CAPÍTULO I

NOÇÕES DE HERMENÊUTICA JURÍDICA E INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

 

1.1- Hermenêutica jurídica

                   A Hermenêutica Jurídica tem “por objeto o estudo de a sistematização dos processos aplicáveis para construção e justificação do sentido dos textos do direito positivo.”[1]

                   De acordo com a teoria tradicional, o termo “interpretação” remete à ideia de “revelação” do conteúdo de um texto. Elucida Aurora Tomazini que “interpretar era mostrar o verdadeiro sentido de uma expressão, extrair da frase ou sentença tudo que ela contivesse. Tal ideia justificava-se na tradição filosófica anterior ao giro-linguístico, de que as coisas tinham um significado ontológico e que as palavras denotavam tal significado, de modo que, existia um conteúdo próprio a cada termo.”[2] Dessa forma, caberia ao intérprete extrair do texto o seu sentido.

                   Com “giro-linguístico”, idealizado por Ludwig Wittgenstein, mudou-se o paradigma da filosofia do conhecimento na medida em que as palavras deixaram de ter um significado atrelado às coisas. O conteúdo do texto depende, portanto, de uma construção por parte do intérprete e não de sua revelação por parte deste. Em outras palavras, o texto não esconde o seu significado; é necessário que o exegeta construa o seu conteúdo por meio de um ato de valoração. Paulo de Barros Carvalho explica: “Segundo os padrões da moderna Ciência da Interpretação, o sujeito do conhecimento não extrai ou descobre o sentido que se achava oculto no texto. Ele constrói em função de sua ideologia e, principalmente, dentro dos limites de seu mundo, vale dizer, do seu universo de linguagem.”[3]

                   Dessa forma, para Paulo de Barros Carvalho, interpretar “é atribuir valores a símbolos, isto é, adjudicar-lhes significações e, por meio dessas, referências a objetos. Prossegue o autor “a linguagem, típica realização do espírito humano, é sempre um objeto da cultura e, o direito positivo se apresenta aos nossos olhos como objeto cultural por excelência, plasmado numa linguagem que porta, necessariamente, conteúdos axiológicos.”[4]

                   Uma vez que a intepretação depende de atribuição de significado pelo próprio intérprete, resta evidente que de um mesmo texto poderão ser extraídos diferentes interpretações. Tal situação é corriqueira nos Tribunais pátrios. A um mesmo texto de lei podem ser atribuídos diferentes significados que, consequentemente, poderão implicar em diferentes soluções ao caso concreto. Sobre o tema, explica Paulo de Barros Carvalho que:

“O plano de conteúdo do direito positivo (normas jurídicas) não é extraído do substrato material do texto, como se nele estivesse imerso, esperando por alguém que o encontre. Ele é construído como juízo, na forma de significação, na mente daquele que se propõe a interpretar seu substrato material. O suporte físico do direito posto é apenas o ponto de partida para a construção das significações normativas, que não existem senão na mente humana.”[5]

                   A ação humana, portanto, no direito é essencial à sua existência. Não se pode falar em direito sem falar em linguagem que é fruto da ação intelectual humana, da mesma forma, o conteúdo, a significação, a norma jurídica apenas é possível mediante interpretação do conteúdo pelo exegeta. Assim, desde a formação do Direito até a sua aplicação, o homem desenvolve papel essencial nesse processo construtivo.

1.2 - Interpretação constitucional

                   A existência de um ordenamento jurídico decorre, necessariamente da existência de um Estado. Por sua vez, o surgimento do Estado implica na existência de uma finalidade, ou seja, ele deve existir para um determinado fim.

                   Dessa forma, antes de prosseguirmos com o estudo do tema proposto, mostra-se imperioso lembrar as reflexões de Dalmo Dallari sobre a finalidade do Estado:

     “O Estado, como sociedade política, tem um fim geral, constituindo-se em meio para que os indivíduos e as demais sociedades possam atingir seus respectivos fins particulares. Assim, pois, pode-se concluir que o fim do Estado é o bem comum, entendido este como o conceituou o Papa JOÃO XXIII, ou seja, o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana. Mas se essa mesma finalidade foi atribuída à sociedade humana no seu todo, não há diferença entre ela e o Estado? Na verdade, existe uma diferença fundamental, que qualifica a finalidade do Estado: este busca o bem comum de um certo povo, situado em determinado território. Assim, pois, o desenvolvimento integral da personalidade dos integrantes desse povo é que deve ser o seu objetivo, o que determina uma concepção particular de bem comum para cada Estado, em função das peculiaridades de cada povo.”[6]

                   Para que se alcance o bem comum, o Estado e, conseqüentemente, os cidadãos são regidos por um determinado ordenamento jurídico em cujo ápice encontra-se a Constituição. É a partir desta que são elaboradas as normas infraconstitucionais.

                   Dada a importância da Constituição no ordenamento jurídico, a interpretação constitucional revela-se imperiosa para que se possa garantir a concretização das normas constitucionais e, dessa forma, para que o Estado atinja a sua finalidade, tal como lecionado por Dalmo Dallari. Importante lembrar que a Constituição exprime em seu conteúdo a realidade social de um determinado povo, de modo que a tarefa interpretativa cabe a todos os cidadãos.

                   Interpretar, do latim interpretare, no dicionário comum significa “Explicar, explanar ou aclarar o sentido de (palavra, texto, lei, etc)”[7], tal como fez Alice ao responder a pergunta de Lewis Carrol sobre em qual de suas mãos se encontrava a laranja na frente do espelho (exemplo utilizado em aula pela Professora Maria Garcia).

