JUSTIFICAÇÕES SOBRE A (IN)UTILIDADE DA HISTÓRIA DO DIREITO NA FORMAÇÃO JURÍDICA DO BACHAREL

 

Alexandre Gazetta Simões[1]

A História do Direito, em síntese, trata-se do ramo do conhecimento que estuda o fenômeno jurídico ao longo da história da humanidade. E, nesse contínuo, debruça-se sobre a mudança perpétua, no caso da ciência jurídica.

Assim, a História do Direito nos mostra que “as coisas foram diferentes do que são e podem ser no futuro também muito diferentes” (LOPES, 2011, p. 5).

Portanto, o que foi e o que é o casamento, ou mesmo a propriedade? Não é crível pensar nesses dois institutos jurídicos como iguais, em termos de significação, ontem e hoje.

E mais, o futuro não é uma continuação de nosso tempo. O futuro é uma incógnita que imaginamos por nossos parâmetros assimilados e projetados imageticamente no tempo do porvir. Pode ser qualquer coisa, inclusive o oposto do que se tem tido como certo pelos pensadores de nosso tempo.

Tal premissa se aplica ao Direito, quando nos debruçamos sobre a sua pretensa evolução.

Portanto, a questão que se apresenta é qual a finalidade do estudo de tal ramo do Direito, ponderando sobre as vantagens e desvantagens de tal estudo para o acadêmico de Direito.

Em uma análise superficial, já se pode notar que tal estudo se mostra mais vantajoso ao acadêmico que desvantajoso, considerando que se prestará a dar mais qualidade ao estudo do neófito, já que é alocado no primeiro semestre do primeiro ano do Curso de Direito.

Nesse sentido, note que no início do Curso de Direito, o aluno é apresentado a uma miríade de informações. A dificuldade de incorporação desses conceitos se revela na sua natureza técnica, própria da epistemologia jurídica.

Assim, ao ser apresentado a tais institutos no contexto histórico (estudando-se sua origem e evolução ao longo de tempo), ao acadêmico é possível ter-se uma ideia mais apurada de sua essência e mais, (fundamental) nesse momento do curso, dá ao acadêmico, ferramentas gnosiológicas para poder, nos semestres e anos vindouros, apropriar-se mais facilmente e profundamente do conhecimento jurídico.

Nesse sentido ainda, perceba, como esclarece Antonio Carlos Wolkmer, que cada “sociedade esforça-se para assegurar uma determinada ordem social, instrumentalizando normas de regulamentação essenciais, capazes de atuar como sistema eficaz de controle social” (WOLKMER, 2005, p. 01).

Assim, por exemplo, para se entender o instituto do Poder Familiar, vai-se ao pater familiae do Direito Romano, instituto herdado do Direito Grego; com itinerários no Código Civil de 1916, de onde se verifica a existência do Pátrio Poder, indo desembocar no Código Civil de 2002, como, finalmente, no referido instituto do Poder Familiar.

Desse modo, a História do Direito se presta a funcionar como ferramental gnosiológico apto a dar supedâneo ao acadêmico de Direito nos seus primeiros passos no universo jurídico.

Ainda, a História do Direito, dentro desse enfoque, presta-se a elucidar o elo entre o Direito do passado e o Direito atual, o que se mostra muito importante para se saber a real essência dos institutos jurídicos e ter-se a dimensão crítica desses institutos, sabendo identificar se os mesmos foram desvirtuados por acepções políticas atuais, ou de ontem, em prol de seus interesses.

Nesse pormenor, v.g., como elucida José Reinaldo de Lima Lopes (2011, p. 5), a fundamentação jurídica da escravidão brasileira foi um fenômeno muito particular, já que dizia respeito à produção do excedente colonial, sendo ainda, etnicamente exclusiva, que destoava muito da escravidão antiga. Seu surgimento se deu na América Portuguesa, quando o regime servil já havia desaparecido, quase que de fato, na Europa, e por conta dessa singularidade essencial, sua abolição envolveu o debate do direito de propriedade dos senhores.

