RESUMO 

O presente trabalho tem como objetivo, primeiramente, estudar de forma aprofundada o processo de judicialização da saúde, processo este presente em crescente exponencial nos Tribunais. A Judicialização da Saúde tem como fundamento a busca, através de ações judiciais, de auxílio à prestação de serviço à saúde, sendo este um direito assegurado constitucionalmente a todo e qualquer cidadão; é um processo visto, indubitavelmente, como importante para a sociedade, pois traz em seu bojo tópicos importantes como direitos sociais e fundamentais, e por isso deve ser totalmente assegurado, por se tratar do direito inerente à condição humana, qual seja, a vida. Vê-se atualmente que os Tribunais utilizam de argumentos, tais como Políticas Públicas inviáveis diante da demanda; princípios utilizados pelo Sistema Único de Saúde; e a ponderação entre a máxima da proporcionalidade: adequação, necessidade e possibilidade para a resolução dos conflitos, o que gera uma discussão ampla acerca da viabilidade de tais medidas e da concessão da pretensão. 

Palavras-Chave: Judicialização da Saúde. Direitos Fundamentais e Sociais. Princípios do SUS. 

1 INTRODUÇÃO 

            O presente trabalho tem como escopo a análise de um direito fundamental, o Direito à Saúde, um tema dos Direitos Humanos, logo, do Direito Constitucional: o Direito a saúde.

Este tema atrai a atenção de doutrinadores e operadores do Direito que se empenham em encontrar uma efetiva garantia que, enquanto dever do Estado, como bem enuncia a Constituição da República de 1988, deve ser proporcionada a todos, além de tratar-se de um bem intrínseco à vida digna de todo e qualquer cidadão.

            Ao trazer este tema, tem-se em mente que, por ser um direito inerente à dignidade humana, é importante levar ao conhecimento de todos que, uma vez que este direito seja infringido, violado ou ameaçado, cabe a todo indivíduo reivindicá-lo sem imposições contrárias.

            O primeiro capítulo abordará de forma sistemática o Direito à Saúde, trazendo o conceito inicial de saúde e posteriormente, o conceito de direito à saúde e sua evolução na história, para clarear a atual situação também abarcada.

            No segundo capítulo será abordado o tema principal, qual seja, a Judicialização da Saúde, trazendo em seu bojo o conceito, as políticas públicas utilizadas e sua efetividade prática. Dar-se-á, em seguida, atenção especial à inadequação do processo e do sistema de um modo geral, no que tange a garantia da saúde ao cidadão, para que, ao final do capítulo, seja analisada a importância da participação do Ministério Público.

            O terceiro capítulo cuidará de tratar as limitações impostas pelo Estado, desde os princípios utilizados, chegando à teoria de Alexy, bem como apresentar argumentos e limitações que inviabilizam o acesso à saúde, seja qual for o meio utilizado. Ao final deste capítulo será confrontada a atual situação da justiça, especificando o que se refere a essa busca pelo acesso universal e igualitário da saúde, a fim de encontrar alternativas para uma tutela abrangente dentro do Direito Sanitário e Constitucional.

 

Conceitos de “Saúde” e “Direito à saúde”

 

            Conforme abordado anteriormente, antes da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 17 de março de 1986, pouco se havia feito para melhorar a situação referente ao direito à saúde no Brasil.

Essa Conferência foi um marco para a história da saúde no país pois, apesar da difícil implementação, a real noção de “direito à saúde” foi realmente debatida, a fim de estender o direito à saúde a todos.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), já no preâmbulo de suas Constituições, conceituam a Saúde como o completo bem estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença, o que gerou a observação da necessidade do equilíbrio interno, bem como do equilíbrio do homem com o ambiente. Tal fato nos remete à influência dos conceitos de saúde trazidos por alguns importantes filósofos, já que o conceito criado naquela oportunidade gerou, e ainda gera, enormes críticas quanto ao real conceito de saúde.

            Durante a realização da Conferência, a noção de direito à saúde que surgiu nos países capitalistas europeus, que viviam sobre o regime do Estado de bem-estar social, no período pós-guerra, de uma forma ou de outra, se diferenciou do conceito brasileiro.

