CONSTITUCIONALIDADE OU INCONSTITUCIONALIDADE DO IPTU PROGRESSIVO: FISCALIDADE OU COMPULSORIEDADE
Passa-se agora a discutir o imposto predial e territorial urbano progressivo, em especial no que concerne a questões relativas à fiscalidade, extrafiscalidade e compulsoriedade.
Inicialmente faz-se necessário definir tais conceitos a fim de discutir detalhadamente a questão.
Os conceitos de que se tratará a partir de agora estão relacionados à vontade que o Estado tem ao estabelecer tal forma de tributo, possuindo cada um deles um objetivo diferenciado.
4.1 Fiscalidade
Segundo Hugo de Britto Machado (2006, p. 75) a fiscalidade ou função fiscal do tributo é refletida quando um tributo é instituído com o objetivo de arrecadar recursos financeiros para o Estado.
Extrai-se desse conceito que a função fiscal consiste em uma forma do Estado adquirir receita para poder arcar com os gastos realizados pela administração pública.
Nesse sentido, complementando tal idéia tem-se que em sua maioria os tributos têm como objetivo arcar com as despesas públicas, possuindo primordialmente finalidade arrecadatória. Cite-se, Edison Carlos Fernandes (2009, p. 35):
O estudo do tributo, como não poderia deixar de ser, surge na doutrina da ciência das finanças, ciência esta que tem por objetivo as finanças públicas. Por sua vez, a análise das finanças públicas principia pela pesquisa e justificação das despesas públicas, imprescindíveis em qualquer organização estatal. Essas despesas públicas são dadas, muitas vezes, independentemente da interferência ou do desejo do governante de plantão.
Destaca-se portanto, que a função fiscal é a função primordial do tributo, da qual não existem grandes discussões ou questionamentos.
No entanto, doutrina e jurisprudência são consoantes no entendimento de que nenhum tributo possui apenas a função fiscal, qual seja: a função arrecadatória. Os tributos possuem ainda uma função de intervenção social, conforme menciona Hugo de Britto Machado (2006, p.64):
No estágio atual das finanças públicas, dificilmente um tributo é uti¬lizado apenas como instrumento de arrecadação. Pode ser a arrecadação o seu principal objetivo, mas não o único. Por outro lado, segundo lição pré-valente na doutrina, também o tributo é utilizado como fonte de recursos destinados ao custeio de atividades que, em princípio, não são próprias do Estado, mas este as desenvolve, por intermédio de entidades específicas, no mais das vezes com a forma de autarquia. É o caso, por exemplo, da previdência social, do sistema financeiro da habitação, da organização sin¬dical, do programa de integração social, dentre outros.
Por tratar-se de tema consensual não existem grandes discussões acerca da fiscalidade dos tributos. Desta forma, passa-se agora a discutir a função extrafiscal dos tributos.
4.2 Extrafiscalidade
Sandro Cabral Silveira (2002) ao conceituar extrafiscalidade explica que:
É a função atribuída ao tributo pelo meio do qual o Estado visa interferir no mercado econômico. Isto não quer dizer que este não arrecade recursos para o Estado. Os recursos são conseqüências do existir do tributo. No entanto, para ter função extrafiscal, o tributo tem que ser criado principalmente para interferir no domínio econômico.
Verifica-se que tal forma de tributo visa atingir finalidade diversa àquela característica arrecadatória básica dos impostos, podendo com a arrecadação da mesma, contribuir para um crescimento e uma efetividade de projetos que abrangem outras matérias, como por exemplo, o incentivo à preservação cultural e ambiental, bem como na busca pela Justiça Social.
Tem-se, portanto, que o objetivo da extrafiscalidade está em estimular o contribuinte a agir de acordo com a busca do interesse público, ou seja, o poder público utiliza dos tributos a fim de efetuar a devida regulação dos comportamentos sociais.
4.3 Compulsoriedade
A compulsoriedade se reflete no sentido de ser uma obrigação a ser imposta ao indivíduo. Em se tratando de direito tributário, a idéia de compulsoriedade está sempre presente, porém, deve-se interpretá-la de maneira bastante particular. Nesse sentido:
Embora todas as prestações jurídicas sejam, em princípio, obrigatórias, a compulsoriedade da prestação tributária caracteriza-se pela ausência do elemento vontade no suporte ético da incidência da norma de tributação. O dever de pagar tributo nasce independentemente da vontade (MACHADO, 2004, p. 65).