Desse modo, a questão jurídica central adstrita à abolição da escravidão no Brasil baseava-se na aparente contradictio in terminis: “A constituição imperial, entre os direitos individuais inalienáveis, registrava o direito de propriedade: como abolir a escravidão sem indenizar os senhores pelo seu ‘direito adquirido’?” (LOPES, 2011, p. 5)

Portanto, ao elucidar tais questões, a História do Direito apresenta, ao neófito, a noção de que o Direito se molda ao longo dos tempos, sempre ao sabor de interesses convergentes de um modelo de organização político-social determinado na história. Incuti-lhe, portanto, uma visão contextual e crítica do fenômeno jurídico.

Desse ponto de vista, a síntese do processo de evolução ou involução de um povo é demonstrada na estruturação de seu Sistema Jurídico.

O aluno após o estudo da História do Direito, portanto, nunca mais se debruçará sobre o fenômeno jurídico, sem o cuidado e a gravidade que se adquire, após herdar a consciência do poder destrutivo do Direito sobre a tipo de vida e morte, que cada povo merece, mereceu e merecerá.

Outro argumento que reforça a necessidade de se estudar a História do Direito diz respeito à possibilidade do acadêmico do Direito ter uma visão mais completa de todo o fenômeno jurídico.

Assim, a impossibilidade de se conhecer o Direito sem saber de suas origens, revela nesse desiderato, a noção de que o Direito é mais que a norma. Ou seja, o estudo da História do Direito dá a possibilidade do acadêmico de Direito ver além do fenômeno normativo.

O Direito localizado ao longo da história é abrangente e leva em consideração diferentes acepções. Trata-se, portanto, de um estudo zetético do Direito.

Portanto, além do Direito como norma, ou o Direito em seu sentido objetivo, pode-se vislumbrar o Direito também como faculdade, ou o Direito na sua acepção subjetiva. Ainda, o Direito também pode ser visto como expressão da justiça. Da mesma forma, o Direito pode ser entendido como Ciência.

No entanto, ao longo do curso, tudo mais será esquecido, além da norma, visto que a “dogmática moderna, na tradição romano-germânica, é cega aos acontecimentos externos ao conjunto normativo estatal do direito, apartando de seu estatuto teórico reflexões que ignorem tanto o Estado como a norma jurídica estatal” (MACIEL; AGUIAR, 2010, p. 16).

Em suma: o Direito não se restringe à norma. O Direito é maior que a norma, apesar da norma ser a fonte formal principal do Direito.

De forma mais enfática, ocorre que as várias dimensões do Direito, como acima referido, não podem ser esquecidas. Em tempo de pós-positivismo, como se chama a abordagem atual do Direito, a pretensão a um Direito justo está na ordem do dia, v.g.. Caso contrário, o Curso de Direito não alcançará plenamente sua finalidade.

Entretanto, após o decorrer das matérias ditas propedêuticas, no Curso de Direito, onde a História do Direito se inclui, muito pouco será dito do Direito “fora da lei”. E, em verdade, a História do Direito faz parte desse “muito pouco”. E, sem o “muito pouco”, não se tem nada.

REFERÊNCIAS

LOPES, José Reinaldo de Lima. - O Direito na História. 3a ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011.

MACIEL, José Fábio Rodrigues; AGUIAR, Renan. História do Direito. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

WOLKMER, Antonio Carlos. Org. Fundamentos de História do Direito. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.



[1] Mestre em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília - UNIVEM, Pós Graduado com Especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC –União das Faculdades da Organização Paulistana Educacional e Cultural), Direito Constitucional (UNISUL- Universidade do Sul de Santa Catarina), Direito Constitucional (FAESO- Faculdade Estácio de Sá de Ourinhos); Direito Civil e Processo Civil (Faculdade Marechal Rondon) e Direito Tributário (UNAMA- Universidade da Amazônia), Graduado em Direito (ITE- Instituição Toledo de Ensino), Analista Judiciário Federal – TRF3 e Professor de graduação em Direito (FSP – Faculdade Sudoeste Paulista).