As intervenções humanitárias são actos materiais intentadas, em princípio, por uma organização internacional Universal (CSNU, à luz do art. 39º, da CNU) ou, ainda, quando não por esta última entidade, por um grupo de Estados ou uma organização de dimensão regional (à luz da Lei do desdobramento funcional da ONU) cujo elemento teleológico deve, manifestamente, ser o de subtrair as vítimas humanas (Sujeitos do Direito internacional humanitário) de uma situação de violação massiva e sistemática dos seus direitos e/ou de insegurança e, em prol dos quais, detêm, aquelas entidades, o direito legítimo e legal do uso da coerção, física inclusive, contra à autoridade soberana do Estado intervencionado.

Da dialéctica doutrinária entre os prós e os contra intervencionistas resulta, em sede do Direito internacional contemporâneo, assente as seguintes assumpções:

O Cap. VII, da CNU sugere a partir de 1991, por força da resolução 688, de 5 de Abril de 1981, atinente `a segunda guerra de Golfo, uma nova interpretação sendo certo que, em decorrência daquele dispositivo legal, a violação massiva e sistemática dos direitos humanos, como uma acção penalmente relevante isto é, em sede do Direito Penal, como uma acção (violação massiva dos direitos humanos) subsumida ao tipo " ameaça à paz e segurança internacional (cap.VII., da CNU) e, uma vez preenchida esta tipicidade, resulta, como corolário insofismável, que ela, a violação massiva dos Direitos humanos, é passível de intervenção internacional mobilizada, maxime, pela ONU.

A resolução n.º 688/91, teve ainda o condão de, para efeitos da aplicação do Cap. VII da CNU, como para a aplicação do Direito Internacional humanitário, desfazer a distinção, outrora hermeticamente vincada, entre os conflitos intra e inter estatais, na base do qual radicava, entrementes, os critérios de competência do Conselho de Segurança. Por conseguinte não é, pois necessário, a partir da vigência daquele instrumento legal, que haja uma incidência territorial externa da violação dos direitos humanos para fundamentar a competência interventiva do Conselho de Segurança. Assim, ainda que circunscrita ao domínio territorial interno dos Estados, pode e deve, a Comunidade Internacional intervir, quando em causa esteja uma violação sistemática e massiva dos Direitos humanos.

Deve-se, a fortiori, assumir que a intervenção humanitária é manifestamente inofensiva e, portanto, não constrange a soberania dos Estados, tese para cuja apologia se pode oferecer as seguintes premissas (decorrentes da interpretação da CNU): O princípio legal de reserva do domínio reservado de jurisdição interna dos Estados (n.º7, art.2) versa sobre a questão especial da competência constitucional dos Órgãos das Nações Unidas podendo, pois, suceder que o seu conteúdo preciso não coincida com a regra do Direito Internacional geral não integrada na Carta. Contudo, mesmo que essas regras não sejam compagináveis, uma vez que os princípios da Carta assumem grande proeminência na prática dos Estados, a interpretação dos dispositivos do art. 2,n.º7, pelos Órgãos das Nações Unidas influencia, omnimodamente, o Direito, em geral. De resto, é forçoso admitir que se vem desenrolando dinâmicas sociopolíticas tanto no pano internacional quanto intra estaduais que enceram em si virtualidades revolucionárias que concorrem para a diluição da clássica concepção de soberania. Deste modo, consubstanciam a compreensão contemporânea da soberania, no plano interno, realidades como a regionalização, a descentralização administrativa ou a transferência de poderes para entidades da sociedade civil ou, no plano externo, a aceitação da existência de normas de Direito imperativo ("ius cogens"), inderrogáveis pela vontade dos Estados, os poderes exercidos pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou, ainda os processos regionais de integração política e económica.

Segundo, a reserva plasmado naquele dispositivo legal não é aplicável quando se trata de uma obrigação convencional, congente ou decorrente do império das normas consuetudinárias (a Declaração Universal dos Direitos Humanos inclusive) de eficácia erga omnes.

Ademais, da consagração dos direitos humanos como índice axiológico e provido de validade e eficácia universal decorre, como inferência insofismável, que a sua tutela, pela Comunidade Internacional, mediante a intervenção, afigura-se legalmente procedente por força, outrossim, da prevalência dos arts. 55º, al. a) e 56º da CNU, sobre o disposto no n.º 7, do art. 2, do mesmo instrumento jurídico. Portanto, nem pode o Estado pretender, legal ou legitimamente arrogar-se do monopólio do direito de tutela sobre os seus; porquanto, a tutela dos direitos humanos exorbita o âmbito territorial interno do Estado; por conseguinte, a subsunção normativa de "assuntos internos" não deve ser uma aferição presidida por um critério territorial, mas sim por um critério jurídico-material, cabendo, por conseguinte, à AGNU a competência orgânica para a determinação dos factos subsumíveis à figura jurídica de " domínio de reservado dos Estados", subsunção para a qual concorrem sem, contudo, embargo de opções ecléticas, uma paridade de critérios fundamentais: o critério jurídico ou de Direito Internacional e, na antípoda oposta, o critério político. É de admitir, todavia, que este último critério, quando não conjugado com o jurídico ou, quando conjugado, prevaleça sobre o primeiro critério encerra virtualidades tanto positivas (v.g. flexibilidade e maleabilidade de adaptabilidade a realidades factuais "sui generis") tanto negativas e, de entre estas avulta o facto de dele dimanarem tendências de manipulação da realidade controvertida a favor de conveniências subjectivas e, inclusive, adversas às atribuições humanitárias da ONU e, neste mesmo contexto cabe, ainda realçar o deficit de legitimidade das atribuições orgânicas do CSNU, no âmbito das intervenções humanitárias posto que, os membros permanentes que o compõe se não afiguram democraticamente representativos de uma comunidade internacional contemporânea.

No que concerne às críticas que imputam de neocolonialistas (e, portanto, como um atentado `a auto determinação e soberanias nacionais) às intervenções humanitárias pelo facto de estas serem objecto do protagonismo ocidental contra os demais países, predominantemente periféricos julga-se, a fortiori, improcedentes. A razão depõe contra a sustentabilidade desta tese, porquanto esta acusação peca por ignorar que, em nas mais das vezes ou quase sempre, só poucos Estados revelarem arcaboiço para cumprirem com a incumbência de coordenação e de liderança de forças e meios. Reputa-se, ainda, de improcedente esta tese pelo facto de que `aquela mesma intervenção atender, em princípio, a uma situação de urgência e auto define-se como efémera e pontual.