RESUMO

 

O presente trabalho busca analisar as figuras descritas no Código de Processo Civil tidas como intervenção de terceiros, discorrendo sobre suas formas de ingresso do terceiro, procedimento, bem como divergências doutrinas que carregam consigo. O presente busca ainda analisar as antinomias existentes em tais modalidades de intervenção bem como elucidar tais questões.

Palavras-chave: Intervenção de terceiros. Nomeação à autoria. Conflito de normas.

1 INTRODUÇÃO

Existe em nosso Direito Processual Civil a possibilidade de uma pluralidade de pessoas nos polos atuando como partes, ou seja, uma pluralidade de partes, fenômeno esse conhecido como litisconsórcio (abordado nos artigos 46 a 49 do Código de Processo Civil brasileiro). A partir do litisconsórcio, podemos visualizar as figuras de intervenção de terceiros nos processos, uma vez que essas figuras poderão vir a gerar um quadro de litisconsórcio como veremos oportunamente no caso da Oposição.

Pois bem, para compreensão mais fácil do que se trata a intervenção de terceiros, algumas conceituações se fazem necessárias. Assim, entenda-se terceiro por pessoa alheia ao processo, não constando como parte nele[1], de modo que a intervenção de terceiros venha a ser justamente a entrada de pessoa alheia, que não consta como parte, no processo ou “fato jurídico processual que implica modificação de relação jurídica processual já existente. Trata-se de ato jurídico processual pelo qual um terceiro, autorizado por lei, ingressa em processo pendente, transformando-se em parte” [2]. É importante chamar atenção a um fato: não aduz caso de intervenção de terceiro, o ingresso de litisconsorte necessário que se apresentava ausente do processo[3]. A seguir, veremos brevemente todas as figuras de intervenção de terceiros.

2 FIGURAS DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS

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Feita breves conceituações, passa-se a elencar os tipos de intervenção de terceiros disciplinada no Título II, Capítulo VI (artigos 56 a 80) do Código de Processo Civil. Dentro do diploma citado, é possível verificarmos a existência de quatro figuras: Oposição, Nomeação à autoria, denunciação da lide e chamamento ao processo. Contudo, a doutrina aduz ainda mais uma figura interventiva, que muito embora não se encontre disposta dentro do capítulo que aborda tal tema, não deixa de ser um caso de intervenção de terceiros, assim temos a assistência.

A assistência consiste no ingresso de terceiro que ainda sem defender direito próprio, ingressa na relação visando proteger (indiretamente) interesse[4]. Desta feita, a possibilidade para a assistência existe pelo fato de que o direito que terceiro dispõe pode vir a sofrer prejuízo ( que pode ser tanto direto/imediato ou reflexos/mediatos, dependendo da forma de assistência – litisconsorcial ou simples, respectivamente) caso o assistido sucumba[5]. Imprescindível dizer que tal modalidade de intervenção pode se dar a qualquer momento do processo, qualquer grau de jurisdição, de modo que o assistente poderá ingressar em qualquer fase em que o processo se encontre, recebendo-o no estado que se encontrar. Ressalta-se que tal modalidade apresenta-se incompatível com os processos de execução e inadmitido em processos que correm nos Juizados Especiais Cíveis[6].

A oposição vem a ser um ajuizamento de ação contra autor e réu (incidentalmente!), buscando disputar com estes os bens litigados. Assim, o oponente vai a juízo buscando que seja reconhecido como seu o direito (ou bem) que sofre litígio do autor e réu da ação. Imprescindível reafirmar, que forma-se a partir dessa intervenção nova demanda, autônoma a esta, já que há a proposição de uma ação[7]. No que tange ao momento de ingresso de terceiro na ação, este necessariamente será anterior a sentença, uma vez que não cabe em sede de recurso, haja vista a supressão de uma instância que dispõe de competência para originar, conhecer e julgar tal causa[8].

A respeito do chamamento ao processo, podemos aduzir que se trata de intervenção de terceiros “que se funda na existência de um vínculo de solidariedade entre o chamante e o chamado”[9]. Está diretamente ligado às garantias simples o que nos remete a uma ideia de coobrigação. Assim, o terceiro pode vir a exigir dos demais (co)responsáveis/coobrigados o pagamento da dívida em parte ou integralidade (de acordo com sua cota-parte da obrigação). Vejamos um exemplo: solidariedade passiva – inquestionável que todos os devedores são responsáveis pela dívida, contudo, quem a quitar integralmente poderá vir a exigir de codevedores suas cotas-parte da obrigação[10]. Importante saber que não se confunde com a ação de regresso “mas apenas de convocação para a formação de litisconsórcio passivo” [11].

A figura interventiva da denunciação da lide não foi deixada por ultimo por mera casualidade. Ela é a mais polêmica e difícil na doutrina e por isso se torna a de explicação mais extensa. 

