JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA: apreciação de seus aspectos e das inovações trazidas pela Lei nº 12.153 [1]

 

Raíssa Cristina Lindoso Oliveira[2]

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 O Instituto dos Juizados Especiais; 2 Competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública ; 3 Do cumprimento da sentença; Considerações Finais; Referências.

RESUMO

 

O presente paper visa analisar a entrada em vigor da Lei nº 12.153 de 22-12-2009 que promoveu a instituição dos Juizados Especiais da Fazenda Pública nos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios do Brasil. Pretende-se entender as causas e efeitos práticos da criação da referida Lei, destacando em que se diferencia e em que inova quanto à legislação anterior correspondente aos Juizados Especiais.

PALAVRAS-CHAVE

Juizados Especiais. Fazenda Pública. Lei nº 12.153. Competência. Cumprimento da sentença.

 

INTRODUÇÃO

 

A entrada em vigor da Lei nº 12.153 de 22-12-2009, promoveu a instituição dos Juizados Especiais da Fazenda Pública nos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios do Brasil. Com isso, a população atualmente pode contar com o Juizado Especial para ações de menor valor contra aqueles supracitados, inclusive aquelas pertinentes às respectivas autarquias, fundações e empresas públicas (art. 5º Lei nº 12.153/09). 

Vale pontuar que já existiam duas leis específicas para regular o processo de prestação jurisdicional dos Juizados Especiais no país - Lei nº 9.099, de 26-09-1995 (âmbito das Justiças Estaduais), e Lei nº 10.259, de 12.07.2001 (âmbito da Justiça Federal).

A Lei 12.153 surgiu com o escopo de dar mais celeridade, economia processual e desburocratização das causas menos complexas e de menor valor, acionadas contra os Estados, DF e Municípios – que antes se mantinham abarrotadas desnecessariamente na Justiça Comum, percorrendo o mesmo longo procedimento das causas mais complexas - oferecendo, desta forma, a devida tutela jurisdicional garantida pela Constituição Federal.

1  O INSTITUTO DOS JUIZADOS ESPECIAIS

 

A Constituição de 1988, ao formular as regras de organização do Judiciário, determinou que a União e os Estados deveriam criar Juizados Especiais providos de juízes togados e leigos, com competência para “a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade” (art. 98, I, CF). (THEODORO JR, 2010, p. 1)

Humberto Theodoro Junior (2010) ensina que a justificativa para o estabelecimento de uma Justiça especial para as causas de pequeno valor e de menor complexidade foi a de que os custos e as dificuldades técnicas do processamento perante a Justiça comum provocavam o afastamento do acesso de inúmeros litígios à tutela jurisdicional, de modo a gerar uma litigiosidade contida não compatível com a garantia de ampla tutela assegurada pela Constituição.

A partir disso, percebe-se que a criação do instituto ocorreu com o escopo de corrigir o problema do afastamento de litígios em decorrência dos custos – muitos interessados deixavam de acionar o Judiciário, pois o valor de suas causas seria pequeno em relação aos gastos que teriam para contratar advogado e até mesmo não valeriam a pena diante do procedimento longo e cansativo característico da Justiça comum. Os Juizados Especiais vieram encarregados de atender a essas demandas que não estavam sendo apreciadas, de modo a garantir o acesso, constitucionalmente tutelado, à Justiça. 

O ideal, nos Juizados Especiais, é que a palavra falada seja mais usada que a escrita; que a controvérsia seja, sempre que possível, solucionada numa única audiência; que o formalismo seja completamente abandonado, sem prejuízo, é claro, do direito ao contraditório e defesa; que o sistema seja sempre operado de forma a produzir “o máximo de vantagem com o mínimo de dispêndio e energias”; que o processo demore “o mínimo possível”, sem prejuízo do equilíbrio entre “os valores da Justiça e da celeridade”[...] (THEODORO JR., 2010, p. 2)

O juiz federal Vallisney Oliveira (2010) explica que o sistema nacional dos Juizados Especiais se divide em: Sistema dos Juizados Estaduais e Sistema Juizados Especiais Federais. Deste modo, integram os Juizados Especiais Estaduais: Juizados Criminais (Lei n. 9.099/95); Juizados Cíveis (Lei n. 9.099/95); Juizados da Fazenda Pública (Lei n. 12.153/09). Enquanto compõem os Juizados Especiais Federais: Juizados Cíveis e Juizados Criminais (Lei n. 10.259/01).

