UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ

 

 

 

 

IRACEMA E LUZIA-HOMEM: ARQUÉTIPOS FEMININOS DA LITERATURA CEARENSE

 

                                                      Francisca Janileyla Lopes Abreu ¹

Maria EdineteTomáz²

 

RESUMO: Este trabalho refere-se à análise literária de uma das obras do autor Domingo Olímpio, Luzia-Homem, um dos últimos romances naturalistas, e Iracema de José de Alencar. A proposta desse estudo ultiliza discussões teóricas para enfatizar as idéias que os autores Domingo Olimpio, em Luzia Homem, e José de Alencar, em Iracema, nos repassa, fazendo uso de formalidades quanto à estrutura e análise de suas obras, sendo que os autores demonstram, a partir do título, um evidente trabalho na construção de sua linguagem e estilo.

Palavras-chaves: Naturalismo, Iracema, Luiza Homem.

INTRODUÇÃO:

Iremos abordar relatos de obras com grande valor estilístico e de imensa grandeza ao que se refere ao aprofundamento de temáticas no que diz respeito a prática de assimilar os reais fatos narrados, como a busca constante dos autores, José Alencar e Domingos Olimpio,  em passar ao leitor a realidade da época, a evolução dos valores e busca de absorver a atenção mútua do leitor.

Em Iracema (1865) José de Alencar, ou por ter atingido a maturidade nos temas indianistas, ou porque nessa obra não há a rigor nenhum compromisso com uma afirmação nacional pela literatura, atinge seu romance mais bem estruturado, sob o ponto de vista estético. Iracema é o exemplar mais perfeito de prosa poética de nossa ficção romântica, belíssimo exemplo do nacionalismo ufanista e indianista, com o qual Alencar contribuiu com a construção da literatura e da cultura brasileira. Referindo-se a Obra de Luzia-Homem (1903) no período em que Domingos Olimpio publicou sua obra, era uma época marcada por tendências diversas: românticos retardatários, realistas-naturalistas. O romance manifesta marcas de todas essas tendências literárias, é um estilo irregular, mas a mais forte revelação do seu estilo é o do Naturalismo. É um naturalista tímido, frustrado, que não se assume na definição da personagem central.

Portanto, irão ser analisados os principais pontos de ambas as obras e suas comparações e interferências no que diz respeito suas características, contextos e enredo, buscando aprimorar seus pontos principais e a demonstração que cada perfil tem para direcionar ao leitor.

OBJETIVO:

Para melhor entendimento das marcas específicas deste estudo, iremos ressaltar algumas características dos romances, e os movimentos da época, Realismo/Naturalismo, já que os dois movimentos são quase paralelos. Em tese e de maior valor neste trabalho iremos resenhar a narrativa, expondo de forma concisa e resumida o que ocorre e surge nos capítulos e estruturas das obras.

METODOLOGIA:

Todas as informações contidas aqui foram o resultado de pesquisas em livros de Literatura Brasileira. Todas as informações contidas aqui foram o resultado de pesquisas em livros de Literatura Brasileira, de vários autores, como, Antônio Candido e Massud Moisés.

IRACEMA VISTO SOB CUNHO ANALÍTICO:

A narrativa de “Iracema” estrutura-se em torno da história do amor de Martim por Iracema. Diferentemente do que ocorre em outros romances de José de Alencar. A relação entre Martim e Iracema significa a união entre o branco colonizador e o índio, entre a cultura européia, civilizada e os valores indígenas, apresentados como naturalmente bons. É uma espécie de mito de fundação da identidade brasileira. "Iracema" é um poema em prosa: no conteúdo, há o predomínio do lirismo na relação amorosa do casal protagonista, deixando em segundo plano a ação e abandonando o tom épico de "O Guarani"; na forma, há linguagem sonora.

A linguagem rompeu com padrões estilísticos e gramaticais portugueses, sobretudo pelo emprego acentuado do vocabulário tupi, esforço de criação de um romance tipicamente brasileiro. Esse brasileirismo de Alencar não se restringiu apenas à linguagem, ele pretendeu adequar às características gerais do Romantismo europeu a uma mitologia indígena-nacionalista, para representar as origens do país em seu processo de colonização.