A denunciação “consiste em chamar o terceiro (denunciado), que mantém um vinculo de direito com a parte (denunciante), para vir responder pela garantia do negócio jurídico, caso o denunciante saia vencido no processo” [12]. Ela vem a ser não apenas a denuncia da existência de um processo, mas sim uma demanda incidental de garantia onde serão formuladas pretensões em face do terceiro[13]. Frente a sucumbência da parte original do processo é possível que se tenha uma intervenção forçada de terceiro contra o qual essa parte (que pode ser autor ou réu) deseja exercer seu direito de regresso.

O momento para a denunciação distingue-se conforme parte, assim: autora – a denunciação deve ser feita na exordial (o que dá um caráter litisconsorcial eventual e não de intervenção!); demandada: deverá ser feita no prazo que esta dispõe para contestar, podendo ser feito na inicial ou em peça a parte, podendo variar também no dia (contestação em um dia e a denunciação em outro, contando que dentro do prazo de 15 dias para contestar)[14]. Não há de ser esquecido o fato de que um litisconsorte pode denunciar outro, quando entre eles houver uma relação de garantia.

Ponto imprescindível a ser tocado, é o das divergências que tal figura apresenta principalmente no que diz respeito ao artigo 70 e seus incisos do supramencionado Código. Neste artigo, encontram-se as hipóteses de denunciação cabíveis e segundo o próprio dispositivo: “obrigatória”. Quanto a tal artigo, existem vários conflitos.

Dentro da jurisprudência, podem ser encontrados casos de conflito de normas, no tocante à denunciação da lide, como figura o caso a seguir:

CONDOMÍNIO - AÇÃO DE COBRANÇA -DENUNCIAÇÃO DA LIDE PELA LOCADORA À LOCATÁRIA - DESCABIMENTO - RELAÇÕES JURÍDICAS DISTINTAS - EXEGESE DO ARTIGO 12 DA LEI Nº 4.591/64 - CONFLITO APARENTE DE NORMAS -ANTINOMIA REAL SOLUCIONADA PELO CRITÉRIO HERMENÊUTICO DA ESPECIALIDADE. RECURSO IMPROVIDO.124.591Tratando-se de dívida em dinheiro, somente a prova de quitação regular elide a pretensão do autor, ônus, no entanto, de que não se desincumbiu o condômino. À mingua de prova documental sobre o valor pleiteado pelo autor, prevalece o montante incontroverso nos autos.[15]

3 CONFLITOS DE NORMAS NA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS: nomeação à autoria

Finalmente a última figura da intervenção de terceiros. Nela podemos encontrar um conflito de normas aparentes, conforme veremos mais a frente. A princípio, destrincharemos tal intervenção.

 Desde o Direito Romano, é possível visualizar a nomeação a autoria e é aí onde encontra sua raiz e se faz presente em diversos ordenamentos, tais como o português, espanhol e o italiano. Trata-se de modalidade forçada de nomeação, carecendo de provocação para que o terceiro ingresse na relação processual[16]. Assim, podemos afirmar que a nomeação à autoria “consiste no incidente processual pelo qual mero detentor, quando demandado, indica aquele que é o proprietário ou possuidor da coisa litigiosa, visando transferir-lhe a posição de réu” [17] caso elencado no corpo do artigo 62 do Código de Processo Civil (CPC). Pode ainda acontecer nos casos em que o ato danoso foi pratica em cumprimento de ordem ou instrução do terceiro (artigo 63, CPC). Assim, temos que há uma ‘coação’ para convocação do sujeito oculto (terceiro) com o fim de corrigir o polo passivo, retirando o dependente, para que este não tenha ônus com algo que não lhe cabe indicando por isso o real autor titular[18]. Importante aduzir aqui que a origem da relação entre o possuidor (de fato) e que detenha do bem pode ser tanto um vinculo jurídico quanto uma situação de fato[19].

Para que ocorrência da nomeação, o nomeante deverá dentro de seu prazo para contestar fazer tal nomeação e, assim como na denunciação, pode fazer em peça uma ou separada, haja vista que a nomeação gera uma suspensão do processo. Frente a negativa do nomeado, ensejará novo prazo de defesa para o nomeante. Autor e nomeado possuem atitudes semelhantes a tal figura: negar, aceitar ou abstendo-se de manifestação subentender-se-á aceitação – frisando que a negativa deverá ser expressa[20]. Uma vez aceita a nomeação, o réu originário será excluído da relação processual cedendo lugar assim para o terceiro interveniente que figurará no polo passivo em seu lugar.

Em um breve apanhado, pode-se dizer que o conflito de normas é exatamente uma antinomia. Para Norberto Bobbio, uma antinomia existe quando duas ou mais normas que versem sobre o mesmo caso, no mesmo âmbito de abrangência cujo entendimento de uma diverge do entendimento da(s) outra(s), “para J. H. Zedler (1732) define antinomia como contrariedade de leis que ocorre quando duas leis opõem-se ou mesmo se contradizem” [21]Assim foram elaborados critérios para a solução do conflito, os quais: hierárquico (norma superior revoga inferior), de especialidade (norma específica revoga norma mais abrangente) e cronológico (norma mais nova revoga mais antiga) [22].

