JUDICIALIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS FUNDAMENTAIS  desafios à luz do CPC 2015.
 

Nacor Paulo Pereira dos Santos[1]

Ítalo Gabriel Pereira dos Santos[2]

                                                                                                                   

 

Sumário: Introdução; I- Da Contraposição De Interesses, Individual E Coletivo, Na Prestação Jurisdicional; II- Das Ações Individuais E Das Ações Coletivas Na Formatação Do Novo Código De Processo Civil; III- Do Modelo Processual Incorporado Pelo Novo Código De Processo Civil; Conclusão; Referências

 

 

RESUMO

Este trabalho tem por finalidade suscitar reflexão sobre a interferência do controle jurisdicional nas políticas públicas pelo modelo processual cooperativo e dialogal erigido com o  CPC de 2015. O estudo aqui desenvolvido valeu-se da metodologia de análise dos valores e princípios contemplados no novo Código de Processo Civil como formalidade e essencialidade, ritualística e objetivos a serem atingidos no alcance de uma Ordem Jurídica justa. Identificadas algumas variáveis: o complexo gerenciamento das Políticas Públicas, que não têm adquirido a mutação qualificativa necessária para a satisfação da expectativa dos interessados; a judicialização dos direitos sociais tem encontrado no modelo atual do processo civil um verdadeiro obstáculo, pelo distanciamento das partes; o diálogo e a cooperação apresentam-se como ferramentas para a formatação do conhecimento e resolução dos litígios.  A identificação dos instrumentos processuais que o modelo erigido com o Código de Processo Civil de 2015 alimenta a expectativa de abreviação do tempo de tramitação processual, com reflexos na eficiência da prestação jurisdicional.

Palavras-chave – Direitos sociais, Políticas Públicas, judicialização, processo civil.

                

 

 

 INTRODUÇÃO

 

Esta reflexão tem o objetivo de tentar compreender as perspectivas operadoras dos órgãos do Poder Judiciário, no limiar da vigência do novo Código de Processo Civil,  pela condução das demandas que versam sobre direitos sociais fundamentais.

Inicialmente, é oportuno frisar que o enfrentamento das controvérsias sobre a implementação dos direitos sociais fundamentais desaguam na esfera do Poder Judiciário através de demandas individuais e coletivas, reclamando intervenções, de algum modo, nas Políticas implementadas pelo Poder Público.

Pela sistemática do Código de Processo Civil de 1973, ainda em vigor, propostas as ações, o magistrado determina a citação da parte ex adversa e concede medida liminar ou a antecipação da tutela jurisdicional, verificando a existência de fumus boni iuris e periculum in mora ou, pela configuração dada pelo art. 273, existência de prova inequívoca, convencimento da verossimilhança da alegação do autor, diante de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou de caracterização de abuso de direito de defesa ou  manifesto propósito protelatório do réu, respectivamente.

Com a antecipação da tutela jurisdicional, o feito processual, comumente, é deixado no bojo dos milhares de processos que se arrastam pela tão conhecida, e odiada, morosidade do Poder Judiciário, da qual nós, operadores do Ministério Público brasileiro, participamos, quase sempre por falta de instrumentos processuais ou por estarmos habituados ao modus operandi imposto pela técnica processual vigente.

Nessas circunstâncias, tratando-se de ação individual, por conta do conhecido efeito multiplicador, outras ações individuais são propostas, sem que ocorra um adequado tratamento pelos operadores do Direito que contemple a análise da Política Pública em que o direito social fundamental esteja inserido.

Em se tratando de ação coletiva, a concessão de medida liminar ou a antecipação da tutela jurisdicional possibilita a intervenção do Estado-Juiz no escopo de resguardar o mencionado direito social fundamental, quase sempre sem compreender as peculiaridades da Política Pública implementada pelo Administrador Público, enquanto a  solução definitiva do litígio irá aguardar o trâmite, também, moroso que a cultura judiciária brasileira consolidou no decorrer do tempo.

