UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA

CURSO DE DIREITO

 

 

MARIÂNGELA APARECIDA SANTOS DE OLIVEIRA

 

JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE

MONTES Claros - MG

OUTUBRO/2012

Mariângela Aparecida Santos de Oliveira

 

JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE 

 

 

 

Trabalho apresentado ao Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES como exigência para conclusão parcial da disciplina de Direito Previdenciário II.

 

Professor: Profª. Fernanda veloso

 

Montes Claros - MG

Outubro/2012

 

RESUMO: O presente artigo tem por escopo uma breve análise acerca do instituto da judicialização da saúde no Brasil, para tanto buscará tecer breves considerações sobre as características inerentes ao conceito de saúde na legislação brasileira, além de apresentar um escorço histórico sucinto acerca da jucicialização da saúde no ordenamento jurídico pátrio, para ao final tecer alguns apontamentos referentes a esse fenômeno na atual conjuntura sociocultural brasileira a fim de analisar os aspectos positivos e negativos do mesmo quando da atuação do magistrado no caso concreto.

 

 

PALAVRAS CHAVE: Judicialização. Saúde. Políticas Públicas

 

1 INTRODUÇÃO

 

 

O acesso a políticas públicas amplas, capazes de promover a saúde  do cidadão em todas as suas formas é direito de todo ser humano, previsto no texto constitucional e em diversas leis esparsas que garantem o pleno gozo dos direitos e garantias fundamentais inerentes a toda pessoa humana desde antes de seu nascimento (direitos do nascituro). Todavia, em inúmeras situações, torna-se necessária a interferência do judiciário a fim de garantir que tais direitos sejam tutelados no caso concreto.

Diante disso, surge o tão discutido fenômeno da judicialização das políticas públicas de saúde, que segue sendo motivo de luzes e sombras tanto em meio à doutrina quanto na jurisprudência, gerando uma insaciável enxurrada de ações judiciais que, em tese, buscam garantir o direito à saúde do cidadão em face às insuficientes politicas de assistência implementadas pelo ente público em suas esferas federal, estadual e municipal.

 

 

2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CARACTERÍSTICAS INERENTES AO CONCEITO DE SAÚDE NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

 

 

Conforme dispõe o artigo 196 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88) “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

A lei n°LEI n.º 8.080/90, por seu turno, esclarece em seu artigo 2°que:

 

 

Art. 2º - A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º - O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

 

 

Cabe ressaltar todavia, que o contemporâneo conceito de saúde abarca diversos aspectos que englobam questões relativas à cidadania e à justiça social, de modo a ultrapassar o antigo pensamento de que a mesma não passaria de um mero estado biológico, alienado das questões sociais vividas odiernamente pelo indivíduo.

Corrobora tal raciocínio a visão de SCLIAR e AYRES, ao esclarecerem que:

Os principais documentos nacionais e internacionais acerca do tema consagram a caracterização de saúde como um completo estado de bem-estar, e não a mera ausência de doenças, incorporando também a concepção de que a situação de saúde é determinada pelas condições de vida e de trabalho dos indivíduos; pela conjuntura social, econômica, política e cultural de determinado país (SCLIAR, 2007);(...) por aspectos legais e institucionais relativos à organização dos sistemas de saúde; e por valores individuais e coletivos sobre como viver bem (AYRES, 2007).

 

Ademais, cabe frisar que sendo o direito à saúde notadamente cuidado como valor ímpar em diversas legislações nacionais e alienígenas, deve o mesmo ser tratado como um direito fundamental cuja garantia deve partir do ente estatal, com vistas à manutenção do bem estar do cidadão, através de políticas públicas de amplo acesso pela sociedade em geral.

O caput e o inciso I do artigo 198 da Constituição de 1988 esclarecem o objetivo legal da descentralização das políticas públicas de saúde asseverando que “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em  cada esfera de governo”.

Além disso, o artigo 9° da Lei n° 8.080/90 e seus incisos ressaltam a organização do ente público de modo a garantir o direito à saúde do cidadão:

 

 

Art. 9º A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do art. 198 da Constituição Federal , sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos: I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde; II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente.

