Certa vez, quando adolescente, eu e meu amigo Anísio, ambos desempregados, numa "nhaca" de dar gosto, resolvemos ir até o centro da cidade, porque o irmão dele iria arrumar uma grana emprestada.

O irmão dele era mais velho, estava empregado e dava uma força para o Anísio, de vez em quando.

Eu e o Anísio, éramos amigos inseparáveis. Dividíamos tudo o que tínhamos.

Teve um dia em que dividimos, um ovo frito.

Dividir um ovo frito é uma coisa que marca a vida da gente. Cortado ao meio, a gema bem molhada e cada gota dela separada igualmente para cada um.

O dinheiro que o irmão dele iria nos arrumar, daria para fazer um lanche pequeno e ir ao cinema, na sessão mais barata que tinha.

Como não tínhamos nada nos bolsos, o jeito foi ir até lá, a pé.

E lá fomos nós, percorrendo quase dez quilômetros, sonhando com aquele lanche que faríamos e com a sessão de cinema que iríamos assistir.

Parecíamos peregrinos no deserto, visualizando, ao longe um oásis, que se afastava mais, sempre que parecia que estávamos perto.

Mas voltávamos o foco para aquele lanche, mesmo que fosse um cachorro-quente de cinqüenta centavos e um suco barato, daqueles em que misturam laranja, com pó de refresco e uma coisas que ficam boiando que nunca tive coragem de perguntar o que eram.

No caminho também começou a passar por nossas cabeças muitas idéias, tais como: E se ele não estivesse lá no momento em que chegássemos? Se ele estivesse esquecido de nosso encontro? Se ele simplesmente não tivesse dinheiro no momento por qualquer motivo? A caminhada foi começando a ficar mais difícil, mais pesada, só que, naquela altura, o melhor a fazer era melhor mudarmos o rumo da conversa e manter o rumo da caminhada.

A nossa própria vida é um pouco assim: seguimos em frente, mesmo com o risco de não conseguirmos o que buscamos e procurando, sempre, nos convencer de que não adianta mais voltar atrás, nem tampouco ficarmos nos lamuriando e convivendo com pensamentos negativos, de que não valerá a pena a caminhada.

Quando se é criança ou mais jovem, cada partida de futebol é uma decisão de campeonato mundial, cada caminhada é uma expedição e cada tarefa uma verdadeira missão. E essas lembranças e lições, ficam marcadas em nossas vidas, servindo como parâmetros das situações que enfrentaremos como adultos.

Por exemplo: O primeiro vaso da minha mãe que quebrei, me serviu como lição, quando adulto, para ter cuidado com os relacionamentos, pois também são frágeis e podem se quebrar.

A primeira queda de bicicleta serviu como lição para manter meu equilíbrio em situações de stress.

O meu primeiro voto nas eleições, serviu como lição de que tragédias acontecem... e se perpetuam.

Finalmente chegamos ao trabalho do irmão do Anísio e, ambos ficamos parados, olhando para ele, para saber se a nossa epopéia não tinha sido em vão. Ele não estava (Não dava para acreditar).

Calma! Ele tinha deixado o dinheiro com outro colega dele, que nos alcançou na hora.

Pronto! Tarefa cumprida. Mais exaustos que gari em fim de desfile de carnaval, estávamos prontos para retornar com aquele dinheiro de merreca, foi quando sugeri para o meu amigo, que pegássemos um ônibus para voltarmos para casa, uma vez que já tínhamos caminhado por uma década.

Ele saltou indignado, dizendo: - O quê? Um ônibus? Tu já quer esbanjar???

Sérgio Lisboa.