Isso tudo apenas agrava o problema da implementação dos direitos sociais fundamentais, que se configura pelo princípio de universalidade, enquanto suprema virtude da inclusão social, contudo imerso em grandes desafios que se apresentam desde a limitação dos recursos públicos, passando muitas vezes por alegações do Administrador Público de configuração da situação conhecida como a reserva do possível, esbarrando em orçamentos contaminados por corrupção, má gestão financeira e orçamentária, que se testam perante os próprios limites que se apresentam, na esfera da garantia dos direitos sociais fundamentais, ao que deve ser conceituado como sendo dura realidade de sub investimento pela escassez de recursos financeiros.

 

 

 

I – DA CONTRAPOSIÇÃO DE INTERESSES, INDIVIDUAL E COLETIVO, NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

 

A coleta de informações extraídas de ações individuais em trâmite na Comarca da Capital do Estado do Maranhão (atual comarca da Ilha de São Luís), em pesquisa qualitativa por amostragem, autoriza concluir que o jurisdicionado formata a sua pretensão de satisfação dos interesses sem visualizar ou sem se preocupar com o contexto das Políticas Públicas em que seu direito está inserido.

Observe-se que, não raro, o volume financeiro das multas diárias somado à expectativa das indenizações por eventuais e supostos danos morais podem iludir o jurisdicionado à possibilidade de obtenção de vantagem que lhe preencheria a satisfação de enriquecimento.

Não se pode desprezar o fato de que alguns jurisdicionados, que, historicamente já experimentam toda sorte de dificuldades, em realidade difícil e, às vezes, miserável, que não lhe fará muita diferença em continuar com as suas enfermidades sociais fundamentais, enquanto lhe afagar o sonho de obtenção de vantagem pecuniária por eventual acúmulo de multa diária no tardar do cumprimento de decisões liminares ou antecipatórias da tutela jurisdicional.

Ora, isso é muito relevante para o Ordenamento Jurídico pátrio pelas consequências  impostas pelas regras estabelecidas pelo Código de Processo Civil de 1973, que apresenta uma dinâmica eminentemente formalista que distancia os operadores jurídicos do contexto da realidade das Políticas Públicas de que a sociedade necessita.

A audiência preliminar prevista no art. 331 do Código de 1973 não tem sido valorada para a composição dos litígios envolventes dos direitos sociais fundamentais, mormente pela tese sustentada, de regra, pelos patronos das Fazendas Públicas de que os interesses fazendários são indisponíveis o que afastaria a possibilidade de se transacionar, abdicado-se de oportunidade de compreensão da Política Pública e, até mesmo, de satisfação das pretensões autorais com o atendimento do direito social fundamental, mediante a prestação do serviço público reclamado. Essa situação costuma dar azo ao surgimento de penalidades pecuniárias decorrentes do acúmulo de multas diárias, sem falar na aludida hipótese de expectativa de enriquecimento por supostas e eventuais reparações de danos morais.

Inevitavelmente, a particularidade da implementação dos direitos sociais fundamentais de forma atomizada por meio da judicialização apresenta-se contrária à perspectiva de garantia dos direitos pelo princípio da universalidade vocacionada naturalmente pela formação, formatação e refazimento das Políticas Públicas em sua dinâmica.

Apenas de forma ilustrativa pode se dizer que até se pode contemplar a problemática posta em pauta à luz dos princípios da lógica dialética gestada por Hegel pelo esforço do conhecimento dos obstáculos existentes na implementação dos direitos sociais fundamentais pela captação da dinâmica da realidade que os contorna como uma universalidade ou totalidade, cuja reprodução dessa dinâmica pelas diversas demandas atomizadas são meras particularidades, que pretendem satisfazer os direitos sociais, quase sempre, divorciadas do contexto da Política respectiva.

Assim sendo compreendido o atendimento dos direitos sociais fundamentais por meio de demanda judicial atomizada, ainda que louvável o salvamento do bem-estar individual por esse meio, o enfrentamento dos intermináveis problemas por estratégias particularizadas põe em risco a existência do próprio direito, enquanto Política Pública, em sua universalidade.