Alguns espaços merecem destaque por ser palco de importantes acontecimentos desse romance: o campo dos tabajaras, onde fica a taba do pajé Araquém, pai de Iracema; a taba de Jacaúna, na terra dos potiguaras (ou pitiguaras); a praia em que vivem Martim e Iracema e onde nasce Moacir.

Imagens e metáforas:

Uma das grandes habilidades de Alencar está em representar o pensamento selvagem por meio de uma linguagem cheia de imagens e de metáforas. Sabe-se que as sociedades que não avançaram no terreno da lógica argumentativa têm em contrapartida grande riqueza no plano mitológico. Elas se valem dos mitos e das histórias para explicar o mundo.

O pensamento do selvagem é imagético e, por isso, está muito próximo da poesia. Vê-se nesse ponto como o autor soube unir forma e conteúdo. De outro modo seria difícil caracterizar a linguagem do índio sem prejuízo da verossimilhança.

Base Histórica:

A narrativa inicia-se em 1608, quando Martim Soares Moreno é indicado para regularizar a colonização da região que mais tarde seria conhecida como Ceará.

Como em vários romances de Alencar, Iracema mistura ficção e documento, com enredo que toma como base um argumento histórico. Essa junção se deve também ao projeto de criação de uma literatura nacional, no qual Alencar e os demais escritores românticos do seu tempo estavam fortemente empenhados. Ainda quanto ao aspecto histórico, que o autor levou em conta ao compor a obra, ressalte-se que os índios potiguaras (habitantes do litoral) eram aliados dos portugueses, enquanto os tabajaras (habitantes das serras cearenses) eram aliados dos franceses.

Amor Proibido:

As proibições reforçam ainda mais o amor entre a índia e o português. São as primeiras de muitas provações que tal união terá de enfrentar. Em linhas gerais, o romance estrutura-se no embate entre tudo o que une e o que separa os dois amantes. Como mostra-se na seguinte citação: “Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido. De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu.”  (ALENCAR, p. 22).

O amor do colonizador e da índia está sempre perto do sono – como na cena da perda da virgindade – e, nesse caso, duplamente próximo do sono, uma vez que Martim é flechado por Iracema e fica à beira da morte, entregue aos braços protetores da amada. Iracema é como a deusa Diana, que, ao ser flagrada nua por Ácteon, castiga violentamente o furtivo visitante. Mas é ainda uma Diana às avessas, uma vez que o castigo de Martim é também uma bênção. Um amor tão intenso só poderia nascer de forma equivalente. O platonismo da situação é evidente, e a flecha de Iracema é como a flecha de Cupido, símbolo de um amor fatal.

Irapuã é o chefe guerreiro tabajara e funcionará, no esquema narrativo da obra, como um antagonista de Martim. Na primeira desavença entre os dois, o velho pajé Andira, irmão de Araquém, intervém em favor do estrangeiro. Iracema pergunta ao amado o motivo de sua tristeza e percebendo que ele tinha saudade de seu povo, pergunta se uma noiva branca espera pelo seu guerreiro. Iracema conduz Martim ao bosque sagrado, onde lhe ministra uma poção alucinógena. O guerreiro branco delira e a índia adormece entre os seus braços.

O pajé Araquém salva Martim das garras do impiedoso Irapuã graças a um interessante estratagema. A cabana do pajé era construída sobre uma galeria subterrânea, cuja entrada, secreta, ficava fechada com uma pedra. Quando Araquém quis provar que Tupã, o deus do trovão estava com ele, retirou a pedra enquanto batia com o pé no chão. Ao ver o grande buraco e ouvir o som do ar que saía da galeria, Irapuã julgou ser aquele um poder sobrenatural, o poder de um deus que ele – mero mortal, apesar de valoroso guerreiro – não poderia enfrentar.