                   No Vocabulário Jurídico, de Plácido e Silva, interpretar é “examinar, perquirir e fixar o sentido ou a inteligência do texto legal, ou do teor do escrito, para que se tenha sua exata significação ou sentido”[8].

                   Verifica-se, portanto, que, no âmbito constitucional, interpretar é a atividade voltada a se aclarar o sentido do texto constitucional em busca da correta aplicação da norma. Nas lições de J.J. Canotilho, “interpretar a norma constitucional é atribuir um significado a um ou vários símbolos lingüísticos escritos na Constituição com o fim de se obter uma decisão de problemas práticos, normativo-constitucionalmente fundada. Sugerem-se aqui três dimensões importantes da interpretação da constituição: (1) interpretar a constituição significa procurar o direito contido nas normas constitucionais; (2) investigar o direito contido na lei constitucional implica uma actividade – actividade complexa – que se traduz fundamentalmente na <adscrição> de um significado a um enunciado ou disposição lingüística (“texto da norma”); (3) o produto do acto de interpretar é o significado atribuído”.[9]

                   Nesse sentido, ressalta-se a distinção apontada por Canotilho entre texto e norma: “O recurso ao <texto> para se averiguar o conteúdo semântico da norma constitucional não significa a identificação entre texto e norma. Isto é assim mesmo em termos lingüísticos: o texto da norma é o <sinal lingüístico>; a norma é o que se <revela> ou <designa>”[10].

                   Para que a norma jurídica seja revelada, existem diversos métodos de interpretação, tais como: o método hermenêutico clássico no qual considerava-se a interpretação constitucional como a interpretação de uma lei, restrita ao significado do texto legal e nada além disso; o método científico espiritual (Smend) no qual pretendia-se “compreender o sentido e realidade de uma lei constitucional”, conduzindo “à articulação desta lei com a integração espiritual real da comunicada (com seus valores, com a realidade existencial do Estado, etc.)”(Canotilho).

                   Em que pese a existência dos diversos métodos, na interpretação das normas constitucionais em vez de se eleger um ou outro método, o intérprete deve conjugar os diferentes métodos que, embora possuam critérios ou premissas diversas, são complementares entre si. É dessa forma que o intérprete alcançará o resultado almejado, qual seja: a atribuição do significado correto do texto constitucional num determinado caso concreto, respeitando-se sempre o limite estabelecido pela própria norma.

                   Uma vez que não se trata de negar a aplicação de um ou outro método[11] de interpretação, destaca-se a imprescindibilidade da interpretação de todo e qualquer dispositivo normativo, mesmo aquele cujo sentido aparenta ser claro. Tal como leciona Celso Bastos: “todas as normas necessitam de interpretação, mesmo porque para afirma que a interpretação cessa diante da clareza do dispositivo, é dizer, para concluir-se que esse dispositivo é claro, necessita-se da interpretação. Nenhum dispositivo legal vem com um adendo especificando que ele é claro, portanto não necessita ser interpretado.”[12]

                   Nesse sentido, citamos Jorge Miranda: “Há sempre que interpretar a Constituição como há sempre que interpretar a lei. Só através desta tarefa se passa da leitura política, ideológica ou simplesmente empírica para a leitura jurídica do texto constitucional, seja ele qual for. Só através dela, a partir da letra, mas sem se parar na letra, se encontra a norma ou o sentido da norma. Não é possível aplicação sem interpretação, tal como esta só faz pleno sentido posta ao serviço da aplicação”[13].

                   De forma bastante clara, Eros Roberto Grau discorre sobre a relação existente entre interpretação e aplicação do direito: “Praticamos a interpretação do direito não – ou não apenas – porque a linguagem jurídica seja ambígua e imprecisa, mas porque, (...), interpretação e aplicação do direito são uma só operação, de modo que interpretamos para aplicar o direito e, ao fazê-lo, não nos limitamos a interpretar (=compreender) os textos normativos, mas também compreendemos (=interpretamos) os fatos.”[14]

                   Konrad Hesse, manifestando-se sobre o assunto, leciona: “La interpretacion constitucional es <concretización> (Konkretisierung). Precisamente lo que no aparece de forma clara como contenido de la Constituición es lo que deve ser determinado mediante la incorporación de la <realidad> de cuja ordenación se trata (…). En este sentido la interpretação constitucional tiene carácter creativo: el contenido de la norma interpretada solo queda completo con su interpretación; ahora bien, solo en ese sentido posee carácter creativo: la actividad interpretativa queda vinculada a la norma.”[15]

                   Assim, dentro dos limites estabelecidos pela própria norma, a interpretação constitucional mostra-se imperiosa para que a norma seja concretizada; em outras palavras, para que, na aplicação ao caso concreto, ela produza os efeitos para os quais foi proposta. A concretização da Constituição vai permitir que o Estado alcance seu fim comum (o bem comum), de tal sorte que a sociedade e os indivíduos possam realizar seus fins particulares.

 

CAPÍTULO II

DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

                   Norberto Bobbio distingue, ao menos, três grandes fases para a formação das declarações de direitos: a) dos direitos naturais universais abstratos; b) dos direitos positivos concretos; e c) dos direitos positivos universais.