Tendo isso em vista, é possível encontrar situação semelhante no que tange ao artigo 62 do CPC (1973) e o artigo 1.228 do Código Civil (2002). Enquanto este exprime que o proprietário pode reivindicar a coisa de quem injustamente a possua ou detenha, aquele aduz que quem detiver a coisa em nome alheio e seja demanda em nome próprio deve nomear proprietário ou possuidor[23]. A partir disso surge o questionamento: “teria o CC-2002 conferido ao detentor legitimidade passiva ad causam para a ação reivindicatória?”[24] gerando então nossa antinomia, uma vez que se ficar entendido que sim, o artigo 62 não teria mais aplicação, já que não haveria erro de parte a ser sanado. Parte da doutrina entende que houve um lapso e que não cabe a lei civil deambular sobre o tema. Outra aduz que nomeação à autoria não seria mais aplicada na forma do artigo 62, aplicando-se apenas o que tange ao artigo 63.  O posicionamento aqui se volta para a corrente majoritária, uma vez que como supracitado, e especificidade se sobrei frente à abrangência.

O artigo 63 que tange discorre acerca da nomeação, encontrou norma confrontante no CC, com os artigos 932, III e o 942. Isso ocorre, pois o artigo do CPC exime preposto, dando a ele prerrogativa de nomear outrem, quando ele em verdade, concorreu para o dando. Discute-se desta forma se tal artigo cabe na nomeação, uma vez que ambos deveriam figurar o polo passivo do processo, o que levaria a um chamamento ao processo, haja vista que chamaria um corresponsável ao processo[25].

CONCLUSÃO

 

Tudo isso posto, é possível concluir que ainda que o legislador tenha buscado amarrar alguns pontos, foi infeliz em algumas colocações e redações, deixando margem para duplas interpretações causando frisson na doutrina. Contudo, analisando o caso concreto é possível encontrar a solução que mais sem enquadra, sem prejuízo de nenhum das partes. Mais uma vez, cabe ao entendimento, vivências que o juiz dispõe a fim de solucionar o problema que aparece.

REFERENCIAS

CAPEL FILHO, Hélio. Antinomias jurídicas. Disponível em: < http://br.monografias.com/trabalhos910/antinomia-juridica/antinomia-juridica2.shtml > Acessado em 17 de maio de 2012.

CAMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 9 ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2003., v. I.

DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 12.ed. rev. ampl. e atual. Bahia: Editora jusPodivm. 2010., v. I.

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 207

THEODORO JR. Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 38. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2002., v. I.

BRASIL. Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 que institui o Código de Processo Civil brasileiro.

 

BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 que instituiu o Código Civil brasileiro.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Apelação 1226364720098260100 SP 0122636-47.2009.8.26.0100, Relator: Antonio Nascimento, Data de Julgamento: 17/01/2011, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/01/2011

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. v. 1. São Paulo: RT, 2007



[1] CAMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 9 ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2003. v. I., pg. 183

[2] DIDIER JR,. Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 12.ed. rev. ampl. e atual. Bahia: Editora jusPodivm. 2010. v. I. p. 345

[3] CAMARA, Alexandre Freitas. Op. Cit. p. 183

[4] THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 38. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2002. p. 127

[5] DIDIER JR. Fredie. Op. Cit. p. 351

[6] CAMARA, Alexandre Freitas. Op. Cit. p. 185 et seq.

[7] CAMARA, Alexandre Freitas. Op. cit., p. 190 et seq.

[8] DIDIER JR. Fredie. Op. Cit., p. 359

[9] Idem, p. 391

[10] CAMARA, Alexandre Freitas. Op. cit., p. 211

[11] DIDIER JR. Fredie. Op. Cit., p. 391

[12] THEODORO JR., Humberto. Op. cit. p. 113

[13] CAMARA, Alexandre Freitas. Op. cit., p. 198

[14] Idem, p. 205

[15] (1226364720098260100 SP 0122636-47.2009.8.26.0100, Relator: Antonio Nascimento, Data de Julgamento: 17/01/2011, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/01/2011)

[16] Id, p. 193

[17] THEODORO JR., Humberto. Op. cit. p. 110

[18] DIDIER JR. Fredie. Op. Cit., p. 362

[19] THEODORO JR., Humberto. Op. cit. p. 110

[20] Id, p. 111

[21] FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 207

[22] CAPEL FILHO, Hélio. Antinomias jurídicas. Disponível em: < http://br.monografias.com/trabalhos910/antinomia-juridica/antinomia-juridica2.shtml > Acesso em 17 de maio de 2012

[23] DIDIER JR. Fredie. Op. Cit., p. 362 et seq.

[24] Id, p. 363

[25] Id, p. 364.