JURISDIÇÃO AS AVESSAS: AS DIFICULDADES DO PROCESSO JURISDICIONAL NO ESTADO COMTEMPORÂNEO*

 

 

          Marcus Vinicius Santos de Araújo**

Ronald de Assis soares***

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 2 Um Estado de Direito conflituoso; 3 A ação e o processo jurisdicional; 4 A dicotomia jurisdicional; Conclusão; Referências.

Resumo: No tocante do trabalho pretendesse esmiuçar o estudo da jurisdição, parte fundamental e polêmica do Direito Processual, na qual implica em todo um gradual que vai do acesso à justiça até o fim do processo jurisdicional, aonde se chega a um resultado satisfatório para ambas as partes. Todavia, é necessário também, na analise do dado assunto encontrar as críticas e as falhas que permeiam todo esse trâmite processual, observando-se o fato do Poder Judiciário estar numa possível crise, provocando um descontentamento por parte da população. Via de regra, a tutela jurisdicional se encontra em um caminho inverso ao seu objetivo de estabelecer uma harmonia e uma paz social, pois devido ao mau funcionamento da máquina Estatal, que se diz sobrecarregada, a sociedade que busca uma solução para suas desavenças, acaba por ficar desamparada e com mais problemas.  

Palavras-chave: Jurisdição. Direito Processual. Processo Jurisdicional. Poder Judiciário. Tutela Jurisdicional.

INTRODUÇÃO

 

Desde o primórdio da humanidade, no estado de natureza, destaca-se a ausência do direito na resolução dos conflitos, que se davam pela “lei do mais forte” conhecida como autotutela. A inexistência de uma organização social era consequência da falta de um direito, ou seja, não há sociedade sem direito.

Com o advento do contrato social surgem as sociedades, porém ainda com a existência de conflitos, nascendo assim o direito com sua função ordenadora de controle social e com a necessidade de resolvê-los, o Estado dita esse direito, tomando para si o monopólio dessas lides. Encarrega-se dessa função, no intuito de criar uma imparcialidade e designar os mecanismos para a solução desses problemas.

Um desses mecanismos é a jurisdição, no qual representada pelo Estado tem o papel de mediar e solucionar esses conflitos. O início desse processo jurisdicional se dá por meio da ação, na qual o cidadão vai provocar o judiciário para se estabelecer a lide, com isso a tutela jurisdicional irá proteger o direito da parte que teve seu bem lesado, para chegar-se a uma resolução favorável e justa do conflito.

O acesso à justiça tem como função precípua a garantia de igualdade perante a jurisdição, buscando soluções para que sejam superadas as barreiras existentes. Portanto, é dever do Estado, em específico, do Poder Judiciário, garantir a todo cidadão seus direitos constitucionais. A teoria do processo pode ser uma grande arma na luta conta o monismo estatal, fazendo com que se amplie as opções de acesso à jurisdição, visando a redução dos empecilhos impostos pelo Estado e pela própria sociedade.

No entanto, o acesso jurídico, que é a possibilidade do individuo acessar a justiça, está comprometido porque não existe uma efetiva justiça social já que os direitos dos cidadãos não estão sendo atendidos. E como esse cidadão vai acioná-la se ele não possui conhecimento da mesma?

É possível destacar também outra problemática no Poder Judiciário que impede um acesso à justiça de qualidade a população, que é a incompetência do judiciário devido a uma má estruturação e preparo dos seus setores de efetividade social, contradizendo o escopo principal da jurisdição. A verdade é que esse colapso vivido no plano jurídico, reflete-se também no plano político, disseminando assim, uma preocupação na população que não se vê amparada pelo Estado.