                   Segundo o autor, “as declarações nascem como teorias filosóficas. Sua primeira fase deve ser buscada na obra dos filósofos. (...) a idéia de que o homem enquanto tal tem direitos, por natureza, que ninguém (nem mesmo o Estado) lhe pode subtrair, e que ele mesmo não pode alienar (mesmo que, em caso de necessidade, ele os aliene, a transferência não é válida), essa idéia foi elaborada pelo jusnaturalismo moderno. (...) O segundo momento da história da Declaração dos Direitos do Homem consiste, portanto, na passagem da teoria à prática, do direito somente pensado para o direito realizado. Nessa passagem, a afirmação dos direitos do homem ganha em concreticidade, mas perde em universalidade. Os direitos são doravante protegidos (ou seja, são autênticos direitos positivos), mas valem somente no âmbito do Estado que os reconhece. Embora se mantenha, nas fórmulas solenes, a distinção entre direitos do homem e direitos do cidadão, não são mais direitos do homem e sim apenas do cidadão, ou, pelo menos, são direitos do homem somente enquanto são direitos do cidadão deste ou daquele Estado particular. Com a Declaração de 1948, tem início uma terceira e última fase, na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva: universal no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado. No final desse processo, os direitos do cidadão terão se transformado, realmente, positivamente, em direitos do homem. Ou, pelo menos, serão os direitos do cidadão daquela cidade que não tem fronteiras, porque compreende toda a humanidade; ou, em outras palavras, serão os direitos do homem enquanto direitos do cidadão do mundo. (...) A Declaração Universal contém em germe a síntese de um movimento dialético, que começa pela universalidade abstrata dos direitos naturais, transfigura-se na particularidade concreta dos direitos positivos, e termina na universalidade não mais abstrata, mas também ela concreta, dos direitos positivos universais”.[16]

                   A concepção contemporânea de direitos humanos originou-se na terceira fase de afirmação das declarações de direitos, ou seja, no final da Segunda Guerra Mundial, com a assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, quando a proteção dos direitos humanos deixou de ser um problema doméstico e se tornou legítima preocupação da ordem internacional. Vale dizer: durante a guerra, houve o que Hannah Arendt denominou de a banalidade do mal.[17]

                   Flávia Piovesan leciona: “A internacionalização dos direitos humanos constitui, assim, um movimento extremamente recente na história, que surgiu a partir do pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. Apresentando o Estado como o grande violador de direitos humanos, a Era Hitler foi marcada pela lógica da destruição e da descartabilidade da pessoa humana, o que resultou no extermínio de onze milhões de pessoas. O legado do nazismo foi condicionar a titularidade de direitos, ou seja, a condição de sujeito de direito, à pertinência a determinada raça – a raça pura ariana. (...) Nesse contexto, desenha-se o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea. Se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o pós-guerra deveria significar sua reconstrução”.[18]

                   Na construção do Direito Internacional dos Direitos Humanos (ou na reconstrução dos direitos humanos iniciada no pós-guerra), Carlos Weis[19] aponta que surgiram outras características dos direitos humanos, além das tradicionalmente elencadas (inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade). Seriam elas: inerência; universalidade; indivisibilidade e interdependência; e transnacionalidade.

                   A inerência dos direitos humanos decorre do simples fato da pessoa existir. No contexto da Declaração Universal, encontra-se superada a noção consagrada pelo jusnaturalismo racional de que os direitos humanos decorrem da natureza imutável do ser humano abstraído de seu contexto histórico.

                   No que diz respeito à universalidade, Flávia Piovesan explica que, “para a Declaração Universal a condição de pessoa é o requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos”, o que “traduz a absoluta ruptura com o legado nazista, que condicionava a titularidade de direitos à pertinência à determinada raça (a raça pura ariana)”.[20]

                   Quanto à indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, Carlos Weis considera que “a indivisibilidade, então, está ligada ao objetivo maior do sistema internacional de direitos humanos: a promoção e garantia da dignidade do ser humano. Ao se afirmar que os direitos humanos são indivisíveis se está a dizer que não existe meio-termo: só há vida verdadeiramente digna se todos os direitos previstos no Direito Internacional dos Direitos Humanos estiverem sendo respeitados, sejam civis e políticos, sejam econômicos, sociais e culturais”[21], ao passo que a “interdependência diz respeito aos direitos humanos considerados em espécie, ao se entender que um certo direito não alcança a eficácia plena sem a realização simultânea de alguns ou de todos os outros direitos”.[22]

                   A Declaração Universal inovou ao introduzir a noção de indivisibilidade e de interdependência dos direitos humanos; e a História tem mostrado que os direitos civis e políticos, sem a devida efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, são reduzidos a meras categorias formais, destituídas de efetividade social.

                   Por sua vez, a transnacionalidade, segundo Dalmo de Abreu Dallari, resume-se ao fato de que “os direitos fundamentais da pessoa humana são reconhecidos e protegidos em todos os Estados, embora existam algumas variações quanto à enumeração desses direitos, bem como quanto à forma de protegê-los. Esses direitos não dependem da nacionalidade ou cidadania, sendo assegurados a qualquer pessoa”.[23]

                   Pelo conjunto das características apontadas, conclui-se que o fundamento da concepção contemporânea dos direitos humanos encontra-se no valor da dignidade da pessoa humana, que seria, portanto, o mínimo ético irredutível desses direitos.