            Para Paulo Bonavides,

os Direitos Sociais fizeram nascer a consciência de que tão importante quanto salvaguardar o indivíduo, era proteger a instituição brasileira. A saúde encontra-se entre os bens intangíveis mais preciosos do ser humano, digna de receber a tutela protetiva estatal, porque se consubstancia em característica indissociável do Direito à Vida. (PAULO BONAVIDES, 2006, 565)

No Brasil, foram adotadas medidas diferentes com relação à política de extensão do direito à saúde devido às dificuldades encontradas com a crise econômica, o que aprofundava as desigualdades sociais submetidas.

Mesmo diante desse quadro de dificuldades, o relatório final da 8ª Conferência Nacional de Saúde definiu que

o direito à saúde significa uma garantia estatal de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação de saúde, em todos os seus níveis, a todos os habitantes do território nacional, levando o ser humano ao desenvolvimento pleno da sua individualidade. (RELATÓRIO FINAL DA 8ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1986, p. 4)

Conforme se observa no relatório final da conferência, o pleno exercício do direito à saúde implica, necessariamente

garantir trabalho com condições dignas, com amplo conhecimento e controle dos trabalhadores sobre o processo e o ambiente de trabalho; alimentação para todos, segundo as suas necessidades; moradia higiênica e digna; educação e informação plenas; qualidade adequada do meio ambiente; transporte seguro e acessível; repouso, lazer e segurança; participação da população na organização, gestão e controle dos serviços de saúde; direito à liberdade; à livre organização e expressão; e acesso universal e igualitário aos serviços setoriais em todos os níveis. (RELATÓRIO FINAL DA 8ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1986, p. 6)

Por fim, a 8ª Conferência Nacional de Saúde gerou também a implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), que gradativamente, após a Constituição de 1988, cedeu lugar ao Sistema Único de Saúde (SUS), que representa a materialização do direito à saúde como direito de todos, de forma universal, integral e equitativa (princípios ideológicos), descentralizada, regionalizada e hierárquica (princípios organizacionais). 

Realidade atual no Brasil

No Brasil, o Sistema utilizado para a entrega do direito à saúde à população se dá através do SUS, que materializa o avanço no desenvolvimento do compromisso que o Estado possui para efetivar tal direito, criando políticas públicas organizadas e distribuídas de forma universal a todo cidadão.

Apesar de frustrada a tentativa de efetivar a entrega das garantias fundamentais à população, o SUS foi uma política consistente e única na história do Brasil, sendo um importante marco na busca do acesso igualitário ao direito à saúde.

Diferente de muitos outros países, o Brasil desenvolveu-se imperativamente durante todo o seu processo de democratização no que tange à saúde pública, porém o Sistema ainda é prematuro e não possui atendimento universal, já que está diretamente ligado ao desenvolvimento econômico do Estado.

Em uma sociedade desigual, como é o Brasil, e com baixos recursos, o princípio universal – a ser analisado à frente – nem sempre permanece em harmonia com o princípio da integralidade do acesso.

Atualmente, o Ministério da Saúde define, de forma intrínseca, através de protocolos, portarias e tabelas como autorização e procedimentos, quais serão os medicamentos disponibilizados, exames, procedimentos ambulatoriais/hospitalares e terapias que serão custeadas pelo sistema.

Porém, a reiterada demanda provoca a iniciativa de maiores pesquisas, objetivando suprir novos pedidos. Esse movimento é observado também no Brasil, o que caracteriza a importância da Judicialização da saúde, tópico a ser exposto a seguir. 

JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE

 

3.1 Conceito

 

            A judicialização da saúde, conforme informa Silva (2005), expressa as constantes reinvindicações dos cidadãos para a garantia e promoção dos direitos sociais referentes a saúde, ou seja, é o processo de iniciativa individual ou coletiva de provocação do Judiciário a fim de que seja entregue a pretensão de insumos, medicamentos, cirurgias ou todo e qualquer serviço ligado à garantia da vida digna e/ou manutenção da saúde. Bem como para Germano Schwartz, que afirma que o Estado deve promover o acesso à saúde de forma imediata por se tratar de direito fundamental do homem,

tornando a norma do art. 196 da CF/1988 autoaplicável e de eficácia imediata. Que as políticas públicas de saúde são o meio primeiro de efetivação deste Direito, e que a atuação do Poder Judiciário ocorre em um momento posterior onde se constata a não ação ou inércia estatal na proteção do direito à saúde. (GERMANO SCHWARTZ, 2001, P. 57)

            A relação entre Direito e Saúde intensifica-se gradativamente, como é visto na historia do Direito à Saúde no Brasil.

Com a afirmação e consolidação da jurisprudência e das constantes intervenções do Poder Judiciário na gestão da saúde, a demanda aumenta e provoca novas concepções entre os doutrinadores e juristas, que divergem suas opiniões na manutenção ou extinção deste processo chamado Judicialização – que para alguns sequer existe  – que não passa de um direito efetivo do cidadão em provocar o Judiciário: Se o cidadão entende que está sofrendo uma ameaça ao seu direito, ele tenta, através da propositura de ação judicial, extinguir tal ameaça efetivando o seu direito.

Enquanto alguns pensam que tal processo sequer exista, outros como a Desembargadora Vanessa Verdolim Hudson Andrade da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Minas Gerais, entendem ser o processo de Judicialização da saúde um processo normal e aceitável e mais, de suma importância para a melhoria dos serviços à saúde pública, como na decisão do Mandado de Segurança nº 1.0145.05.202303-6/001(1).

Porém, o que ocorre e preocupa tais intérpretes do direito é o fato de a demanda excessiva advir de uma política sem incentivos, de uma população desinformada e em muitos casos, de má-fé do requerente.

            Portanto, a discussão entre a existência ou não da judicialização da saúde torna-se obsoleta, quando na verdade, segundo Dallari (2007), a real importância não está na existência, e sim na evolução e ponderação dentro deste processo.

A contribuição para essa evolução provém das políticas públicas, pois as reinvindicações judiciais passam a ser garantia de direitos, ampliando, inclusive, a atuação do Ministério Público neste âmbito.

De modo geral, os estudos sobre o tema salientam os efeitos negativos deste processo na governabilidade e administração das políticas públicas e ações da saúde, justificando tal entendimento pelo fato de este tipo de intervenção no Sistema Único gerar desigualdades no acesso à saúde, o que privilegia determinado grupo em detrimento de outros que não possuem a instrução prévia devida para requerer de forma igual.

Por outro lado existem estudos realizados acerca deste processo que buscam sanar as deficiências e insuficiências do sistema de saúde e do Judiciário, para que seja efetiva a entrega da pretensão aos crescentes pedidos, construindo assim obrigações mais amplas ao Estado brasileiro

A presença do Poder Judiciário

 

            No Estado Democrático de Direito brasileiro, o constitucionalismo e a democracia são dois preceitos presentes. Tais preceitos estão consagrados logo no Art. 1º, sendo o conceito de constitucionalismo, um conceito relacionado aos limites do poder e à supremacia estatal, e o conceito de democracia relacionado à soberania individual.

No que tange à judicialização da saúde, ocorre o que alguns doutrinadores, como por exemplo Robert Alexy, chamam de “pontos de tensão”, onde a vontade individual se diverge da vontade do Estado, como retrata em sua obra “Teoria dos direitos fundamentais, 2008”.

            A constituição preceitua garantias e direitos referentes à dignidade humana, sendo este tema o centro dos direitos fundamentais.

O tal “ponto de tensão” existe quando há um choque de vontades, o que caracteriza o fenômeno da Judicialização.

Cabe, portanto, ao Poder Judiciário, planejar de forma sistemática metas e políticas sustentáveis para que este processo não se torne controverso, o que geraria um excesso na demanda, modificando a estrutura final do Poder Judiciário. Ou seja, o Poder Judiciário, tendo sua competência limitada a uma certa área, no que tange à saúde, ao emitir reiteradas decisões sem a devida discricionariedade, torna a si mesmo o garantidor de direitos que seriam cabíveis ao Estado proporcionar.

