Jornal do Comércio
Empresas & Negócios
15 de agosto de 2005

Segundo o velho ditado o que é ruim para alguns é bom para outros. Enquanto o setor produtivo reclama das altas taxas de juros, as instituições financeiras comemoram. O lucro dos quatro maiores bancos privados brasileiros corresponde a mais de 60% dos ganhos de 69 grandes companhias abertas que publicaram balanço até quarta-feira passada, como Gerdau, Aracruz, Braskem e Souza Cruz.
Os dados da pesquisa da consultoria Economática mostram que as empresas não-financeiras registraram no primeiro semestre deste ano um lucro líquido total de R$11,358 bilhões. Já a soma dos ganhos de apenas quatro bancos, Itaú, Bradesco, Unibanco e Banespa atinge R$ 6,827 bilhões. Os números são ajustados pelo Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA), medido pelo IBGE.
Os grandes resultados dos bancos são recordes este ano, mas vêm de uma escalada antiga de aquisições. Na comparação com os anos anteriores, as instituições financeiras também exibem rentabilidade bem maior que o setor produtivo. Em 2004, as 69 companhias analisadas pela Economática lucraram R$ 7,32 bilhões, enquanto os quatro bancos tiveram juntos um resultado de R$ 4,226 bilhões. “Os grandes lucros estão relacionados ainda à concentração bancária. O Itaú e o Bradesco, por exemplo, fizeram muitas aquisições desde 1994”, explica o analista da Austin Rating, Rodrigo Indiani. A corrida para novas aquisições ou parcerias com bancos menores e financeiras continua. As instituições também buscam sociedade com as redes de varejo.
O analista da Corretora Socopa, Daniel Doll Lemos, destaca que os fatores de ganho para as carteiras consistem nas associações e no aumento da carteira de crédito, segmento ainda pouco explorado no Brasil. “O foco é a pessoa física. A expansão se torna mais rápida com as aquisições de carteira. O incremento vem sem o aumento da inadimplência”, diz. O especialista observa que é natural os bancos lucrarem mais. “O mercado financeiro está quase consolidado, porém ainda falta explorar mais os segmentos. Há uma fatia grande de pessoas sem acesso aos bancos”, complementa.
Nos anos de desvalorização cambial, a diferença entre os ganhos dos bancos e do setor produtivo foi enorme. Em 1999, enquanto as companhias analisadas tiveram perdas líquidas de R$ 793,5 milhões, os bancos lucraram R$ 3,446 bilhões.
No ano de 2002, que foi marcado pela crise eleitoral, quando o dólar chegou a encostar nos R$ 4,00, as companhias perderam R$ 1,88 bilhão e os bancos ganharam R$ 4,234 bilhões. “Parte dos ganhos das instituições neste período está relacionado com as operações no sistema financeiro, diante da especulação com a desvalorização cambial. É preciso lembrar ainda que grande parte do patrimônio dos bancos é em moeda estrangeira”, ressalta Indiani.
O sócio-diretor da RiskOffice*, Carlos Rocca, explica que com a volatilidade do câmbio, as empresas também aprenderam a buscar maior proteção. “Muitas quase quebraram na crise de 2002. Agora, as companhias estão cada vez mais atentas para minimizar o impacto do câmbio”, acredita. Nestes dois últimos anos, a principal fonte de renda das instituições é a intermediação financeira, que inclui as operações de crédito e com títulos públicos. A participação dos serviços também cresceu. “A tarifa dá menos trabalho para que a instituição crie receita. É um ganho passivo”, observa Indiani.
O levantamento da Economática não inclui os resultados da Companhia Vale do Rio Doce e Petrobras. Outra ressalva é de que o Santander-Banespa é o quarto maior banco privado do País, entretanto, os controladores só disponibilizam ao mercado os dados do Banespa. Dentre os maiores bancos brasileiros, ainda faltam divulgar os balanços do semestre a Caixa Econômica Federal (CEF) e o Banco do Brasil (BB).

