O francês Luc Ferry (1951), ex-ministro da Educação do governo Chirac, é um dos expoentes de mais destaque do humanismo secular, autor de uma reflexão filosófica original, em grande parte centrada na defesa da tradição política francesa e à crítica dos movimentos radicais. Assim, exclui-se da corrente marxista, abominando o legado de 1968, reafirmando o republicanismo e a laicidade frente ao comunitarismo e o relativismo social. Para o filósofo é impossível entrar realmente na filosofia sem a dedicação de compreender a fundo pelo menos um dos grandes pensadores. E é o que fez no livro Kant - Uma leitura das três críticas (Difel), onde oferece uma introdução clara sobre o pensamento de Emmanuel Kant. O livro é dividido em três partes, onde a primeira parte explica a obra do filósofo ao leitor. Nada de novo para ser acrescentado na bibliografia sobre o assunto, entretanto o estilo de Ferry, cujo principal mote é apresentar questões que agitavam o pensamento de grandes pensadores podem ser analisadas comunitariamente e comumente por leigos, por ainda estarem enraizadas na própria conjuntura social e acadêmica de hoje. Essa popularização levantou algumas críticas pesadas ao trabalho de Ferry, considerando seu texto meio que barroco e confuso, pelo uso de idas e vindas de recursos literários. A segunda parte apresenta como se deu as interpretações da obra de Kant e a terceira "Estrutura e desdobramentos do sistema kantista: a arquitetura e a história", onde busca a prática do pensamento kantiano na história e na atualidade. Assim as três críticas são abertas de uma forma que remove os principais obstáculos para o seu entendimento, em suas palavras:"(...)Tentei explicar, por exemplo, por que a Crítica da razão pura começa com uma questão aparentemente técnica, mas que, na verdade, é de uma profundidade abissal, aquela dos ?julgamentos sintéticos a priori". Ou analisa ainda no mesmo pensamento quando "a moral assume a forma, igualmente tão abstrata à primeira vista, de um ?imperativo categórico? a partir do momento em que a particularidade do homem, aquilo que compõe sua dignidade e o distingue dos animais, situa-se na sua liberdade". Também esclarece a questão da 'crítica da razão prática', em que Kant analisa as condições de possibilidade para uma moral com pretensão universalista e apresenta o imperativo categórico, forma da lei moral para uma vontade imperfeita. A terceira, 'crítica da faculdade de julgar', investiga os limites daquilo que podemos conhecer pela faculdade de julgar, que leva em consideração não apenas a razão, mas também a memória e os sentimentos. A edição poderia ter um índice de assuntos e um outro onomástico, ou mesmo nota de rodapés mais acessíveis. Mas é interessante a tentativa de mostrar a filosofia como um novo aspecto social, que serviria para formar um novo estilo de vida que trilharia um caminho a uma felicidade. Talvez isso tenha levantado tantas críticas, mas o pensamento pop de Ferry pode ainda representar uma abordagem conceitual de produtividade e eficácia modelada no pensamento de Kant, essa é a real função do livro.