LADY MACBETH: SÍMBOLO DE PODER E DESEQUILÍBRIO¹

Rosileide Alves de Brito²

RESUMO

O presente estudo propõe uma análise da personagem Lady Macbeth, levando-se em consideração duas características extremamentes significantes: poder e desequilíbrio, discutidas no decorrer do estudo  e que podem ser vistas e interpretadas por perspectivas diversas e sempre abertas a possíveis complementações. É neste sentido que se faz necessário esclarecer que a apreciação aqui proposta sustenta-se na Obra de William Shakespeare, Macbeth.

PALAVRAS-CHAVE

Poder. Força. Persuasão. Desequilíbrio.

Utilizando-se da tragédia que é uma forma complicada e indefinível, Shakespeare construiu rigorosamente Macbeth. No entanto, pela sua complexidade fornecida a tragédia dispõe de uma descrição influente e profunda fornecida por Aristóteles na Poética. Considerando esse comentário no qual descreve um dos elementos sumamente eficazes do enredo que é a inversão da situação do personagem (peripetéia), tendo amiúde o efeito de uma ironia dramática, isto é, uma peripécia que acarreta o inverso do que a personagem pretendia ou esperava . O mesmo padrão de inversão pode ser observado na personagem Lady Macbeth na peça Macbeth, quando após o assassinato do rei vê-se progressiva e implacavelmente poderosa. Entretanto, o desequilíbrio adquirido por ignorar e passar por cima da sua fraqueza feminina foi o que acarretou na inversão do que a mesma pretendia ou esperava.

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¹ Artigo elaborado como requisito parcial para aprovação na disciplina de Literatura Inglesa II, ministrada pelo Prof. Dr. Márton Támas Gémes.

² Acadêmica do 9º período do Curso de Letras Habilitação em Língua Inglesa da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA.

Idéias que podem ou não serem expressadas, mas que estão certamente implícitas nos tipos de personagens escolhidas e do modo como o curso da ação é desenvolvido é uma outra forma de abordar a tragédia, denominada “visão trágica”.

Alternativamente, o herói poderá ser destruído por uma terrível fraqueza íntima, sendo Macbeth assim como Lady Macbeth o exemplo clássico, com suas ambições irrefreáveis.

Contudo, como tem sido amiúde assinalado, a tragédia como diz certo crítico é como se basicamente toda ação fosse um “cair para frente” (Falling Forward), exatamente igual ao desenrolar das cenas da personagem Lady Macbeth. Convém não esquecer que essas são apenas duas das várias maneiras de se chegar à essência da tragédia nas quais foram levantadas neste estudo para melhorar a compreensão do tema discutido.

Esses argumentos acerca da personagem Lady Macbeth ligadas ao caráter trágico também podem ser observados logo no inicio da peça, porém, apresentados de maneira contrária, ou seja, em forma de grandeza ou poder, pois primeiro manifestam extraordinária nobreza depois sofrem a conseqüência causada pela sua vulnerabilidade no universo. Contudo, denota-se o poder que Lady Macbeth exerce sobre o esposo, convencendo-o a matar o rei.

Embora corrompido pelo desejo de assumir o governo, Macbeth sabe que é necessário levantar sua espada contra o Rei. Contra dizendo assim seus princípios regidos pela lealdade, que cercam sua consciência de culpa. Em posição Lady Macbeth zomba da delicadeza de consciência do marido, pois esta se revela sua melhor aliada e argumenta que já ele havia desejado a coroa e imaginado o assassinato do rei, seu único obstáculo para execução do ato era o medo, que em si é desonroso.

LADY MACBETH

Certamente, A esperança com que vos enfeitastes tanto embriagada estava? E aí dormira, portanto? E desperta para ver, descorada e verde, agora, o que há pouco enfrentava destemidamente? De agora em diante saberei bem frágil teu amor. Tu tens receio de ser na ação e no valor o mesmo que tu és no teu anseio? Não? Desejarias possuir o que consideras então o adorno da vida e tímido viver no teu amor próprio indeciso, a dizer um não ouso e ápos um bem quisera, assim como o felino do adágio? (MACBETH, I, VII, 54)

Com isso, Macbeth permite-se ser levado a descaminhos por um raciocínio falso e poderoso dito pela maquiavélica Lady Macbeth.