            O direito fundamental previsto na Constituição torna-se exigível através de ações judiciais, porém, pode ocorrer a necessidade de uma ponderação na decisão para a entrega de tal direito ou garantia, ponderação entre direitos os quais o requerente tem garantia constitucional e os princípios basilares do sistema, que devem ser aplicados de forma extensa enfatizando os limites baseados nos fatos do caso concreto e na legislação.

            O Poder Judiciário tem a função de intervir quando houver descumprimento da efetividade de algum direito fundamental ou garantia constitucional, especialmente no que se refere à dignidade humana e ao mínimo existencial.

A efetividade aqui, de acordo com Luis Roberto Barroso (2003), tem o objetivo de tornar as normas constitucionais aplicáveis direta e imediatamente, de forma extensa de acordo com a norma, o que mantém a ideia de imperatividade e de cumprimento efetivo da norma constitucional.

Portanto, a presença do Poder Judiciário no processo de Judicialização da Saúde deve preservar um direito fundamental e dar cumprimento à lei. A presença do judiciário não pode expressar um ato de vontade própria do magistrado, devendo ser analisado o caso concreto com a justa ponderação entre as vontades e a real condição do Estado e do individuo, juntamente aos princípios e diretrizes orçamentárias presentes nas politicas públicas.

Das Políticas Públicas

 

As politicas públicas utilizadas no âmbito da saúde são aquelas ações, metas e planos do Estado que, através de normas ou incentivos ligados a saúde, tâm o objetivo de orientar a polícia sanitária nacional, interligando as competências entre União, Estados-membros, Municípios e Distrito-Federal de forma unitária e coesa, para efetivar e garantir a saúde de todos. Ingo Wolfgang Sarlet:

Há uma dificuldade para definir o conteúdo prestacional do direito à saúde, bem como a questão prática onde para a efetivação de tais direitos depende da disponibilização de meios e da progressiva implementação e execução de políticas públicas na esfera socioeconômica. (INGO WOLFGANG SARLET, 2002, p. 298)

            A generalidade dessas normas não possui conteúdo de regra, mas faz com que os entes políticos desenvolvam entre si métodos preventivos e curativos, que imponha ou proíba o uso de certos medicamentos ou substâncias medicinais, que fiscalize a fabricação, importação e distribuição de insumos e produtos que ameaçam a saúde da população, estabelecendo processo de saneamento, além de viabilizar o acesso à saúde. Como bem enuncia Ingo Wolfgang Sarlet:

O que a Constituição assegura é que todos tenham, em princípio, as mesmas condições de acessar o sistema público de saúde, mas não de qualquer pessoa, em qualquer circunstancia, tenha um Direito subjetivo definitivo a qualquer prestação oferecida pelo Estado ou mesmo a qualquer prestação que envolva a proteção à saúde. (INGO WOLFGANG SARLET, 2002, p. 376)

            Há uma intervenção concreta do Estado para limitar as liberdades, fazendo-se necessária a criação de meios e formas de tratamentos jurídicos diferenciados a fim de estabelecer a igualdade entre os desiguais. Essa distinção de tratamento nasce com a criação dos direitos sociais, que visam atender os desamparados em contraposição à parcela mínima da população, garantindo-lhes condições de vida digna. 

            A política pública estabelece um objetivo que se diferencia do conceito e da importância dos princípios. Enquanto estes visam garantir e estabelecer um direito individual, de acordo com Ingo Wolfgang Sarlet, as políticas públicas podem ser definidas como Programas de ação Governamental a fim de coordenar os meios e atividades privadas para que sejam realizados objetivos públicos.

            Observa-se também que as Políticas Públicas não são apenas normas, tampouco meros atos administrativos. O Estado vincula tais políticas aos devidos entes responsáveis na aplicação e efetivação dos direitos advindos delas.

