Resumo: o presente artigo tem como objetivo discutir como o ordenamento jurídico regulou esse importante gravame a fim de se entender a sua finalidade, bem como as suas principais questões controvertidas. Antes da EC-29/2000, o único critério de progressividade era aquele respaldado na “função social da propriedade” É o que a doutrina chama de “progressividade no tempo” ou “progressividade extrafiscal”. Com o advento da EC-29/2000, que alterou os art. 156, §1º, I e II e sua leitura conjunta com o art. 182, §4º, II, CF/88 foi estabelecido quatro critérios de progressividade “extrafiscal para o IPTU”, que se consubstancia na localização, valor, uso e, por fim, função social. Com a nova progressividade, o IPTU, adquiriu uma estranha conotação de “imposto pessoal”, já além da progressividade “extrafiscal”, o IPTU ganhou uma “progressividade fiscal”. Nesse sentido, o presente artigo pretende trazer alguns esclarecimentos sobre o tema.

Palavras-chave: IPTU, função social, progressividade fiscal, progressividade extrafiscal.

1– INTRODUÇÃO

                        Inicialmente, cumpre ressaltar que o IPTU é um imposto, espécie do gênero tributo. O IPTU é um imposto municipal, de competência dos Municípios e Distrito Federal (Art. 156, I, c/c art. 147 “in fine” da Constituição Federal de 1988), que tem como sujeito passivo o proprietário, o titular do domínio útil e o possuidor do bem imóvel (“animus domini”) do bem imóvel.

 

2 – O FATO GERADOR

 

                        O fato gerador consiste na propriedade, domínio útil ou a posse de bem, localizado em zona urbana. Nas palavras de Geraldo Ataliba podemos definir fato gerador como “fato imponível”, que é a materialização da hipótese de incidência. De acordo com Eduardo Sabbag, o fato gerador “caracteriza-se pela concretização do arquétipo legal (abstrato), compondo dessa forma, o conceito de ‘fato’. Assim, com a realização da hipótese de incidência, teremos o fato gerador ou fato jurígeno” (SABBAG, 2010, p. 652).

                        Segundo Eduardo Sabbag, o fato gerador do IPTU é composto de dois elementos, um espacial e um temporal.

                        O primeiro elemento, o elemento espacial, do fato gerador, nos termos do art. 32 do CTN é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizada na zona urbana do Município. Propriedade pode ser definida como o gozo jurídico pleno de uso, fruição e disposição do bem imóvel. Domínio útil pode ser definido como um dos elementos de gozo jurídico da propriedade plena. A posse manifesta-se quando alguém age como se fosse titular do domínio útil (usucapionem), ou seja, a posse juridicamente perfeita (SABBAG, 2010).

                         Outro ponto a ser destacado para o entendimento do fato gerador do IPTU é o conceito de zona urbana que o art. 32 do CTN faz referência. A partir da análise dos incisos I ao V do §1º do art. 32 do Código Tributário Nacional podermos extrair o conceito de “zona urbana”:

 

Art. 32. § 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:

        I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;

        II - abastecimento de água;

        III - sistema de esgotos sanitários;

        IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;

        V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.

                        Da análise do referido artigo e seus incisos podemos inferir como sendo zona urbana a área definida em lei, que atenda a pelo menos dois daqueles requisitos indicados a cima. Se assim o for, sobre o detentor ou proprietário do imóvel (sujeito passivo) incidirá o gravame.

                        O §2º do art. 32 CTN diz que a lei municipal pode considerar urbanas as áreas “urbanizáveis” ou de “expansão urbana”, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados a habitação, indústria ou comércio, fora da área propriamente urbana.

                        O segundo elemento do fato gerador do IPTU é o elemento temporal, que consiste na apuração, ou seja, anual, a ser estabelecido (1º de janeiro) por meio de uma ficção jurídica.

