Resenha da Introdução da coletânea “Interpretes do Brasil”.

A coletânea de livros “Interpretes do Brasil” organizada pelo professor Silviano Santiago é composta por três volumes.  O ensaísta teve como objetivo a reunião, em única coleção, de textos que possibilitassem ampla reflexão sobre o Brasil e seu povo.  Abordaremos o conteúdo disposto no primeiro volume na sessão “Introdução”.

Santiago inicia a obra fazendo menção à maneira descritiva, ensaística ou ficcional de livros que tratam das temáticas que envolvem o território brasileiro e alerta para que o leitor procure ter aquele conteúdo como uma fonte de informação, mas, não como verdade absoluta. O autor busca salientar as consequências desastrosas das nossas leituras de textos escritos pelos portugueses para o melhor conhecimento futuro.

Segue o texto reforçando o parágrafo inicial com a descrição dos casos de identidade, hierarquia e liderança apontando os motivos que podem remeter a valores que foram úteis para inserir uma elite como legítima e consolidar um modelo metropolitano vigente em países europeus, em destaque Portugal e Espanha. Em seguida compara a mudança de interesses históricos e a mudança do discurso com a necessidade da independência da nação e a apresentação do colono como homem livre passando a ser concebido como cidadão. O autor provoca a reflexão sobre a relação entre os movimentos nacionalistas e sua legitimidade emocional.

O poeta defende que os textos foram escritos para descrever o homem português e sua nova terra com fortes afirmações europeocêntricas e os nativos em posição de inferioridade sem senso de civilidade.


“Na carta de Pedro Vaz de Caminha, escrita a El-Rei D. Manuel, (...) Não é por casualidade que a primeira metáfora para descrever a condição do indígena recém-visto é a tabula rasa ou papel em branco.”

A partir da citação o autor relata a posição dos colonizadores quanto à intenção de ignorar e desqualificar a cultura, religião, língua e hábitos dos povos nativos. Com esse foco o autor reintera a posição do raciocínio etnocêntrico, depois continuado com o a catequese do trabalho dos missionários jesuítas que contribuiu para impor a língua portuguesa, a religião católica e outros valores.

O crítico literário prossegue, sempre remetendo aos textos contidos na coletânea, apresentando as facetas da sociedade indígena e a diferença de perspectiva ao compararmos as facetas dos pensamentos dos colonizadores. Com base em uma imagem cordial, pacifica e desinteressada o colonizador foi desarmando a população nativa e dessa forma foi conseguindo penetrar no território recém-conquistado.  A estrutura de uma sociedade construída com base no “poder coercitivo” e a contrastante estrutura característica na comunidade indígena, a forma de posicionamento das lideranças são relatadas pelo autor.

Cita o autor Lima Barreto, recordando do personagem Policarpo Quaresma, funcionário publico, que utopicamente desejava que o tupi-guarani tornar-se-ia a língua oficial do Brasil. Argumentos do autor são desenvolvidos para defender a ideia de que rapidamente a colônia teve sua identidade local totalmente modificada. Critica a forma com que os Jesuítas ensinavam a língua Portuguesa e a gramática utilizada era toda escrita em latim, recorda que o primeiro texto impresso no Brasil só aconteceu em 1808. Esse método de ensino só foi corrigido na Reforma Pombalina em consonância com o método de Luis Antônio Verney. Essa reforma nada mais foi que tornar obrigatório o uso da língua Portuguesa em todo território colonial, eliminando a possibilidade do ressurgimento das línguas indígenas, reflete Santiago.

Nesse passeio pela história do Brasil o autor busca recursos no texto de André João Antonil, o conceito dos quatro segmentos sociais. Sendo esses separados em dois grupos semelhantes o primeiro e segundo representados pelo senhor de engenho(no topo da escala econômica) e colonos; o terceiro e o quarto sendo representados pelos feitores e escravos respectivamente. No texto de Antonil, defende o autor, não existe mais a escravidão negra na metrópole por isso não deveria existir a comparação com a sociedade europeia. Ele coloca que se trata de uma questão restrita a colônia e afirma: “Uma colônia dentro de uma colônia”.

Os feitores são caracterizados como “cão sem cérebro”, que não teriam condições de subir de camada social para tornarem-se senhores de engenho, a autoridade concedida ao grupo dos feitores é uma autoridade dependente, já os escravos são descritos como “mãos e pés do senhor de engenho”, “o único e verdadeiramente indispensável no processo de colonização” considera o autor que reflete com base no texto de Antonil.

O autor sugere ao leitor que busque na analise feita por sociólogos e economistas comparações entre os valores europeus e os valores brasileiros, para compreender a hierarquia do poder no Brasil.

Intrigado, o ensaísta faz questionamentos sobre a forma com que José de Alencar montava seus romances, personagens, período histórico, entre outros.  Percebe que nos textos ficcionais o autor busca atingir os interesses de uma nação recém-independente para promover um discurso nacionalista. Ao mesmo tempo defende que Alencar finaliza seus romances de maneira inequívoca oscilando entre a fidelidade a Portugal como sentido a civilização brasileira.

Textos de autores como Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha, Manuel Bomfim são referidas pelo professor para encerrar o texto, abordando ao momento histórico em que o Sertanejo, em nome de um ideal republicano, era atingido pelas forças armadas entre outros momentos em que um grupo social se sobrepôs para dominar outro.

De forma bem reflexiva, com uma linguagem densa e circular, Silviano introduz os autores que vão ter seus textos inclusos na coletânea “Interpretes do Brasil” e prepara o leitor quanto às formas de análise do texto. Apesar de se tratar de um texto introdutório, o autor faz a análise de muitos casos e interpreta vários momentos da história do Brasil colonial, possibilitando uma leitura de muita riqueza, com grande quantidade de informações relevantes.