Considera-se a necessidade da compulsoriedade no que diz respeito aos tributos, porque, considerando a não existência de tal característica, ficaria o Estado refém da boa vontade dos contribuintes, o que de um ponto de vista prático, demonstraria um número quase mínimo de contribuintes dispostos a pagar impostos.
A compulsoriedade está presente inclusive na própria definição de tributo trazida pelo Código Tributário Nacional em seu artigo 3º, como a prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Ou seja, os tributos são totalmente exigíveis pelo estado independente da vontade do contribuinte graças a essa característica de compulsoriedade.
O que se busca discutir a partir de agora é se essa compulsoriedade se aplica a toda e qualquer forma de tributo. Em específico busca-se explicar se o imposto predial e territorial urbano em sua forma progressiva possui o mesmo caráter compulsório que as demais formas de tributo. E se essa compulsoriedade reflete-se fundamentada na legislação brasileira ou reveste-se de inconstitucionalidade.
A compulsoriedade pode ser entendida no fato de que o sujeito passivo não será obrigado a pagar o imposto, a não ser que haja previsão legal determinando tal pagamento.
Pode-se então associar tal compulsoriedade ao princípio constitucional da legalidade expresso no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, o qual determina que ninguém será obrigado a fazer nada, senão em virtude de lei.
Tem-se, portanto, que a obrigação tributária não é voluntária, mas sim decorre do império da lei, ou seja, o contribuinte é obrigado a pagar. Se não houvesse uma apresentação desse caráter compulsório essa obrigação seria facultativa, o que não ocorre com a obrigação tributária.
4.4 O estabelecimento da progressividade do imposto predial e territorial urbano
Após discorrer acerca das características dos tributos passa-se agora a discutir a constitucionalidade do imposto predial e territorial urbano progressivo, tendo em vista que a progressividade fere as características de fiscalidade e compulsoriedade, revestindo-se com uma característica sancionatória.
Inicialmente necessário se faz estabelecer a diferença entre a progressividade fiscal e a progressividade extra-fiscal, conceituando-as e caracterizando-as de forma individualizada.
4.4.1 Progressividade Fiscal e Progressividade extrafiscal
Alexandre Sturion de Paula (2007, p.78) ao conceituar a progressividade fiscal expõe:
A progressividade fiscal é a determinada em função da capacidade econômica do contribuinte, dando assim vida à máxima de tratar os desiguais de forma desigual na medida de suas desigualdades. Em outras palavras, tal progressividade é aplicação prática do princípio da igualdade e do princípio da isonomia, que confere tratamento equânime somente àqueles que se encontram na mesma situação. A função da progressividade fiscal é meramente abastecer os cofres públicos retirando parcelas no patrimônio do contribuinte, sendo que aquele que pode mais, deve contribuir de forma mais vultuosa.
Desta forma, tem-se que na progressividade fiscal a alíquota tributária do contribuinte é majorada de acordo com a capacidade econômica que o mesmo possui.
Já a progressividade extrafiscal é entendida como um tributo que não tem o objetivo de arrecadar verbas ao poder público, e sim como forma de obrigar o proprietário do imóvel a efetuar seu adequado uso.
Contudo, ressalte-se que para que não seja considerado inconstitucional, a forma de adequação supracitada, deve estar devidamente expressa no texto constitucional.
Tem-se ainda conceito referente à chamada progressividade ordinária. Entretanto, aduz-se também a conhecida como progressividade no tempo. Hugo de Brito Machado (2006, p.402) ao discorrer sobre o tema, explica que no caso da progressividade no tempo a alíquota do imposto cresce em função do tempo durante o qual o contribuinte se mantém em desobediência ao plano de urbanização da cidade.
Ressalta ainda que na progressividade tem-se que o imposto possui alíquotas que variam para mais em função de um elemento do fato gerador do imposto, em relação ao mesmo objeto tributado.