2 UM ESTADO DE DIREITO CONFLITUOSO

 

Desde a formação do contrato social, no decorrer da evolução histórica, foi possível se constatar uma serie de conflitos entre a população e o Estado e entre a própria população.  E muitas dessas desavenças foram solucionadas por meio do poder, portanto quem o possuía tinha os seus direitos atendidos.  Em seu estudo Foucault explica também que muitas dessas lides surgiram por causa das relações de poder que se instauram na sociedade visto que, as pessoas vivem em constates conflitos de interesses.

 Então partindo do pressuposto que toda sociedade é conflituosa e que sem o direito não existe sociedade, seria o direito um dos meios mais viáveis e justos para cessar esses conflitos, já que a lei do mais forte é injusta? Possivelmente sim, e segundo Antonio Carlos Cintra o Direito tem,

A função ordenadora, isto é, de coordenação dos interesses que se manifestam na vida social, de modo a organizar a cooperação entre as pessoas e compor os conflitos que se verificarem entre seus membros. A tarefa da ordem jurídica é exatamente de harmonizar as relações sociais intersubjetivas. (CINTRA, Antonio. 2012, p. 27)

Diante desta função o Estado retirou das mãos da população o poder de resolução dessas lides, por via da autotutela. E, portanto, o corpo estatal observou a necessidade de estabelecer estruturas para realizar uma atividade jurisdicional, capaz de compilar essas insatisfações, e tendo como foco alcançar soluções satisfatórias para as mesmas.

(...) se entre duas pessoas há um conflito, caracterizado por uma das causas de insatisfação descritas acima (resistência de outrem ou veto jurídico à satisfação voluntaria), em principio o direito impõe que, se se quiser pôr fim a essa situação, seja chamado o Estado-juiz, o qual virá dizer qual a vontade do ordenamento jurídico para o caso concreto (declaração) e, se for o caso, fazer com que as coisas se disponham, na realidade pratica, conforme essa vontade (execução). (CINTRA, Antonio. 2012. p. 28)

O Estado, por via do Direito, é o responsável por acolher o conflito e achar a melhor solução viável para cada caso, escolhendo assim um profissional competente, o juiz, para mediar esse antagonismo. Mas para que todo o aparato Estatal se mova para tutelar essa desavença, a parte que, possivelmente, teve o seu Direito violado, deve aciona-lo.

Na atual conjuntura, a sociedade se encontra acuada pelo poder judiciário que se tornou ineficaz e injusto, devido à má condução dos problemas advindos da população. A esse fato, se relaciona outros métodos de resolução buscados pelo cidadão como o caso da autocomposição.

3 A AÇÃO E O PROCESSO JURISDICIONAL

 

Para que haja a efetiva participação do judiciário nos problemas correntes da sociedade, é necessária a manifestação da pessoa para com a justiça. Com a ciência do caráter inerte da jurisdição, a população provoca o judiciário por meio da ação, trazendo a possibilidade de cada cidadão acionar a função jurisdicional do Estado, para que o mesmo possa garantir a proteção dos direitos alheios. Por meio desse procedimento, tem-se a capacidade de formação de uma lide, na qual irá iniciar o processo jurisdicional entre demandante e demandado.

Diversas foram as teorias criadas acerca da ação, trazendo a tona muita discussão sobre o seu estudo, isso porque como até dito anteriormente, a inércia é característica marcante da jurisdição e apenas através da provocação (que se dá por meio da prática da ação), o Estado irá exercer  sua função jurisdicional.  De início, com as primeiras teorias (entre elas, a mais conceituada, a Teoria Clássica) pouco se esmiuçou, pois não faziam distinção entre o direito subjetivo e o direito de ação.

Dessa polêmica, surgiu a noção de que o direito material e o direito de ação seriam distintos, este último devendo ser entendido como um direito à pretensão jurisdicional. Surgem a partir daí inúmeras teorias sobre a ação, todas elas com este caráter dualista, ou seja, todas defendendo a autonomia do direito de ação em relação ao direito material. (CÂMARA, Alexandre. 2008. p.108)

Devido a essa crítica, juristas alemães como Windscheid e Muther, se empenharam no estudo dessa tese, onde puderam concluir que há diferença entre o direito material e o direito de ação. A partir desse ponto, a autonomia do direito de ação foi construída e se engrandecendo, alcançando certa independência no judiciário. Essa etapa estudada é fundamental na composição do processo jurisdicional.

