JUSTIÇA DO TRABALHO: COMPETENTE PARA JULGAR AS AÇÕES DE DANO MATERIAL DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO

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Kelcilene Rose Silva & Sandra Melíssia Feques Rodrigues[1]

 

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO; 2. O ACIDENTE DE TRABALHO; 2.1. BREVE HISTÓRICO; 2.2. CONCEITO E CONSIDERAÇÕES; 3. O DANO MATERIAL EM AÇÃO ACIDENTÁRIA; 4. COMPETÊNCIA PARA JULGAR AS AÇÕES DE DANO MATERIAL DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO; 5. OUTROS PONTOS CORRELATOS 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 7. REFERÊNCIAS

 

 

 

  1. 1.                  INTRODUÇÃO

 

É inquestionável a participação dos trabalhadores no desempenho da empresa junto ao mercado de trabalho. A integridade física desse capital humano é um direito de personalidade oponível contra o empregador. É preocupação do Direito do Trabalho o meio ambiente em que o trabalhador está inserido, bem como sua segurança e higiene. Portanto, os acidentes de trabalho que comumente ocorrem nesse ambiente criam uma demanda para a Justiça do Trabalho, competente para processar e julgar tais ações, bem como as indenizações decorrentes dos danos materiais.

Nosso propósito nesse referido trabalho é analisarmos as ações de danos materiais decorrentes de acidente do trabalho que são julgadas pela Justiça do Trabalho.

 

 

  1. 2.                  O ACIDENTE DE TRABALHO

2.1    Breve Histórico

 

Convém iniciarmos fazendo um resgate histórico da evolução das políticas públicas que tutelam os trabalhadores acometidos pelo acidente do trabalho.

Primeiramente, observaremos os avanços ocorridos na Europa pela obra do docente Sérgio Pinto Martins, (MARTINS, 2012).

Na Alemanha, Otto Von Bismarck introduziu uma série de seguros sociais, objetivando impedir movimentos socialistas, uma vez que a crise industrial estava em pleno fervor. Instituiu em 06/07/1884 o seguro contra acidentes do trabalho (Unfallversicherung), sendo custeado pelos empresários. A lei era aplicada apenas às indústrias que tinham atividades perigosas. Conta-se dessa época a primeira legislação a tratar do tema do acidente do trabalho.

Na Inglaterra, em 1897, foi criado um seguro obrigatório contra acidentes do trabalho. O empregador não era obrigado a segurar o empregado. Se porventura houvesse negligência por parte do trabalhador, não se configuraria acidente de trabalho. Em caso de morte, não se pagava pensão aos dependentes, mas benefícios limitados a um prazo máximo de três anos.

A França, no ano posterior– 1898, promulgou uma norma criando a assistência à velhice e aos acidentes de trabalho. Aplica-se apenas a algumas atividades consideradas perigosas (como por exemplo: mineira, indústria de construção, carga e descarga) e a trabalhadores empregados.

No Brasil, antes do Código Civil de 1916, já se procurava indenizar os empregados dos danos causados por acidentes do trabalho. Era o obreiro que havia de provar a culpa do empregador. Muitas das vezes não conseguia, visto que as testemunhas que arrolava não compareciam, eram oriundas da própria empresa e ficavam com medo de serem despedidas. Chamamos de culpa aquiliana, a responsabilidade tinha por base o dano extracontratual.

Tempos depois, inverteu-se o ônus probatório com o surgimento da teoria da responsabilidade subjetiva contratual, portanto o empregador que deveria provar que não teve culpa no acidente do trabalho.

Em 1919, a Lei nº 3.724 vem favorecer o empregado. Adota-se a teoria objetiva do empregador, não mais se discute a culpa pelo acidente do trabalho. Portanto, havendo o acidente, a responsabilidade pela indenização era do empregador.

Em 1967, a Lei n º 5.316 dá poderes a Previdência Social, ou seja, temos agora uma responsabilidade objetiva que é atribuída ao Estado de reparar o dano decorrente do acidente do trabalho. Para o empregado ter direito pouco importava ser ou não registrado, ou se recolheu alguma contribuição para o sistema previdenciário.

Por volta de 1975, o Brasil era considerado o país campeão mundial em acidentes de trabalho. Com crescentes legislações sobre o tema, avanços considerados foram percebidos.