No âmbito da saúde, essas normas gerais estão dispostas na Lei Federal nº 8.080/90 e na Lei nº 8.142/90, que retratam as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, traçando diretrizes baseadas nos serviços do Sistema Único de Saúde que não nasceu de uma iniciativa governamental, e sim de uma conquista social, onde o crescimento é construído de forma gradativa.

Ponderação entre a Atuação do Judiciário e o Direito Fundamental à Saúde

 

            Ainda no que tange às limitações impostas, observa-se a importância da análise da teoria de Robert Alexy, que traz o conceito e a utilização do suporte fático que, no Direito Constitucional, de acordo com Silva (2009), equivale ao conceito de fato gerador e hipótese de incidência para o Direito Penal e Tributário. O suporte fático, neste contexto equipara-se ao fato gerador e hipótese de incidência, deve-se observar aqui, um paralelo entre os elementos fáticos capazes de resolver o caso.

            Segundo Alexy (2008), o suporte fático contrapõe-se ao conceito de restrição, que abrange também os requisitos materiais para a ocorrência da consequência jurídica; os elementos que constituem são o âmbito de proteção e a intervenção.

Porém para isso, segundo Silva (2009), o autor utiliza-se das questões: Qual direito ou garantia é protegido? Contra o que? Qual a consequência jurídica que poderá ocorrer? E por fim, o que é necessário ocorrer para que a consequência possa também ocorrer?

            Para a primeira pergunta, a resposta advém da proteção do Direito Fundamental; quanto às outras questões, as respectivas respostas ensejam a caracterização de uma intervenção como constitucional ou inconstitucional. Tendo em vista tais análises, diz-se que o conceito de suporte fático decorre da conexão entre as questões citadas acima e a aplicação dos Direitos Fundamentais.

Quanto mais amplamente for definido o suporte fático, tanto maior será o número de casos nos quais alguma norma de direito fundamental será relevante e, com isso, tanto maior será o número de colisões de direitos fundamentais” (ALEXY, 2008, p. 322-326).

                    

Desta maneira, a definição, seja ela ampla ou restrita, altera o teor da fundamentação das decisões quanto à aplicação dos Direitos Fundamentais, o que decorre também das minúcias sobre as teorias de “suporte fático amplo e restrito”.

            O suporte fático amplo não busca o objeto de proteção do Direito Fundamental; esta teoria foca a própria fundamentação e a intervenção, uma vez que a busca pelo objeto a ser protegido cabe à “análise das possibilidades fáticas e jurídicas de otimização” (ALEXY, 2008, p. 305-306). Nas palavras do autor:

definir o que é protegido é apenas um primeiro passo, já que condutas ou situações abarcadas pelo âmbito de proteção de um direito fundamental ainda  dependerão eventualmente de um sopesamento em situações concretas antes de se decidir pela sua proteção definitiva, ou não (SILVA, 2009: 109)

           

            Portanto, para Alexy, a restrição de um direito no qual há um respeito à máxima da proporcionalidade não viola o conteúdo essencial do Direito Fundamental, ou seja “a garantia do conteúdo essencial é reduzida à máxima da proporcionalidade.” (ALEXY, 2008, p. 297-298)

            Na visão do autor, em um caso concreto no qual há um combate entre Direitos Fundamentais individuais e coletivos, deve-se, ao analisá-lo, para obtenção de uma decisão, verificar o objeto de proteção e sua incidência, para assim sopesar de forma que alcance o justo, não violando, assim, o direito coletivo ou individual.           Ou seja, a teoria de suporte fático advém desta analise, importante na discussão entre a intervenção da justiça na prestação de um direito, qual seja, a saúde. 

a forma de aplicação dos direitos fundamentais – subsunção sopesamento, concretização ou outras – depende da extensão do suporte fático; as exigências de fundamentação nos casos de restrição a direitos fundamentais dependem da configuração do suporte fático; a própria possibilidade de restrição a direitos fundamentais pode depender do que se entende por suporte fático; a existência de colisões entre direitos fundamentais, às vezes tida como pacífica em muitos trabalhos e decisões judiciais, depende também de uma precisa determinação do conceito de suporte fático (SILVA, 2009, p. 68)

           É contraposição da justiça entre o direito à saúde, onde se questiona: o que deve prevalecer? A saúde de um em detrimento de outros? Ou a entrega de um direito individual àquele que tem sua vida, bem maior, em risco? Analisar esses casos, na questão da Judicialização da Saúde, é um desafio para os magistrados.