 

 

A fim de atingir os objetivos propostos por essa descentralização, ressalta VENTURA que “O direito à saúde implica, também, prestações positivas, incluindo a disponibilização de serviços e insumos de assistência à saúde, e tendo, portanto, a natureza de um direito social, que comporta uma dimensão individual e outra coletiva em sua realização.” (VENTURA et al, 2010)

Todavia, a mesma autora adverte que diante do grande número de recursos científicos disponível na atualidade, necessário se faz que o poder público interfira de modo a funcionar como o fiel da balança que busque a equidade entre “os modismos médicos” e as necessidades reais de saúde garantidoras da dignidade do cidadão.

 

 

Atualmente, há um leque amplo de recursos científicos e tecnológicos para a intervenção na saúde e na vida humana, e o acesso a essas novidades é visto como instrumento indispensável para a ampliação da liberdade pessoal e da melhoria das condições de vida, no sentido em que oferecem alternativas para prevenir doenças, superar deficiências orgânicas e desconfortos com seu próprio corpo. Porém, há ainda muitas dúvidas sobre se o uso dessas novas alternativas pode ser positivo ou negativo, seja no sentido restrito da proteção à integridade física e psíquica dos indivíduos, como no aspecto mais amplo de respeito da dignidade da pessoa humana. (VENTURA et al, 2010)

 

 

Em meio a esse impasse surge o fenômeno da judicialização da saúde, que tanto pode garantir o desfazimento do abismo surgido entre os direitos relativos à saúde garantidos legalmente e a prática dos entes governamentais quanto criar “juízes médicos”, que delegam ao Estado o cumprimento de liminares estapafúrdias, aumentando ainda mais a falha existente na concretização das políticas públicas de saúde no Brasil.

A esse respeito assinala VENTURA, afirmando que:

 

 

Neste sentido, a problemática central trazida para o Direito e a Saúde – que se expressa no fenômeno da judicialização da saúde – é a de como o Estado, no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário, deve proteger as pessoas dos riscos das novidades oferecidas pelo “mercado de saúde”, que, não raramente, cria “necessidades” para “vender” soluções. E, ao mesmo tempo, fazer cumprir com seu dever de assistência, promovendo o acesso aos avanços biotecnocientíficos que de fato podem ser benéficos ao processo terapêutico e ao bem-estar das pessoas, de forma igualitária e sem discriminação de qualquer espécie. (VENTURA et al, 2010)

 

 

3 ESCORÇO HISTÓRICO SUCINTO ACERCA DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO

 

 

A priori, cabe ressaltar que os vínculos existentes entre Direito e Saúde Coletiva no que se refere à consolidação de jurisprudências e intervenções do Poder Judiciário na gestão de saúde,  em especial no que tange Assistência Farmacêutica, intensificaram-se no ordenamento jurídico pátrio nas últimas décadas

Conforme escreve VENTURA, os primórdios das discussões relativas ao processo judicial na área de saúde surgiram em meados de 1990, sustentadas por portadores do vírus HIV que buscavam a tutela jurisdicional de seu direito à saúde:

 

 

O processo judicial, individual e coletivo, contra os Poderes Públicos, teve início na década de 90, com as reivindicações das pessoas vivendo com HIV/Aids para medicamentos e procedimentos médicos. As reivindicações fundamentam-se no direito constitucional à saúde, que inclui o dever estatal de prestar assistência à saúde individual, de forma integral, universal e gratuita, no Sistema Único de Saúde (SUS), sob a responsabilidade conjunta da União Federal, estados e municípios. (VENTURA et al, 2010)

 

 

Necessário se faz esclarecer, todavia, que o aumento nas solicitações e jurisprudências favoráveis ao tema em foco foram na verdade fruto também do ativismo de organizações não governamentais aliadas a uma vasta gama de profissionais do direito engajados na questão. Na visão de RIOS, VENTURA, SCHEFFER et al  e LOYOLA:

 

 

A ampla estratégia de advocacia empreendida pelas organizações não-governamentais (ONGs), em todo Brasil, resultou numa jurisprudência favorável à responsabilização dos entes federativos no cumprimento imediato desta prestação estatal (RIOS, 2003; VENTURA, 2003; SCHEFFER et al., 2005),(...) e em avanços nas políticas públicas de saúde às pessoas com HIV/Aids, em especial o acesso universal e gratuito aos medicamentos antirretrovirais (LOYOLA, 2008).