3 – A BASE SE CÁCULO

 

                        A base de cálculo, segundo o art. 33 do CTN é o valor venal do bem imóvel, não se considerando o valor dos bens móveis mantidos, em caráter permanente ou temporário, no imóvel. “Pode-se afirmar que será o preço à vista que o imóvel alcançaria se colocado à venda em condições normais no mercado imobiliário” (SABBAG, 2010. p. 964). A base de cálculo do IPTU pode ser atualizada de acordo com os índices de correção monetários. Entretanto, qualquer atualização que represente um aumento do tributo, deve atender ao art. 97, §§1º e 2º do CTN:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

        I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;

        II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

        III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

        IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

        V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

        VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

        § 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.

        § 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.

                        Ou seja, de acordo com o CTN, índices de atualização da base de cálculo somente poderão se dar por meio de instrumento infra-legal (como por exemplo, decreto), quando essa majoração estiver a baixo dos índices oficiais de correção monetária. Caso o aumento se dê por meio de valores à cima dos índices de correção monetária do período, esse aumento somente poderá se dar por meio de lei.

                        Esse também é o entendimento do STJ:

TRIBUTÁRIO - IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO (IPTU) - MAJORAÇÃO - LEGALIDADE TRIBUTÁRIA (CTN, ART. 97, II, PARÁGRAFOS 1. E 2.) - VALOR VENAL DO IMOVEL - ATUALIZAÇÃO - ATO DO PODER EXECUTIVO - PRECEDENTES DO STF E DO STJ. - A majoração da base de calculo do IPTU depende da elaboração de lei, exceto nos casos de simples atualização monetária, em atendimento ao principio da reserva legal. - não pode o município, por simples decreto, atualizar o valor venal dos imóveis, para fins de calculo do IPTU, com base na planta de valores, ultrapassando a correção monetária autorizada por ato administrativo. - recurso conhecido e provido.

(REsp 35117 RS 1993/0013561-9, REL. MIN. PEÇANHA MARTINS. J. 27/10/1993)

                        Esse entendimento também se encontra consubstanciado na Súmula n. 160 do STJ:

SÚMULA N. 160. É defeso ao Município atualizar o IPTU, mediante Decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.

                        Eduardo Sabbag explica essa situação dizendo que mesmo atualizando monetariamente, não e consiga chegar ao valor venal do imóvel. Nessa hipótese, quando se pensa em atualizá-lo com índices acima da correção monetária do período, o que de fato pode ocorrer é uma majoração, que só será possível por meio de lei, em face da estrita legalidade tributária ou tipicidade cerrada, e não uma atualização, permitida por instrumento infra-legal (SABBAG, 2010. p. 965).

                        Segundo Sacha Calmon Navarro Coelho, não é difícil entender essa opção feita pelo legislador. Nas grandes cidades é praticamente impossível avaliar, anualmente, imóvel por imóvel. Então são feitas plantas genéricas com múltiplos critérios de valoração e enquadramento do imóvel. Tal solução ainda é considerada precária, uma vez que se trata de arbitramento do valor venal, com imprecisos fatores de concreção. As zonas urbanas sofrem constantes fenômenos que valorizam ou desvalorizam os imóveis, de difícil apreensão pela municipalidade. Caso discorde o contribuinte pode buscar a reavaliação perante o órgão da administração ou perante o poder judiciário (COELHO, 2011. p. 521).

                        Cumpre observar quanto à base de cálculo a inovação trazida pela EC-Nº. 42/2003, que dispôs, na parte final do art. 150, §1º da CF/88 que a alteração na base de cálculo do IPTU, constitui uma exceção à regra da anterioridade nonagesimal (ou princípio da noventena). Dessa forma, é possível que se proceda à fixação legal do valor venal do imóvel ao dia 31 de dezembro para que seja aplicado dia 1º de janeiro do exercício financeiro subseqüente, ou seja, no dia seguinte. Tal opção legislativa é altamente criticada pela doutrina, por ser um tanto oportuno. Mesmo obedecendo ao princípio da anualidade, é muito comum serem aprovados aumentos no último dia do ano, momento em que a sociedade está distante dos assuntos legislativos, para que incidam no dia posterior. A pesar de muitos defenderem que se respeita o princípio na anualidade, os fins a que ele objetiva como preparar o contribuinte para o aumento da exação para que não seja pego de surpresa é totalmente esquecido.