 

II - DAS AÇÕES INDIVIDUAIS E DAS AÇÕES COLETIVAS NA FORMATAÇÃO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

 

No Código de Processo Civil projetado foi pensada a possibilidade de conversão das ações individuais em coletivas, mediante incidente processual que poderia ser desencadeado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos legitimados para a propositura de ação civil pública nos termos do art. 5º da Lei nº 7.347/1985: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; e associação que estivesse constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil e contemplasse dentre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

O Poder Legislativo finalizou os trabalhos de elaboração do Novo Código aprovando o Projeto com a seguinte redação do art. 333:

Art. 333.  Atendidos os pressupostos da relevância social e da dificuldade de formação do litisconsórcio, o juiz, a requerimento do Ministério Público ou da Defensoria Pública, ouvido o autor, poderá converter em coletiva a ação individual que veicule pedido que: 

I - tenha alcance coletivo, em razão da tutela de bem jurídico difuso ou coletivo, assim entendidos aqueles definidos pelo art. 81, parágrafo único, incisos I e II, da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e cuja ofensa afete, a um só tempo, as esferas jurídicas do indivíduo e da coletividade; 

II - tenha por objetivo a solução de conflito de interesse relativo a uma mesma relação jurídica plurilateral, cuja solução, por sua natureza ou por disposição de lei, deva ser necessariamente uniforme, assegurando-se tratamento isonômico para todos os membros do grupo. 

§ 1o Além do Ministério Público e da Defensoria Pública, podem requerer a conversão os legitimados referidos no art. 5o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, e no art. 82 da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor). 

§ 2o A conversão não pode implicar a formação de processo coletivo para a tutela de direitos individuais homogêneos. 

§ 3o Não se admite a conversão, ainda, se: 

I - já iniciada, no processo individual, a audiência de instrução e julgamento; ou 

II - houver processo coletivo pendente com o mesmo objeto; ou 

III - o juízo não tiver competência para o processo coletivo que seria formado. 

§ 4o Determinada a conversão, o juiz intimará o autor do requerimento para que, no prazo fixado, adite ou emende a petição inicial, para adaptá-la à tutela coletiva. 

§ 5o Havendo aditamento ou emenda da petição inicial, o juiz determinará a intimação do réu para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 (quinze) dias. 

§ 6o O autor originário da ação individual atuará na condição de litisconsorte unitário do legitimado para condução do processo coletivo. 

§ 7o O autor originário não é responsável por nenhuma despesa processual decorrente da conversão do processo individual em coletivo. 

§ 8o Após a conversão, observar-se-ão as regras do processo coletivo. 

§ 9o A conversão poderá ocorrer mesmo que o autor tenha cumulado pedido de natureza estritamente individual, hipótese em que o processamento desse pedido dar-se-á em autos apartados. 

§ 10.  O Ministério Público deverá ser ouvido sobre o requerimento previsto no caput, salvo quando ele próprio o houver formulado.

 

A Presidência da República, no exercício de sua prerrogativa, atendendo à sugestões da Advocacia-Geral da União, vetou o art. 333 do Novo Código de Processo Civil, em cujas razões apresentadas foi alegado que:

Da forma como foi redigido, o dispositivo poderia levar à conversão de ação individual em ação coletiva de maneira pouco criteriosa, inclusive em detrimento do interesse das partes. O tema exige disciplina própria para garantir a plena eficácia do instituto. Além disso, o novo Código já contempla mecanismos para tratar demandas repetitivas. No sentido do veto manifestou-se também a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB.

Em que pese constar da justificativa presidencial de veto o posicionamento favorável da Ordem dos Advogados do Brasil e da Advocacia Geral da União, considera-se que o veto presidencial pode ser entendido como a perda de oportunidade de enfrentamento do problema da fragmentação das Políticas Públicas pela judicialização atomizada de demandas incomunicáveis, propostas pelo jurisdicionado no escopo de lhe ser assegurado o exercício de direito fundamental.

A conversão seria norteada pelos pressupostos da relevância social aferidos pelo critério de alcance da pretensão autoral para a tutela de bem jurídico difuso, verificados os interesses ou direitos difusos, entendidos por sua  configuração transindividual e natureza indivisível, titularizados por pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;  ou coletivo, pela manifestação de interesses ou direitos coletivos, representados pelos atributos de transindividualidade e de natureza indivisível titularizados por grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base[3].

