JOVENS ATORES NO CENÁRIO DOCENTE: ENSAIOS SOBRE O PAPEL DO PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA – PIBID.

Paulo Almeida da Silva[1]

Introdução

A discussão sobre a escolha ou mesmo a permanência na carreira docente é um tema que vem sendo alvo de atenção de órgãos governamentais e não governamentais e por isso mesmo, ocupando mais espaço na literatura e nos círculos de debate.

Em um recente estudo sobre a pouca atratividade relacionada à carreira docente, Souto e Paiva (1) afirmaram que “a sociedade espera mais do que a escola é capaz de produzir”. E como esta expectativa com relação à escola, não é correspondida, estes autores acrescentam que as consequências disso são a “decepção e o desencanto social em relação à escola e uma profunda sensação de mal estar no corpo docente, que se percebe como não estando à altura das exigências”. A expressão "mal estar docente", aqui citada pelas autoras, foi cunhada pelo pesquisador espanhol José Manuel Esteve, em 1992, que a usa para caracterizar a insatisfação dos professores no magistério.

Estas autoras, que examinaram o abandono do magistério público na rede de ensino do estado de São Paulo, já argumentavam que isso se dá “quando se frustram as expectativas do professor no confronto da realidade vivida com a idealizada”. Para essas autoras, a rejeição da instituição escolar e da profissão acontece "quando as diferenças entre essas duas realidades não são passíveis de serem conciliadas, impedindo as adaptações necessárias e provocando frustrações e desencantos" (LAPO & BUENO) (2)

Entre as dificuldades com as quais lidam os professores, algumas já não causam tanto espanto assim, embora clamem por soluções, pois elas vêm se acentuando nestas duas últimas décadas. São elas: a crescente falta de sentido da escolarização por parte dos alunos; a preocupação de como introduzir adequadamente as novas tecnologias como ferramentas de ensino; além da exaustiva jornada de trabalho a qual o professor está submetido, consequência dos vergonhosos salários pagos a categoria, que o obriga a trabalhar entre dois a três turnos, em mais de uma escola. Contudo, o que atualmente assusta mesmo, são aquelas dificuldades que assumiram proporções alarmantes e que não cabem apenas à escola o seu enfrentamento, como é o caso dos crescentes problemas de indisciplina e de violência. 

A formação e a profissão

O exercício do magistério, na concepção de Valle (3), "implica inevitavelmente a conciliação da atividade de ensinar e de outras que lhe são complementares, seja por sua natureza, seja em razão da organização do trabalho escolar”. E como o aumento da complexidade da atividade docente não representará maiores ganhos salariais, esta exigência assume também um caráter desmotivador, diminuindo o prestígio social da profissão, já que os professores são tomados de tarefas antes, durante e depois da sala de aula. Diferentemente de muitas outras profissões, que ao encerrar o expediente, o profissional só retomará suas atividades quando retornar ao local de trabalho.

Em outro trabalho que também discute a desmotivação e a crise de identidade entre docentes, Jesus(4), aponta que essa perda de prestígio resulta de uma desvalorização do saber escolar e da baixa qualidade da formação acadêmica de muitos professores. Sobre essa formação, esse mesmo autor destaca que "a profissão docente tornou-se pouco seletiva", e muitos dos que ingressam na docência apresentam uma baixa competência profissional por não dispor de uma preparação necessária para assumir a profissão. (3)

Apesar da legislação fazer referência a importância da formação inicial e continuada para exercer a profissão, não são poucos os casos em que isto não está sendo cumprido. E enquanto houver esse grande número de pessoas que exercem a profissão sem a adequada qualificação, ou até quem sabe sem qualificação alguma, isso só contribuirá para consolidar, o que já é percebido pelo senso comum de que "qualquer um" pode ser professor. Infelizmente isto não se aplica ao professor quando quer assumir outra área profissional.

Sobre essa percepção pouco clara da sociedade a respeito da função do professor, Lüdke e Boing (5) dizem que “dentro do magistério a questão da identidade sempre sofreu as injunções decorrentes de uma certa fragilidade, própria de um grupo cuja função não parece tão específica aos olhos da sociedade”. No que se refere especialmente aos professores do ensino elementar, há quem acredite que neste nível qualquer um adulto pode exercer a profissão.