O autor (OLIVEIRA, 2010) aponta ainda, a existência de notórias diferenças entre os Juizados Cíveis Estaduais e Federais Cíveis e semelhanças entre os Juizados Federais e os Juizados Estaduais da Fazenda Pública ou Fazendários. Por um lado, os Juizados Cíveis Estaduais tratam de litígios entre particulares (salvo exceção da Lei n. 12.153/09), enquanto os Juizados Federais cuidam de controvérsias entre o particular e o Poder Público. Ressalta também, que são legitimados para propositura de demanda nos Juizados Estaduais Cíveis: pessoas físicas capazes, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas; as microempresas, as pessoas jurídicas qualificadas como Organização da Sociedade Civil e as sociedades de crédito ao microempreendedor. No entanto, não poderão ser partes nesses Juizados: o incapaz, o detento, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil (art. 8º, Lei n. 9.099/95). Quanto aos Juizados Federais, podem ser autoras: pessoas físicas, microempresas e empresas de pequeno porte contra tais réus: União, autarquias, fundações e empresas públicas federais (art. 6º, Lei n. 10.259/01).

Já nos Juizados Estaduais da Fazenda Pública, como as causas são promovidas em face de Pessoa Jurídica de Direito Público, a legitimidade é semelhante aos Juizados Federais, eis que podem ser autoras nos Juizados Fazendários: pessoas físicas, microempresas e empresas de pequeno porte; podem ser demandados: Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, e respectivas autarquias, fundações e empresas públicas (art. 5º, Lei n. 12.153/09). O autor ainda pontua que, em verdade, existem dois Juizados Fazendários: um da Fazenda Pública Federal, regulado na Lei n. 10.259/01, e outro da Fazenda Pública dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, regulado pela Lei n. 12.153/09. (OLIVEIRA, 2010)

Pode-se complementar as informações supracitadas, com o ensinamento de Humberto Theodoro Jr. (2010, p. 2) que explicita que diferentemente do que ocorre com os Juizados Especiais Federais, onde não há admissão da atuação dos juízes leigos, os Juizados Especiais da Fazenda Pública, instituídos pela Lei nº 12.153/2009, funcionam com o concurso de juízes togados, juízes leigos e conciliadores, tal como os demais órgãos judicantes que integram o sistema local de Juizados Especiais no âmbito da Justiça dos Estados.

2  COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA

 

Milton Delgado Soares (2010, p. 75) explica que a competência dos Juizados Especiais Fazendários, estabelecida pelo artigo 2º da Lei 12.153/09 abrange causas de até 60 (sessenta) salários mínimos, não incluindo algumas causas mais complexas, as quais, as ações de mandados de segurança, desapropriações, divisão e demarcação de terras, populares, improbidade administrativa, execuções fiscais, demandas sobre direitos ou interesses difusos ou coletivos, bem como as causas sobre bens imóveis dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias e fundações públicas a eles vinculadas; e as causas que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares. Estas ações competem à Vara de Fazenda por serem mais complexas, conforme fixado nos incisos I, II e III, do § 1º, do citado dispositivo legal.

Destaque-se que o objetivo do legislador foi mesmo atribuir competência aos Juizados da Fazenda Pública para as causas de pequeno valor, entendidas como aquelas que não extrapolem o valor de 60 (sessenta) salários mínimos, sem se descuidar da limitação desse teto também para as obrigações continuativas ou de trato sucessivo. Estabelece que, nesta hipótese, as somas de eventuais prestações vencidas com as 12 (doze) vincendas também não poderão ultrapassar tal valor, especialmente em respeito à regra constitucional do precatório requisitório prevista no artigo 100 da Constituição da República. Tal regra é hoje atenuada por seu parágrafo 3º que serve de fundamento para as chamadas RPVs (requisições de pequeno valor), cujo montante deve ser estabelecido por cada ente da federação em atenção ao princípio federativo. (SOARES, 2010, p. 76)  

  

No entanto, segundo Soares (2010, p. 76), a grande inovação da Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, no que toca à competência, se comparado aos Juizados Especiais Cíveis, foi a opção pela competência absoluta (artigo 2º, § 4º), de forma a impedir a opção, ora pela Vara de Fazenda Pública, ora pelos Juizados. Isto ameniza a distribuição de demandas menos complexas - entendidas como aquelas que não ultrapassem 60 (sessenta) salários mínimos - para as Varas de Fazenda Pública, já que concentradas em sede de Juizado por uma questão de ordem pública, podendo, inclusive, haver declínio de competência de ofício.