4 – AS ALÍQUOTAS

                        Ponto importante a se destacar é no que concerne à progressividade das alíquotas, que sofreu alterações com a EC-29/2000. Segundo Eduardo Sabbag:

A progressividade é técnica de incidência de alíquotas variadas, cujo aumento se dá na medida em que se majora a base de cálculo do gravame. O critério diz com o aspecto quantitativo, do que decorre tanto a progressividade fiscal como a progressividade extrafiscal. A primeira alia-se ao brocado “quanto mais se ganha mais se paga”, no intuito meramente arrecadatório, que permite onerar mais gravosamente a riqueza tributável maior. A segunda, por sua vez, fia-se à modulação de condutas, no bojo do interesse regulatório (SABBAG, 2010, p. 965).

                        O IPTU é um imposto incidente sobre a propriedade. Dessa forma, é um imposto real, não podendo incidir sobre a renda do proprietário do imóvel. Historicamente sempre se admitiu ao IPTU a progressividade no tempo, para fins extrafiscais, como instrumento de pressão ao proprietário do bem imóvel para que dê ao bem o adequado aproveitamento da propriedade em consonância com o cumprimento de sua função social.

                        Antes da EC-29/2000, o único critério de progressividade era aquele respaldado na “função social da propriedade” (Art. 156, §1º, c/c Art. 182, §4º, II, ambos da CF – vide Súmula 668, STF). Era o que se chamava de progressividade com base na busca do adequado aproveitamento da propriedade, onerando-se mais gravosamente, o proprietário que mantivesse a propriedade subaproveitada, em desrespeito a uma das mais primordiais funções da propriedade imóvel, que é o atendimento a um fim social. É o que a doutrina chama de “progressividade no tempo” ou “progressividade extrafiscal”.

                        Com o advento da EC-29/2000, que alterou os art. 156, §1º, I e II e sua leitura conjunta com o art. 182, §4º, II, CF/88 foi estabelecido quatro critérios de progressividade “extrafiscal para o IPTU”, que se consubstancia na localização, valor, uso e, por fim, função social. Com a nova progressividade, o IPTU, adquiriu uma estranha conotação de “imposto pessoal”, já além da progressividade “extrafiscal”, o IPTU ganhou uma “progressividade fiscal”. Nesse caso, o princípio da capacidade contributiva, válido somente para impostos pessoais, conforme se depreende da leitura do art. 145, §1º da CF/88, se estendeu a um imposto de natureza real, que a princípio estaria longe de ter alguma relação com o proprietário do imóvel. Veja a redação do art. 145, §1º:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

(...)

§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

                        O art. 145, § 1º CF/88 deu ao princípio da capacidade contributiva nova afeição quando aplicado ao IPTU.

                        Parte da doutrina tece críticas contundentes quanto à nova afeição que EC-29/2000 deu ao princípio da capacidade contributiva. Na visão destes autores, essa nova concepção vai a desencontro das normas gerais de direito tributário.

                        Segundo Roque Antônio Carraza, a capacidade contributiva, para fins de tributação via IPTU, deve ser aferida em função do próprio imóvel e não em razão da fortuna em dinheiro do proprietário. Ou seja, deve se levar em consideração fatores como a localização, dimensões, e características do imóvel. Caso esses preceitos não fossem observados, poderiam ocorrer situações inconcebíveis como, por exemplo:

(...) num prédio de alto luxo, com um apartamento por andar, cada proprietário pagaria um IPTU diferente (assim, v. g.. o banqueiro bem sucedido pagaria o imposto no grau máximo e o aposentado, que recebe pensão previdenciária do INSS, nada pagaria). Não nos parece seja este o espírito do dispositivo constitucional. A nosso ver, a só propriedade do imóvel luxuoso constitui-se numa presunção iuris et iure de existência de capacidade contributiva (pelo menos para fins de tributação por via de IPTU). Estaria inaugurado o império da incerteza se a situação econômica individual do contribuinte tivesse que ser considerada na hora do lançamento desde imposto (CARRAZA, 2010. p. 116).