Os acontecimentos que se seguem têm como pano de fundo a guerra entre potiguaras e tabajaras. Martim escapa de seus inimigos tabajaras e une-se aos vencedores potiguaras. Iracema, porém, sente-se profundamente triste pela morte dos entes queridos e não suporta viver na terra de seus inimigos.

Classificação do Romance:

Como nos mostra a síntese da narrativa, Iracema, é antes de tudo, a encenação de uma comovente história de amor. As emoções e os sentimentos íntimos são os móveis da fábula, e, por isso, atribuem ao romance uma tonalidade lírica.

Grande parte das expressões retóricas de Alencar deriva da tradição do gênero épico, de onde é retirada até mesmo a maneira de nomear as personagens, como Iracema – Lábios de Mel, Moacir – filho da dor. Em um dos poucos momentos em que teorizou sobre as próprias obras, o romancista as associou com o desenvolvimento da nacionalidade brasileira, processo que ele dividiu em três etapas:

I – A primitiva ou aborígene, com a figuração de lendas e mitos indígenas. Exemplo: Iracema;

II – A histórica, com a ficcionalização de eventos do período colonial, época do “consórcio do povo invasor com a terra americana”: O Guarani;

III – A independência regional, com estórias construídas em cenários pouco afetados por modas européias modernas e onde se conservam tradições,linguagem e costumes.

Nesse esquema, Iracema aparece como pertencente à fase que o autor denomina como “primitiva” ou “aborígene”, porque a fábula tem como cenário o mundo habitado pelo indígena, onde abundam lendas e mitos americanos. Portanto, pode-se dizer que Iracema é lírica; o tema mítico ou alegórico; e a elocução se processa em prosa poética. Esses são os três elementos básicos do significado artístico da obra.

Por fim, Iracema, por amor a Martim, abandona família, povo, religião e Deus. É uma clara referência à submissão do indígena ao colonizador português. Alguns dizem que o nome Iracema é também um anagrama de América.

Ele oferece a seguinte fundamentação histórica da obra: em 1603, foi fundado o primeiro povoado colonial no Ceará, com o nome de Nova Lisboa, que veio a ser destruído pelos indígenas. Em 1608, reconstituiu-se a colonização numa expedição da qual participou Martim Soares Moreno, que ficou amigo de Jacaúna e Poti. No epílogo, o autor afirmou ter sido sua intenção original construir um poema com o assunto. Contudo, iria ser um poema longo e talvez não compreendido pelos leitores. Acabou optando pelo romance, cujos erros da primeira edição ele gostaria de corrigir na segunda edição.

O nome de seu amado Martim remete ao deus greco-romano Marte, o deus da guerra e da destruição. O autor demonstra, já a partir do título, um evidente trabalho de construção de uma linguagem e de um estilo que possam melhor representar, para o leitor. Nesse contexto José de Alencar recorreu a circunstâncias históricas, como a rixa entre os índios tabajaras e pitiguaras e utilizou personagens  reais como Martim Soares Moreno e o índio Poti, que depois viria a adotar o nome cristão de Antônio Felipe Camarão. Mas cercou-os de uma fértil imaginação e de um lirismo próprios da poesia romântica.

Foco Narrativo:

Além s noções de “foco narrativo”, é importante o leitor notar a existência deuma outra técnica narrativa utilizada por Jose de Alencar: o “ponto de vista” que é o lugar a partir do qual o narrador relata os fatos de uma determinada cena. Ao contrario dos dois primeiros, o ponto de vista não é uma categoria estática, fixa ou imóvel. Pelo contrário, adotando um ângulo no início de uma cena, mas podendo, logo em seguida, mudar-se para o ângulo oposto.

Já no Romantismo, o culto do passado e o nacionalismo literário permitiram aos escritores cultivarem a chamada “poesia americana”, que se valia da natureza, da História, de cenas e de costumes nacionais, fórmula em que o Indianismo se adequava perfeitamente.