Nos dias atuais, sabe-se que a maioria dos acidentes de trabalho ocorre pela ausência de cuidados mínimos na adoção de medidas coletivas e individuais de prevenção dos riscos ambientais.

 

2.2. Conceito e Considerações

            Para configurarmos o acidente do trabalho, resgatamos a Lei nº 8.213/1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, no Capítulo II, Seção I, em seus artigos 19 e 20, que pontua o acidente do trabalho:

            “Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.”

            “Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

 I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

 II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.”

            Quando delimitamos que o acidente do trabalho é um evento danoso a serviço da empresa e que causa lesão, é importante analisarmos os termos separadamente.

            O evento danoso é aquele fato externo e súbito, contrário a vontade do trabalhador, devendo o evento acontecer quando este estiver a serviço da empresa, ou seja, deve haver nexo causal entre o acidente e a atividade do trabalhador. E, por fim, para caracterização do acidente do trabalho é necessária a lesão (corporal ou funcional) que causa morte ou perda (total ou temporária) da capacidade de trabalho.

            A Lei preocupou-se ainda em excluir do rol de doença do trabalho a doença degenerativa, a inerente a grupo etário, a que não produza incapacidade laborativa e a doença endêmica adquirida por trabalhador habitante da região em que ela se desenvolva, salvo se comprovada que a doença foi resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

            O empregador deve suportar a indenização porque descuidou dos deveres de zelo e vigilância e, dessa forma, concorreu para o evento com dolo ou culpa (ou, como se verá adiante, apenas assumiu o risco de uma atividade extremamente perigosa). Então, a causa do acidente é o comportamento do empregador (com culpa, dolo ou assumindo o risco da atividade perigosa) que é uma realidade que não está coberta, necessariamente, pelo benefício previdenciário. Daí, então, surge o dever de indenizar, não só para diminuir o sofrimento do lesado, mas para existir o “incentivo” de não repetir o erro.

A busca pela produtividade e pelo lucro por parte dos empregadores são os causadores indiretos pelos acidentes de trabalho nas empresas e indústrias. Os trabalhadores colocados em pé de desigualdade, sujeitam-se as precárias condições de segurança, até mesmo pela necessidade do salário ou da recompensa.

Desde a época do “milagre econômico” até os dias atuais muitas políticas foram criadas para amenizar a situação e a realidade é que os números ainda são alarmantes, além de que a falta de dados oficiais atualizados mascara a dura realidade desses trabalhadores e apenas serve de atenuante para a situação de insegurança que afeta diretamente milhares de famílias brasileiras.

A Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA, criada no Governo de Getúlio Vargas, surgiu pela preocupação da sociedade e de alguns empresários em fazer algo para prevenir os acidentes do trabalho no Brasil. Em 1944, o Decreto-Lei 7.036, no seu Artigo 82, institui a CIPA sendo um instrumento que os trabalhadores dispõem para tratar da prevenção de acidentes do trabalho, das condições do ambiente do trabalho e de todos os aspectos que afetam sua saúde e segurança. A CIPA é regulamentada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) nos artigos 162 a 165 e pela Norma Regulamentadora 5 (NR-5), contida na portaria 3.214 de 08/06/1978 baixada pelo Ministério do Trabalho.

Na década de 90, houve a implantação da atenção à saúde do trabalhador no Sistema Único de Saúde – SUS. Com todos esses avanços, os números ainda são preocupantes.

            Observando os números, de acordo com o Anuário Estatístico da Previdência Social, percebe-se uma diminuição de 2009 para 2010 dos acidentes de trabalho. Em 2009, foram 733.365 registros oficiais, desse número 2.560 mortes foram geradas; em 2010, foram 701.496 registros com 2.712 mortes. O setor de serviços lidera os registros dos acidentes de trabalho com 331.895 notificações.       

                           

3. O DANO MATERIAL EM AÇÃO ACIDENTÁRIA

            De acordo com o artigo 186 do Código Civil, dano é a lesão, a perda causada a outrem, podendo ser material ou moral.

            Para Caio Mário da Silva Pereira, dano consiste em "todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições etc."

Ao bem juridicamente tutelado que sofreu lesão cabe a reparação do mesmo tendo como objetivo proporcionar ao lesado meios de amenizar o sofrimento e a angústia causados pela lesão sofrida.