4.4.2 Progressividade: dos aspectos históricos relevantes
Inicialmente traça-se um paralelo acerca das normas constitucionais da progressividade do imposto predial e territorial urbano, bem como se faz necessária uma análise do posicionamento jurisprudencial antes e depois da promulgação da Emenda n. 29, de 13 de setembro de 2.000.
Antes da referida emenda o artigo 182 tinha a seguinte redação:
Art. 182. [...]
§ 4°. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
O dispositivo permitia ao poder público municipal o parcelamento ou edificação compulsórios e imposto predial e territorial urbano progressivo no tempo aos que mantivessem imóveis urbanos não edificados, subutilizados ou não utilizados.
No entanto, explica Roque Antônio Carraza (2004, p. 32) não configura propriamente dito o princípio da progressividade, mas uma faculdade que autoriza o fisco avaliar a capacidade contributiva do contribuinte, e assim, estabelecer alíquotas progressivas de imposto predial e territorial urbano.
Desta forma, não se tinha uma possibilidade de ajustar progressivamente, ano a ano a alíquota de imposto predial e territorial urbano, mas sim estabelecer alíquotas diferenciadas de acordo com o poder econômico do contribuinte. Razão pela qual ao serem estabelecidas alíquotas com aumento sucessivo muitos municípios sofreram questionamentos judiciais acerca de tal forma de cobrança de imposto predial e territorial urbano.
Nesse sentido:
É que o art. 182 (especialmente seu § 4°, II), prevê uma disciplina extrafiscal. Consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de valores constitucionalmente consagrados (no caso, valores urbanísticos) (ATALIBA, 1990, p. 237).
Em virtude do disposto acima, tem-se a origem de diversas discussões jurídicas acerca da constitucionalidade dessa cobrança. Nesse sentido, cita-se jurisprudência do STF:
RE 153771 / MG - MINAS GERAIS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO. EMENTA: - IPTU. Progressividade. - No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. - Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § 1º (específico). - A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, I, § 1º. - Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando-se inconstitucional o sub-item 2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei 5.641, de 22.12.89, no município de Belo Horizonte. (JUSBRASIL, 1997)
Em voto contrário ao do relator, os Ministros entraram no consenso de que sendo o imposto predial e territorial urbano um imposto real, não poderia ser graduado segundo a capacidade econômica do contribuinte, afastando a progressividade disso, pois, para fins de cálculo desse imposto não eram consideradas as condições pessoais do sujeito passivo.
Observa-se ainda o entendimento de que a progressividade poderia ser admitida, desde que observados os requisitos constitucionais trazidos no artigo 182, em seu parágrafo 4°, o que deveria ser interpretado em consonância com o artigo 156, parágrafo 1°.
A análise do entendimento jurisprudencial trazido demonstra que anteriormente à edição da emenda constitucional 29 de 2000, a progressividade do imposto predial e territorial urbano com caráter extrafiscal não era admitida pela Suprema Corte, haja vista o caráter real do imposto em comento. Exigia-se então lei federal específica que se normatizava à edição de lei municipal para a cobrança de tal imposto na forma progressiva.
Nesse caso, portanto, somente poderia ser instituído o imposto predial e territorial urbano progressivo no tempo se houvesse a edição de lei federal, além da previsão da hipótese no plano diretor e da edição de lei específica municipal. A Lei Federal exigida pelo mencionado dispositivo veio em 2001, com a Lei nº 10.257 do Estatuto da Cidade.
Nesse caso, era evidente o caráter extrafiscal do aumento sucessivo do tributo, obtendo um caráter sancionatório e coativo, visando levar o contribuinte a tomar certas condutas a fim de que cumprisse com os objetivos do Estado.
Em virtude desse fato muitos juristas criticaram tal situação afirmando que o fim era meramente arrecadatório sem estar vinculado a um fato concreto.
Nesse sentido, Ives Gandra e Aires Barreto (2002, p. 111), em comentários a essas regras, entenderam ser constitucional a sua instituição por lei municipal, desde que não importasse em confisco ou negação da propriedade. Assim se posicionam:
À primeira vista, parece que o Texto Constitucional de 1988 facultou, amplamente, a utilização do imposto com fins regulatórios, mediante o emprego da progressividade. Em outras palavras, num exame apressado, concluir-se-á que a Carta Magna originária autoriza o emprego do tributo com funções extrafiscais, permitindo que as alíquotas sejam graduadas, de acordo com os critérios definidos em lei municipal. [...]