Mesmo um despretensioso olhar sobre o atual dilema da judicialização dos direitos sociais fundamentais, consideradas as soluções difíceis e penosos na compatibilização das dimensões dadas pelas particularidades em contraposição à universalidade, encontram-se situações disjuntivas a desafiar institucionalmente os operadores jurídicos, não apenas do Poder Judiciário mas também do Ministério Público, do ponto de vista da legitimidade de suas posições e proposições no trato dos interesses difusos e coletivos.

 

III – DO MODELO PROCESSUAL INCORPORADO PELO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

 

Nessa apreciação, convém visualizar o poder que o Estado possui de aplicar as normas jurídicas para a resolução dos conflitos de interesse. Dessa assertiva, resulta a compreensão de que ao Estado-Juiz compete o exercício da jurisdição, objetivando a manutenção da Ordem Jurídica por meio da  autoridade da lei.

No momento histórico vivenciado pelo legislador ordinário produtor do novo Código de Processo Civil, encontram-se condições favoráveis ao entendimento de que o acesso à justiça não deve ser interpretado como a mera oportunidade de ingresso no Poder Judiciário com uma pretensão a ser dirimida.

É muito mais! Encontram-se no seio da sociedade ecos do sentimento de que se anceia por um Ordenamento Jurídico em que os operadores institucionais encarregados da prestação jurisdicional se comprometam com resultados mais efetivos.

Vale dizer que, embora se situe no campo da utopia uma verdadeira Ordem Jurídica justa, a sociedade clama por uma prestação jurisdicional que, de certo modo, atenda às pretensões de solução dos conflitos sociais em circunstâncias de razoável administração dos fatores que dizem respeito ao tempo, modo, custo, efetividade e eficiência na prestação jurisdicional.

Cuida-se de uma empreitada ambiciosa que, nos ensinamentos de KAZUO WATANABE:

 

Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça, enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa. Uma empreitada assim ambiciosa requer, antes de mais nada, uma nova postura mental. Deve-se pensar na ordem jurídica e nas respectivas instituições, pela perspectiva do consumidor, ou seja, do destinatário das normas jurídicas, que é o povo, de sorte que o acesso à Justiça traz à tona não apenas um programa de reforma como também um método de pensamento, como com acerto acentua Mauro Cappelletti. (...) São seus elementos constitutivos: a) o direito de acesso à Justiça é, fundamentalmente, direito de acesso à ordem jurídica justa; b) são dados elementares desse direito: (1) o direito à informação e perfeito conhecimento do direito substancial e à organização de pesquisa permanente a cargo de especialistas e ostentada à aferição constante da adequação entre a ordem jurídica e a realidade sócio-econômica do país; (2) direito de acesso à justiça adequadamente organizada e formada por juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa; (3) direito à preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a efetiva tutela de direitos; (4) direito à remoção de todos os obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo à Justiça com tais características.[4]

 

Resta dizer que o legislador, ao acolher as diversas contribuições dos juristas que se debruçaram na elaboração dos estudos que serviram de referencial ao código Projetado e, agora, sancionado, compreendeu o sentimento da sociedade ao estabelecer regramento no novo Código Processual Civil, apresentando a problemática do acesso à justiça pela contemplação de valores, que se refletem em direitos, para  possibilitar o acesso à uma Ordem Jurídica justa.

O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado de acordo com os valores  e normas fundamentais estabelecidos  na Constituição da República Federativa do Brasil é o que preceitua o art. 1º do novo Código de Processo Civil.

Não se pode perder a oportunidade de classificar o novo Código de Procedimentos como pretensioso, pois se ousa dar efetividade aos valores da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Os operadores do novo código têm a responsabilidade de se posicionarem no sentido de velar pela solução dos conflitos de forma que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil sejam perseguidos para o seu alcance quanto à efetiva construção de uma sociedade justa e solidária com o enfrentamento das desigualdades, assegurando-se o exercício dos direitos sociais e individuais fundamentais.