                        Sabbag entende que a progressividade do IPTU deve estar respaldada na função social da propriedade como único critério válido de variação de alíquotas. A progressividade dessa exação deve estar adstrita exclusivamente ao adequado aproveitamento da propriedade. Assim, teríamos um regramento mais objetivo, onde, o imóvel que cumpre a função social paga menos e o que não cumpre paga mais (SABBAG, 2009. p. 37). Nas palavras do autor:

A emenda laborou em erro ao estabelecer grandeza de variação do IPTU atinentes às características pessoais do contribuinte. O IPTU é um imposto real. Dessarte, o que tem de servir de base de cálculo para o IPTU é o valor venal do imóvel. Assim, tal tributação, ao pautar em critérios aferidores da condição pessoal do contribuinte, mostrou-se hábil a ferir o Princípio da Igualdade, além de possuir nítido efeito confiscatório.

         Posto isso, evidenciam-se quatro teses para contestar o teor mposto pela Emenda:

I – O IPTU é um imposto real, consoante jurisprudência robusta. Não obedece à progressividade fiscal desejada pela Emenda em estudo (art. 145, §1º, da CF/88 – RREE 153.771; 167.654; 234.105);

II – Há cristalina ofensa ao princípio da Isonomia Tributária (art. 150, II, CF/88).

III – Há patente violação ao Principio da Vedação ao Confisco (Art. 150, IV, CF/88);

IV – Com a Emenda Constitucional nº 29/2000, houve estranha e nítida extenção do Princípio da Capacidade Contributiva (Art. 145, § 1º, da CF/88) a um imposto de índole real (SABBAG, 2009. p. 39).

 

                        De acordo com Eduardo Sabbag, a progressividade fiscal do IPTU não existia no texto original da CF/88, a pesar de existir entendimento minoritário em sentido contrário. Após a vigência da EC-29/2000, pode o fisco municipal exigir a progressividade segundo a capacidade econômica do contribuinte, mesmo diante da regra genérica de progressividade tributária constante no art. 145,§ 1º da CF/88 (SABBAG, 2010. p. 969).

                        Segundo Roque Antônio Carraza, com a EC-29/2000 que deu novos contornos ao princípio da capacidade contributiva, o IPTU deve ter alíquotas progressivas, em razão do valor do imóvel (progressividade fiscal); e ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel (progressividade extrafiscal) (CARRAZZA, 2010. p. 117). Esse é o entendimento da atual da doutrina e do STF, que atribui ao IPTU uma dupla progressividade: a progressividade extrafiscal, que lhe é genuína e a progressividade fiscal, surgida com o advento da EC. Nº 29/2000.

                        Questão relevante quando se trata de progressividade fiscal e extrafiscal diz respeito à edição de plano diretor pelo município. A alíquota do IPTU pode variar de acordo com o índice de aproveitamento do terreno, com o tipo de construção, suas dimensões, localização, numero de pavimentos do imóvel, etc. Todas essas inovações, como já dito anteriormente, foram trazidas pela introdução da EC-29/2000. Entretanto, de acordo com Carraza, não há necessidade de aditar-se um plano diretor para que o IPTU seja graduado conforme a capacidade econômica dos contribuintes.

                        A exigência de plano diretor diz respeito ao inciso II do §1º do art. 156 da CF/88, que determina que o IPTU tenha alíquotas diferentes, de acordo com a localização e uso do imóvel. Cabe ressaltar que este dispositivo diz respeito à função social da propriedade e não ao princípio da capacidade contributiva. Para que restem atendidas as exigências da capacidade contributiva não é necessário que seja editado o plano diretor. Se editado, é possível, sem embargo do cumprimento ao §1º do art. 145§ 1º da CF, usar um sistema de alíquotas diferenciadas, para estimular ou desestimular comportamentos contrários ao princípio da função social da propriedade. “Em suma, o princípio da capacidade contributiva, independe de existência do plano diretor do Município, exige que a tributação por via de IPTU seja maior ou menor, de acordo com o maior ou menor valor venal do imóvel urbano” (CARRAZZA, 2010. p. 120).