Autorizada, assim, implicitamente, no sistema anterior, pode parecer, em primeira análise, que o § 1° do artigo 156, na redação originária veio a tornar expresso o que era implícito, espancando dúvidas a respeito. Chegamos até a admitir a suposição de que tenha sido esse o intento do constituinte. Todavia, se assim o pretendeu, expressou-se em sentido diverso. A mens legis, portanto - qualquer que tenha sido o propósito do legislador - não permite essa interpretação.
Não se perca de vista que o § 1° do artigo 156, antes da emenda 29/2000, não previu, singelamente, a possibilidade de o imposto ser progressivo, nos termos da lei municipal. Autorizou a progressividade, mas impôs-lhe restrição: "de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade".
Defendendo a constitucionalidade de tal, Geraldo Ataliba (1990, p. 37), lecionava:
Ora, esta tese [da utilização da progressividade com fins extrafiscais] não implica, absolutamente, censura à progressividade projetada, como o foi, com finalidades puramente fiscais, tendo em vista melhor e mais perfeita adequação à capacidade contributiva dos proprietários, no clima de solidariedade social que a Constituição de 1988 instaurou.
Verifica-se, portanto, que se fosse analisado somente o parágrafo primeiro de artigo 156, de forma individualizada, caracterizaria um objetivo arrecadatório, contudo com a garantia de que haveria o cumprimento da função social por parte do proprietário. Entretanto, se for analisado o artigo 156 juntamente com o 182, parágrafo 4º, tal interpretação anularia seu fim arrecadatório, passando a obter um objetivo extrafiscal, a fim de estimular o proprietário a efetuar a destinação necessária em sua propriedade.
Considerando as duas correntes contrárias e que embora fosse jurisprudência pacífica na Corte Constitucional o legislador pátrio buscou dirimir tal situação a fim de evitar novos questionamentos, e editou a emenda Constitucional 29 de 13 de setembro de 2000.
Com a referida emenda o artigo 156 da Constituição Federal passou a ter a seguinte redação:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I - propriedade predial e territorial urbana;
II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:
I ? ser progressivo em razão do valor do imóvel;
II ? ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel;
A emenda constitucional 29 mudou a redação do dispositivo em comento permitindo que o imposto predial e territorial urbano, que antes poderia ser progressivo de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade, pudesse ser progressivo também em razão do valor do imóvel (inciso I), e ainda que possam ser estabelecidas alíquotas diferentes de acordo com a e utilização do imóvel (inciso II).
Essa alteração insere na Constituição Federal de 1988 a possibilidade de estabelecer a progressividade para fins meramente arrecadatórios, pois permite a majoração de alíquotas à medida que aumenta o valor de venda do imóvel.
O advento da emenda constitucional nº29 de 2000 causou também uma mudança no entendimento jurisprudencial, que anteriormente não admitia uma função extrafiscal para os impostos.
Nesse sentido:
RE 423768 / SP - SÃO PAULO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Ementa : IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO ? PROGRESSIVIDADE ? FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ? EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29/2000 ? LEI POSTERIOR. Surge legítima, sob o ângulo constitucional, lei a prever alíquotas diversas presentes imóveis residenciais e comerciais, uma vez editada após a Emenda Constitucional nº 29/2000. (STF.JUS, 2011)
Destaca-se que anteriormente, a jurisprudência do Pretório Excelso era contraria à aplicação de imposto predial e territorial urbano na sua forma progressiva, mas com a edição da Emenda à Constituição esse entendimento mudou admitindo a progressividade no tempo.