Como convém para alcançar seu objetivo de tornar-se rainha e comandar o reino através do imenso poder que certamente exerceria sobre o futuro rei, executa seu aterrorizando apelo aos poderes do mal.

LADY MACBETH

[...] Espíritos que estais ao labor de idéias de morte dessexuai-me aqui. Da crueldade mais ignóbil enchei-me até a saciedade desde a cabeça aos pés. Fazei-me o sangue espesso. Bloqueai a passagem e qualquer acesso da compaixão até mim. Não venha a natureza, enternecida, fazer tremer da vontade a vileza e colocar-se entre ela e a golpe, um instante sequer. Baixai aqui aos meus seios de mulher. Tornai-me o leite em fel, de onde quer que estejais, sob formas que olhos não registram e incitas criminosos atos da natureza, vós os ministros fatais do assassínio feroz. Cobre-te escuridão finalmente de infernal fumarada. Meu afinado punhal não sinta a punhalada. E a espiar-me através da abóbada vasta de seu negro véu o céu não grite: Basta, basta. (MACBETH, I, V, 50)

 No outro extremo, Lady Macbeth ainda com seu propósito de tornar-se rainha exerce também grande poder de persuasão frente ao rei e a sua comitiva, mostando-se grata e a disposição do rei. Como se comprova na seguinte passagem.

 Os trabalhos redobrados E todos de uma vez, enfim, multiplicados

Seriam como singela e humilde oferta Perante as homenagens de que se acha coberta Esta mansão [...] coisa alguma Aqui nos pertence. Até nossas vidas Não são nossas. São como coisas devidas A vossa alteza. Como em empréstimo. E quando Sua vontade ordenar está todas voltando Ao seu legitimo dono. (MACBETH, I,V, 52)

 

Entretanto, mesmo com tantos elogios e honrarias vindas do rei no qual tão satisfeito ficou dando-lhes generosos presentes como o diamante ofertado a nobre senhora, nada foi suficiente para detê-los, pois a sua sede de poder não a deixou ter compaixão, incentivando assim o esposo a continuar com o plano maligno de assassinar o rei.

“Ele tão satisfeito ficou de vossos vassalos obedientes que para eles ofertou generosos presentes. À vossa esposa deu este precioso diamante, pela nobre hospedagem. E após, transbordante de satisfação, se recolheu.” (MACBETH, II,VII, 58)

Convencida do seu poder Lady Macbeth acredita que por possuir sua marcante característica que é a força de vontade pode matar sozinha o Rei Duncan, porém ela recebe uma pungente visitação da natureza impedindo-a totalmente de executar o ato, pois ao invocar o mal, ela também invoca o desequilíbrio para si. Algo que torna-se mais evidente no decorrer da obra.

Áh! Receio, temo que venham acordar no instante supremo, E o caso não se cumpra. Somente a tentativa, E o não golpear, é o que nos perde. Decisiva, coloquei os punhais para que os possua a mão.  Certamente ele os verá na hora da ação. Se o rei não se assemelhasse ao meu pai adormecido. Eu pessoalmente lhe daria o golpe. Meu marido. (MACBETH, II ,II, 60)

Consciente da sua fragilidade feminina e ao mesmo tempo mostrando-se cruel, corajosa e com grande poder da situação, faz com que seu esposo não se sinta culpado voltando ao lugar do crime para incriminar os guardas com sangue também é responsável pelo assassinato.