5 – A FUNÇÃO SOCIAL DO IPTU

 

                        Todo tributo possui uma função social como instrumento para que o Estado desenvolva as suas políticas públicas.

                        O IPTU está intimamente ligado à função social da propriedade, dado a natureza jurídica da exação, que tem como fato gerador a propriedade. De acordo com Eupidio Dinizette, mesmo com a instituição da propriedade pelo homem, a sua noção é natural, já que ela é uma ferramenta indispensável à sobrevivência. A sua noção passa por legislações históricas como o Código de Hamurabi, o Direito Romano, o Código Napoleônico, chegando ate as legislações mais recentes. Ao longo da história foi comum dar destinação anti-social a propriedade (DONIZETTE, 2012. p. 727).

                        De acordo com Eupídio Donizette, função social da propriedade pode ser definida como:

(...) a manutenção do bem-estar social, na dinâmica dos bens e na circulação de riquezas. Em outras palavras, a propriedade deve servir para que a sociedade se mantenha saudável, para que as pessoas tenham acesso aos bens de que necessitam e para que a economia seja impulsionada, gerando emprego e renda. Em termos específicos, será necessário analisar cada bem, para então descobrir qual é a função social (DONIZETTE, 2012. p. 727).

                        A própria Consittuição Federal impõe ao proprietário o dever de cumprir a função social (art. 5º, XXIII), admitindo a desapropriação do imóvel rural para fins de reforma agrária, ainda que mediante indenização. No Código Civil de 2002 também traça normas gerais a cerca da função social da propriedade:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

§ 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

§ 3o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.

§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

§ 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.

                        Nota-se que o atendimento a função social está ínsita no ordenamento jurídico pátrio, desde que o objeto em análise trate da propriedade. O fato gerador do IPTU é a propriedade, de forma que ao lado do objetivo de financiar genericamente as atividades estatais, inerentes a todos os impostos; a função social constitui também uma de suas finalidades.

                        O art. 188 da Constituição Federal de 1988 é um marco na definição dessa função.

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento,      sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

                       

                        Em julho de 2001 entrou em vigor a lei 10.257, conhecida como Estatuto das Cidades, que teve como fim regulamentar os arts. 182 e 183 da Constituição Federal. O objetivo da referida lei foi estabelecer normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. A partir de 2001 a lei 10.257 (Estatuto das Cidades) estabeleceu as diretrizes gerais de da política urbana e passou a regulamentar a função social da propriedade estabelecendo uma série de instrumentos urbanísticos a serem aplicados pelas municipalidades.

                        O art. 182, §4º da CF/88 faculta ao Poder Público Municipal, mediante lei específica, fazer uma série de exigências, como as apontadas à cima entre os incisos I e III, nos termos da lei federal. Embora a ausência de lei federal não iniba o Município de disciplinar legislativamente o assunto, é dado à lei federal estabelecer as diretrizes urbanísticas, aptas a melhor possibilitar que o IPTU seja utilizado para induzir os contribuintes a atender à função social da propriedade urbana. A União regulamentou a matéria por meio do Estatuto das Cidades.

                        O art. 4º, inciso III, “a”, traz o IPTU como um dos instrumentos de planejamento municipal. O Estatuto das Cidades trouxe como instrumento a progressividade do IPTU ao longo do tempo, mais conhecido como “IPTU progressivo”. Por meio do IPTU progressivo, qualquer propriedade privada urbana que não esteja, comprovadamente, cumprindo a sua função social, será gradativamente taxada.

Art. 7oEm caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5odesta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5o do art. 5odesta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

§ 1oO valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5odesta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.

§ 2oCaso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8o.

§ 3oÉ vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo.