Em resumo, existem cinco requisitos a ser observados nos processos dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, sendo os três primeiros objetivos (art. 2º), e os dois restantes subjetivos (art. 5º): a) causas de competência da Justiça Estadual, evidentemente; b) o valor da causa não deve ultrapassar os 60 salários mínimos; c) mesmo que não se ultrapasse o valor de alçada, a matéria não deve estar listada nas exceções do § 1º do art. 2º; d) somente podem ser autores as pessoas naturais, microempresas e empresas de pequeno porte (art. 5º, I); (e) e no pólo passivo são legitimados os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas (art. 5º, II), salvo exceções de litisconsórcio passivo necessário (CARDOSO, 2010).

Soares (2010, p. 76) afirma que com tal competência absoluta evita-se a surpresa decorrente do pensamento equivocado de que a instalação dos Juizados Especiais Cíveis seria dada para que as varas cíveis fossem “desafogadas” com a criação de tais juízos – na prática, se constatou que tal fato não ocorreu, visto que as varas cíveis continuaram com uma distribuição muito grande e nos juizados surgiram novas demandas que estavam represadas em virtude, muitas vezes, de sua inviabilidade do ponto de vista financeiro, já que se as partes tivessem que pagar custas e contratar advogado para o seu ajuizamento, fatalmente não seriam ajuizadas. “Certamente, em sede de Juizados Especiais da Fazenda Pública, surgirão novas demandas que, anteriormente, da mesma forma, estavam inviabilizadas e represadas pela exigência de se contratar advogado e pagar custas” (SOARES, 2010, p. 76)

Porém, se por um lado surgirão inúmeras demandas novas e represadas em prol do amplo acesso à justiça, que fundamenta a própria criação dos Juizados Especiais, por outro, a opção pela competência absoluta vai conseguir, realmente, retirar as causas de pequeno valor dos Juízos de Fazenda Pública, o que será um passo bastante importante em prol da efetividade e celeridade processual das demandas em tramitação nestes juízos. (SOARES, 2010, p. 77)

O autor ainda destaca que a opção pela competência absoluta diminuirá a possibilidade de existência de decisões contraditórias sobre os mesmos assuntos, advindas do microssistema dos Juizados e dos Juízos Fazendários ditos comuns, diminuindo a insegurança e instabilidade jurídica que, muitas vezes, traz prejuízos aos jurisdicionados.

3  DO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA

Relevante diferença criada pela Lei nº 12.153/2009 consiste na forma mais célere do cumprimento das obrigações de pagar. Cardoso (2010) ensina que em decorrência da impenhorabilidade dos bens públicos, o cumprimento das obrigações de pagar quantia certa nos Juizados Fazendários se dá por meio de requisição de pagamento, que se divide em:

a) requisição de pequeno valor, satisfeitas no prazo máximo de 60 dias, para as condenações de até 40 salários mínimos (dos Estados e do Distrito Federal) ou de até 30 salários mínimos (dos Municípios);

b) precatórios pagos em ordem cronológica de apresentação (observadas as regras e os créditos preferenciais do art. 100 da Constituição), para as condenações superiores a 30 salários mínimos (Municípios) ou a 40 salários mínimos (Estados e Distrito Federal).

O autor complementa, afirmando que desta forma, não ocorrerá mais, em todos os casos, a espera indefinida pelo pagamento do precatório, já que as obrigações de pequeno valor (até 30 ou 40 salários mínimos, dependendo do réu) deverão ser cumpridas em até 60 dias. Ademais, o atraso no cumprimento da obrigação de pagar pode ser sancionado com a aplicação de multa (que não se confunde com aquela prevista no art. 475-J do CPC).

