Lavagem de dinheiro e as alterações propostas pela Lei 12.683/2012

 

Leonardo Palazzi

[email protected]

Advogado criminalista, especialista em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra/Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim. Mestrando em Direito Processual Penal pela PUC/SP.

  

Em uma nova realidade social, que abrange do ponto de vista do Direito Penal as grandes organizações criminosas, as fraudes coorporativas e a utilização de novos meios e instrumentos ordenados para a prática de crimes, o branqueamento de capitais ou lavagem de dinheiro ganhou grande importância para o sucesso da empreitada ilícita e eventual manutenção das operações.

 

O celeuma aumenta quando estamos falando de uma contínua necessidade de realização de investimentos para crescimento econômico, incentivado até mesmo pelos governos.

 

A discussão ganha novos contornos quando falamos das relações de prestação de serviços por diversas atividades profissionais privadas, principalmente aquelas de caráter liberal, visto que nem sempre é possível ter conhecimento sobre a origem do dinheiro utilizado, até mesmo para pagamento da remuneração, seja ela denominada honorários, vencimentos, proventos, etc.

 

O fato que deve ser considerado neste cenário é que a criminalidade tornou-se organizada justamente para a obtenção de quantias cada vez mais elevadas, que precisam ser reinseridas na economia sem a mácula da ilicitude.

 

O conceito de lavagem de dinheiro é justamente o procedimento mediante o qual uma pessoa ou organização simula e realiza transações e operações diversas para dissimular ou esconder a origem ilícita de bens, direitos e valores, de forma que tais ativos ou bens patrimoniais aparentem uma origem lícita ou que, pelo menos, a proveniência criminosa seja difícil de demonstrar ou provar.

 

Então, a chave para os crimes de natureza econômica é a realização de uma eficaz integração, que é a fase da lavagem do dinheiro em que o proveito do crime é reincorporado ao sistema econômico, sob suposta forma legítima.

 

Por causa da necessidade de legalização do dinheiro sujo, pode ocorrer de profissionais especializados realizarem orientação técnica aconselhando seu cliente na prática criminosa ou na diminuição de riscos de rastreamento das operações ilícitas. Ou a própria prestação de serviços que tem na sua essência uma atividade de meio (assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência) e que exige uma remuneração, passou a ser um arremate propício à legalização do dinheiro provento da atividade ilícita. 

 

Na prática, os criminosos estão tentando camuflar a origem do dinheiro proveniente dessas atividades ilícitas para que pareça que foi obtido de fontes legais, seja utilizando-se de aconselhamento técnico ou realizando pagamentos a diversos profissionais, com recursos provenientes de condutas insculpidas na Lei como lavagem do dinheiro, repassando um dinheiro sujo em contratações simuladas como lícitas.

 

A dificuldade que existe em relação à lavagem de dinheiro é que sua forma de execução compreende diversos meios e instrumentos.

 

Depois de verificar essa diversificação dos meios e instrumentos para utilização do dinheiro considerado "sujo", caracterizada pela complexidade e sofisticação, a legislação internacional e recentemente a nacional passou a por em foco a atuação de atividades profissionais privadas.

 

Tendo em vista a larga abrangência das atividades profissionais e possíveis envolvimentos com práticas criminosas, incluindo serviços de consultoria legal por meio de advogados, no ano passado foi promulgada a Lei n.º 12.683/2012, que alterou a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei n.º 9.613/1998), "para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro".

 

A referida lei criou obrigações à uma série de atividades profissionais sensíveis à economia ou ao mercado financeiro, propondo deveres de comunicação de operações suspeitas, como mecanismo de controle prévio à etapa da integração do crime de lavagem de dinheiro.

 

A lógica é simples: se não houver o monitoramento e documentação das fases anteriores à integração (colocação de valores ilícitos em uma instituição financeira e ocultação para dificultar o rastreamento), será muito difícil pegar um criminoso quando a operação maquiada de regularidade já estiver em funcionamento (integração), sendo somente o caso de imputação de eventual sonegação fiscal pela não declaração do patrimônio enriquecido.

 

Ocorre que, apesar da descrição de uma série de atividades, não houve a nomeação direta de algumas profissões na referida Lei n.º 12.683/2012, o que trouxe imprecisões quanto ao alcance de sua interpretação.