Desta reparação advém a teoria da responsabilidade civil, no entanto como diz Caio Mário da Silva Pereira para determinar a “existência do dano, como elemento objetivo da responsabilidade civil, é indispensável que haja ofensa a um bem jurídico”. Portanto é imprescindível a existência do dano para que se configure a responsabilidade civil.

Para alguns autores, como Jorge Pessoa, para o dano tornar-se indenizável deve reunir requisitos como alienidadecerteza e mínimo de gravidade. (Pessoa, 1999).

Esta espécie de dano é comumente apontada nas ações trabalhistas decorrentes de acidente do trabalho. Pois, no momento em que o empregado adoece ou diminui sua capacidade laborativa, resta ao empregador pagar indenização que corresponda às despesas de tratamento, lucros cessantes e pensão correspondente à importância do trabalho que o deixou inabilitado em decorrência daquele emprego, daquela atividade desenvolvida pelo empregado.

Além de pedir reparação por dano moral, o empregado também pode de acordo com a lesão sofrida cumular pedidos de indenização por danos materiais uma vez que decorre do mesmo fato, tendo em vista a lesão sofrida e sendo indiferente o grau da mesma, bastando para tanto que tenha havido por parte do empregador responsabilidade civil subjetiva. É com certeza um ganho advindo com a Constituição Federal de 1988 que deixa de exigir grau de culpabilidade por parte da conduta do empregador.

Diz a jurisprudência ser “certo que na relação entre empregado e empregador cabe a este garantir o exercício seguro e normal da atividade laborativa, zelando pela saúde corporal e mental de seus funcionários”. (RT 694/82/83).

Inquestionável a responsabilidade civil do empregador pelos danos causados ao empregado e que destes ocasionaram a morte do empregado caberá reparação dos danos materiais aos seus familiares e sucessores conforme se vê do artigo 948 do Código Civil que se refere às indenizações devidas quando da morte do empregado, dos danos materiais emergentes, dos lucros cessantes e dos danos morais. Deve-se ter em mente, que muitas das vezes o sustento da família do empregado morto ou gravemente lesionado, infortunado de poder laborar dependia dele, na ausência do mesmo ou na invalidez permanente restam muitas vezes sofrimento e privações aos seus dependentes.

 

4. COMPETÊNCIA PARA JULGAR AS AÇÕES DE DANO MATERIAL DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO

Com relação à competência para processar e julgar as ações de dano material decorrente de acidente do trabalho é importante analisarmos o imbróglio jurídico que foi criado logo após o advento da Emenda Constitucional 45/2004.

A EC 45/2004 ampliou a competência da Justiça do Trabalho e determinou que a esta fosse atribuída a competência para processar e julgar “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (Inciso I), inclusive aquelas “de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de emprego” (Inciso VI), Artigo 114 da Constituição Federal.

            A não uniformidade nos entendimentos do STF com o constituinte reformador da EC 45/2004 tornou a matéria mais interessante e alvo de inúmeros posicionamentos.

            Conforme o Artigo 114, da Constituição Federal, observa-se que a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de indenização por dano patrimonial, decorrentes da relação de trabalho, não havendo nenhuma menção do legislador no que se refere às ações que versam sobre acidente do trabalho. Contudo, entendia-se que a justiça competente para julgar era a trabalhista.

            Evitando a insegurança jurídica, esta decisão foi reformulada pelo Supremo Tribunal Federal em 2005, após alguns ministros corroborarem com a ideia de que “ação de indenização baseada no Direito comum” ainda que oriunda do mesmo fato não poderia ser julgada pela Justiça do Trabalho.

            Para outros membros da Suprema Corte parecia sem fundamento que a Justiça do Trabalho estivesse apta a julgar ações de indenização por dano material e inapta a decidir sobre causas que versassem sobre acidente de trabalho.

            Este entendimento restou consolidado pelo Ministro Carlos Britto (STF - Conflito de Competência n. 7204-MG, julgamento em 29 de junho de 2005):

            "Por todo o exposto, e fonte no art. 114 da Lei Maior (redações anterior e posterior à EC 45/04), concluo que não se pode excluir da competência da Justiça Laboral as ações de reparação de danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho, propostas pelo empregado contra o empregador. Menos ainda para incluí-las na competência da Justiça comum estadual, com base no art. 109, inciso I, da Carta de Outubro."

