e /ou turbação da posse, pois caso seja praticada depois, será descaracterizada, sendo, assim, o agente, que na verdade é o proprietário ou quem tenha a posse da propriedade, responsabilizado pelo delito descrito no art. 345 do CP, além de outros que do ato ocorrer.

Há duas espécies de defesa direta, no âmbito do direito possessório, quais sejam: a legítima defesa e o desforço imediato.

Legítima defesa é a reação imediata e moderada à turbação da posse.

Desforço imediato é a reação imediata e moderada ao esbulho possessório.

Para melhor entendimento, tem-se por turbação a molestação da posse, ao passo que esbulho é a perda da propriedade.

É de suma importância atentar-se à moderação dos meios empregados para a legítima defesa ou desforço imediato, ou seja, deve ser proporcional e razoável tais meios, não devendo ir além do necessário para a manutenção ou restituição  da posse.

Segundo a doutrina e jurisprudência, admite-se até o uso de armas de fogo, desde que necessário à manutenção ou restituição  da posse. Vejo que, ao empregar armas de fogo, deve o proprietário ter autorização para portá-las, sob pena de responder pelo porte ilegal de armas.

Na legítima defesa, a violência é empregada para impedir a perda da posse, ao passo que no desforço imediato é empregada para recuperar a posse esbulhada.

Como já ressaltado, nas duas modalidades de autodefesa, a reação deve ser in continenti, ou melhor, imediata, em ato sucessivo, ou então logo que lhe seja possível agir. Este é o verdadeiro significado da expressão contanto que o faça logo, como está mencionado no art, 1.210, no parágrafo 1º. O legislador facultou ao possuidor esbulhado ou turbado maior espaço de tempo para reagir. Flávio Monteiro de Barros, citando o doutrinador Carvalho Santos, que afirmou

“Alguém se encontra com o ladrão de sua capa, dias depois do furto. Em tal hipótese, apesar do lapso de tempo decorrido, assiste-lhe o direito de fazer justiça por suas próprias mãos, se presente não estiver a polícia.

Essas hipóteses elencadas acima, de legítima defesa e desforço imediato, além de estar a legítima prevista no art. 25 do Código Penal, estão as duas modalidades previstas no art. 188, I, do Código Civil, “ não constituem atos ilícitos: I—os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido.

Afirma o doutrinador Sílvio de Salvo Venosa que

“A autodefesa da posse delimita ação própria do sujeito no conflito de interesses e não a ação pública, regrada pelo ordenamento. Todavia, ambas são ações legais para a mesma finalidade. A retomada da coisa por mão própria obtém o mesmo efeito que teria a sentença de reintegração. Essa situação é semelhante no direito comparado, que permite a autodefesa da posse sem grandes discrepâncias dogmáticas.

Deve atentar que, se houver excesso na pratica da legítima defesa ou desforço imediato, além de responder o agente pelo crime previsto no art. 345 do Código Penal, também responde o possuidor da propriedade pelo art. 187, do Código Civil, “ Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”

 

Assim, independe que, ao lançar da legítima defesa ou desforço imediato, seja possuidor direto ou indireto, que a posse seja justa ou injusta, obtida de  boa-fé ou má-fé.

Além disso, a vítima também pode recorrer ao apoio de terceiros para defender-se ou reintegrar a posse. Diz Sílvio de Salvo Venosa que

 invadido um imóvel com muitas pessoas, evidente  que o possuidor não poderá utilizar do desforço sozinho. Presentes os invasores com armas e utensílios de ofensas, como pás e foices é evidente que não poderá o ofendido recuperar a posse de mãos limpas. O que importa é o requisito da imediatidade e da moderação que o caso requer. Nem sempre, assim como na defesa penal, a moderação pode ser colocada em exame numa balança de peso exato.”

Conclui-se que, além dos instrumentos jurídicos legalmente previstos no ordenamento jurídico, a saber  art. 926 a 933 doo Código de Processo Civil, é plenamente eficaz, também, previsto no ordenamento jurídico a legítima defesa e desforço imediato para defesa da propriedade.

 

Referência doutrinária/ Bibliográfica.

Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Publicada em 05 de Agosto de 1988.

Brasil. Código Civil Brasileiro de 2002. Publicado em 10 de Janeiro de 2002.

Brasil. Código Penal Brasileiro de 1940. Publicado em 09 de Dezembro de 1940.

PINTO, Cristino Vieira Sobral. Direito Civil sistematizado. Ed Forense, 2010.

BARROS, Flávio Monteiro de. Manual de Direito Civil: direito das coisas  e responsabilidade civil. Ed Método, 2007.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 12ª edição. Editora Atlas, São Paulo, 2012.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. 20ª edição. Editora Saraiva, São Paulo, 2006.