Ora, senhores operadores, o direcionamento da prestação jurisdicional na esfera da garantia dos direitos sociais fundamentais pode mudar com a efetividade dos preceitos insculpidos nos arts. 4º e 6º do novo Código de Conduta Processual[5] em combinação com o art. 3º, §§ 2º e 3º, do novo Código[6] pelo qual se estimula a resolução dos conflitos de forma dialogada, tendo como referencial os limites e possibilidades dados pelo art. 8º da nova Lei Processual[7] para aplicação do ordenamento jurídico, objetivando alcançar os fins sociais e as condições favoráveis ao estabelecimento do bem comum.

Assim desenhadas as bases do modelo processual cooperativo e dialogal estabelecido pelo novo Código de Procedimentos, vale imaginar que, no início, não será fácil para os operadores jurídicos do processo se libertarem das amarras constituídas pelo formalismo excessivo que atualmente está arraigado na cultura das práticas judiciárias que distanciam as partes e os operadores envolvidos na dinâmica do feito processual.

Contudo, superadas as dificuldades de adaptação, o  modus operandi de condução  das estratégias de resolução dos conflitos pela cooperação e diálogo produzirá bons frutos na garantia dos direitos sociais fundamentais.

Se hoje em dia o processo é constituído como sendo uma imensa e intransponível barreira entre as partes, que impossibilita o diálogo e estimula e intensifica a litigiosidade pelas inúmeras providências operadas durante a dinâmica processual, o alvorecer do modelo processual cooperativo e dialogal erigido na formatação do novo Código de Conduta processual faz produzir a expectativa de novos horizontes, em que se permite acreditar em resolução de conflitos na esfera da garantia dos direitos sociais fundamentais por meio de deliberações do Estado-juiz que considere os efeitos das ações individuais na totalidade da Política Pública em que está inclusa a pretensão do jurisdicionado litigante.

Durante as fases conciliatórias que são apresentadas como regra, ressalvada a exceção de desistência por ambas as partes[8], que se constitui como requisito de condução do novo Código Processual, vide art. 234[9], os pontos de litigiosidade serão trabalhados pelos operadores e pelas próprias partes no sentido de sua elisão.

Contudo, no âmbito da resolução dos litígios pertinentes aos direitos sociais fundamentais, em que se acham existentes a ações individuais repetitivas, por meio da instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas é possível a realização de audiência pública[10], em que se pode ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria, ou seja, podem ser ouvidos os profissionais que estão envolvidos na prática da Política Pública respectiva, com o fito de realizar a instrução do feito processual a ser julgado.

Enfim e de qualquer sorte, a Entidade gestora da Política Pública é parte envolvida no litígio, certamente terá o dever de apresentar as razões que qualificam o problema da implementação da Política Pública, em que o jurisdicionado esteja sendo prejudicado no atendimento de suas pretensões.

Enquanto hoje em dia o gestor da Entidade Federativa usa [e até abusa] a estratégia de adiar o problema empurrando os ônus financeiros decorrentes da violação do direito social para as futuras gestões [e gerações], até mesmo descumprindo decisões judiciais, ciente de que a morosidade judiciária lhe possibilitará o encerramento do mandato sem o enfrentamento do problema, o modelo processual cooperativo e dialogal permite que as partes envolvidas e os operadores jurídicos do feito sentem-se à mesa redonda e realizem o diálogo, sendo este o ponto de partida para a cooperação das partes para a resolução do conflito.

Chama-se à atenção sobre as peculiaridades de que os direitos sociais fundamentais enquanto totalidade [ou, na lógica dialética hegeliana, uma universidade que se pode contrapor-se às particularidades] são a própria Política Pública, razão por que o atendimento dos fins sociais e das exigências do bem comum, na aplicação do ordenamento jurídico pelo magistrado vai exigir que se considerem os impactos na própria Política Pública questionada.

 Nessa vertente dialética, a lógica adotada pelo juiz deverá atender às pretensões do jurisdicionado, resguardando-se e promovendo-se a sua dignidade enquanto pessoa humana em observância aos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da eficiência da própria Política Pública em sua totalidade universal, embora necessariamente apreciada como particularidade na demanda atomizada. 