Aumento do volume de crédito garante ganhos

Os lucros dos bancos neste ano foram impulsionados em grande parte pelo aumento do volume do crédito e a alta taxa de juros praticada. O crescimento do resultado das quatro maiores instituições privadas do País foi de 42% no total. O maior lucro ficou com o Bradesco, que obteve R$ 2,621 bilhões no primeiro semestre, um crescimento de mais de 100% sobre o ano passado.
No caso do Itaú os ganhos de R$ 2,475 bilhões, representam 35,6% a mais e do Banespa, os R$ 878,027 milhões. O lucro do Unibanco atingiu R$ 854 milhões, o que significa alta de 47% a mais sobre o primeiro semestre de 2004. Os resultados dos balanços são beneficiados pela Selic, hoje em 19,75% ao ano. Além de aumentar a rentabilidade das instituições financeiras com a aquisição de títulos públicos, juros maiores também ampliam a rentabilidade dos empréstimos oferecidos pelos bancos a empresas e consumidores. Segundo levantamento da GRC visão, o Brasil tem o maior juro do mundo.
Uma das boas notícias ao analisar os balanços do setor financeiro é o aumento do volume de crédito. Apesar de ainda encontrarem-se bem aquém do total ideal, as carteiras têm crescido sistematicamente desde 2003, com a estabilidade econômica. “A atividade bancária é pró-cíclica. Os bancos ganham em um cenário de estabilidade e atividade econômica”, explica o economista chefe da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Roberto Troster.
No caso do Unibanco o incremento da carteira de crédito, no segundo trimestre, foi de 6% em relação ao primeiro. O crescimento médio do sistema financeiro, segundo o Banco Central, foi de 3,7% no mesmo período. Somente para pessoas físicas, o aumento da carteira de crédito alcançou 9,5%, impulsionada pelas operações voltadas ao consumo e financiamentos no banco múltiplo. O total das operações atingiu o montante de R$ 31,154 bilhões em junho de 2005, com crescimento de 21% nos últimos 12 meses.
No Itaú, a rentabilidade anualizada sobre o patrimônio líquido no semestre ficou em 35,6%, contra 30,6% no mesmo período anterior. “A melhoria de desempenho, sob qualquer ângulo de análise deveu-se, principalmente, ao aumento dos empréstimos para pessoas físicas e para pequenas e médias empresas, visto que nesses vetores de crédito as margens são maiores, em relação aquelas observadas em pessoa jurídica”, explica o analista da Consultoria Lopes Filho, João Augusto Frota Salles.
A carteira de crédito total do Itaú cresceu 10,1% no semestre, atingindo R$ 58,647 bilhões. Somente os recursos para pessoas físicas tiveram aumento de 25%. Em comparação com o fechamento da carteira em março, houve expansão de apenas 2,9%. Nesse período, a carteira de empréstimos para pessoas físicas subiu 9,9% e para pessoa jurídica caiu 1%. A expansão modesta no período se refere ao fato de cerca de 20% da carteira estar indexada ao dólar, que caiu no 11,8% no segundo trimestre, influenciando os números em reais.
No Bradesco, os avanços de escalas com as melhorias de sinergias operacionais, redundaram não apenas em forte evolução das receitas de serviços, como também controle de custos. “A alta dos juros básicos no período trouxe ainda um impacto favorável na carteira de títulos e valores mobiliários”, observa Salles. A rentabilidade anualizada sobre o patrimônio líquido no semestre ficou em 34,9%, contra 19,4% no mesmo período anterior.
O Bradesco, durante os últimos doze meses até em junho deste ano, registrou uma expansão do crédito para pessoa física de 50,6%, de R$ 17,8 bilhões para R$ 26,8 bilhões. No mesmo período, as operações com pequenas e médias empresas cresceram 23,3%, de R$ 16,3 bilhões para R$ 20,1 bilhões. Por outro lado, os empréstimos às grandes empresas recuaram 5,8%, de R$ 24,3 bilhões para R$ 22,9 bilhões, seja diante da queda do dólar e seus efeitos nos contratos indexados em moeda estrangeira, seja pela tendência das companhias buscarem recursos no mercado de capitais. A carteira total, excluindo fianças e avais, cresceu 19,5%, de R$ 58,4 bilhões para R$ 69,8 bilhões.

