INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CDC

A preocupação com os direitos do consumidor é recente, visto que foi no século XX surgiu o novo modelo de associativismo: a sociedade de consumo. Assim, a discussão jurídica do tema é ainda mais atual e em plena evolução. O Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, é um projeto que antecede a Constituição Federal de 1988 e que tem como finalidade primordial a proteção do consumidor. O Código de Defesa do Consumidor trouxe princípios que regulam as relações de consumo. Princípios esses, necessários devido ao grande desenvolvimento econômico do país e os conseqüentes conflitos na relação de consumo. Um dos mais importantes institutos criados pelo Código de Defesa do Consumidor, que facilita o acesso do consumidor à justiça, é a inversão do ônus da prova. Este instituto zela pelo princípio da igualdade e assegura a efetividade dos direitos do indivíduo e da coletividade. O tema do presente trabalho merece a atenção aqui dada, pois existem diversas minúcias a serem abordadas, como por exemplo os requisitos necessários para a inversão do ônus da prova, bem como o momento da citada inversão. A iniciativa de aborda este tema se dá pela sua grande aplicação prática, sendo matéria alvo de inúmeras discussões encontradas no cotidiano jurídico, além de debates doutrinários e jurisprudenciais. O presente trabalho, que trata da inversão do ônus da prova no código de defesa do consumidor, inicia-se nos conceitos provenientes da prova propriamente dita, decorrendo pelo ônus da prova em seu conceito e distribuição, até chegar à inversão do ônus da prova e aprofundar-se nesse instituto no que cabe ao Código de Defesa do Consumidor. No desenvolver do trabalho, alguns aspectos chamaram a atenção, como exemplo o momento da inversão do ônus da prova, questão complexa e com fascinantes conclusões, conforme veremos pelo conteúdo do trabalho.

CONCEITO

O artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, admite que a defesa em juízo dos direitos do consumidor seja facilitada pelo instituto da inversão do ônus da prova, dissolvendo a regra do artigo 333, do Código de Processo Civil, no qual se determina que cabe ao autor provar o constitutivo do seu direito, e ao réu a do fato impeditivo ou extintivo do direito do autor.

O Código de Defesa do Consumidor consente excepcionalmente que o princípio geral do processo seja remoto. Se é do autor o cabimento de atribuir ao magistrado a abertura do processo e de reprimir o réu às suas conseqüências, sem que o mesmo tenha liberdade de vincular-se ao processo, e, por essa razão, é o autor quem tem que proporcionar ao juiz o conhecimento dos fatos necessários à definição e atuação do direito que se afirma titular. O réu não deve produzir provas de fato do qual originou o direito do seu oponente, apenas quando fatos diversos forem invocados na resposta da lide, para extinguir ou anular os efeitos do direito do autor, é que o demandado terá de assumir o encargo de sua comprovação.

Acolhendo o consumidor como a parte mais frágil na relação comercial, a legislação inclui a inversão do ônus da prova como medida protetiva, porém o inciso VIII do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, somente possibilita esse instituto quando o juiz constatar a verossimilhança da alegação do consumidor ou sua hipossuficiência. Portanto, trata-se de uma faculdade do magistrado que deve verificar os pressupostos que aprovam como proceder.

Se o magistrado não se nortear na verossimilhança das alegações do autor, ora consumidor, ou na sua hipossuficiência será considerado ato abusivo, com rompimento ao princípio constitucional do devido processo legal.

REQUISITOS

Hipossuficiência do Consumidor

Rotineiramente deparamo-nos com interpretações deste requisito da inversão do ônus da prova, que o vinculam com a situação financeira da parte. Porém esta ligação não é uma regra. A análise da hipossuficiência, termo cedido pela doutrina do direito do trabalho, abrange, além da condição financeira das partes, também os meios possíveis de produção da prova pretendida.

A hipossuficiência trata-se da impotência do consumidor, seja de procedência econômica ou de outra natureza, para aprimorar e demonstrar a razão do dano cuja responsabilidade é atribuída ao fornecedor. Implica-se uma conjuntura na qual efetivamente se constitui uma imensa dificuldade para o consumidor de desincumbir-se do seu dever de provar, estando o fornecedor em melhores condições de esclarecer a ocorrência lesiva.