 

 

Corrobora tal pensamento a visão de VIANNA e BURGOS, enfatizando que a partir do trabalho das ONGS outros seguimentos da sociedade passaram a buscar também a tutela jurisdicional de seus direitos.

 

 

De fato, parece que este segmento conseguiu estabelecer uma relação positiva entre acesso à justiça e a efetividade do direito à saúde. Os avanços das políticas públicas na assistência às pessoas com HIV/Aids parecem ter animado outros movimentos sociais organizados e a população em geral, pois, nas últimas décadas, pode-se constatar que a reivindicação judicial passa a ser largamente utilizada como mecanismo de garantia de direitos e ampliação de políticas públicas, ampliando, inclusive, a atuação do Ministério Público neste âmbito (VIANNA; BURGOS, 2005).

 

 

Além disso, segundo sustentam GERHARDT e VENTURA, houve uma significativa inclusão do judiciário no dia a dia do cidadão comum, que passou a vivenciar na prática as vantagens de acionar a justiça diante de uma necessidade não atendida pelo ente público:

 

 

Mas também, constata- se a inclusão do recurso judicial no “itinerário terapêutico” (GERHARDT, 2006) de milhares de cidadãos, que de forma individual buscam garantir o fornecimento de insumos e procedimentos de saúde para suas necessidades individuais, por essa via. (VENTURA et al, 2010)

 

 

Após mais de duas décadas de discussões, a questão da intervenção judicial através da concessão de liminares que afetam a administração dos recursos de saúde e interferem diretamente na utilização do erário público, ainda hoje cinde-se a opinião da doutrina e da jurisprudência acerca do tema, principalmente pelo fato da via judicial estar se tornando não mais uma exceção, mas uma regra perigosa, adotada por todo cidadão que se sente lesado pelo poder público quando não recebe o tratamento médico “de marca” e “revolucionário” prescrito por seu médico, muitas vezes a pedido do próprio paciente “impressionado” pelo marketing das grandes indústrias farmacêuticas.

Desse modo, o atual debate jurídico acerca do fenômeno da judicialização da saúde segue hoje três vertentes distintas, que se desdobram em análises doutrinárias e jurisprudenciais acerca das reais possibilidades de atuação do Poder Judiciário na determinação de prestações a serem cumpridas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A esse respeito reflete VENTURA:

 

 

Uma primeira posição entende que a eficácia desse direito deve ser restrita aos  serviços e insumos disponíveis do SUS, determinados pelo gestor público. Uma segunda compreende que o direito à saúde implica garantia do direito à vida e integridade física do indivíduo, devendo o Judiciário considerar a autoridade absoluta do médico que assiste ao autor da ação judicial, obrigando o SUS a fornecer o tratamento indicado. Uma terceira posição defende que a eficácia do direito à saúde necessita ser a mais ampla possível, devendo o Judiciário – na análise do caso concreto – ponderar direitos, bens e interesses em jogo, para fixar o conteúdo da prestação devida pelo Estado. (VENTURA et al, 2010)

 

 

Assim, percebe-se que a amplitude das discussões atuais acerca da judicialização da saúde traspassa questões meramente relacionadas à obtenção de exames, consultas e remédios de alto custo, uma vez que a terceira corrente, sendo a mais aceita tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, confere a todo ser humano o direito ao acesso a uma saúde ampla, que englobe principalmente questões inerentes à dignidade da pessoa humana tutelada pela CF/88 e sedimentada pelo atual direito brasileiro.

Corrobora tal entendimento a visão defendida por AYRES, segundo a qual:

 

 

Conclui-se que o direito à saúde possui dimensões éticas, políticas, jurídicas e técnico-científicas indissociáveis, e sua maior ou menor realização dependerá de um diálogo de interação aberta orientado por um enfoque hermenêutico, no plano individual ou coletivo, aliado ao enfrentamento de desafios teóricos e práticos na construção das novas instrumentalidades para sua efetividade (AYRES, 2007).