                   Não obstante, os direitos humanos não podem ser estudados sem se levar em conta sua historicidade, na medida em que, segundo Norberto Bobbio, “por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas”.[24]

                   Assim, a concepção contemporânea de direitos humanos, originada no pós-Segunda Guerra Mundial, cujo fundamento é a dignidade da pessoa humana, mostra-se inovadora, eis que as características de inerência; universalidade; indivisibilidade e interdependência, e transnacionalidade desses direitos, não se encontram mais exauridas no tempo, mas se transformam de acordo com o surgimento de novos direitos a serem protegidos.

                   Nesse cenário, importante estabelecer a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais. Considera-se que os direitos fundamentais encontram sua origem nos direitos humanos e manifestam-se como a positivação destes no ordenamento jurídico. Nesse sentido esclarece Willis Santiago Guerra Filho leciona que “sob o ponto de vista histórico, ou seja, na dimensão empírica, os direitos fundamentais são, originalmente, direitos humanos. Contudo, estabelecendo um corte epistemológico, para estudar sincronicamente os direitos fundamentais, devemos distingui-los, enquanto manifestações positivas do Direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico, dos chamados direitos humanos, enquanto pautas ético-políticas, “direitos morais”, situados em uma dimensão suprapositiva, deonticamente diversa daquela em que se situam as normas jurídicas – especialmente aquelas de Direito interno.”[25]

                   Pode-se dizer, assim, que a efetividade dos direitos humanos depende em grande parte da concretização dos direitos fundamentais, vez que estes possuem a prescritividade e imperatividade inerentes à norma jurídica e que se mostram necessárias à realização desses direitos.

                   Entretanto, tal como anteriormente mencionado, as normas de direitos fundamentais, assim como as demais normas jurídicas nada significam sem a intervenção do intelecto humano. É o homem o responsável pela atribuição de sentido à norma; é o homem que aplica a norma de direito positivo; é o homem quem garante a observância e realização dos ditames constitucionais. Por essa razão e dada a sua peculiaridade, mostra-se importante o estudo da interpretação da norma jurídica de direito fundamental, o que se fará no capítulo seguinte.

CAPÍTULO III

INTERPRETAÇÃO DA NORMA DE DIREITO FUNDAMENTAL

3.1 - Elemento axiológico do Direito

                   Inicialmente cumpre-nos refletir sobre a relevância dos valores no âmbito do direito. Assevera Paulo de Barros Carvalho que “onde houver direito, haverá, certamente, o elemento axiológico”[26].

                   Da mesma sorte, ao considerarmos os modais deônticos: proibido, permitido e obrigatório. Esses dois últimos modais, permitido e obrigatório revelam um valor positivo vez que a sociedade aprova um determinado comportamento, por outro lado, o modal proibido, revela um valor negativo, um comportamento refutado pelo sociedade e que deve ser coibido.

                   No âmbito dos direitos fundamentais é evidente o conteúdo axiológico do Direito ao considerarmos, dentro de inúmeros outros, o direito à vida, à dignidade, à saúde, à liberdade. Todos esses direitos encerram em si valores pretendidos pelo homem na constância de sua vida. O legislador manifestou sua opção ao escolher inseri-los em nosso ordenamento jurídico em detrimento de outros.

                   Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho entende que “valor é um vínculo que se institui entre o agente do conhecimento e o objeto, tal que o sujeito, movido por uma necessidade, não se comporta com indiferença, atribuindo-lhe qualidades positivas ou negativas. (...) Os valores não são, mas valem. Dito de outra maneira, os valores seriam aquelas entidades cujo modo específico de ser é o valer. Eles são na medida em que valem.”[27]

                   Ao tratarmos dos direitos fundamentais é inegável a relevância dada pelo legislador no tratamento destes direitos. Estes revelam o que há de mais valioso ao ser humano e estabelecem o que deve ser tutelado pelo Direito para que se garanta uma vida digna, o bem estar comum.

                   Nesse cenário, antes de abordarmos a questão da interpretação das normas de direitos fundamentais, importante tecer algumas considerações sobre a norma jurídica.

3.2 - Norma jurídica: regras e princípios

                   Das lições de Hans Kelsen, tem-se que norma jurídica é afetada por uma bimembridade: ela seria composta por uma norma jurídica primária e uma norma jurídica secundária. Em sua obra Teoria Geral das Normas, da obra póstuma, Kelsen entende que a norma primária estabelece uma conduta e a norma secundária prescreve uma sanção. Autores como Carlos Cossio, Norberto Bobbio, Hart, Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho adotam a bimembridade da norma jurídica.

                   Para Willis Santiago Guerra Filho a norma jurídica constitui “uma ‘expressão deôntica’, uma prescrição de determinado tipo, que adquire seu caráter especificamente jurídico quando inserida no contexto de um ordenamento jurídico. Essas expressões deixam-se reduzir a proposições lógicas, com determinada estrutura, onde se tem (1) a descrição de um hipotético estado-de-coisas (Sachverbalte), e (2) sua modalização em termos deônticos através de um “functor”, cujos tipos básicos são “obrigatório”, “proibido”, “facultativo”.”[28]

                   O ordenamento jurídico é formado por normas regras e normas princípios. É entre as normas princípios que encontramos as normas de direitos fundamentais.