É essa considerada por muitos juristas a parte mais importante do Direito Processual, a jurisdição, na qual o judiciário se faz através do Estado, a consumação e proteção dos direitos de cada pessoa na sociedade, onde o mesmo não pode negar o acesso à justiça a ninguém (Princípio da Inafastabilidade). O objetivo da jurisdição, bem como o do direito de forma geral, é estabelecer uma paz social, a harmonia e segurança nas relações sociopolíticas, conseguindo solucionar de forma satisfatória os conflitos trazidos pela população.

Seja nos casos de controle jurisdicional indispensável, seja quando simplesmente uma pretensão deixou de ser satisfeita por quem podia satisfazê-la, a pretensão trazida pela parte ao processo clama por uma solução que faça justiça a ambos os participantes do conflito e do processo. Por isso é que se diz que o processo deve ser manipulado de modo a propiciar ás partes o acesso à justiça, o qual se resolve, na expressão muito feliz da doutrina brasileira recente, em acesso à ordem jurídica justa. (CINTRA, Antonio. 2012, p. 41)

Quando instituído a lide e o processo entra em tramitação, o Estado por meio da Tutela Jurisdicional deve assegurar a proteção do direito material lesado, em face do demandante que acionou a justiça. Esse procedimento terá etapas a serem analisadas, desde a existência de um direito ao alcance de um resultado aceitável pelas partes.

O cidadão busca no Estado, uma solução justa e eficaz para garantir seus direitos diante a desavença ocorrida. Como objetivo último, traz a tona o fim que norteia a jurisdição e seu processo, estabelecer uma harmonia social, com satisfação de ambas as partes.

 

 

4 A DICOTOMIA JURISDICIONAL

 

A jurisdição tem como propósito findar as insatisfações decorrentes da sociedade, visto que através do processo jurisdicional ela deve assegurar e proteger os direitos que o demandante tem e vieram a ser lesados por algum motivo.

A jurisdição se exerce através do processo, pode-se provisoriamente conceituar este como instrumento por meio do qual os órgãos jurisdicionais atuam para pacificar as pessoas conflitantes, eliminando os conflitos e fazendo cumprir o preceito jurídico pertinente a cada caso que lhes é apresentando em busca de solução. (CINTRA, Antonio. 2012, p.31)

Contudo, o processo jurisdicional tem sido na pratica uma quimera, pois mostra-se falho, injusto, vagaroso e diferentemente de sua proposta, na maioria das situações se quer possuem soluções aceitáveis para os casos. E diante disso, a população se vê desacreditada, ao ponto de optarem por outros meios, já que o Estado se mostra incapaz. 

Sendo assim, é necessário postular uma analise dos principais obstáculos, para ter-se uma noção das dificuldades de se ter acesso ao judiciário. O primeiro empecilho a ser destacado é o que diz respeito à questão financeira, as custas judiciais, são onerosas, assim como os honorários advocatícios, caracterizando-se assim em uma grande dificuldade às classes média e baixa. Em alguns países, o litigante perdedor é obrigado a arcar com todas as custas processuais,  todavia a maior dificuldade consiste no pagamento dos honorários advocatícios, fato que afasta a busca pela solução judicial.

Quando se trata de pequenas causas à procura pela jurisdição é quase nula, pois os gastos tidos com o processo se igualam ou até mesmo ultrapassam o valor da causa a que se busca, tornando-se assim uma barreira desestimulando os litigantes a buscarem a justiça. Como último obstáculo financeiro, temos a demora para a resolução das lides, fazendo que os gastos se acumulem durante o processo, e as partes desistam do mesmo, tendo em vista sua ineficácia.