 

 

4 APONTAMENTOS REFERENTES À JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NA ATUAL CONJUNTURA SOCIOCULTURAL BRASILEIRA

 

 

O texto constitucional garante a qualquer cidadão que se sinta ameaçado ou lesado, em seu direito legal à saúde tendo em vista a não-inclusão de um medicamento por ele tido como mais adequado para sua terapia no protocolo terapêutico do SUS, podendo o mesmo ingressar com ação judicial, seja ela individual ou coletiva, a fim de  requerer o exame judicial do conflito e seu consequente parecer acerca do caso, com emissão de liminar caso o atendimento ao caso concreto se configura numa urgência ou emergência médica ou ainda caso se prove que o medicamento, sendo de uso contínuo, é de alto custo, não podendo o autor arcar com o ônus do tratamento sem comprometimento de seu sustento.

Todavia, a busca indiscriminada da satisfação desse direito constitucional acaba por acarretar a tão discutida judicialização da saúde. Nas palavras de MUNDIM, tal fenômeno assim se apresenta:

 

 

Judicialização da saúde é um termo empregado para o apelo ao poder judiciário com o objetivo de obrigar o Estado (municipal, estadual ou federal) a fornecer determinado recurso que foi negado (habitualmente algum tratamento) à promoção da saúde. Fazendo valer o aparato legal do país, entre 2003 e 2009, somente o Ministério da Saúde respondeu a 5.323 processos judiciais, com gasto não orçado de R$ 83,2 milhões em 2009. Drogas importadas, no total de 35, responderam pelo consumo de 78% deste valor, segundo reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo em 24/07/2010. (MUNDIM, 2010)

 

 

Entretanto, para que a referida prestação jurisdicional se efetive, necessário se faz, em virtude de determinação legal, que se faça o exame judicial tendo por base não apenas a lei, mas toda a gama de elementos indicados pelo gestor público a fim de justificar a não-incorporação do medicamento em questão à lista de tratamentos ofertados gratuitamente pelo SUS, uma vez que deve ser avaliado se, no caso concreto, a restrição imposta pelo poder público possui razoabilidade e não é passível de causar dano ao cidadão.

Assim, na visão de VENTURA:

 

 

O grande desafio é pensar na judicialização da saúde como estratégia legítima, porém a ser orquestrada com outros mecanismos de garantia constitucional de saúde para todos.(...)De fato, a judicialização da saúde traz alterações significativas nas relações sociais e institucionais, com desafios para a gestão e para os diversos campos do saber-fazer, representando efetivamente o exercício da cidadania plena e a adequação da expressão jurídica às novas e crescentes exigências sociais. (VENTURA et al, 2010)

 

 

Cabe ressaltar, todavia, que a generalidade dos estudos relativos à judicialização da saúde buscam, em sua maioria, enfatizar os efeitos negativos que esse tipo de demanda judicial acarreta na gestão das políticas públicas e ações de saúde, tendo em vista que os recursos para atendimento das mesmas, em sua maioria, dependem do desvio de verbas destinadas a outro tipo de assistência prestada pelo Estado, tendo em vista que extrapolam os recursos da saúde.

 

 

Consequência natural da judicialização, os magistrados são chamados a prescrever no lugar dos médicos, notadamente através de liminares (o julgamento da ação dista meses destas). São expostos, com frequência cada vez maior, a determinarem sobre situações que não entendem, estando presos às opiniões das partes, fundamentadas em pareceres técnicos. E que juiz, frente a uma possível ameaça à vida de alguém, não concederá uma liminar? (MUNDIM, 2010)

 

 

Segundo discutem BARATA, CHIEFFI, MARQUE, DALLAR, VIEIRA e ZUCCHI em diversos trechos de sua obra a quase unanimidade das justificativas dos gestores do SUS reside no fato desse desvio constante de verbas públicas provocar o aumento do abismo existente entre as políticas públicas e as necessidades reais dos cidadãos, principalmente os mais carentes.

