Ironias da TV brasileira

Por Fernando Grecco
"Imagine no possessions/I wonder if you can/No need for greed or hunger/A brotherhood of man/Imagine all the people/Sharing all the world..." (Imagine - John Lennon ? 1971)

É fato irrefutável que a televisão brasileira possui uma das programações mais ridículas e banais de todo o mundo. Novelas grotescas, carregadas de um erotismo vazio e sem graça, tomam conta do horário nobre. Jornais, a exemplo do Jornal Nacional, da Rede Globo, nada mais são do que porta-vozes de uma elite, manipulando, alterando, criando notícias de acordo unicamente com seus interesses de ordem econômica.
Não é diferente com as propagandas comerciais. Uma forte apelação ao humor previsível é algo bastante aborrecível a quem ainda detém certa erudição. Porém, algo que ultrapassou em muito o limite do tolerável foi exibido na Rede Globo (logicamente) há poucos dias. Fazemos referência à nova propaganda do banco Itaú, onde mostra uma série de funcionários da instituição cantando, uníssonos, a canção Imagine, do mestre John Lennon.
Poucas propagandas televisivas conseguiram alcançar um grau de incoerência tão saliente como essa. A canção é um brado de louvor a paz, a igualdade, a fraternidade entre os homens. A letra nos sugere uma sociedade economicamente justa onde inexista a propriedade, a ganância, a fome, o dinheiro, a religião ou mesmo as fronteiras. Por fim, Lennon nos faz imaginar em uma realidade radicalmente antagônica a essa que estamos enclausurados.
Como pode uma instituição bancária, representante máxima de um capitalismo bárbaro, desumano e atroz, utilizar-se de uma canção de teor anarquista para fazer publicidade de seus serviços? É concebível um banco, como o Itaú, que todo trimestre supera recordes de faturamento, valer-se de algo que está muito longe de sua ideologia, ou, melhor, que vai de encontro com ela em toda a sua extensão? As instituições financeiras são o símbolo maior do capitalismo díspar que vivenciamos. Representam, em sua plenitude, justamente o contrário do que a canção de Lennon nos indica.
Provavelmente exista algo de subliminar na propaganda do Itaú, uma vez que a canção fala sobre uma sociedade sem dinheiro. De fato é isso que o Itaú e outros bancos têm patrocinado com seus juros exorbitantes: uma sociedade realmente sem dinheiro.
Fernando Grecco é articulista da Folha de Votorantim.
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