“Intervenção Federal por descumprimento de pagamento de precatório nos Estados e o princípio da proporcionalidade”.

Primeiramente, é de se destacar que o instituto da intervenção federal é uma medida de caráter excepcional e temporário que afasta a autonomia dos estados, Distrito Federal ou municípios, e está situado na nossa Constituição Federal nos artigos34 a36. Ela pode ocorrer para manter a integridade nacional (art. 34, I), para repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra (art. 34, II), para pôr termo a grave comprometimento da ordem pública (art. 34, III), para garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação (art. 34, IV), para organizar as finanças da unidade da Federação que: a) suspender o pagamento de dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior; b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas na Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei (art. 34, V), para garantir a aplicação de lei federal, ordem ou decisão judicial (art. 34, VI) e, por fim, para assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta; e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde (art. 34,VI).

 Neste sentido fala Pedro Lenza[1]:

“(...) o art. 18, caput, da CF/88 preceitua que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos da Constituição Federal.

No entanto, excepcionalmente, a CF prevê situações (de anormalidade) em que haverá intervenção, suprimindo-se, temporariamente, a aludida autonomia. As hipóteses, por trazerem regras de anormalidade e exceção, devem ser interpretadas restritivamente, consubstanciando-se um rol taxativo, numerus clausus.

Segundo o autor, a intervenção federal pode ser espontânea; provocada por solicitação; provocada por requisição; ou provocada, dependendo de provimento de representação. O caso estudado agora, por descumprimento de pagamento de precatório nos Estados, dependerá de requisição do Supremo Tribunal Federal, pois houve desobediência a decisão judicial, ou seja, houve sucumbência por parte do Estado em um processo e tal valor teria que ser pago por precatório, de acordo com o art. 100, caput, da CF/88.

Neste diapasão, quando o Estado, por sentença judicial, fica obrigado ao pagamento por precatório deverá incluir o débito no seu orçamento, disponibilizando tal valorem sua LeiOrçamentária.Ocorre que tal situação ainda não tem uma obrigação temporal, isto é, prazo para inclusão, o que leva os Estados a utilizarem suas verbas públicas em outras necessidades básicas imediatas a sociedade local e, consequentemente, ao não pagamento do precatório.

“O ordenamento jurídico brasileiro ainda é falho com relação à forma de pagamento dos débitos da Fazenda Pública oriundos de sentenças judiciais transitadasem julgado. Há, de fato, a previsão (constitucional, registre-se) de "inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento" dos citados débitos. Existe, também, determinação no sentido de que o pagamento deve ser efetuado "até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente". Entretanto, a maneira como "as dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário" ainda não foi devidamente disciplinada, ficando a critério do gestor público o repasse de tais verbas.

Em função da crise enfrentada, muitos não destinam qualquer valor para o pagamento dos precatórios, a despeito da "previsão" orçamentária. Optam, como dito, pelo atendimento das necessidades básicas imediatas da sociedade local.

Os credores do poder público, frente à consolidada inadimplência dos precatórios, ficam de mãos atadas. Conforme restou decidido pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI n.º 1662-SP, cuja decisão tem efeito vinculante e eficácia erga omnes, ‘somente no caso de inobservância da ordem cronológica de apresentação do ofício requisitório é possível a decretação do seqüestro’[2] de recursos públicos. A intervenção, por sua vez, só tem sido admitida pela Excelsa Corte quando configurada a atuação dolosa e deliberada da administração no sentido de retardar ou não realizar o pagamento.”[3]

A partir deste prisma o STF, na IF no 298, se pronunciou no sentido de ratificar tal entendimento de que a intervenção federal como um instituto de caráter excepcional não deve ser utilizada de forma ampla e sim de forma restritiva. Sendo assim, um simples não pagamento de precatório não pode ocasionar uma intervenção; até porque neste processo o Estado alegou não ter vontade intencionalmente dirigida ao descumprimento de ordem judicial ou ao não-pagamento de precatório. O STF, então, decidiu por indeferir o pedido de intervenção federal.

Cumpre destacar que em qualquer caso de intervenção a Corte deve seguir de forma razoável e proporcional ao caso concreto, para sopesar qual direito prevalecerá e, assim, julgar de forma mais justa.

 



[1] Direito Constitucional esquematizado / Pedro Lenza – 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008 – pág. 278.

[2] STF - ADI 1662/SP – São Paulo, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Reqte. Governador do Estado de São Paulo, Reqdo.: Tribunal Superior do Trabalho – TST. Apud em < http://jus.com.br/revista/texto/7232/os-precatorios-judiciais-e-a-crise-financeira-e-orcamentaria-dos-municipios/2#ixzz2L6LFL900>

[3] <http://jus.com.br/revista/texto/7232/os-precatorios-judiciais-e-a-crise-financeira-e-orcamentaria-dos-municipios#ixzz2L6JGncDQ>