Verossimilhança das Alegações Segundo as Regras de Experiência

A inversão do ônus da prova não terá cabimento quando o consumidor for bem informado, quando tiver conhecimento do defeito do produto ou do motivo do prejuízo, quando tiver acesso aos meios de provas necessários à comprovação dos fatos constitutivo de seu direito, salvo se diante dos indícios já concluídos em juízo tornar-se verossímil sua explicação.

Portanto, nesse momento, será a verossimilhança e não mais a hipossufuciência que justificará a medida. Todavia, a verossimilhança não se origina das alegações do consumidor, uma vez que depende de indícios apresentados nos autos. O magistrado poderá chegar ao juízo de probabilidade orientando-se pelos indícios e baseado na sua experiência.

Não haverá verossimilhança da alegação sem que exista o fato comprovado, indício e presunção.

HIPÓTESES DE INVERSÃO LEGAL DO ÔNUS DA PROVA

Além da previsão trazida pelo artigo 6º, VIII, o Código de Defesa do Consumidor traz outras hipóteses de inversão do ônus da prova. Entretanto, essas possibilidades diversas têm natureza jurídica distinta do princípio contido no citado artigo 6º.

A inversão do ônus da prova pela verossimilhança das alegações ou pela hipossuficiência do consumidor tem natureza processual, diferentemente do que se vê nos artigos 12º, §3º e 38º do Código de Defesa do Consumidor.

A diferença fundamental entre estes mecanismos legais é que a inversão derivada do artigo 6º do CDC se dá através da análise subjetiva dos fatos (verossimilhança ou hipossuficiência) pelo juiz, que determinará ou não a inversão, enquanto que os artigos 12, §3º, 14, §3º e 38º do CDC ordenam a inversão do ônus da prova em determinadas situações, independente de apreciação subjetiva do caso.

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

[...]

§ 3º O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I - que não colocou o produto no mercado;

II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

[...]

§ 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.

O próximo capítulo trata do momento da inversão do ônus da prova. Contudo, tal discussão só abrange a inversão trazida pelo artigo 6º do CDC, visto que as demais inversões previstas no CDC não carecem de definição de momento, pois como já dito, tem previsão expressa em lei e é conseqüentemente conhecida pelas partes.

MOMENTO PROCESSUAL

MOMENTO DO FUNCIONAMENTO DA PROVA

Como o juiz deve manter-se imparcial, não poderá, em nenhuma hipótese, indicar às partes qual o momento do processo em que devem provar os fatos, salvo o caso do artigo 333, parágrafo único, do Código Processual Civil, em conseqüência da decretação da nulidade de inversão convencional da prova. Cabe ao magistrado − conforme o artigo 331, parágrafo segundo combinado com o artigo 451, ambos do Código de Processo Civil − fixar os pontos controvertidos sobre os quais incidirá a produção de provas, evitando-se a dilação probatória desnecessária, e, consequentemente, ao princípio da economia processual. Quando o juiz avaliar que certa prova é inoportuna, a legislação lhe conferirá poderes para recusá-la.

Todavia, se o juiz entender que haja necessidade de ele mesmo determinar, ex officio, as provas indispensáveis ao esclarecimento dos fatos, sem que se beneficie uma das partes.

ESPECIFICAMENTE O MOMENTO DA PROVA

Consideram-se momentos da prova as fases em que a atividade probatória, desenvolvida pelas partes, se desenvolve, esses momentos se unem em um autentico procedimento probatório com composição própria.

Deve-se compreender procedimento probatório como o conjunto de disposições atinentes à atividade probatória inseridas nos autos

São três os momentos da prova: o requerimento e a apresentação dos meios de prova, a admissão das provas, e, a realização das provas.

O momento inicial, é o de requerimento e apresentação dos meios de prova, ocorre: 1) com a petição inicial (artigo 282, inciso VI, do Código de Processo Civil); 2) com a contestação (artigo 300, do Código de Processo Civil); e/ ou com a reconvenção (artigo 297, do Código de Processo Civil); 4) se não acontecer contestação, ou se não houver revelia, resta a oportunidade ao autor que especifique

MOMENTO PROCESSUAL DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

O Código do Consumidor em seu artigo 6º, inciso VIII, não estabeleceu uma inversão legal do mencionado ônus, mas constituiu uma inversão judicial; caberá ao juiz efetuá-lo quando entender necessário.

Outrossim, o mesmo diploma legal inverteu o ônus da prova no que diz respeito aos defeitos do produto (artigo 12, § 3º) e de serviços (artigo 14, § 3º), a norma jurídica facilmente constituiu a presunção do vício. Dessa forma, pode-se falar em inversão do ônus da prova.