            A posição do STF, segundo (LEITE, 2012) ficou da seguinte maneira:

            “– não se pode extrair do art. 109, I, da CF a norma de competência relativa às ações propostas pelo empregado contra empregador em que se pretenda ressarcimento por danos decorrentes de ação de trabalho”;

            “– ressaltando ser o acidente do trabalho fato inerente a relação empregatícia, que a competência para julgamento dessas ações há de ser da Justiça do Trabalho, a qual cabe conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, e outras controvérsias decorrentes daquela relação, o que veio a ser aclarado com a nova redação dada ao inciso VI do art. 114 da CF”;

            “– o direito à indenização em caso de acidente de trabalho, quando o empregador incorrer em dolo ou culpa, está enumerado no art. 7º, XXII e XXVIII, da CF como autêntico direito trabalhista, cuja tutela, deve ser, por isso, da Justiça do Trabalho”.

            Com a alta rotatividade de processos instaurados na Justiça Comum Estadual – por ser esta a competente anteriormente – decidiu-se como marco processual para a fixação da competência deveria ser a sentença: processos propostos na Justiça Comum, e ainda, até então, não-sentenciados, deveriam ser remetidos para a Justiça do Trabalho para instrução e julgamento, enquanto que, os processos já sentenciados na Justiça Comum permaneceriam na Justiça Comum para apreciação pelos Tribunais de Justiça dos recursos de apelação.

            Vale destacar que as ações que requerem a configuração do acidente de trabalho em si continuam sendo de competência da Justiça Civil, conforme Artigo 643, §2º, da CLT.

           

5. OUTROS PONTOS CORRELATOS

            Tendo, pois, sido resolvido que é a Justiça do trabalho competente para processar e julgas as ações de acidentes de trabalho propostas pelo empregado contra o empregador por danos materiais, outras dúvidas surgiram, por parte dos operadores de direito, a partir das demandas pleiteadas na justiça, no que diz respeito aos pólos da relação processual, como por exemplo, os dependentes das vítimas falecidas de acidente de trabalho e o Instituto Nacional de Previdência Social (INSS).

            Quanto aos sucessores de empregados falecidos e o Instituto Nacional de Previdência Social (INSS), entendendo que por haver celeuma no sentido de quem teria competência para processar e julgar, quando estes figuram na ação, não se poderia deixar de citar nessa abordagem a discussão havida nesse sentido tendo em vista que a causa de pedir parte do mesmo pressuposto, qual seja acidente de trabalho.

            Sendo a competência, para julgar os pedidos de indenização que decorrem de acidente do trabalho, da Justiça Trabalhista, entende-se que a apreciação dos pleitos sobre danos morais ajuizados pelos sucessores da vítima também seja da competência da Justiça Especializada, no caso, da Justiça do Trabalho. Este foi o entendimento da ANAMATRA que entendeu que a EC 45 /2004 conferiu também à Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar ações pleiteadas por sucessores de empregado falecido, quando esses pleitos versassem sobre as ações de indenização por dano moral e patrimonial decorrentes das ações de acidente de trabalho.

            Essas questões foram levantadas pela ANAMATRA quando a partir de uma ação de indenização por danos morais decorrentes de acidente de trabalho com óbito, movida pela viúva de um trabalhador e seus ascendentes, perante a 4ª Vara Cível da Comarca de Joinville, o Juiz de Direito declinou da competência para a Justiça do Trabalho. A parte empregadora reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento das ações de indenização por danos morais e materiais advindas do infortúnio de trabalho quando movida pelo empregado, mas não pelos seus sucessores, do que acabou por recorrer.

            Com base no exposto no início deste texto, no qual se comenta os critérios para fixação de competência, entende-se que o critério para definir competência, aqui estabelecido, deve ser a causa de pedir, ou seja, relacionado à matéria da causa demandada e como bem salientou Luciano Athayde, presidente da ANAMATRA, é “irrelevante se o proponente é o trabalhador ou seus sucessores (...) os atores mudam, mas o objeto da ação não".