É necessário reconhecer que, à medida em que se superam os obstáculos do habitus[11] que se estabeleceu com Código de 1973, a impregnação valorativa e principiológica constitutiva do modelo processual cooperativo e dialogal é favorável à aplicação do ordenamento jurídico para a realização de um controle jurisdicional de polícias públicas mais efetivo, pois, ao recobrar dos operadores o compromisso com a principiologia e a axiologia estabelecida na Carta Constitucional de 1988, a resolução dos litígios que envolvem as garantias dos direitos sociais fundamentais deverá ser por meio de decisão de mérito justa e efetiva, que contemple a coletividade, tida em sua universalidade de pretensões, com o devido tempero dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para o atendimento dos direitos sociais fundamentais particularizados na pretensão reclamada pelos jurisdicionados.

Isso tudo, enquanto dinâmica cooperativa e prática de diálogo, talhadas no Código de Processo Civil de 2015, não pode ser visto como conflitivo, em alguma medida, com a exigência constitucional, legal e social da razoável duração do processo, eis que o diálogo encurta caminhos, mormente quando são ouvidos os anseios dos sujeitos interessados (partes e operadores).

Não se deve ter a ilusão de que seja fácil trabalhar com a ferramenta do diálogo, pois, para se chegar às fases da cooperação e da resolução da controvérsia, será necessário o enfrentamento dos conflitos propostos.

O Código de Processo Civil de 2015, à medida em que seja conhecido e reconhecido como  referencial de mudança de paradigmas, será capaz de reduzir o tempo de duração do procedimento civil, dando cumprimento à garantia constitucional da razoável duração do processo, mesmo que as partes não venham a se conciliarem sempre, pois o procedimento cooperativo que ganha corpo no decorrer do diálogo incentivado e implementado pelos operadores permitirá ao Poder Judiciário valorar o mérito dos direitos sociais fundamentais em suas particularidades e universalidade.

 

Propostas as demandas individuais, o natural efeito multiplicador decorrente da Política Pública desatualizada ou implementada de maneira incompleta, possibilitará, no contexto do surgimento das ações repetitivas, a aplicação das disposições legais dos arts. 976 a 987 do  Código de Processo Civil de 2015, o que permitirá dar maior agilidade ao processo civil.

Observe-se o quanto de controvérsia resultaria na tramitação isolada e instrução das demandas multiplicadas e repetitivas. A técnica processual denominada incidente de resolução de demandas repetitivas otimiza a prestação jurisdicional e apresenta reflexos animadores que irão demonstrar a ocorrência de abreviação do tempo de tramitação processual.

Dirimido o incidente de resolução de demandas repetitivas, serão superadas as controvérsias propostas nas demandas atomizadas, resultando em prestação jurisdicional mais célere, em um aspecto.

Por outro ângulo, as disposições contidas nos  arts. 976 a 987 irão irradiar reflexos positivos no conjunto da prestação jurisdicional, pois o incidente de resolução demandas repetitivas também evitará que seja provocado o congestionamento das Unidades do Poder Judiciário pela tramitação concomitante das demandas repetitivas, o que poderá resultar em ganho de qualidade na abreviação do tempo de tramitação dos processos judiciais como um todo.

Ao se verificar o efetivo resultado do incidente de resolução de demandas com a efetivação de segurança jurídica na prestação jurisdicional, por intermédio do afastamento de ofensa à isonomia que inevitavelmente ocorreria se inexistisse a técnica processual de referido incidente, irão crescer os indicadores de efetividade e eficiência da prestação jurisdicional que irão se refletir na redução do tempo de duração da tramitação dos processos de cada Unidade do Poder Judiciário.

 

 

 

CONCLUSÃO

 

Os operadores jurídicos, na incorporação das novas práticas processuais trazidas pelo modelo processual dialogal e cooperativo, irão incorporar o perfil de verdadeiros sujeitos das políticas políticas na medida em que aproveitam o espaço constituído pelo diálogo para vocalização das diversas vertentes da controvérsia do direito social fundamental em questionamento.