As disparidades sócio-econômicas são um dos principais estorvos para um efetivo acesso à justiça, principalmente nos países subdesenvolvidos onde nos valemos da máxima: muitos com pouco, e poucos com muito. Aqueles que detêm um poder econômico significativo podem custear a ação, independente de sua duração, tendo condições na maioria das vezes a profissionais mais qualificados em sua defesa, e até mesmo se perderem a causa podem arcar com os gastos tidos com a mesma. Este fator tem total relevância no resultado do litígio, principalmente quando em mãos de apenas uma das partes.

É fato que a sociedade em boa parte não conhece todo mecanismo e processo de acesso à justiça trazido pela jurisdição Estatal, dado este, no qual prejudica uma análise social mais criteriosa diante a função do Estado para com os cidadãos. Porém estudiosos já estabeleceram que o Poder Judiciário passa por uma “crise”, relacionada a diversos fatores amontoados, dentre eles, os próprios problemas socioeconômicos enfrentados na atualidade.

Impõe-se, como questão de fundamental importância, comparar o aumento da demanda com a manutenção do Poder Judiciário, como elemento de obstáculo ao acesso à justiça. Pode-se argumentar com o exemplo dos Juizados Federais previdenciários, que, logo que instituídos e instalados, já passaram a atender a milhares de pessoas, dando origem a uma enorme quantidade de feitos, todos eles relativos a pleitos de cidadãos, em sua maioria de parcos recursos, que, em termos efetivos, não tinham acesso à justiça. (CARVALHO, Maria. 2004. p.165)

Essa questão gera a construção de uma desconfiança e um desapontamento por parte da população, que vê o despreparo estrutural e prático do Poder Judiciário vigente. Esse descrédito social com certeza é uma séria preocupação não apenas para o plano jurídico, mas principalmente para o plano político do Estado pátrio, servindo assim, como um alerta para a extrema necessidade de uma nova reformulação no Poder Judiciário.

CONCLUSÃO

 

As sociedades são permeadas de conflitos e a resolução destes fica a encargo da jurisdição que tem um papel fundamental na vida das pessoas, já que ela é responsável pela tutela dos direitos dos cidadãos. Sendo, que o individuo pode acionar o Estado a qualquer momento em que seu direito for violado, e será instaurado um processo.

A questão desde o princípio do referido trabalho a ser destacada, é o porquê da sociedade não buscar e confiar no Estado à solução de seus problemas, já que este deveria propor de forma confortável e satisfatória a segurança dos direitos dos cidadãos. E no decorrer dos estudos contata-se que o problema está na deterioração do acesso à justiça, da problemática existente na atividade jurisdicional do Estado.

O processo desigual que se dá a jurisdição, em um país que o poder aquisitivo fala mais alto, comprova a ineficácia do Estado em garantir direitos fundamentais da população, estabelecido em nossa própria Constituição. Com uma ideologia ultrapassada e um exercício incompetente, o processo jurisdicional se faz totalmente contrário de sua verdadeira proposta, no qual é assegurar ao cidadão que ele estará sempre bem amparado e terá seus direitos protegidos. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 17° ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1998.

CINTRA, Antonio; GRINOVER, Ada; DINAMARCO, Cândido. Teoria Geral Do Processo. 28° ed. São Paulo: Editora Malheiros. 2012.

MENDONÇA, Paulo Halfeld Furtado de. Acesso à Justiça no Brasil. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9993>. Acesso em: 15 out. de 2012.

RAMOS, Glauco Gumerato. PROCESSO JURISDICIONAL CIVIL, TUTELA JURISDICIONAL E SISTEMA DO CPC: como está e como poderá estar o CPC brasileiro. Disponível em: <http://egacal.e-ducativa.com/upload/AAV_GlaucoRamos.pdf>. Acesso em: 20 de out. de 2012. 

WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.