Na percepção de Pessoa (6), a própria melhoria da qualidade do ensino, tão perseguida por todos, poderá ser alcançada se a valorização do magistério for promovida ao mesmo tempo. Não há como desvencilhar estas duas partes do processo. Esta autora sustenta que tal melhoria pode ser obtida por meio de uma política global de magistério, a qual implica, simultaneamente: a formação profissional inicial; a melhoria das condições de trabalho, salário e carreira; e a formação continuada.

Pibid: despertando o interesse pela carreira docente

No Brasil é crescente a preocupação com o atual ou iminente déficit de professores em todos os níveis de ensino. Isto pode justificar o exercício da profissão por pessoal com outra formação. A legislação de nosso país, que já contemplava a necessidade da formação em nível superior para o exercício docente, agora através da Lei Nº 12.796, de 4 de abril de 2013, que altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, prevê no Art. 62, § 5°  que:

A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios incentivarão a formação de profissionais do magistério para atuar na educação básica pública mediante programa institucional de bolsa de iniciação à docência a estudantes matriculados em cursos de licenciatura, de graduação plena, nas instituições de educação superior.

Vê-se que acompanhando este debate acerca do desprestígio da carreira docente e sua formação, há um relevante conjunto de providências legais para fomentar a escolha pela carreira de professor. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES - responde à esta necessidade com o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID, que foi criado para o aperfeiçoamento e a valorização da formação de professores para a educação básica. O programa concede bolsas a licenciandos dos mais diversos cursos universitários em parceria com escolas de educação básica da rede pública de ensino. Entre os objetivos do programa estão: incentivar a formação de docentes em nível superior para a educação básica; contribuir para a valorização do magistério; inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a superação de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem, entre outros.

Os projetos submetidos à avaliação da CAPES devem promover a inserção dos estudantes no contexto das escolas públicas desde o início da sua formação acadêmica para que desenvolvam atividades didático-pedagógicas  sob orientação de um docente da licenciatura e de um professor da escola.

A Universidade do Estado do Amazonas apresentou junto à CAPES um projeto institucional, onde os demais municípios são incluídos com seus subprojetos. O Centro de Estudos Superiores de Tabatinga – CESTB/UEA - desenvolve este programa em diversas escolas da rede pública da cidade de Tabatinga-AM, através dos subprojetos de Ciências Biológicas, Matemática, Pedagogia e Geografia, inserido na Escola estadual Duque de Caxias. Em Tabatinga, o Pibid envolveu quase 70 pessoas entre coordenadores de área, discentes e supervisores. As atividades dos respectivos projetos aprovados pela CAPES, teriam uma duração prevista para doze meses, entre julho de 2012 e julho de 2013. Entretanto, esse prazo foi prorrogado até dezembro de 2013.

 

Ações do subprojeto de Geografia, metodologias e percepções dos bolsistas.

O subprojeto de Geografia apresentado ao PIBID aborda a dinâmica que ora vivenciamos nestas últimas décadas na construção e aquisição do conhecimento que vêm nos desafiando a acompanhá-la. A realidade pela qual passamos adquiriu uma velocidade que ainda não havíamos experimentado. Uma dinâmica que Milton Santos definiu como “hiper-real” e ele ainda esclarece que vivemos um momento de indefinição entre o real e o que imaginamos dele.

O subprojeto apresentou a necessidade de refletir a respeito dos mais diversos tipos de relações que envolvem grande parte desta aldeia global. Relações nas quais estamos inseridos, muitas vezas até alheios ou inconscientes. Estas relações detém uma incrível capacidade de cooptar um número cada vez maior de indivíduos, trazendo consigo uma velocidade e volume de informações sem fronteiras. Nesse mosaico de informações pairam inúmeras oportunidades de apreender os mais diversos tipos de conhecimentos. E este é o nosso desafio: Como aproveitar esta teia de informações para construirmos ou aperfeiçoarmos uma visão integradora daquilo que nos rodeia?

Este subprojeto se propôs a somar esforços na construção de uma consciência político-ambiental, usando princípios do conhecimento geográfico: Lugar, Território e Espaço Geográfico. Quando iniciamos nossas abordagens sobre o conceito de Lugar, havíamos proposto localizar a escola, na planta da cidade, no município de Tabatinga, no Estado do Amazonas e no Brasil, e tudo isso inserido no mundo. Para a execução desta tarefa, propomos o uso da bússola, de mapas impressos e virtuais, de softwares que mostrassem os vários aspectos desta localização como pontos cardeais, colaterais e subcolaterais. Objetivou-se nesta tarefa, perceber que embora estejamos vivendo num lugar, fazemos parte de uma rede de relações na qual insere-se vários outros lugares.