Contudo, quando a regra genérica não precisa necessariamente ser aplicada pelo magistrado, podendo o mesmo usar uma norma inovadora, torna-se manifesto que essa norma pode ser constituída em período útil à defesa da parte destinatária de nova obrigação de provar.

Há uma doutrina que admite que o juiz pode decretar a inversão do ônus da prova já no despacho da petição inicial, outra corrente pondera executável no momento de proferir a sentença. Antes da contestação, não há como saber se os fatos serão controvertidos e deverão ser submetidos à prova.

É certeiro que a doutrina adequada compreende que ocorre o onus probandi para que se resolvam assuntos analisados na ocasião da sentença. Porém, pela garantia ao princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, as partes devem desde a fase instrutória apreciar as normas que irão preponderar na apuração da verdade real sobre a qual se ajustará ao fim do processo a resolução da demanda.

O artigo 333, do Código de Processo Civil, não influi na iniciativa do magistrado e de nenhuma das partes (consumidor ou fornecedor) em pleitear ou produzir informações da convicção. Entretanto, o texto do dispositivo legal deixa claro que o próprio impera sobre o procedimento.

Não se pode olvidar dos princípios de segurança e lealdade indispensáveis para que as partes cooperem na procura e edificação da justa decisão da lide. Apenas será resguardado o contraditório e a ampla defesa se cada uma das partes tiver ciência desde o início do elemento da prova e de que a uma delas será incumbido o ônus de provar.

Segundo a jurisprudência do STJ:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MOMENTO OPORTUNO INSTÂNCIA DE ORIGEM QUE CONCRETIZOU A INVERSÃO, NO MOMENTO DA SENTENÇA. PRETENDIDA REFORMA ACOLHIMENTO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. A inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, como exceção à regra do artigo 333 do Código de Processo Civil, sempre deve vir acompanhada de decisão devidamente fundamentada, e o momento apropriado para tal reconhecimento se dá antes do término da instrução processual, inadmitida a aplicação da regra só quando da sentença proferida. - O recurso deve ser parcialmente acolhido, anulando-se o processo desde o julgado de primeiro grau, a fim de que retornem os autos à origem, para retomada da fase probatória, com o magistrado, se reconhecer que é o caso de inversão do ônus, avalie a necessidade de novas provas e, se for o caso, defira as provas requeridas pelas partes. - Recurso Especial conhecido em parte e, na extensão, provido. (Superior Tribunal de Justiça STJ; REsp 881.651; Proc. 2006/0194606-6; BA; Quarta Turma; Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa; Julg. 10/04/2007; DJU 21/05/2007; Pág. 592)

Destarte, se o magistrado convencer-se de que há necessidade de inverter o ônus da prova após já estar encerrada a fase de instrução da ação, deverá ser reaberta a fase probatória, para que haja a oportunidade de se produzir a prova que julgar apropriada para isentar-se do novo ônus de provar.

As consequências da inversão do onus probandi podem desobrigar o consumidor da prova conveniente ao nexo causal – em caso de responsabilidade objetiva – e da culpa – em caso de responsabilidade subjetiva. Em nenhum dos casos, entretanto, o consumidor conseguirá se livrar do dever de constituir provar sobre o dano ou o prejuízo, cuja reparação se dirija à lide.

CONCLUSÃO

Com a proposta de elucidar questões relevantes sobre a inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor, este trabalho de pesquisa expôs todas as fases do procedimento, inclusive as antecedentes e provenientes.

A apresentação teve como base os princípios da prova e do ônus da prova, apontando as diferenças inovadoras trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor, e adentrando nas minúcias oriundas da inversão originada no artigo 6º, VIII, do CDC.

O estudo traz os requisitos da inversão do ônus da prova que são a verossimilhança dos fatos alegados ou a hipossuficiência do consumidor, dissertando sobre eles determinando as possibilidades de ocorrência da inversão.

O ápice desta dissertação se dá quando da exposição do momento da inversão do ônus da prova, por ser um tema amplamente divergente na doutrina e jurisprudência.

Após grande pesquisa, que resultaram em posicionamentos diversos, o presente trabalho posiciona-se no sentido de que a inversão do ônus da prova com base no artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor tem como momento apropriado o início da instrução processual, com base nos inabaláveis princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.