 

  A Lei n.º 12.683/2012 apenas sinalizou atividades que podem ser exercidas por diversos profissionais. No que se refere aos advogados, é controversa a aplicação das novas obrigações. O Estatuto da Advocacia (Lei n.º 8.906/94) estabelece um regime diferenciado quanto ao sigilo decorrente do exercício da profissão e subordinado a regulamentação de órgão próprio regulador.

 

Porém, o sigilo é calcado na relação de confiança estabelecida entre cliente e advogado, havendo uma necessária preservação das informações obtidas em razão da profissão, que não podem ser comunicados às autoridades. Além disso, a Ordem dos Advogados do Brasil é o órgão responsável por regulamentar e fiscalizar a atividade advocatícia, conforme a Lei n.º 8.906/94, e de acordo com o artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal, o que impede a sujeição do advogado ao controle preventivo, não repressivo, de outros órgãos estatais.

 

Por outro lado, uma segunda controvérsia, focada na separação da atividade consultiva e contenciosa da atividade do advogado, dificulta uma solução quanto a manutenção do sigilo decorrente da prerrogativa funcional. 

 

A atividade do advogado nos casos consultivos, especialmente nas especialidades do direito societário (contratos, reestruturação de empresas, fusões e aquisições), bancário, mercado de capitais, financeiro e tributário, difere da visualização clássica de atuação voltada à garantia de postulados como ampla defesa e contraditório - inerentes à atividade contenciosa.

 

Como afirmado, no mundo dos negócios, no qual essas atividades consultivas são realizadas, as oportunidades para manobras ilícitas têm sido hoje mais frequentes, com o constante investimento em operações das mais diversas e diretamente relacionadas aos sistemas econômico, financeiro e tributário.

 

Seja como for, os limites éticos que fundamentam a legislação em vigor - Lei n.º 12.683/2012 - baseados em critérios de governança corporativa, que incluem a transparência e participação, sugerem a exigência a obrigação de comunicação de atos suspeitos pelos advogados, quando atuarem indiretamente em atividades vulneráveis à criminalidade moderna.

 

Neste cenário, importante observar que a legislação europeia apresenta claramente a diferenciação entre a atividade contenciosa e a consulta jurídica quando trata da de lavagem de dinheiro, estabelecendo ao advogado a obrigação de comunicar atividades suspeitas (Diretivas  2001/97/CE e 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e 40 Recomendações do Grupo de Ação Financeira sobre o Branqueamento de Capitais - FATF/GAFI).

 

Em relação ao Brasil, a legislação ainda não alcançou as previsões da legislação europeia, sendo que a Ordem dos Advogados do Brasil e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda se manifestaram parcialmente sobre a inexigibilidade dos advogados informarem operações suspeitas.

 

O Órgão Especial da OAB aprovou parecer da Comissão de Estudos Constitucionais, afirmando que os advogados não devem, e nem podem, ter a obrigação de vilipendiar o sagrado sigilo constitucionalmente garantido entre advogado e parte.

 

O COAF, por sua vez, editou a Resolução n.º 24, de 16 de janeiro de 2013, afirmando que as pessoas físicas e jurídicas submetidas à regulação de órgão próprio regulador que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, não estão sujeitas às comunicações exigidas pela Lei n.º 12.683/2012.

 

Conclusão: veja-se que o crime de lavagem de dinheiro não é uma nova figura delituosa, porém o enfoque e a análise que lhe são acometidos, especialmente quanto à autoria por profissões jurídicas, representa uma nova roupagem diante da modernização da criminalidade.

 

Por fim, cabe consignar que, após a alteração procedida pela Lei n.º 12.683/2012, o COAF já editou algumas resoluções direcionadas a atividades específicas como fomento comercial ou mercantil (factoring), exploração de loterias, comercialização de joias, pedras e metais preciosos, ou bens de luxo ou de alto.

 

Cabe assim, aos advogados, manterem-se atentos aos deslindes provocados pela Lei n.º 12.683/2012, ainda com as manifestações da OAB e do COAF, em especial sobre o impacto que será gerado às atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas, de caráter privativo à advocacia (Art. 1º, do Estatuto da Advocacia).