 

 

Uma das principais justificativas é que este tipo de intervenção no SUS aprofundaria as iniquidades no acesso à saúde, privilegiando determinado segmento e indivíduos, com maior poder de reivindicação, em detrimento de outros, na medida em que necessidades individuais ou de grupos determinados seriam atendidas em prejuízo a necessidades de outros grupos e indivíduos (BARATA; CHIEFFI, 2009; MARQUES; DALLARI, 2007; VIEIRA; ZUCCHI, 2007).

 

 

No mesmo sentido apontam os estudos realizados por MESSEDER, BORGES, ROMERO e SANTANA:

 

 

Outros estudos apontam, com maior ênfase, as deficiências e insuficiências do sistema de saúde e do sistema judiciário brasileiro para responder de forma satisfatória às novas e crescentes demandas de saúde, num contexto normativo que atribui obrigações legais amplas ao Estado brasileiro (MESSEDER et al., 2005; BORGES, 2007; ROMERO, 2008; SANT’ANA, 2009).

 

 

Desse modo, reside principalmente nas questões relativas à alocação de recursos públicos voltados para a pesquisa e assistência social, além da racionalização do uso das novas tecnologias alcançadas pela ciência no manejo da prática médica, tanto no que concerne aos sistemas de saúde quanto à propriedade intelectual, a busca pela manutenção da equidade no acesso à saúde, além do fomento às discussões acerca dos efeitos da judicialização da saúde e sua relação com questões próprias dessa alocação de recursos.

 

 

Destaca-se, neste âmbito, a necessidade de se estabelecer um padrão de assistência e/ou critérios para a incorporação e o acesso aos procedimentos e insumos na assistência pública à saúde que conduzam à equidade e integralidade no acesso a este bem de saúde, tornando a assistência farmacêutica mais efetiva. (VENTURA et al, 2010)

 

 

Uma linha de pensamento bastante difundida na atualidade sustenta que, devido às inúmeras ações e à persistente demanda judicial, os efeitos maléficos da má administração dos recursos públicos destinados à saúde tenderiam a aumentar, criando uma série de respostas automáticas e insatisfatórias do judiciário, frutos de decisões tomadas sem a devida análise crítica da demanda apresentada tanto por parte do cidadão que se sente lesado, quanto do gestor público. No pensamento desses juristas:

 

 

A judicialização da saúde é um fenômeno que, infelizmente, vem atingindo em todo o país os gestores federal, estaduais e municipais. É uma distorção do conceito da universalidade da saúde. Em nenhum país do mundo onde a saúde é universal há distribuição da totalidade de medicamentos existentes no mercado. No Brasil ainda precisamos avançar muito neste entendimento de que não é possível para o Estado entregar todos os tipos de medicamentos a todos. (...) Com o valor gasto em ações judiciais poderíamos construir um hospital por mês.(CERRI, 2011)

 

 

Por outro  lado, outra vertente cada vez mais apoiada no âmbito doutrinário, sustenta que, para alguns estudiosos seria possível que a relação estabelecida entre acesso à justiça e à saúde criasse uma nova realidade no atendimento público, criando “(...) um efeito benéfico na responsabilização do Estado em desenvolver procedimentos adequados de incorporação, compra e distribuição de procedimentos terapêuticos pela rede pública” (BAPTISTA, 2009, p. 829).

Todavia, conforme reflexão de BARROSO, BAPTISTA e VENTURA:

 

 

A combinação desses elementos pode causar um tipo de “disfunção nos sistemas” (BARROSO, 2009), com “o risco de se desenvolver a via judicial como principal meio para se garantir o acesso ao medicamento” (BAPTISTA, 2009, p. 836) e, nesse sentido, causar prejuízos significativos à efetividade (individual e coletiva) do direito à saúde, com violação de princípios éticos e legais importantes, como o acesso igualitário e a integridade física e saúde do demandante. (VENTURA et al, 2010)

 

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

No que tange ao confronto existente entre os direitos constitucionais inerentes à pessoa humana, em especial os relativos à vida e à saúde, em contraposição aos princípios da reserva do financeiramente possível e da proporcionalidade, a decisão do juiz,  diante do caso concreto, deve sempre se ater à necessidade real a ser tutelada e à possibilidade do poder público arcar com tal tutela.