Observados os limites e as possibilidades da situação controvertida, em sendo viabilizada a apresentação dos pontos de vista divergentes, algum consenso poderá surgir ainda que pela própria inexistência de transação.

Em todo o contexto do esforço de realização do diálogo é que surge a cooperação que nem sempre deve ser interpretada como plenitude de consenso e encerramento do litígio por estabelecimento de acordo entre as partes litigantes.

O ato de estar dialogando significa a demonstração de uma ação que se classifica como trabalhar junto com outro ou outros litigantes para uma finalidade de atingir um objetivo comum que é a resolução do conflito de interesses. Portanto em qualquer contexto, a atitude de dialogar já representa em si mesma uma postura de cooperação, pois já sentaram-se à mesa.

Contudo, mesmo se o diálogo não produzir o resultado almejado de encerramento dos litígios, a ação conjunta de estar dialogando deverá produzir o efeito de melhor ser conhecido o objeto litigioso.

Assim, a cooperação é fenômeno que se formata pela construção do conhecimento acerca do objeto trabalhado no diálogo, o que, por si mesmo, será revelado como estimulo à resolução dos conflitos de interesse. Desse modo, é legítima a expectativa de resolução de conflitos  envolventes dos direitos sociais fundamentais por meio de providências que considerem os efeitos e consequências na totalidade da Política Pública em que está inclusa a pretensão do jurisdicionado.

Quando se dialoga, a tendência é do interlocutor se imaginar na posição do outro, é de compreender, ainda que minimamente, como o outro está se sentindo, em face do conflito instaurado.

Nesse cenário, na medida em que o gestor da Política Pública responsável pela implementação do direito social fundamental sente no jurisdicionado as consequências da ausência ou incompletude do serviço público reclamado, o próprio jurisdicionado pode ser conduzido a compreender que o direito social fundamental, enquanto Política Pública pautada no princípio da universalidade, é destinado para si e para os demais indivíduos que se encontram nas condições semelhantes. Por isso, irá entender que o atendimento de sua pretensão necessitará estar em sintonia com a Política Pública em sua totalidade, podendo daí em diante a própria política pública resultar em aperfeiçoamento para o benefício da coletividade como uma totalidade.

Certamente, isso deverá refletir não apenas na abreviação do tempo de tramitação de ações judiciais instauradas, mas também poderá evitar o surgimento de milhares de outras demandas com o mesmo objeto.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

BUENO, Cássio Scarpinella. Novo código de processo civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, pp. 17-39.

COSTA, Susana Henriques. A imediata judicialização dos direitos fundamentais sociais e o mínimo existencial. Relação Direito e Processo. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. (Org.). O processo em perspectiva. Jornadas Brasileiras de Direito Processual. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 345-370.

HEGEL, Georg Wilhelm Friederich. Princípios da filosofia do direito. 2. ed. São Paulo: IV, Fontes, 1976.

MADRUGA, Eduardo. O princípio da cooperação na vertente consulta no projeto de novo CPC. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4142, 3 nov. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/30676>. Acesso em: 27 set. 2015.

WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. Participação e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.

 

 

 



[1] Prmotor de Justiça, Mestre em Políticas Públicas

[2] Alunos do 6° Período noturno do Curso de Direito, da UNDB.

[3]  Conceituação de interesses difusos e coletivos inspirados no preceito inscrito no art. 81 , Parágrafo Único, incisos I e II, do Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/1990).

[4]            WATANABE, 1988, p. 128.

[5]   Art. 4o As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

        [...]

        Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

[6]    Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

        [...]

        § 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

        § 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

[7]    Art. 8o Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

[8]Art. 334. […]

§ 4o A audiência não será realizada:

I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual;

II - quando não se admitir a autocomposição.

 

[9]Art. 334.  Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.

[...]

§ 8o O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.

[10]Art. 983.  O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida, e, em seguida, manifestar-se-á o Ministério Público, no mesmo prazo.

§ 1o Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria.

       [grifado]

 

[11]             BOURDIEU, 2005.