Há controvérsia sobre a possibilidade – ou não – da oposição de impugnação, ou de embargos do devedor. Prevalece o entendimento de que não são cabíveis, devendo o ente público réu questionar matérias de ordem pública, erros materiais ou de cálculo, em simples petição, durante o cumprimento da sentença (CARDOSO, 2010)

Por outro lado, Oliveira (2010) explica que no cumprimento da sentença, relativo ao sistema dos Juizados Especiais Cíveis da Lei n. 9.099/95, a execução em regra é comum, por quantia certa contra devedor solvente, podendo haver acordo na execução; já nos Juizados Federais e nos Fazendários a execução é imediata (executiva lato sensu) e o pagamento, se a ré for Fazenda Pública, será por Requisição de Pequeno Valor, admitindo-se o precatório, por opção do autor, se a condenação ultrapassar nos casos permitidos em lei o valor de sessenta salários mínimos.

“Esse procedimento executório, porém, não vale para empresa pública [...], que se sujeita ao procedimento executório cível do art. 52 e ss. da Lei n. 9.099/95 c/c art. 475-J, CPC, já que não se enquadra na categoria de Fazenda Pública.” (OLIVEIRA, 2010)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Como já estudado, é evidente que a criação dos Juizados Fazendários deu azo ao surgimento de novas demandas (menos complexas e de menor valor), que antes não chegavam a ser apreciadas pelo Judiciário, em decorrência dos custos e das dificuldades técnicas, que os demandantes encontravam ao se deparar com o processamento perante a Justiça comum, causando o afastamento do acesso de inúmeros litígios à tutela jurisdicional. A simplificação do procedimento e a diminuição dos custos, advindos, por exemplo, da não obrigatoriedade de serviços advocatícios, oferecido pela jurisdição dos Juizados da Fazenda Pública, atraiu o acionamento de tais demandas.

Vale relembrar as inovações trazidas pela Lei, as quais o presente estudo ressaltou: da competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública; do cumprimento da sentença nos mesmos. Entende-se como primordiais a adoção da competência absoluta, impedindo a faculdade ora pelos Juizados, ora pela Vara de Fazenda Pública; a maior celeridade do cumprimento da sentença, no qual a execução é imediata.  

Diante do exposto, percebe-se que a entrada em vigor da Lei nº 12.153, com a instituição dos Juizados Especiais da Fazenda Pública nos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, vem fazendo valer seu objetivo de dar mais celeridade, economia processual e desburocratização das causas menos complexas e de menor valor, oferecendo portanto, melhor e mais eficiente prestação jurisdicional à sociedade brasileira.

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1998. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições técnicas, 2007.

BRASIL. Lei 12.153, de 22 de dezembro de 2009. Dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 dez. 2009.

CARDOSO, Valente Oscar. Juizados Especiais da Fazenda Pública. Esmesc, Santa Catarina, ago. 2010. Disponível em: <http://www.esmesc.com.br/upload/arquivos/8-1281381290.PDF>. Acesso em 18 mai. 2012.

OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Juizados Federais cíveis e Juizados Estaduais cíveis e fazendários: diferenças e semelhanças. Justiça Federal do Distrito Federal. 2010. Disponível em: < http://www.df.trf1.gov.br/juizadosEspeciaisFederais/artigos/JEF-DF-Vallisney.pdf>. Acesso em: 18 mai. 2012.

SOARES, Milton Delgado. A Nova Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública: Primeiras Considerações e Proposta para Implementação. Revista da EMERJ, v. 13, n. 51, 2010. Disponível em: < http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista51/Revista51_74.pdf>. Acesso em: 19 mai. 2012.

THEODORO JR., Humberto. Os Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei nº 12.153, de 22.12.2009). Palestra proferida em 19.02.2010, no III Encontro de Juízes Especiais do Estado de Minas Gerais. Minas Gerais, fev. 2010. Disponível em: < http://www.ejef.tjmg.jus.br/home/files/publicacoes/palestras/pal022010.pdf>. Acesso em: 18 mai. 2012.

 



[1] Paper apresentado à disciplina Processo do Conhecimento II, ministrada pelo professor Hugo Assis Passos, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Acadêmica do 5º período vespertino do curso de Direito da UNDB.