No mesmo sentido:
RE 412689 AgR / SP - SÃO PAULO. AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. EROS GRAU. Ementa: EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IPTU PROGRESSIVO E TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA E CONSERVAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A ação mandamental deve ser ajuizada em face de ato ilegal ou abusivo emanado do poder público ou de quem lhe faça as vezes, figurando no pólo passivo a autoridade que detenha os poderes capazes de neutralizar o ato atacado. A autoridade coatora, assim, não se confunde com a pessoa jurídica de direito público ou privado a que se encontra vinculada. 2. É inconstitucional a cobrança do IPTU com base e alíquotas progressivas anteriormente à E.C. n. 29/00. O IPTU constitui espécie tributária de natureza real, a capacidade econômica do contribuinte não pode ser utilizada como critério para a sua cobrança. Precedentes. 3. É inconstitucional a taxa de limpeza pública e conservação, eis que cobrada a título de remuneração de serviço prestado uti universi, não atendendo, assim, aos requisitos de divisibilidade e de especificidade previstos no artigo 145, inciso II, da Constituição do Brasil. Precendentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (JUSBRASIL, 2005)
Da decisão apresentada demonstra-se a mudança no entendimento do Egrégio Tribunal, pois somente passa-se a admitir o imposto predial e territorial urbano progressivo, após a Emenda. Ademais, acrescenta o relator em sua decisão:
Outrossim, a cobrança do IPTU progressivo para fins extrafiscais, consoante hipótese prevista no artigo 182, § 4º, inciso II, da Constituição Federal 1988, somente se tornou possível a partir da edição da Lei n. 10.257/01. Essa lei descreve os requisitos que devem ser observados pelos municípios para a cobrança desse imposto, que não se confunde com o IPTU progressivo para fins fiscais, introduzido pela EC n. 29/00. (JUSBRASIL, 2005)
O objeto de tais discussões sempre gira em torno da natureza do tributo, a análise das jurisprudências acima elencadas demostra que é recorrente a afirmação de que o imposto predial e territorial urbano é imposto de caráter real, não podendo ter sua alíquota variando de acordo com características subjetivas do contribuinte.
No entanto, antes de adentrar o tema da constitucionalidade do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbano progressivo, faz-se necessário discutir sua inserção no Estatuto das cidades e de consequência, sua forma de ocorrência especificamente no plano diretor.
4.5 Progressividade no Estatuto da Cidade
No Estatuto da Cidade, o imposto predial e territorial urbano progressivo, é meio que pode ser utilizado pelo poder público a fim de dar à propriedade urbana possibilidade de cumprimento de sua função social, desde que afirmado pelo plano diretor do município.
Sandro Ari Andrade de Miranda (2006), ao tratar de plano diretor explica que este possui um foco de estratégia fechado. Isto se dá pelo fato do mesmo encerrar num corpo de leis aprovados nas câmaras de vereadores, ou seja, que o seu processo autônomo pode com o tempo, mesmo quando realmente participativo, levar toda a organização popular construída durante a sua elaboração ao imobilismo. É como se o processo terminasse quando a Lei é aprovada na Câmara.
Conforme explicitado no capítulo anterior o plano diretor dá ao município a possibilidade de instituir parâmetros, no que tange às formas de zelar e contribuir para um desenvolvimento social. As cidades que possuem mais de 20 mil habitantes são obrigadas a instituir seu plano diretor. Tal fato vem devidamente elencado no Estatuto da Cidade (lei 10.257 de 10.07.2001).
Contudo, verifica-se que o plano diretor exige do proprietário uma garantia de que seu imóvel urbano estará de acordo com os termos de tal lei, confirmando assim, que o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, em sua forma progressiva e extrafiscal, no qual há um majoramento da alíquota desse imposto, além de estimular o devido aproveitamento do imóvel, ainda contribui para a eficácia da função social que aquela propriedade necessita exercer.
4.6 Constitucionalidade ou inconstitucionalidade da progressividade após a Emenda 29/2000
Feitas essas considerações passa-se a discutir diretamente acerca da constitucionalidade da progressividade do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana em face da busca do cumprimento da função social da propriedade.
Conforme mencionado anteriormente a inconstitucionalidade da progressividade se dá a partir das discussões que se mantém acerca da natureza real do tributo em estudo.
Defendendo o entendimento de que por tratar-se de imposto real não há como
existir em forma progressiva, não podendo considerar características subjetivas do contribuinte, tem-se o posicionamento daqueles favoráveis a inconstitucionalidade.