 

Em que pese o dever do Estado de garantir o acesso a serviços e ações de saúde, a demanda por esses serviços é maior do que o Estado pode suportar, gerando insatisfações tanto individuais quanto coletivas, que acabam por desaguar no Poder Judiciário, que muitas vezes é chamado a intervir em impasses desta natureza, para que decida se, neste ou naquele caso, o Ente Público deveria ser obrigado a prestar o atendimento nos moldes dos pleitos formulados.(...) O princípio da reserva do possível procura estabelecer alguns marcos regulatórios para a emissão de ordens judiciais, tendentes a obrigar o Poder Público a dar efetividade a certa categoria de prerrogativas instituídas em favor das pessoas em geral. (CARVALHO; HENRIQUES, 2008)

 

 

Dessa forma, mesmo sabendo que a pedra angular dos processos judiciais para concessão de assistência médica especializada, tratamentos inovadores ou remédios de auto custo se firmar no preceito constitucional de que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, no contemporâneo contexto democrático, há que se pensar o fenômeno da judicialização da saúde sob duas vertentes.

A primeira é composta pelas legítimas reivindicações de cidadãos e instituições que visam a manutenção da garantia de promoção de direitos que extrapolam os fatores biológicos, sendo inerentes à cidadania e amplamente difundidos através dos séculos por sua constante afirmação em leis internacionais e nacionais. Nesse sentido, tal fenômeno envolveria tanto aspectos políticos, sociais, éticos e humanitários próprios da qualidade de pessoa humana e alguns ostentados por cada cidadão mesmo antes de seu nascimento, estando ainda no ventre materno, os quais vão muito além de seu componente jurídico e da questão da correta gestão dos serviços públicos.

Corrobora tal pensamento a visão de CARVALHO e HENRIQUES quando salientam que:

 

 

Contudo, caso o direito à saúde, enquanto direito fundamental – assim entendido como aquele necessário para garantir uma vida de acordo com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana - estiver sendo negligenciado pelo Poder Público, caberá ao Judiciário a indeclinável tarefa de, lastreado na parcela de soberania que lhe cabe no conceito da Tripartição dos Poderes, assegurar, pela via coativa, a que o Executivo desincumba-se das prestações a ele constitucionalmente atribuídas, dentre as quais destacam-se as prestações na área dos direitos sociais, em benefício da população a que deve servir.(CARVALHO; HENRIQUES, 2008)

 

 

Por outro lado, patente é e não há como negar que a indústria farmacêutica tem buscado incutir na mente de médicos e pacientes a constante necessidade de tratamento novos, de cunho “revolucionário” capazes de resolver todos os problemas do cidadão apenas com uma dose e que muitas vezes são difundidos pelos meios de comunicação sem o devido controle por parte dos organismos de saúde, gerando uma falsa impressão de que o Sistema Único de Saúde, ao invés de apenas moroso, é na verdade uma máquina governamental utilizada para descarte de contribuintes doentes e que não possuem condição financeira capaz de arcar com esses “tratamentos milagrosos” culminando assim no disparate vivido pela justiça brasileira e suas decisões milionárias que refletem tanto o desejo do juiz de manter o paciente vivo a qualquer custo – mesmo que para isso sua vida seja posta em risco através da utilização de medicamentos e tratamentos pouco conhecidos e mal testados – quanto a descrença popular nos remédios tradicionais eleitos pela equipe de profissionais dos SUS através de testes e pesquisas acuradas, a fim de garantir o melhor interesse do cidadão, além do despreparo de muitos juristas diante do caso concreto e da pressão da mídia.