Para trabalhar este tema, os bolsistas retiraram alguns alunos da sala de aula durante o tempo disponível à disciplina de Geografia e no pátio escolar desenvolveram atividades relacionadas ao tema.

Para trabalhar o conceito de Espaço Geográfico e de Território, vislumbramos a localização de Tabatinga em área de fronteira com outros países, o que favoreceu nossas ações para trabalhar com mais ênfase a definição de Território. Para um melhor entendimento deste conceito propomos visitas nas áreas próximas, por via fluvial ou terrestre, aos dois países vizinhos. Objetivamos reforçar os demais conceitos já vistos e observar outros aspectos como o idioma, a cultura, a culinária, etc. Apesar das adaptações que o projeto sofreu, realizamos no mês de maio de 2013, uma visita de campo com a participação de todos os pibidianos de Geografia e quinze alunos da Escola Duque de Caxias, identificando, comentando e registrando os marcos fronteiriços visitados que estão entre o Brasil e a Colômbia. Depois disso, entramos na cidade de Letícia e lá fomos à Praça principal e à Biblioteca e Museu do Banco de La República. Fomos recebidos por funcionários que dispensaram uma atenção ímpar, palestraram e nos acompanharam na visita ao museu e as dependências da biblioteca.

Figura 01. Bolsistas do subprojeto de Geografia e alunos da Escola Duque de Caxias, na atividade de campo, falando de fronteira, próximos a um dos marcos fronteiriços entre Brasil e Colômbia. (Fonte: o autor. Maio 2013)

 

Esta visita de campo foi o ponto culminante das ações planejadas, pois além de poder retomar todos os conceitos trabalhados, mostramos uma importante ferramenta de ensino utilizada pela Geografia, que é o trabalho de campo.

Em meio a todas estas ações do subprojeto, envolvemos todos os pibidianos do CESTB na realização do I Seminário de Pibid do CESTB com o tema: A educação em Tabatinga e em outros municípios do Alto Solimões.  O evento reuniu palestras, mesas redondas e troca de experiências de pibidianos.

Figura 02. Coordenadores de área do PIBID/CESTB em mesa redonda durante o I Seminário de Pibid do CESTB. (Fonte: Gessilda Criniti. Maio 2013)

 

O caminho entre o planejar e o executar pode adquirir maiores distâncias, seja pela pouca ou nenhuma experiência dos atores envolvidos no programa, ou pelas interrupções na rotina escolar que resultam de vários fatores, sejam eles administrativos, pedagógicos ou estruturais.

O subprojeto de Geografia, em princípio foi sendo desenvolvido conforme o planejado. As alterações que fizemos foram necessárias principalmente para se adequar ao calendário letivo. São muitos feriados e pontos facultativos. Isto se repercute em toda a rotina da escola. Entendemos que havia a necessidade de acelerar algumas atividades para que pudéssemos cumprir o nosso cronograma.

Algumas atividades desenvolvidas pelos bolsistas foram além do que o subprojeto previa. Eles foram convidados a contribuir para a realização de atividades relacionadas à datas comemorativas e Feira de Ciências da escola.

Inseridos no ambiente escolar, os bolsistas vivenciam as nuances pelas quais passa uma escola. A resposta à estas nuances pode adquirir várias formas, desde o posicionamento na busca de soluções, ou quem sabe, de recuo frente ao obstáculo que se interpôs.

Ao mesmo tempo em que estes jovens atores são impactados pelo que presenciam no ambiente escolar, já são convidados a participar da busca da melhoria daquilo que faz parte da escola, como por exemplo: o processo de ensino e aprendizagem, as relações de urbanidade entre docentes e discentes, além de poder vislumbrar sua atuação ou não, como profissional da educação.

Pensando como traduzir se esta atuação no PIBID já se reflete na decisão de seguir ou não a carreira de professor, entrevistamos 23 bolsitas de docência de um grupo de 50, ou seja 46% do total responderam ao questionário. Perguntamos entre outras coisas, quantos pensam em seguir a profissão de professor. O resultado foi o seguinte:

Gráfico 01. Resultado de uma entrevista entre pibidianos do CESTB. (Fonte: o autor. Maio 2013)

 

