Ana Luiza Gussen Ferreira dos Santos

Otavio Augusto de Oliveira Moraes

Sanmella de Pinho e Santos

RESUMO

O presente trabalho tem como fulcro demonstrar a relação intrínseca entre o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, em seu caráter progressivo no tempo, disposto pelo Estatuto da Cidade e pelo primado constitucional de redução das desigualdades regionais e sociais. Desenvolvemos no texto uma leitura orgânica do ordenamento que pensa o imperativo da redução das desigualdades a partir de um olhar urbano, ou seja, que visa o desenvolvimento integral da urbe, propiciando o acesso à vida digna pela população de maneira absoluta. O IPTU, com a emergência do Estatuto da Cidade, abarca importante papel extrafiscal, qual seja o de impedir a atuação econômica especulativa sobre o território urbano. Abordaremos neste trabalho esta função do imposto em baila, correlacionando-o a uma atuação interventiva do Estado no campo econômico, visando atingir os imperativos principiológicos públicos predispostos no texto Constitucional.

1 INTRODUÇÃO

O exto em baila propõe uma reflexão sobre o entranhamento entre a não aplicação do instituto do IPTU progressivo e o primado, que se confirma a partir de uma leitura orgânica do texto Constitucional, de redução das desigualdades regionais e sociais.

Um dos princípios da República Federativa do Brasil é a redução das desigualdades regionais e sociais. O artigo 170 da Constituição Federal da República de 1988, compõe um rol de princípios gerais da ordem econômica, a qual deve fundar-se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar à todos existência digna. Este ditame constitucional consagra a vinculação das diretrizes econômicas pautadas pelo Estado brasileiro ao objetivo de equalização das condições socioeconômicas entre os Estados da federação.

A Constituição Federal da República dispõe em seu texto, concernente à política urbana, sobre a cobrança do IPTU em caráter progressivo. Tal imposto, quando cobrado de forma progressiva, assume função extrafiscal, que, em conformidade com a plataforma do plano diretor, e à luz do desenvolvimento pleno da cidade, primam pelo exercício da função social da propriedade.

A progressividade se traduz em um meio pelo qual o poder público, a partir da oneração de certa conduta de sujeitos proprietários de bens imóveis, objetiva a mudança de postura daqueles quanto à utilização de suas propriedades, de maneira que se adequem ao cumprimento da função social, princípio constitucional da ordem econômica.

À partir da junção destes elementos, mostraremos o atrelamento deste instrumento da política urbana, à uma leitura do princípio da redução das desigualdades regionais e sociais. Esta interpretação reconhece que, na esfera da cidade, o imperativo de formulação de um espaço equânime, de gozo do bem viver, materializa-se pelo acesso de todos e todas à condições sócio-econômicas dignas, dentro das diversas localidades componentes de um Município.

Destarte, defenderemos o caráter imperativo da progressividade, devendo compor o plano diretor como elemento vinculativo, impossibilitando uma atuação majoritariamente discricionária, pelo administrador público, na condução do processo de planejamento urbano à parte deste instituto.

2 A POLÍTICA URBANA CONSTITUCIONAL

O ordenamento constitucional brasileiro possui em seu seio abordagem sobre a política urbana, consagração advinda da luta política encabeçada pela sociedade civil, no que se refere à necessidade de uma reforma urbana (FERNANDES, 1995).

A Política Urbana se encontra no texto constitucional no Capítulo II integrante do Título VII, o qual trata da Ordem Econômica e Financeira. A Constituição, em seu artigo 182, traduz o protagonismo do Município na execução das políticas públicas necessárias à efetivação da função social da cidade. Fica claro, pela leitura do artigo supracitado, o caráter autônomo do município, quando confere ao Poder Público Municipal vários instrumentos próprios que objetivam o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar da população que ali habita. Cite-se: 

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. 

  • 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. 
  • 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. 
  • 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. 
  • 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento,      sob pena, sucessivamente, de: 

I - parcelamento ou edificação compulsórios; 

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. (BRASIL, 1988, p. 75, grifo nosso) 

A conceituação de função social da cidade emerge diante de teorizações desenvolvidas no âmbito da Carta de Atenas (1933), documento chave do urbanismo contemporâneo, a qual teve como um dos principais articuladores o urbanista Le Corbusier. Tal carta tinha como proposta base a conceituação de elementos básicos para a funcionalização da cidade moderna, os quais se dividiam em acesso à, respectivamente: Mobilidade, Trabalho, Moradia e Lazer.