LUZIA HOMEMVISTO SOB CUNHO ANALÍTICO:

Já no que se remete a falar sobre a obra de Domingos Olimpio, Luzia-Homem, pode-se fundamentar que Luzia-Homem é um exemplo do Naturalismo regionalista. A obra também se vincula ao realismo sertanejo, que alguns chamam de regionalismo, apresentando com tintas carregadas o flagelo da seca em sua região, ao mesmo tempo em que enfoca a força física e moral da sertaneja Luzia, criatura intermediária entre dois sexos, o corpo quase másculo numa alma feminina e que termina assassinada por um soldado quando se dispunha a amar ternamente outro homem.

Temática da obra:

A obra tematiza a violência e o sadismo que florescem como literatura naturalista. Há nuances de Romantismo na morosidade da descrição das paisagens, onde a natureza, às vezes, é madrasta principalmente por causa da seca. Explora a duplicidade da personagem principal, ela é bonita, gentil e retirante da seca, mas também tem força descomunal. No romance, Luzia integra um grupo de retirantes e sua figura forte e personalidade marcante logo atrai a atenção dos homens que disputam o amor da heroína. Assim como fez referência na seguinte citação: “Firme sobre a cabeça, um enorme jarra d’água, que valia três potes, de peso calculado ara a força normal de um homem robusto” (OLIMPIO, p. 19).

Classificação do romance e temas desenvolvidos:

No que diz respeito aos personagens da obra, não possuem o amorolismo naturalista e nem o egoísmo e futilidade realistas. O romance é ambientado em espaço sórdido, marcadamente promiscuo e degenerado moralmente, onde as mazelas sociais imperam: “Os míseros pequenos, estatelados ao tantálicosuplício da contemplação dessas gulodices, atiravam-se às cascas de frutas lançadas ao chão, e se enovelaram, na disputa desses resíduos misturados com terra, em ferozes pugilatos” (OLIMPO, p. 58).

Toda a estrutura do enredo é composta por três partes:

- Uma trama amorosa envolvendo Alexandre, Luzia e Crapiúna. Enquanto Alexandre sente amor pela sertaneja, Crapiúna tem uma obsessão, um desejo incontrolável. Esta tríade lembra O Guarani, de José de Alencar;

- A tentativa de inocentar e tira-lo da cadeia (que perdura por quase toda a obra);

- A vingança de Crapiúna e o desfecho trágico da narrativa.

Tempo/Espaço/ambiente:

O tempo é cronológico, ou seja, objetivo, externo às personagens. A estória se passa durante a grande seca de 1877/78. O espaço é a cidade de Sobral, contudo o narrador estende-se seus limites ao sertão, de onde partem os retirantes, acossados pela seca. O ambiente é variado, pois depende dos deslocamentos dos flagelados às frentes de serviço e os alojamentos precários.

Linguagem e estilo:

Por ser uma obra regionalista, é comum a presença de expressões locais e marcadas pela oralidade nas falas das personagens. A linguagem do narrador não possui os torneios verbais de Raul Pompéia e nem a correção e concisão machadiana. Ela oscila entre a oralidade sertaneja e a norma culta da língua, onde se percebe, em menor escala do que nos personagens, o uso de expressões regionais.

Estilo marcado pela objetividade, concepção de amor baseado na atração sexual, com ênfase nas características negativas das personagens, o Naturalismo legou-nos romances em que é possível perceber a grande influência de Darwin e A Origem das Espécies: o meio ambiente condiciona todos os seres, deixando sobreviver apenas os mais fortes. Por isso, a natureza de todos os seres, inclusive a do homem, seria determinada por circunstâncias externas. A vida interior é reduzida a nada.

Em Luzia-Homem, tais pressupostos são nítidos, basta que se observe a caracterização e trajetória das personagens. Luzia, por exemplo, está fadada a sucumbir, pois num jogo de forças com o vilão, de nada valeu sua força física, assim como não valeram seus bons sentimentos e até a doçura de alma escondida atrás de tantos músculos. Tornou-se, portanto, vítima da fatalidade das leis naturais, que a impediam de ter outro destino. A morte como desfecho vem coroar esse determinismo, pois é a única saída possível para a personagem. Não há a menor possibilidade, nos romances desse estilo, de ocorrer um acaso ou ‘‘milagre’’, comuns em romances românticos, em favor da personagem.
Em tudo, o autor foi fiel à tendência literária da época: a rudeza e brutalidade das cenas, a crueza dos episódios, o entrechoque dos instintos, a intensidade das forças desencadeadas. A cena final do romance é exemplo perfeito dessas características: a violência que Crapiúna usa contra Terezinha e Luzia é assustadora.