                        A partir da leitura do art. 7º do Estatuto das Cidades depreende-se que o IPTU progressivo permite que o governo municipal aumente progressivamente o valor da alíquota do IPTU de imóvel de um proprietário que não lhe de utilização em conformidade com as determinações do Município que visam preservar a função social. Dessa forma, o IPTU progressivo tem como objetivo impedir que os proprietários mantenham imóveis abandonados, terrenos vazios ou sem utilização. Dentre outros efeitos podemos destacar um maior aproveitamento do espaço urbano, redução de áreas de risco, menores gastos do município com instalação de infra-estrutura em locais distantes e de pouco acesso além de combater a especulação imobiliária.

                        Conforme já se ressaltou anteriormente, as áreas passíveis de aplicação do IPTU progressivo no tempo devem ser especificadas no plano diretor, uma vez que ele é o instrumento idôneo a permitir verificar se o imóvel esta cumprindo a sua função social, bem como a permitir a aplicação dos instrumentos de utilização, edificação e parcelamento compulsório previstos nos arts. 5º e 6º do Estatuto das Cidades. Se o proprietário não cumprir as determinações do plano diretor, poderá ser iniciada a cobrança do IPTU progressivo no tempo.

                        Segundo Carrazza, apesar da preocupação de se evitar que o IPTU seja utilizado como efeito de confisco, mesmo quando o contribuinte descumpra a sua função social, o art. 7º em comento é inconstitucional. Segundo o autor a legislação ordinária teria adentrado em seara própria das normas gerais em matéria de legislação tributária. Ao invés de tratar de questões urbanísticas, foram ditadas regras tributárias aos Municípios, escapando ao seu campo de atuação (CARRAZA, 2010. p.123).

                        Entretanto, a jurisprudência do STF vem admitindo a constitucionalidade da cobrança do IPTU progressivo, especialmente após a criticada EC-29/2000, conforme a jurisprudência que se segue:

RE 564517 SP, Rel. Min. LUIZ FUX; 15/08/2011,DJe-164 DIVULG 25/08/2011 PUBLIC 26/08/2011; Parte(s): MUNICÍPIO DE GUARULHOS, EDSON RUBENS POLILLO E OUTRO(A/S), FRANCISCO ASSIS DE ALMEIDA.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. EC 29/00. IPTU. ALÍQUOTAS. PROGRESSIVIDADE. DEVOLUÇÃO DO PROCESSO AO TRIBUNAL DE ORIGEM (ART. 328, PARÁGRAFO ÚNICO, DO RISTF).

Decisão: O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da controvérsia objeto dos presentes autos relativa à constitucionalidade da instituição de alíquotas progressivas do IPTU após o advento da Emenda Constitucional 29/00,submetendo-a à apreciação do Pleno desta Corte nos autos do RE 586.693, Relator o Ministro Março Aurélio. O Plenário da Corte, ao apreciar questão de ordem nos autos do RE 540.410, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJe de 04.09.2008, decidiu estender a aplicabilidade do instituto da repercussão aos recursos interpostos contra acórdãos publicados anteriormente a 3 de maio de 2007. Destarte, aplicando a decisão plenária proferida no julgamento do RE 579.431, secundada, a posteriori, pelos AI 503.064-AgR-AgR, Relator o Ministro Celso de Mello, AI 811.626-AgR-AgR, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, e RE 513.473-ED, Relator o Ministro Cezar Peluso, determino a devolução dos autos ao Tribunal de origem, consoante o disposto no artigo 328, parágrafo único, do RISTF, combinado com o artigo 543-B e parágrafos do Código de Processo Civil. Publique-se. Brasília, 15 de agosto de 2011.Ministro Luiz Fux Relator Documento assinado digitalmente

RE 511107 RS; Rel. Min. AYRES BRITTO; 13/09/2011; DJe-196 DIVULG 11/10/2011 PUBLIC 13/10/2011; Parte(s): COMPANHIA ZAFFARI COMÉRCIO E INDÚSTRIA
GILBERTO PAZ GUASPARI E OUTRO(A/S), MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE, FERNANDO VICENZI.