                   Nas lições sobre hermenêutica e interpretação constitucional, Celso Bastos aponta a seguinte distinção:

                   “As Constituições não são compostas de normas que exerçam função idêntica dentro do texto maior. É possível vislumbrar duas categorias principais: uma denominada de princípios e outra de regras. As regras seriam aquelas normas que se aproximam às do direito comum, isto é, têm os elementos necessários para investir alguém da qualidade de titular de um direito subjetivo. Outras, no entretanto, pelo seu alto nível de abstração, pela indeterminação das circunstâncias em que devem ser aplicadas, têm o nome de princípios. Embora não possam gerar direitos subjetivos, eles desempenham uma função transcendental dentro da Constituição. Eles é que dão vida e estrutura e conferem unidade ao texto constitucional determinando-lhes as diretrizes fundamentais”.[29]

                   Em sentido análogo, embora utilizando uma terminologia diversa, Luís Roberto Barroso esclarece:

                    “Já se encontra superada a distinção que outrora se fazia entre norma e princípio. A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas-princípio e as normas-disposição. As normas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às situações específicas às quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou simplesmente princípios, têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema. Não há, é certo, entre umas e outras, hierarquia em sentido normativo, (...) todas as normas constitucionais encontram-se no mesmo plano. Isso não impede, todavia, que normas de mesma hierarquia tenham funções distintas dentro do ordenamento De fato, aos princípios cabe, além de uma ação imediata, quando diretamente aplicáveis a determinada relação jurídica, uma outra, de natureza mediata, que é a de funcionar como critério de interpretação e integração do Texto Constitucional”.[30]

                   As regras descrevem um determinado fato e prescrevem ações. Enquanto isso, os princípios referem-se diretamente a valores. Esses valores são considerados os fundamentos das regras e não fundamentariam nenhuma ação, dependendo, para tanto de uma regra concretizadora.

                   Nesse sentido, esclarece Willis Santiago Guerra Filho que os princípios possuem grande grau de generalidade e abstração do que a mais geral e abstrata das regras. Conclui o autor que “diante de um acontecimento, ao qual uma regra se reporta, se essa regra foi observada ou se foi infringida, e, nesse caso, como se poderia ter evitado sua violação. Já os princípios são “determinações de otimização” (Optimierungsgebote), na expressão de Alexy, que se cumpre na medida das possibilidades, fáticas e jurídicas, que se oferecem concretamente.”[31]

                   Outra distinção entre regra e princípio pode ser verificada nas hipóteses de conflitos. Havendo conflito de regras, verifica-se a antinomia, que resultará na escolha de uma e detrimento da outra regra conflitante. No caso dos princípios, o cumprimento de um princípio não implica no completo desrespeito do outro, mas apenas relativo. Os princípios são, portanto, relativos e não absolutos. Não há princípio que se possa pretender o cumprimento absoluto em todas as situações.

                   O acatamento absoluto de um princípio pode resultar na violação de outro. O princípio da proporcionalidade tem sido suscitado como solução para tais conflitos.

                   Estabelecida a distinção entre regras e princípios, importante esclarecer que apenas os princípios merecerão nossa maior atenção na medida em que é dentre eles que encontramos as normas de direitos fundamentais.

3.3 - Princípios constitucionais e interpretação das normas de direitos fundamentais

                   Irradiando-se por todo o ordenamento jurídico, os princípios constitucionais são a base, o fundamento daquele. Eles atuam como diretrizes na elaboração e interpretação das demais normas, constitucionais e infraconstitucionais.

                   Segundo Celso Bastos:

                   “os princípios consubstanciados na Constituição são normas, e como tais, não são meras construções informativas. (...) servirão esses princípios de diretrizes interpretativas das demais normas, bem como de fundamento jurídico do restante do ordenamento jurídico, assim como do restante das normas constitucionais (característica comum a todos os princípios constitucionais)”.[32]

                   A importância exercida pelos princípios constitucionais quando da interpretação da Carta Maior é também ressaltada por Luis Roberto Barroso, segundo o qual:

                   “O ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie”.[33]

                   Ao melhor elucidar a função dos princípios no nosso ordenamento jurídico, J. J. Gomes Canotilho distingue os princípios constitucionais em princípios estruturantes e princípios constitucionais gerais e especiais.

                   Os princípios estruturantes, consoante o autor supramencionado, são “constitutivos e indicativos das ideias directivas básicas de toda a ordem constitucional. São, por assim dizer, as traves-mestras jurídico-constitucionais do estatuto jurídico do político. (...) Estes princípios ganham concretização através de outros princípios (ou subprincípios) que <densificam> os princípios estruturantes, iluminando o seu sentido jurídico-constitucional e político-constitucional, formando, ao mesmo tempo, com eles, um sistema interno”.[34]

                   Em âmbito nacional, para José Afonso da Silva existem duas categorias de princípios constitucionais:

                   “Princípios político-constitucionais – Constituem-se daquelas decisões políticas fundamentais concretizadas em normas conformadoras do sistema constitucional positivo, e são, segundo Crisafulli, normas-princípio, isto é, ‘normas fundamentais de que derivam logicamente (e em que, portanto, já se manifestam implicitamente) as normas particulares regulando imediatamente relações específicas da vida social’. (...) Princípios jurídico-constitucionais – São princípios constitucionais gerais informadores da ordem jurídica nacional. Decorrem de certas normas constitucionais e, não raro, constituem desdobramentos (ou princípios derivados) dos fundamentais”.[35]

                   Em ambos constitucionalistas, tanto os princípios estruturantes como os princípios político-constitucionais, referem-se à mesma espécie de princípios; constituem fundamentos da Constituição e do ordenamento jurídico, eis que permeiam o texto constitucional e irradiam-se por todo o ordenamento jurídico. É o caso, como já mencionado, do princípio democrático, citado por aludidos autores em suas reflexões.