 

 

Conclui-se que a efetividade do direito à saúde requer um conjunto de respostas políticas e ações governamentais mais amplas, e não meramente formais e restritas às ordens judiciais. As demandas judiciais não podem ser consideradas como principal instrumento deliberativo na gestão da assistência farmacêutica no SUS, mas admitidas como um elemento importante na tomada de decisão dos gestores e, muitas vezes, na melhoria do acesso aos medicamentos no âmbito do SUS. No contexto democrático brasileiro, a judicialização pode expressar reivindicações e modos de atuação legítimos de cidadãos e de instituições. O principal desafio é formular estratégias políticas e sociais orquestradas com outros mecanismos e instrumentos de garantia democrática, que aperfeiçoem os sistemas de saúde e de justiça com vistas à efetividade do direito à saúde. (VENTURA, 2010)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

6 REFERÊNCIAS

 

 

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BARATA, R.; CHIEFFI, A.L. Judicialização da política pública de assistência farmacêutica e equidade, Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 25(8):1839-1849, ago, 2009.

 

 

BARROSO, L.R. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, forne-cimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.pge.rj.gov.br/ sumario_rev63.asp.

 

 

BAPTISTA, T.W.F.; MACHADO, C.V.; LIMA, L.D. Responsabilidade do Estado e direito à saúde no Brasil: um balanço da atuação dos Poderes. Ciência & Saúde Coletiva, v. 14, n. 3,

 

 

 

BORGES, D.L.C. Uma análise das ações judiciais para o fornecimento de medicamentos no âmbito do SUS: o caso do Estado do Rio de Janeiro no ano de 2005. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2007.

 

 

CARVALHO, Ivana Carolina Mariz. HENRIQUES, Juliana Mancini. Judicialização da Saúde. Disponível em: <http://www.mp.ro.gov.br/c/document_library/get_file?p_l_id=42534&folderId=42469&name=DLFE-29699.pdf> Acesso em 21 de outubro de 2012, às 12h53

 

 

CERRI, Giovanni Guido. Judicialização da Saúde é uma Distorção, diz Secretário. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,judicializacao-da-saude-e-uma-distorcao-diz-secretario-,805981,0.htm> Acesso em 21 de outubro de 2012, às 13h

 

 

GERHARDT, T.E. Itinerários terapêuticos em situações de pobreza: diversidade e plurali-dade. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 11, p. 2.449-2.463, 2006.

 

 

 

 

 

LOYOLA, M.A. Medicamentos e saúde pública em tempos de Aids: metamorfoses de uma política dependente. Ciênc. Saúde Coletiva [online]. 2008, v. 13, suppl., p. 763-778.

 

MARQUES, Silvia Badim. Judicialização do direito à saúde. Rev. Direito Sanit. [online]. 2008, vol.9, n.2, pp. 65-72. ISSN 1516-4179. Disponível em:<http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-41792008000200005> Acesso em 21 de outubro de 2012, às 13h08

 

 

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MESSEDER, A.M.; OSORIO-DE-CASTRO, C.G.S.; LUIZA, V.L. Mandados judiciais como ferramenta para garantia do acesso a medicamentos no setor público: a experiência do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde Pública, v. 21, n. 2, p. 525-534, 2005.

 

 

MUNDIM, Eduardo Ribeiro. Saúde, Juízes e Ética. Disponível em: <http://medicinaeciencia.med.br/diversos/saudejuizesetica.pdf> Acesso em 21 de outubro de 2012, às 12h55

 

 

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SANT’ANA, J.M.B. Essencialidade e Assistência Farmacêutica: um estudo exploratório das demandas judiciais individuais para acesso a medicamentos no estado do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública, Fiocruz, Rio de Janeiro, 2009.

 

 

SCHEFFER, M.; SALAZAR, A.L.; GROU, K.B. O Remédio via Justiça: um estudo sobre o acesso a novos medicamentos e exams em HIV/AIDS no Brasil por meio de ações judiciais. Brasília: Ministério da Saúde, 2005 (Série Legislação n. 3).

 

 

SCLIAR, M. História do conceito de saúde. Physis, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, 2007. Dispo-nível em: <http://www.scielo.br/scielo.

 

 

VENTURA, Míriam. Et al. Judicialização da saúde, acesso à justiça e a efetividade do direito à saúde. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 20 [ 1 ]: 77-100, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/physis/v20n1/a06v20n1.pdf> Acesso em 21 de outubro de 2012, às 13h05

 

 

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