DECISÃO

vistos, etc. Trata-se de recurso extraordinário, interposto com suporte na alínea "a" do inciso III no art. 102 da Constituição Republicana, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão assim do (fls. 659): "APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO E FISCAL. AÇÃO DE NULIDADE DE LANÇAMENTO DE IPTU. PROGRESSIVIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29/00. SÚMULA 668 DO STF. LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL 461/00. AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Agravo desprovido." 2. Pois bem, a parte recorrente alega ofensa ao caput, incisos II, XXII, LIV e LV e § 2º do art. 5º, ao inciso IV do § 4º do art. 60, ao § 1º do art. 145, ao inciso IV do art. 150, ao inciso II do art. 170 e ao § 4º do art. 182, todos da Magna Carta de 1988. 3. Tenho que a insurgência não merece acolhida. É que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, após reconhecer a presença de repercussão geral da matéria sob exame, decidiu o mérito da controvérsia. Na oportunidade, entendeu pela constitucionalidade da progressividade fiscal da alíquota do IPTU, instituída pela EC 29/2000. Leia-se, a propósito, a ementa do RE 586.693, da relatoria do ministro Março Aurélio, na parte que interessa ao deslinde da causa: "IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO -PROGRESSIVIDADE -FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE -EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29/2000 -LEI POSTERIOR. Surge legítima, sob o ângulo constitucional, lei a prever alíquotas diversas, presentes imóveis residenciais e comerciais, uma vez editada após a Emenda Constitucional nº 29/2000." Ante o exposto, e frente ao caput do art. 557 do CPC e ao § 1º do art. 21 do RI/STF, nego seguimento ao recurso. Publique-se. Brasília, 13 de setembro de 2011.Ministro AYRES BRITTO Relator (Grifos nossos).

 

                        De acordo com José Eduardo Soares de Melo, o fato de o STF ter decidido que o IPTU tem natureza real, entende-se que a EC-29/2000 aniquila o direito individual não serem tributados progressivamente. Como essa exação se dá pelo valor de cada imóvel, fica em posição privilegiada os proprietários de inúmeros imóveis com valor venal baixo, ao passo que o proprietário de um único imóvel com valor venal elevado teria uma incidência maior do IPTU progressivo. Conclui o autor dizendo que “essas imposições podem ser consideradas inconstitucionais por infringência aos princípios federativo, republicano, de indelegabilidade de competência, sendo que a utilização das mencionadas alíquotas configura confisco (MELLO, 2007. p. 274).

                        Entendemos também que a natureza fiscal do IPTU fere os direitos fundamentais do cidadão, uma vez que institui mais uma hipótese do confisco da propriedade do indivíduo, além daquela que se limitava estritamente ao descumprimento da função social da propriedade. Abre-se agora, a possibilidade, do indivíduo que possui imóvel único, sofra mais uma exação, mesmo que atenda a função social da propriedade; podendo-se chegar à penhora do bem de família, por dívida de natureza pessoal (fiscal), mesmo que originada de um tributo de natureza real (extra fiscal).

6-CONCLUSÃO

 

                        O IPTU além de cumprir o papel arrecadatório do Estado para a consecução de suas políticas públicas está intimamente ligado ao cumprimento da função social da propriedade. Somente a propriedade que não atenda aos requisitos e critérios sociais de aproveitamento deveriam se sujeitar a mecanismos de expropriação. Conforme se observou nesse capítulo, existe a possibilidade de cobrança e até mesmo a expropriação de imóvel que não se destine a cumprir a função social da propriedade, prevista constitucionalmente. A legitimidade dessa prática já foi aceita pelo STF o que demonstra a plausibilidade tanto da exação tributária como da expropriação de imóvel por dívida que sobre ele incida dívida dessa natureza.

7-BIBLIOGRAFIA

CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

DONIZETTI, Eupídio. Curso Didático de Direito Civil. Belo Horizonte: Editora Atlas, 2012.

 

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense.

MELO, José Eduardo Soares de; PULSEN, Leandro.  Impostos: federais, estaduais e municipais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

__________. Direito Tributário – Vol. 6, 10. Ed. São Paulo: Editora Ímpetus, 2009.