                   Com relação aos princípios fundamentais gerais, destaca-se aquele que determina o respeito “a dignidade da pessoa humana”, insculpido no artigo 1º da Constituição de 1988.

                   Sobre aludido princípio ensina Willis Santiago Guerra:

                   “O princípio mereceu formulação clássica na ética kantiana, precisamente na máxima que determina aos homens, em suas relações interpessoais, não agirem jamais de molde a que o outro não seja tratado como objeto, e não como igualmente um sujeito. Esse princípio demarcaria o que a doutrina constitucional alemã, considerando a disposição do Art. 19 II da Lei Fundamental, denomina de “núcleo essencial intangível” dos direitos fundamentais. Entre nós, ainda antes de entrar em vigor a atual Constituição, a melhor doutrina já enfatizava que “o núcleo essencial dos direitos humanos reside na vida e na dignidade da pessoa.”[36]

                   Prossegue o autor:

                   “Os direitos fundamentais, portanto, estariam consagrados objetivamente em “princípios constitucionais especias”, que seriam a “densificação” (Canotilho) ou “concretização” (embora ainda em nível extremamente abstrato) daquele “princípio fundamental geral”, de respeito à dignidade humana. Dele, também, se deduziria o já mencionado “princípio da proporcionalidade”, até como uma necessidade lógica, além de política, pois se os diversos direitos fundamentais estão, abstratamente, perfeitamente compatibilizados, concretamente se dariam as “colisões” entre eles, quando então, recorrendo a esse princípio, se privilegiaria, circunstancialmente, algum dos direitos fundamentais em conflito, mas sem com isso chegar a atingir outro dos direitos fundamentais conflitantes em seu conteúdo essencial.”[37]

                   Considerando que os princípios estão em latente situação de colisão, verifica-se a necessidade de se garantir uma intepretação que atenda às suas especificidades.

                   De acordo com a formulação clássica de Konrad Hesse e J. J. Gomes Canotilho, na intepretação dos princípios constitucionais, dentre os quais se encontram as normas de direitos fundamentais, há que se utilizar os seguintes princípios interpretativos[38]:

a) Princípio da unidade da Constituição. Trata-se do mais importante desses princípios. Considerando que as normas fazem parte de um sistema integrado, o princípio estabelece a necessidade de se verificar o fundamento de validade de um valor e outro de hierarquia superior, até o mais alto grau da hierarquia, que para Kelsen seria a Norma Hipotética Fundamental;

b) Princípio do efeito integrador: determina que “na solução dos problemas jurídico-constitucionais, se dê preferência à interpretação que mais favoreça a integração social, reforçando a unidade política”[39];

c) Princípio da máxima efetividade ou princípio da eficiência ou da interpretação efetiva: pois determina que na atividade interpretativa seja conferida a máxima efetividade, maior eficácia às normas. Esse princípio mostra-se essencial, especialmente quando se trata de norma de direito fundamental;

d) Princípio da força normativa da Constituição: ainda que a ordem normativa sofra alterações com o decurso do tempo, há sempre que se observar as determinações constitucionais de modo a melhor compreendê-las e, se necessário, adaptá-las às novas situações sem, contudo, violar seus dispositivos.

e) Princípio da conformidade funcional: estabelece a estrita observância da repartição das funções entre os poderes do Estado.

f) Princípio da interpretação conforme a Constituição: “afasta interpretações contrárias a alguma das normas constitucionais, ainda que favoreça o cumprimento de outras delas. Determina, também, esse princípio, a conservação de norma, por inconstitucional, quando seus fins possam se harmonizar com preceitos constitucionais, ao mesmo tempo em que estabelece como limite à interpretação constitucional as próprias regras infraconstitucionais contra legem, que contrarie a letra e o sentido dessas regras.”

g) Princípio da concordância prática ou da harmonização: “segundo o qual se deve buscar, no problema a ser solucionado em face da Constituição, confrontar os bens e valores jurídicos que ali estariam conflitando, de modo a, no caso concreto sob exame, se estabeleça qual ou quais dos valores em conflito deverá prevalecer, preocupando-se, contudo, em otimizar a preservação, igualmente, dos demais, evitando o sacrifício total de uns em benefício de outros.”[40]

                   Quando tratamos de conflitos entre princípios constitucionais, surge uma dificuldade maior em relação aos demais conflitos, seja entre normas, seja entre princípios. Isso porque ambos princípios merecem igual obediência e ambos encontram-se na mesma posição hierárquica. Busca-se nesses casos uma forma de solução de conflito que compatibilize ambos princípios conflitantes de modo a garantir a máxima efetividade de cada um deles. Mas então qual seria a solução? Nos dias atuais diversos autores sugerem a utilização de um princípio que seria considerado o “princípio dos princípios”, qual seja o “princípio da proporcionalidade”.

                   Nesse sentido, destacamos os ensinamentos de Willis Santiago Guerra Filho segundo que o princípio da proporcionalidade busca uma “solução de compromisso”. Isso significa que em determinadas situações um princípio prevalecerá mais sobre o outro, todavia, buscando-se sempre desrespeitar o outro o mínimo possível sem jamais “ferir seu núcleo essencial”.