            Leite (2012) diz “não obstante a consagração do entendimento de que as demandas que veiculem responsabilidade civil decorrente de trabalho são da competência da Justiça Obreira, há casos em que a competência será da Justiça Comum Estadual, como na hipótese em que a pretensão vem deduzida por parentes do trabalhador (dano moral em ricochete ou reflexo), postulando danos morais, portanto direito próprio, com base na legislação constitucional e comum, de natureza exclusivamente civil”. Ou seja, o dano moral dos sucessores decorre da morte parente que era o empregado e, não do direito decorrente do acidente de trabalho, os sucessores não fazem parte da relação de emprego que o empregado falecido mantinha com a empresa.

            Quanto ao Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) quando na relação processual, entende-se que de acordo com o artigo 109 da Constituição Federal estabelece que compete aos juízes federais processar e julgar:

I- as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

            Resta claro pelo dispositivo acima citado e pelo artigo 129, II da Lei 8.213/91 que não cabe aos juízes federais julgar causas de acidente do trabalho em que figure no pólo da relação processual o Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS).

            A discussão ocorre em função de que pelo aspecto previdenciário a legislação da seguridade social possui tratamento específico para os acidentados. As questões havidas dessa relação entre segurado – acidentado – e o INSS são comumente resolvidas pela Justiça Comum Estadual. Na seara trabalhista, segundo entendimento do ministro Renato de Lacerda Paiva diz que “o poder constituinte, atento à dupla possibilidade de reparação dos danos causados pelo acidente do trabalho, estabeleceu competências jurisdicionais específicas”, complementa o ministro dizendo que “compete à Justiça comum processar e julgar as pretensões dirigidas contra o Estado, relativas ao seguro específico para o acidente do trabalho, decorrente da teoria do risco social (responsabilidade objetiva), e estende-se à Justiça do Trabalho a competência para apreciar a pretensão de indenização reparatória dos danos materiais e morais dirigida contra o empregador à luz da sua responsabilidade subjetiva ante a natureza eminentemente trabalhista do conflito”. 

            Por certo é obrigação do empregador em indenizar o empregado pelos danos oriundos de acidente do trabalho, no entanto não se confunde com a obrigação devida pelo Instituto Nacional da Seguridade Social, portanto, o benefício previdenciário, matéria específica do INSS, deve ser discutido na Justiça Comum.

Segue-se, portanto, comentário de Leite (2012):

“– referidas causas consistem nas ações acidentárias propostas pelo segurado contra o INSS, nas quais se discute controvérsia acerca de benefício previdenciário e que passaram a ser da competência da justiça comum pelo critério residual de distribuição de competência (Súmula 501 do STF)”;

“– não se encaixariam, portanto, em nenhuma das partes do mencionado dispositivo as ações reparadoras de danos oriundos de acidente do trabalho, quando ajuizadas pelo empregado contra seu empregador, e não contra o INSS, em razão de não existir, nesse caso interesse da União, de entidade autárquica ou de empresa pública federal, exceto na hipótese de uma delas ser empregadora”;

Objetivando clarear o entendimento, pontuamos:

  1. É competente a Justiça Comum para processar e julgar ação do segurado em face do INSS pleiteando a concessão do benefício previdenciário, segundo o art. 129, II, da Lei n. 8.213/91 e art. 109, I, da CF, pelo rito sumaríssimo.
  2. É competente a Justiça Estadual Comum para processar e julgar ação regressiva do INSS em face do empregador que descumpriu as normas de segurança e higiene no trabalho (art. 120 da Lei n. 8.213/91 e art. 129, II, da lei 8.213/91 e art. 109, I, da CF). O jurista Renato Saraiva entende ser da Justiça Federal a competência para a ação de regresso.
  3. É competente a Justiça do trabalho para processar e julgar ação do empregado em face do empregador com pedido de danos morais e patrimoniais decorrentes do acidente do trabalho;
  4. É competente a Justiça do trabalho para processar e julgar, em caso de morte do empregado, ação de reparação por materiais e indenização por danos morais, uma vez que foi cancelado o entendimento da Súmula 366 do STJ que fixava essa competência na justiça comum.

 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em vista dos inúmeros casos de acidente trabalho levados diariamente aos Tribunais e, acreditando-se que não é o fato de ser o empregador obrigado a indenizar o trabalhador por conta de sua eventual responsabilidade civil ante a situação, espera-se que poderia haver, inclusive com parceria da Justiça do Trabalho, políticas de prevenção de acidentes nos mais variados setores. Tal prevenção poderia consistir em capacitação, educação e formação continuada dos trabalhadores, pois como bem se tem visto as simples palestras ocorridas, quando muito anualmente, não vem tendo um resultado positivo.