Envolvidos no cotidiano escolar por mais de um ano de programa, como bolsistas de docência, o que significa já ter uma primeira percepção de como é o trabalho do professor atualmente, mais da metade dos entrevistados já admite seguir a carreira docente. Se levarmos em conta o percentual de 30% que diz ainda não ter se decidido, mas que até o final do curso podem vir a decidir seguir esta profissão somaremos 87%. Qualquer simulação que fizermos para integrar ou não uma parte ou todo deste percentual de indecisos ao grupo dos que já se decidiram, não tira o foco de que os 57% que disseram sim, nos remetem a um resultado otimista. Considerando o que eles mesmos já presenciaram e as discussões que tivemos sobre a precarização da profissão, isto reflete positivamente que ações como estas do PIBID, foram encaminhadas em momento oportuno, seja pelo contato com os que já lidam com a profissão, para uma auto avaliação que os remeta a consolidação desta escolha ou a decisão de optar por uma outra carreira profissional.

 

Conclusões

As instituições vêm se esforçando pela formação inicial, mas mostram-se ineficazes diante de uma realidade desanimadora para o professor, que se vê bastante cobrado e muito mal remunerado. Salário digno e carreira de magistério podem se constituir atrativos para a permanência de bons profissionais do ensino. Como isto ainda não foi solucionado, após a formação e inserção no segmento educacional, é crescente o número daqueles que se desapontam e abandonam o magistério.

A pouca atratividade pela carreira do magistério já vem sendo enfrentada por programas como o PIBID, pois inserindo o licenciando no ambiente escolar permite um melhor acompanhamento do que ocorre em uma escola, levando-o a um posicionamento frente aos desafios inerentes ao ambiente escolar. Compartilhar experiências representa um ganho para todos, pois pode significar o caminho que pode ser trilhado por aqueles que reúnem maiores dificuldades na sua docência.

As ações desenvolvidas durante este programa nos possibilitaram perceber que houve motivação suficiente por parte dos bolsistas em encontrar as alternativas necessárias para acompanhar a rotina da escola. Nos primeiros três meses elas foram timidamente encaminhadas, pois eles estavam se adaptando ao ambiente. Entretanto, no segundo trimestre, houve um melhor desempenho por conta do aprendizado que resultava de cada atividade aplicada.

Os principais impactos sobre os bolsistas foram àqueles relacionados ao caráter pessoal. Não há como negar que até mesmo sobre aqueles que não vão escolher esta carreira, vão sair daqui com a lição de que este é um trabalho que implica em empenhar-se o máximo possível para que sonhos venham a se concretizar e o professor já pode ser esta inspiração. Na academia, bolsistas do programa passaram a ter um melhor desempenho no desenvolvimento das atividades acadêmicas.

De um lado a boa formação, do outro, a exigência por profissionais cada vez mais qualificados. Qualificar possibilita o acesso pleno à cidadania, induz a produção do conhecimento que por sua vez, ampliará o debate pela busca de uma educação melhor para todos, além de elevar o nível científico e tecnológico, contribuindo, portanto, para o desenvolvimento do país.

 Possibilitar a atratividade pela carreira docente é uma tarefa que exige o empenho de toda a sociedade, mas que tem início na sala de aula na formação de valores e princípios éticos naqueles que poderão ser nossos futuros governantes.

AGRADECIMENTOS

À CAPES que nos dispensou  uma bolsa do PIBID, na função de coordenador de área do subprojeto de Geografia do Centro de Estudos Superiores de Tabatinga-AM.

REFERÊNCIAS

(1) SOUTO, R. M. A.; PAIVA, P. H. A. Alunos da Licenciatura que não querem ser professores: traços do perfil dos estudantes do curso de Matemática da Universidade Federal de São João del-Rei. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 2010, Salvador-Ba. Anais...Salvador: Sociedade Brasileira de Educação Matemática, 2010.

(2)LAPO, F. R.; BUENO, B. O. Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 118, p. 65-88, mar. 2003.

(3)VALLE, I. R. Carreira do magistério: uma escolha profissional deliberada? Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 87, n. 216, p. 178-187, ago. 2006

(4)JESUS, S. N. Desmotivação e crise de identidade na profissão docente. Katálysis, v. 7, n. 2, p. 192-202, 2004.

(5)LUDKE, M.; BOING, L. A. Caminhos da profissão e da profissionalidade docentes. Educação & Sociedade, Campinas, SP, v. 25, n. 89, p. 1159-1180, set./dez. 2004.

(6)PESSOA, F. Legislação educacional. São Paulo: RCN Editora, 2005.



[1] Professor do Curso de Geografia do CESTB/UEA, coordenador de área do PIBID/Geografia.

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