            Para Robert Alexy (2008, p. 594) o sopesamento, ou o instrumento de resolução de conflitos normativos, pode ser dividido em três fases, compreendendo a primeira na avaliação do grau de não-satisfação ou afetação de um dos princípios, a segunda fase ocorre a avaliação da importância da satisfação do princípio colidente, para em uma terceira fase ocorrer a avaliação da importância da satisfação do princípio colidente e se este justifica a afetação  ou a não-satisfação do outro princípio.

            Deve ser analisado, portanto, quais as normas aplicáveis, identificando se há conflitos entre tais normas, caso ocorra, entra o papel da ponderação o qual devem ser sopesados os fundamentos que sugiram a solução do conflito. Ainda neste procedimento, o interprete deve examinar os fatos e interpretá-los tendo por base os elementos normativos.

            A ponderação não deve ser vista como uma conciliação, tampouco vista com o objetivo de encontrar um “ponto de equilíbrio” entre os princípios, de modo que a ponderação é o mecanismo para sopesar os princípios referentes à determinada norma e desta forma, agrupados serão analisados, e por fim, escolhido pelo julgador, aquele ou aqueles princípios que mais se adequam ao caso. (GERSZTEIN, 2011, p. 8584)

CONCLUSÃO

           Por todo o exposto no trabalho, pode-se concluir que, mesmo com as diretrizes com as quais a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 deve se orientar, o direito à saúde não vai e não irá simplesmente materializar-se a nível formal. Para isso, é preciso que haja uma consolidação de políticas públicas eficientes.

           O Estado Democrático deve assistir ao indivíduo, e não apenas suprir as suas necessidades básicas, mas garantir uma vida saudável.

           É preciso analisar, a questão sobre o prisma do capitalismo. Este pode mesmo dispensar os efeitos causados a legitimidade dada ao reconhecimento dos direitos sociais e buscar  melhores condições na prestação dos serviços à saúde?

          A dificuldade está em aceitar ou não esse argumento pela sociedade, o que depende exclusivamente das diretrizes traçadas pelos movimentos populares, como sempre foi traçado no Brasil, como visto na história do Direito à Saúde.

           Ocorre que a sociedade contraditória e desigual, como o Brasil, na tentativa de encontrar soluções capazes de suprir as arestas do sistema, encontra seus direitos sociais garantidos, ou seja, é nesta constante “luta” que o direito acaba sendo encontrado.

          Não é possível proporcionar a todos, de forma universal e igualitária, a melhor assistência possível à saúde, visto que todo sistema de assistência à saúde enfrenta algum tipo de escassez, além do fato de que nem todo individuo que precisa de uma forma específica de assistência pode ter acesso a ela. Nestas condições, é importante abster-se da incompetência administrativa no sistema, sendo possível realizar os serviços básicos de dignidade humana, garantidos a cada indivíduo pela CR de 1988, já que esta consagra a pessoa humana como objetivo a ser seguido pela ordem constitucional, não apenas no que tange aos direitos fundamentais, mas também no direito à vida, que é o direito humano por excelência.O que se vê é uma incessante confiança sob o judiciário para o acesso ao direito à saúde. 

           E como conclusão, na minha opinião, o Judiciário age dentro de seus limites, utilizando-se de princípios para solucionar a divergência, porém o problema está na demanda excessiva o que gera prejuízos aos usuário do sistema, portanto a solução não será encontrada apenas na posição do Judiciário, deve-se utilizar de medidas sócio-educativas dentro do conceito de saúde para resultar em melhores condições de vida e  garantir aos desamparados pelo sistema privado uma qualidade equiparada aos amparados, dentro do sistema público, como bem garante a Constituição da República de 1988.

 REFERÊNCIAS 

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