Rentabilidade média do setor é mais elevada

O levantamento da Austin Rating mostra que a rentabilidade do setor bancário é mais elevada do que a do setor produtivo. Segundo a pesquisa da consultoria, a rentabilidade média das empresas é de 17%, enquanto dos bancos foi de 21% no ano de 2004. A diferença parece pequena num primeiro momento, mas há distorções nos dados. Se forem retiradas da lista a Vale do Rio Doce e a Petrobras, que exibem rentabilidade bem acima do normal, a média das companhias cai para 12,7%. A rentabilidade do patrimônio líquido (PL) da Vale é de 35,5% e da Petrobras de 28,68%.
O percentual de 12,7%, mesmo bem abaixo da média dos bancos, inclui ainda grandes companhias, como a Usiminas e a Gerdau. A siderúrgica gaúcha é um caso à parte e conseguiu rentabilizar 46,62% do PL em 2004. Já a Gerdau Metalúrgica ainda foi mais longe, com 48,53%. A Usiminas chegou a atingir um percentual de 50,74% no ano passado. Mais um caso à parte é a Souza Cruz que tem o índice em 45,29%. A Embraer, outra gigante brasileira, tem o indicador de 28,43%.
Outras companhias de grande porte conseguiram rentabilidades bem mais baixas, apesar do tamanho. A Ambev, por exemplo, obteve em 2004, um percentual de 6,83%. A Bras-kem, maior petroquímica brasileira, registrou 16,5%. O setor de telecomunicações exibe ganhos modestos. A Brasil Telecom conseguiu um percentual de 4,27%, a Telemar 9,43%. Já a Embratel Participações e a Telesp Celular tiveram rentabilidade negativa de 7,5% e 16,86%, respectivamente.
O percentual do maior banco privado brasileiro, o Bradesco estava, ao fim de 2004, em 20,1%. Já o Itaú, segundo gigante do setor, conseguiu rentabilizar 28,2%. Os grandes ganhos não ficam apenas com os maiores bancos. O Fator, que tem um PL de R$ 63,915 milhões, conseguiu rentabilizar 42%. Outras instituições, como o Banespa e o Lloyds, adquirido pelo HSBC, obtiveram resultados acima de 30%. A Austin Asis realizou a pesquisa com exclusividade para o Jornal do Comércio. Foram analisados os balanços do fechamento de 2004 de 42 companhias abertas e de 59 instituições financeiras. O patrimônio líquido total das empresas pesquisadas soma R$ 320 bilhões e o dos bancos supera R$ 95 bilhões.

Selic e tributos prejudicam desempenho das empresas

Os dois maiores entraves para o desenvolvimento do setor produtivo são a alta taxa de juros e a elevada carga tributária. A reclamação é do economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Paulo Mól. “As indústrias exibem lucratividade menor devido ao custo de oportunidade. Na hora de decidir o investimento, é preciso comparar a taxa de juros com a taxa de retorno”, observa.
Com a taxa básica de juros (Selic) a 19,75% ao ano, torna-se difícil obter uma taxa de retorno para o negócio tão interessante quanto fazer aplicações financeiras. Levando em conta a inflação projetada, o ganho real ao deixar o dinheiro no CDI, fica ao redor de 13%. “É um ganho sem esforço e sem risco. O convite para aplicar no sistema financeiro é grande. Este é um dos motivos dos bancos exibirem lucros espetaculares e das empresas não cresceram tanto”, afirma Mól. Na última sondagem industrial realizada pela CNI, os industriais apresentaram como principal problema para a competitividade a alta carga tributária.
O segundo entrave é a permanência da taxa Selic em nível elevado, próximo aos 20% ao ano. “Há outras dificuldades pontuais, como a capacidade das empresas se financiarem no longo prazo, falta de capital de giro, a valorização do real que provoca a queda das receitas das exportadoras e o alto custo das matérias-primas”, resume Mól.
O sócio-diretor da RiskOffice, Carlos Rocca, explica que os juros tornam a captação de crédito proibitiva, entretanto há outras saídas. Dentre estas as empresas estão optando por buscar o mercado de capitais com a securitização de recebíveis ou a própria abertura de capital na Bovespa.

*A RiskOffice também é dirigida por Marcelo Rabbat, especializado em risco de crédito e de mercado.