                   Segundo o jurista, “Esse princípio, embora não esteja explicitado de forma individualizada em nosso ordenamento jurídico, é uma exigência inafastável da própria fórmula, de respeito simultâneo dos interesses individuais, coletivos e públicos.”[41]

                  

                   Mais do que um princípio decorrente do próprio ordenamento jurídico para Willis Santiago Guerra Filho o princípio da proporcionalidade natureza dúplice de regra e princípio, bem como de natureza material e processual. Possuiria também um dúplice caráter, o subjetivo, enquanto conferido a titulares e objetivo, enquanto pauta informadora da estruturação do direito (objetivo), de acordo com as determinações de um Estado Democrático de Direito em sentido mais avançado.[42]

                   Ainda nessa esteira, Robert Alexy ressalta que a natureza dos princípios implica na “máxima proporcionalidade”. Para o jurista, isso significa que: “a proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento propriamente dito), decorre logicamente da natureza dos princípios, ou seja, que a proporcionalidade é deduzível dessa natureza.”[43]

                   Assim, as normas de direitos fundamentais enquanto princípios implicariam, necessariamente, em aludida “máxima da proporcionalidade”.

                   Isso significa dizer que uma vez havendo colisão entre princípios ou normas de direitos fundamentais, há que se buscar as três máximas da proporcionalidade: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

                   Verifica-se, portanto, que a interpretação das normas de direitos fundamentais distingue-se das demais normas pela relevância de seu conteúdo bem como pelas suas características principiológicas. A melhor solução de um determinado caso concreto apenas será realmente eficaz se levar em consideração todos os princípios em conflito. A opção por um dos princípios não implica na não observância ou violação absoluta do outro. Como se viu, não se pode pretender a observância absoluta de um princípio, mas sim a máxima observância possível.

                   A concretização dos direitos fundamentais depende, portanto, da interpretação do exegeta. É ele quem dentro dos limites estabelecidos pela própria norma, poderá garantir a máxima concretização dos mandamentos constitucionais para que o Estado consiga alcançar suas finalidades, em especial, garantir o bem comum e uma vida digna a seus cidadãos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

                   Ao considerarmos o Direito como linguagem, não se pode chegar a outra conclusão senão a da importância da interpretação, mais do que isso, da importância do Exegeta na tarefa da interpretação.

                   No Direito, a atividade interpretativa constrói o significado do texto da norma e possibilita a sua aplicação para consecução das finalidades do Estado insculpidas na Constituição.

                   Dada a importância da Constituição no ordenamento jurídico, a interpretação constitucional revela-se imperiosa para que se possa garantir a concretização das normas constitucionais e, dessa forma, para que o Estado atinja a sua finalidade, tal como lecionado por Dalmo Dallari.

                   A Constituição exprime em seu conteúdo a realidade social de um determinado povo, de modo que a tarefa interpretativa cabe a todos os cidadãos.

                   Nesse cenário, inserem-se as normas de direitos fundamentais, princípios consagrados na Constituição pátria de 1988, dada a essencialidade de sua persecução e tutela, em especial contra abusos cometidos pelo próprio Estado compreendido como um dos grandes violadores de tais direitos após as atrocidades cometidas durante a 2ª Guerra Mundial.

                   A natureza peculiar das normas de direitos fundamentais apontam para a necessidade de uma especial forma de interpretação do texto constitucional. Percebe-se que a interpretação empregada às demais normas jurídicas mostra-se inadequada em se tratando de normas de direitos fundamentais.

                   A existência de uma antinomia, conflito entre normas jurídicas, torna necessária a atividade do exegeta para que uma das normas prevaleça em um determinado caso, seja com o mero afastamento da norma conflitante, seja com a sua exclusão do sistema, tal como nas ações direitas de inconstitucionalidade.

                   Entretanto, no caso das normas de direitos fundamentais, as situações de conflitos carecem de solução distinta.

                   Em aludidos casos, no lugar da inobservância ou expulsão de uma das normas, há que se buscar a harmonização. Ainda que uma norma prevaleça sobre a outra, isso não implica na total inobservância da outra. Espera-se que numa situação concreta todos os direitos envolvidos alcancem sua máxima efetividade, ainda que isso implique na prevalência de um em detrimento de outro.

                   Para tanto, a mais moderna doutrina têm adotado o princípio da proporcionalidade como uma forma de satisfazer essas demandas, considerando-o, inclusive como um direito ou garantia fundamental[44].

                   Ainda que tal posicionamento seja alvo de críticas por uma suposta falta de racionalidade, vez que atribuiria ao arbítrio do exegeta a aplicação da norma, não se pode dizer que seja o emprego da proporcionalidade seja irracional. É certo que o exegeta ao empregar a proporcionalidade deverá analisar e sopesar os direitos e limites determinados pelas próprias normas, procedimento racional e não de mero arbítrio do exegeta. Fato é que são diversos os resultados possíveis e o que deverá o aplicador da lei fazer é optar por aquele que melhor solucionar o caso.

                   Considerando que o Direito é linguagem, bem como fruto da construção humana, é inegável a importância da interpretação na aplicação daquele. Da mesma forma, o intérprete desempenha atividade essencial vez que é ele quem avaliará a solução mais adequada ao caso.

                   No caso das normas de direitos fundamentais a atividade do intérprete ganha ainda mais peso, razão ela qual o estudo da interpretação nesse âmbito consiste numa tarefa incessante. Novos mecanismos em busca da maior efetividade dos direitos fundamentais será sempre salutar, assim como a utilização do principio da proporcionalidade na solução de conflitos.