Carlos Eduardo de Castro Palermo (2002) entende que as discussões sobre constitucionalidade ou não do imposto predial e territorial progressivo não deverão atingir o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana no tempo previsto no Estatuto da Cidade (Lei n.º 10.257, de 10.07.2001), considerando que o referido dispositivo legal visa justamente normatizar o artigo 182 da Constituição Federal de 1988, sempre mantendo o objetivo de alcançar a função social da propriedade urbana.
Exige-se, portanto, que para o estabelecimento de alíquotas progressivas de imposto predial e territorial urbano no tempo há de se cumprir os requisitos estabelecidos pelo Plano Diretor e consequentemente os requisitos traçados pelo Estatuto da Cidade. Qualquer outra forma de progressividade desse imposto deve ser considerada inconstitucional.
Assim, somente, após edição do Estatuto da Cidade, é possível a ocorrência de hipótese prevista no inciso II do parágrafo 4º, do art. 182, ou seja, progressividade no tempo. Acrescente-se a isso, o fato de que a lei em comento ainda exige a aprovação do plano diretor municipal.
Tem-se assim:
Assim, o Município que não elaborar a lei que institui o IPTU progressivo, regulando o procedimento para a aplicação da sanção pela inadequada utilização da propriedade urbana, nos limites estabelecidos pelo Estatuto da Cidade (arts. 5º e 7º), não poderá exigi-lo, face a ineficácia sintática da norma. A falta da lei municipal não permitirá ao intérprete a elaboração da norma jurídica "stricto sensu" a ser construída, para reger a exigência do IPTU-progressivo (BARBOSA, 2007, p. 53).
Para Roque Antonio Carraza (2000, p. 94):
A Constituição quer que além de obedecer ao princípio da capacidade contributiva, o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana tenha alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade (nos termos do plano diretor). Em outras palavras, além de obedecer a uma progressividade fiscal (exigida pelo § 1.º do art. 145, c.c. o inc. I do § 1.º do art. 156, ambos da CF), o IPTU deverá submeter-se a uma progressividade extrafiscal ( determinada no inc. II do § 1.º do art.156 da CF).
Tem-se, portanto, que é admissível e inclusive constitucional a progressividade nos termos estabelecidos na Constituição Federal de 1988, desde que respeitados os limites traçados pelo Plano Diretor, com o objetivo único de cumprimento da função social.
Confirmando tal situação cita-se jurisprudência do STF:
RE 423768 / SP - SÃO PAULO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 01/12/2010. Ementa: IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO ? PROGRESSIVIDADE ? FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ? EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29/2000 ? LEI POSTERIOR. Surge legítima, sob o ângulo constitucional, lei a prever alíquotas diversas presentes imóveis residenciais e comerciais, uma vez editada após a Emenda Constitucional nº 29/2000. (STF.JUS, 2011)
Destaque-se que conforme explicações de Carlos Eduardo de Castro Palermo (2002) os pressupostos para o estabelecimento da progressividade do imposto predial e territorial urbano como instrumento de política urbana são:
a)a existência de um plano diretor;
b)a existência de uma lei municipal específica para a área incluída no plano diretor;
c)a existência de notificação ao particular, devidamente averbada no registro de imóveis, que fixe prazo e condições ao particular para que cumpra as obrigações estatuídas na lei municipal específica,
d)o descumprimento das obrigações pelo particular.
Cumpridos tais pressupostos, torna-se viável e constitucional a implementação de alíquotas progressivas de imposto predial e territorial urbano. E assim admite o Egrégio Julgador:
EMENTA: - IPTU. Progressividade. - No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. - Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § 1º (específico). - A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, I, § 1º. - Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando-se inconstitucional o sub-item 2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei 5.641, de 22.12.89, no município de Belo Horizonte. (JUSBRASIL, 1997)
As limitações a que se refere o julgado anteriormente disposto correspondem àquelas acima citadas, considerando que o legislador pátrio já criou a lei federal para normatizar tal ato, qual seja, o Estatuto da Cidade, e ainda que essa Lei permitiu ao Poder Público municipal o estabelecimento de alíquotas progressivas em busca do cumprimento da função social da propriedade entende-se que a fixação da progressividade nestes casos não se mostra inconstitucional, fato inclusive afirmado pelo STF.

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