Personagens:
Luzia, a protagonista, é do tipo mulher masculinizada, de músculos fortes, mas de sensibilidade aguçada; Crapiúna é o mau soldado, excessivamente sensual e inconsciente; Teresinha, vítima de terceiros; Alexandre, o namorado, é bem delicado, bem como Raulino; Capitão Marcos e família, sensíveis ao sofrimento comum, conservam, entretanto, o orgulho patriarcal do fazendeiro.

O principal defeito do romance Luzia-Homem consiste no "desnível entre a concepção e a execução, na grandeza daquela, na franqueza desta”. Na verdade, carece o romance de simplicidade de expressão. A linguagem usada é, muitas vezes, arrevesada e imprópria, prejudicada ainda por excessos retóricos. Por fim, Domingos Olímpio é um autêntico romancista regionalista com Luzia-Homemoferecendo-nos "uma visão retrospectiva da condição humana e social do sertanejo, lutando pela sua sobrevivência e a de seus próprios valores no meio, que o castiga, mas com o qual ele se identifica no sofrimento e na alegria".

APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ENTRE OS PERFIS DE IRACEMA E LUZIA-HOMEM

José de Alencar e Domingos Olímpio tiveram cada qual a sua época um papel decisivo na literatura cearense e brasileira. O primeiro inspirou sua obra em um tempo em que a identidade do Brasil era formada enquanto que o outro optou narrar a bravura já nascente da mulher cearense no período causticante da seca.

Iracema e Luzia-Homem. Duas abordagens diferentes de arquétipos femininos, mas tendo em comum a característica mais definidora de heroína cearense, a força. Enquanto Iracema ama desapegadamente o europeu português, e chora sua partida percorrendo as margens da lagoa de Messejana:"Tão rápido partia de manhã, como lenta voltava à tarde. Os mesmos guerreiros que a tinham visto alegre nas águas da Porangaba, agora a encontrando triste e só, como a garça viúva, na margem do rio, chamavam aquele sítio de Messejana, que significa a abandonada". (ALENCAR).

A brava Luzia-Homem recorda triste já distante sua terra: "Ao espetáculo do alvorecer sem alegria, o campo desolado, sem cântico de pássaros e rumores harmoniosos do trabalho venturoso e fecundante, ela revia sua infância na fazenda Ipueiras: a campina verdejante umedecida de orvalho congregando no côncavo das folhas em gotas trêmulas". (OLIMPO).

A índia tabajara desconhece a seca, sua batalha embora exterior se projeta do interior em busca do amor. A retirante de Domingos Olímpio procura sobreviver e nesta luta aprende a bravura dos homens, não perdendo sua feminilidade, mas tornando-se mais forte do que a cruel realidade ditada pelas secas já vividas. Em tudo, o autor foi fiel à tendência literária da época: a rudeza e brutalidade das cenas, a crueza dos episódios, o entrechoque dos instintos, a intensidade das forças desencadeadas.

Quando o primeiro cearense nasce o guerreiro está distante, mas Iracema alimenta Moacir (filho do sofrimento) até que as tetas neguem o leite e passem a brotar sangue. Luzia-Homem entrega seus sonhos ao futuro incerto de retirante, sempre encontrando nos povoados em que se abriga a sensação de desamparo.

A serra da Ibiapaba está nos dois livros presentes, em Iracema vem da serra a água fresca que lhe banha o corpo e esverdeia toda mata conhecida pela índia. É na citação da serra no início do capítulo segundo, que o autor nos apresenta sua personagem:

"Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira".