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[1] CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. 3ª edição, revista e ampliada. São Paulo: Noeses, 2013, p. 224.

[2] Idem, p. 224

[3] CARVALHO, Paulo de Barros in CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. 3ª edição, revista e ampliada. São Paulo: Noeses, 2013, p. 224 e 225.

[4]CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário. 4ª edição, revista e ampliada, São Paulo: Noeses, 2011.

[5] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário. 4ª edição, revista e ampliada, São Paulo: Noeses, 2011, p. 226.

[6] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 20ª edição, atualizada. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 107.

[7] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 3ª edição revista e ampliada, 2ª impressão. Curitiba: Positivo, 2004. p. 1181.

[8] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 15ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 444.

[9] CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª edição. Coimbra: Almedina, 1997. p. 1164 e 1165.

[10] CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª edição. Coimbra: Almedina, 1997. p. 1181.

[11] Sobre os métodos tradicionais de interpretação (literal ou gramatical, histórico, lógico ou teleológico e sistemático), são valiosos os ensinamentos de Celso Ribeiro Bastos: “O método literal ou gramatical leva em consideração o texto da norma, ou melhor, o conteúdo semântico das palavras que a compõe. Ela representa o ponto de partida de qualquer processo interpretativo, uma vez que o texto da norma consiste em seu substrato. São utilizadas nesse método as regras gramaticais, dando-se especial valor a pontuação e sintaxe. Busca-se alcançar o real sentido, ou melhor, o significado de cada vocábulo utilizado pela norma jurídica”. In: BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional, 3ª edição revista e ampliada. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 57. (grifo nosso) “O método histórico busca alcançar o sentido da lei através da análise de seus precedentes legislativos, quais sejam, os relatórios, debates em plenário ou discussões em comissões. Procura-se aqui ressaltar o contexto histórico da lei no momento em que esta foi promulgada, bem como todo o seu processo de elaboração, para que assim possa-se prever suas conseqüências no futuro. No entanto, o método histórico não fica restrito apenas à análise do contexto sócio-econômico que circundava a lei no momento de sua elaboração, mas leva em conta também qual seria o intuito da lei frente aos fatos atuais”. In: BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional, 3ª edição revista e ampliada. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 58 a 60 (grifo nosso). “O método lógico também denominado por parte da doutrina como teleológico procura destacar a finalidade da lei (mens legis), ou ainda, como consideram alguns o seu espírito. Busca-se ressaltar, neste método, o bem jurídico tutelado pela lei, ou melhor dizendo, o valor nela versado”. In: BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional, 3ª edição revista e ampliada. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 60 (grifo nosso). “O método sistemático tem em vista a interpretação da lei dentro do contexto normativo no aquela ela se insere, é dizer, busca-se interpretar a norma não isoladamente mas em relação com as demais. Destaca-se aqui a perspectiva sistêmica do ordenamento jurídico, bem como a sua unidade, procurando assim atingir uma versão global e estrutural da lei”. In: BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional, 3ª edição revista e ampliada. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 61.

[12] BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional, 3ª edição revista e ampliada. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 43.

[13] MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado de da Constituição, 1ª edição, 3ª tiragem. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 448.

[14] GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, 1ª edição. São Paulo: Malheiros, 2002. p.16.

[15] HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional (Selección). Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1983. p. 43.

[16] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, 14ª tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 28 a 30.

[17] ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal, trad. de José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

[18] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, 7ª ed. rev., ampl. e atualiz. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 116 e 117.

[19] WEIS, Carlos. Os direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 1999.

[20] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, 7ª ed. rev., ampl. e atualiz. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 131.

[21] WEIS, Carlos. Os direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 118.

[22] WEIS, Carlos. Os direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 118.

[23] DALLARI, Dalmo de Abreu. O que são direitos das pessoas. Coleção Primeiros Passos 14. São Paulo: Abril Cultural / Brasiliense, 1984. p. 22.

[24] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, 14ª tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 5.

[25] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, 6ª edição. São Paulo: SRS Editora, 2009, p. 40.

[26] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – Linguagem e método. 4ª edição, revista e ampliada, São Paulo: Noeses, 2011, p. 174.

[27] Idem, p. 175.

[28] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, 6ª edição. São Paulo: SRS Editora, 2009, p.51.

[29] BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional, 3ª edição. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 208.

[30] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, 3ª edição revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 147 e 148.

[31] Idem, p. 52.

[32] BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional, 3ª edição. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 220.

[33] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, 3ª edição revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 147.

[34] CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª edição. Coimbra: Almedina, 1997. p. 1137.

[35] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 19ª edição, revista e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 97.

[36] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, 6ª edição. São Paulo: SRS Editora, 2009, p.58.

[37] Idem, p.58

[38] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, 6ª edição. São Paulo: SRS Editora, 2009, p.72 a 75.

[39] Idem, p. 73.

[40] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, 6ª edição. São Paulo: SRS Editora, 2009, p.58.

[40] Idem, p.75

[41] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, 6ª edição. São Paulo: SRS Editora, 2009, p.75.

[42] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, 6ª edição. São Paulo: SRS Editora, 2009, p.58.

[42] Idem, p.87

[43] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 5ª edição alemã, trad.da 1ª edição brasileira por Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p.116.

[44] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, 6ª edição. São Paulo: SRS Editora, 2009, p. 91.