            Outro ponto a ser considerado é a contratação de mais auditores fiscais do trabalho, concomitantemente ao aumento de campanhas e ações do Sindicato das Empresas e do governo para prevenir acidentes e garantir melhores condições de saúde e trabalho. 

            No acidente do trabalho o “sofrimento não é exclusividade do trabalhador e dos que com ele convivem. Onera o Estado, que normalmente arcará com benefícios previdenciários muitas vezes até o final da vida daquele indivíduo, ou o sistema de saúde pública, abarrotado com filas intercaladas de doentes e acidentados. Assoberba o Judiciário com amontoados de ações reparatórias. Abala o empresário economicamente não somente com as despesas para tratamento ou quem sabe, de sepultamento, com as reparações pecuniárias em prol da vítima ou seus sucessores, mais ainda com a desagregação do ambiente de produção, a substituição do acidentado por um outro empregado destreinado, com risco de repetição do evento danoso, o prejuízo material no próprio ambiente laborativo, seja por danos físicos ao patrimônio da empresa, seja por danos a sua imagem”. (Ramos & Azevedo, 2012)

A Organização Internacional do Trabalho - OIT, na Convenção 155, diz que os países membros deverão adotar medidas relativas à segurança, saúde e higiene como forma de promover a melhoria na qualidade de vida do trabalhador e ao mesmo tempo prevenir acidentes e danos à saúde provenientes dos ambientes de trabalho.

            Devemos educar nosso povo, desde a tenra idade, inserindo nas escolas, igrejas e em outros meios as questões sobre a segurança no ambiente de trabalho e os danos causados por ele.

            Seguindo o pensamento de Max Weber - “o trabalho dignifica o homem”, é prudente analisarmos que o mesmo trabalho que dignifica também danifica.

 

 7. REFERÊNCIAS

AMARAL, Luiz Otavio O. Dano moral e contemporaneidade.

http://jus.com.br/revista/texto/3793

Publicado em 03/2003

ANAMATRA: Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - 03 de Junho de 2009. STF reafirma competência da Justiça do Trabalho para julgar ações ajuizadas por dependentes de trabalhador falecido em acidente de trabalho

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed., São Paulo: LTR, 2009

CHAMONE, Marcelo Azevedo O dano na responsabilidade civil

http://jus.com.br/revista/texto/11365

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho – 10. Ed. – São Paulo: LTR,2012.

LIMA Filho, Francisco das Chagas. Competência da Justiça do Trabalho para julgar as ações decorrentes de acidente do trabalho ajuizadas contra o empregador

http://jus.com.br/revista/texto/6776

MATOS, Eneas de Oliveira.  http://jus.com.br/revista/texto/7300

Publicado em 09/2005. Competência para julgar ações de acidente de trabalho: entendimento do STF pela definição da competência da Justiça do Trabalho e entendimento do STJ sobre o momento de aplicação dessa competência

MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social. 22ª Ed. São Paulo: Atlas, 2012.

RAMOS, Brasilino Santos e AZEVEDO, Martha Franco de. Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho do TST: O empreendedorismo social da Justiça do Trabalho e as ações da magistratura

http://ww1.anamatra.org.br/

REVISTA ANAMATRA, Ano XXII, Nº 62, Segunda Edição 2011. Acidente de trabalho, Por uma cultura de prevenção.

RODRIGUES, Sílvio. "Responsabilidade Civil", São Paulo, Ed. Saraiva, 1993, p.208.

SILVA, Sônia Maria Teixeira da. Breve estudo sobre dano moral

http://planeta.terra.com.br/servicos/soniateixeira

VADE MECUM: 2012: Com foco no exame da OAB e em concursos públicos/ Alexandre Gialluca, Nestor Távora (Organizadores) – Niterói, RJ: Impetus,2012

YOSHIKAW, Daniella Parra Pedroso. Súmula Vinculante nº. 22: determina competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho


[1] Acadêmicas do 6º período noturno da Universidade CEUMA, Campus Cohama, São Luís-MA