Em Luzia-Homem ela é vista como um Eldorado distante, sempre a marcar as noites com relâmpagos que prenunciam de acordo com o tempo o período chuvoso ou a escassez vindoura:"Olhares ansiosos procuravam, em vão, o fuzilar de relâmpagos longínquos a pestanejarem no rumo do Piauí, desvelando o perfil negro da Ibiapaba. Nada; nem o mais ligeiro prenúncio das chuvas de caju".

José de Alencar de forma sutil descreve com esmero a simbiose da nativa ao ambiente:"Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-se o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto".

Imagens e Metáforas:

Uma das grandes habilidades de Alencar está em representar o pensamento selvagem por meio de uma linguagem cheia de imagens e de metáforas. Sabe-se que as sociedades que não avançaram no terreno da lógica argumentativa (que pressupõe noções científicas básicas) têm em contrapartida grande riqueza no plano mitológico. Elas se valem dos mitos e das histórias para explicar o mundo.

O pensamento do selvagem é imagético e, por isso, está muito próximo da poesia. Vê-se nesse ponto como o autor soube unir forma e conteúdo. De outro modo seria difícil caracterizar a linguagem do índio sem prejuízo da verossimilhança.

Existe, no entanto a harmonia de dois arquétipos femininos entre os romances apresentados e mesmo o primeiro sendo um conto romântico e o segundo uma narrativa de caráter naturalista; a própria feminilidade e a sua força são um elo inquestionável entre as duas protagonistas.

Enquanto o romantismo permeia a história de Iracema, levando-nos a caminhar por disputas entre o índio e o branco conquistador. A realidade mais cruenta do sertanejo nos é imposta por Domingos Olímpio na saga da sua heroína que de forma rude se impõe perante o clima hostil da seca e sua humilhante condição de retirante maltrapilha.

Iracema e Luzia-Homem amam, sofrem e morrem de forma dramática mas corajosa. Ambas possuem características semelhantes e fortes na obra sensibilidade aguçada, boa, corajosa, firme de caráter, constituindo-se num "símbolo da mulher cearense, heróica na sua luta contra o flagelo da seca, da emigração e da prostituição.

Iracema foi publicado em 1865. Na época do lançamento do livro, Ipu já era um próspero município, mas ainda guardando como precioso tesouro a Bica feito um véu de noiva que a índia tabajara se banhava para tirar o suor salgado das praias do litoral quando no sítio chegava. Domingos Olímpio ao colocar como lugar de forjamento da índole forte e batalhadora de Luzia Homem a fazenda Ipueiras, lançou mão da mesma estratégia de seu conterrâneo, regressou a um período mais próximo da história cearense, fato este ao se constatar que no ano de lançamento de Luzia Homem (1903), a fazenda Ipueiras já não mais existia, havia se tornado município em 1883, completando na época vinte anos de municipalidade, ambos os autores remontaram as origens primevas dos sítios em que desejavam narrar suas tramas.

Iracema e Luzia-Homem são os dois arquétipos femininos mais fortes presentes na literatura cearense, são protagonistas de tramas cativantes e dolorosas e por isso merecedoras de respeito a todos que amam a boa literatura.

CONCLUSAO:

Por fim, conclui-se que as obras abordadas serviram de embasamento para melhor entendermos a grande importância que contem nos acervos de nossa literatura. É visível a maturidade linguística em ambas as obras, atingindo assim a melhor estruturação, sob pontos estéticos, havendo assim uma contribuição para a construção da Literatura Brasileira e o enriquecimento de nossos artifícios mentais ao que se remete dirigir-se ao desconhecido.

 

REFERÊNCIAS:

CANDIDO, Antônio &CASTELLO,JoséAderaldo.Presença da Literatura.4º ed.São Paulo,1972.

José de Alencar, O guarani, Iracema, Ubirajara – Edição comemorativa do centenário de morte do autor, Rio de Janeiro, José Olympio, 1977, pag. 223.

MOISÉS, Massud.A Literatura Brasileira através dos textos.21.ed.São Paulo:Cultrix.