Um dos eixos da função social da cidade é a intervenção sobre a propriedade privada. Ainda, ao debruçarmo-nos sobre a Lei nº. 10.257, de 10 de junho de 2001, Estatuto da Cidade, percebemos que a legislação, em seu intuito de minuciar o primado da função social da cidade, amplia o alcance e a variedade das disposições constitucionais sobre política urbana, e nos coloca à disposição diversos instrumentos interventivos de uso de gestores públicos para a materialização dos primados constitucionais.

Dentre estes instrumentos, o Plano Diretor é um dos mais importantes, dado o fato de que a Carta Magna ao consagrá-lo como plataforma de planejamento participativo, sobre o qual o projeto de cidade será erigido, possibilitou meios específicos de se alcançar a função social da cidade, mostrando-se imprescindível que este seja desenvolvido de maneira participativa.

Neste sentido, a jurista Rodrigues (2016) discorre com clareza sobre a importância do caráter participativo do Plano Diretor, instrumento de construção popular que visa o alcance da funcionalização da urbe, ao expor os méritos deste: 

Estabelece novos critérios para parcelamento do solo, inclui a obrigatoriedade de participação da sociedade civil na elaboração do Plano Diretor Municipal, tido como propulsor de gestão coletiva. Considera o Município como unidade de planejamento do seu espaço territorial. (RODRIGUES, 2016, p.3)

O Plano Diretor é relevante para o tema do IPTU progressivo no tempo uma vez que a definição aplicada de utilização adequada da propriedade será resolvida dentro do planejamento da cidade estabelecida neste plano.

De forma imediata, esta é uma medida de intervenção no gozo da propriedade com o intuito de submetê-la ao princípio de sua função social, o que se mostra razão suficientemente justa e adequada por sua própria natureza, posto que é prevalente o interesse público sobre o particular.

Desta forma, a atuação do Poder Público deve ocorrer de maneira a disciplinar prioritariamente o território urbano, com vistas a possibilitar maior envolvimento da população no delineamento e no desenvolvimento urbano, bem como, consequentemente, em seu próprio bem estar. 

3 CIDADE E PROPRIEDADE: EXTRAFISCALIDADE 

De inicio, cabe esclarecer que as políticas públicas urbanas perpassam pela intervenção no livre gozo da propriedade privada, no intuito de materialização do primado de funcionalização social desta. O ordenamento jurídico brasileiro tem no Estatuto da Cidade, em seu artigo nº. 39, importante instrumento para a consolidação da propriedade-função, dispondo que a propriedade cumpre sua função quando se adequa aos desígnios do Plano Diretor, o que, em outras palavras, pode-se inferir a significação da propriedade em seu caráter social, estando posta ao julgo da população. Cite-se: 

Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei. (BRASIL, 2001) 

Dentre os instrumentos de intervenção na propriedade presentes na temática de política urbana do ordenamento brasileiro, temos o objeto de nosso estudo, o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU progressivo no tempo, trazido pela Constituição de 1988, em seu artigo 182, §4º, II, e regulado pelo Estatuto da Cidade, Lei 10.257 de 2001 em seu artigo 7º. Este, por sua vez, adquire caráter extrafiscal, com o fito de disciplinar os proprietários, no que se refere ao cumprimento com o predisposto no Plano Diretor.

A extrafiscalidade é o uso do tributo para fins meta-financeiros, ou seja, além de angariar receita para o Estado, este visa incentivar ou desmotivar o proprietário do imóvel urbano em relação a certas condutas. Conceituada por FALCÃO (1981) cabe citar os seguintes dizeres: 

[...] tributação extrafiscal é o conceito que decorre da tributação fiscal, levando a que entendamos extrafiscalidade como atividade financeira que o Estado desenvolve sem o fim precípuo de obter recursos para seu erário, mas sim com vistas a ordenar a economia e as relações sociais, sendo, portanto, conceito que abarca, em sua amplitude, extensa gama de opções e que tem reflexos não somente econômicos e sociais, mas também políticos [...] (FALCÃO, 1981, p.118) 

Outrossim, o IPTU progressivo no tempo permite ao Município aumentar, progressivamente, o valor da alíquota do IPTU de um imóvel, na hipótese deste proprietário não lhe dar utilização em conformidade ao Plano Diretor, neste caso, revelando-se instrumento hábil na contenção de atividade meramente especulativa no âmbito imobiliário, posto que tal conduta afeta o uso eficiente do território urbano, impossibilitando o acesso à moradia, bem como o cumprimento da função social da cidade.

[...]