LADY MACBETH

Débil vontade! Entrega-me esses punhais [...] Se o rei sangra, ainda manchado com sangue Sujarei o rosto dos seus guardas. Ou seja, deles o crime [...] Nossas mãos são da mesma cor. Não me engano. Mas seria uma desonra, ouvi-me o falar franco. Se, como vós, possuísse um coração tão branco. (MACBETH, II, III, 64-65)

Consumados o ato e o fim do trabalho de atingir seu objetivo, Lady Macbeth se completa no sentido de não se identificar com as mulheres de sua época que eram passivas e submissas ao marido. Justamente por desempenhar o papel de mulher frágil que não se assemelhava ao seu gênero, após o assassinato foi poupada pela comitiva do rei de ver o extermínio do mesmo. LENNOX: “Zelai por esta senhora [...] BANQUO “cuidai desta senhora”. (MACBETH,II, III, p.70-71)

Num extremo de gama Macbeth toma de sua esposa o poder da situação e o assume. Isso é visto quando sem consultá-la planeja a morte de Banquo e de seu filho Fleâncio, pois os mesmos são motivo de receio que se caracteriza na perda do trono já que as três feiticeiras profetizaram a Banquo que ele seria pai de muitos reis. Assim, como na seguinte passagem se confirma.

MACBETH

É dele, dele só, de quem receio o futuro, [...] Quando as três feiticeiras falaram Do futuro e de rei, o titulo me outrorgaram Saudaram-no, dizendo, ali mesmo, perante Mim: Não serás rei, mas pai de muitos reis. [...] Se isto vem a se cumprir, foi para os filhos dele Que maculei com sangue minha’alma. [...] Fatalidade, vem surge antes que tal Se cumpra. Vamos lutar. Lutar até morrer. (MACBETH, I, III, 78)

Executado sem êxito o seu plano de matar Fleâncio, Macbeth começa a deixar fendas em seu percurso de permanência no trono, pois agora já não consulta a maquiavélica esposa e cúmplice. Isso acarreta no erro já que ele não planeja apenas imagina (prolepse). O mesmo motivo gera conseqüências maiores traduzidas em mais assassinatos e desequilíbrio causando-o devaneios como o que aconteceu na noite da festa em que Banquo morreu, deixando evidente aos demais convidados. Porém, Lady Macbeth assume poder da situação o retirando da sala na tentativa de devolvê-lo o equilíbrio que no momento lhe faltava.

LADY MACBETH

Bobagem. Apenas visões que vossa Mente cria. É como o caso do punhal Suspenso que dissestes vos levou para O rei, para Duncan. Ó estes devaneios, senhor Estes vossos temores outra coisa Não são que simples impostores Perante o medo real. (MACBETH, III, IV, 90)

Com o fracasso da morte de Fleâncio e temeroso quanto à sucessão do trono, Macbeth recorre às bruxas. Após, mais derramamento de sangue ele está descobrindo que os poderes do mal não são confiáveis e espera para ver se os poderes do bem irão afirma-se. Considerando as alucinações desenvolvidas por Macbeth após seus assassinatos e a fala de Lady Macbeth que continua dizendo a si mesma que o que está feito está feito e que não há força que possa punir o pecado, acabada convencendo-o que ela tem razão, pois a vida pode nunca ter feito mais sentindo do que faz agora para ele, incapaz como está de sentir terror ou piedade, tornando-se assim com maior força que sua esposa que aparentemente disponibilizava mais que ele dessa característica.

Os papeis são investidos quando Lady Macbeth, iludida quanto à natureza dos poderes da obscuridade e de seus próprios, inicia um processo de loucura, sendo o sintoma mais evidente é a necessidade que a mesma tem em lavar as mãos sem parar, falando das manchas de sangue que não saem. DAMA: “É uma mania que ela possui de imitar alguém lavando as mãos. Gesto esse que já a vi fazer por mais de um quarto de horas.” (MACBETH, V, I ,126)

Dessa forma, a luta que tinha começado no início da peça entre a vontade de conquistar poder e a natureza começa já a ter um vencedor, ou seja, quando Lady Macbeth tenta passar por cima da sua feminilidade ela torna-se vulnerável a natureza que rege e organiza o homem e o universo.

Assim, segue o seu amargo destino que é a morte provocada pela culpa transmitida em forma de loucura. Essas vulnerabilidades foram vistas nas cenas de desequilíbrio transmitido em forma de culpa que a conduziu ao seu fim trágico, a morte.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

 

                  

SHAKESPEARE, William. Editora Martin Claret, 2007. Tìtulo original em inglês: Macbeth ( 1605 – 1606).