Interesses Elitistas Na Educação - Eles Querem Que Ela "chipe" Os Alunos, Nós Queremos Que Ela Os Intelectualize
Publicado em 28 de outubro de 2008 por Robson Fernando
Artigo escrito em fevereiro de 2008
Nota inicial: este artigo é uma resposta, ainda que tardia, à reportagem da Globo entitulada "Educação é o maior problema do país" (Bom Dia Brasil, 05/12/2007), em que eram abordados os resultados do ENEM 2007 e a comparação das médias entre os ENEM 2006 e 2003.
É quase certo que você dirá que eu estou "chutando cachorro morto" ou "descobrindo o Brasil" ao criticar uma emissora tão malvista por grande parte das mentes esclarecidas brasileiras como a Rede Globo. Mas dou-me a licença de fazê-lo, por motivos e ideais que considero nobilíssimos e socialmente edificantes.
Agora vamos lá. Com dois meses de atraso, assisti à referida reportagem, via vídeo online gratuito, e deparei com uma lamentável posição por parte da emissora. Ela mostrou como se fossem as únicas conseqüências significativas do mau desempenho da educação básica brasileira a má preparação para o mercado de trabalho e a deficiência de mão-de-obra qualificada e eficiente. A ênfase nesse fator foi total, omitindo-se de forma também total questões imprescindíveis para o desenvolvimento da sociedade que também são gravemente atingidas pelo malogro educacional, como a formação intelectual dos estudantes, a edificação cidadã da sociedade e até mesmo o desenvolvimento científico e tecnológico do país. Para as pessoas que já conhecem o histórico de posições lamentáveis da Globo, estão bem claros os interesses por trás dessa omissão. Mas, se você ainda é um "pós-Homer" que ainda busca entender melhor esse assunto, explico abaixo.
Pergunta-se: que interesses estariam por trás dessa atitude de exaltar para as massas a "religião do Deus Mercado" em detrimento total de fatores mais nobres? Da reportagem, tiro a comprovação de que parte da elite sócio-econômica, que é interessada em ver um povo despolitizado, alienado e controlado pelo "Chip da Bitolagem Capitalista" - metáfora que eu já abordei em outro artigo recente para submissão total e incondicional ao "Deus Mercado" - e a serviço da qual a Globo mostrou estar mesmo que aparentemente não quisesse, só pensa no progresso da educação brasileira como meio servido para otimizar o desempenho econômico de suas empresas, com a provisão de empregados mais qualificados e especializados, e assim encher seus cofres com mais dinheiro.
Interessa-lhes também que a educação básica se omita na função de formar cidadãos sócio-politicamente conscientes, pensadores com possantes mentes intelectualizadas e mesmo cientistas e inventores. A primeira categoria de certa forma questionaria ou mesmo ameaçaria, pela democracia, cidadania e conscientização exercidas em massa, a credibilidade sócio-política dos coronéis, dos "painhos", dos veteranos que persistem no poder a serviço dos interesses de poucos, dos seus pupilos conservadores e dos compadres de hegemonia sócio-econômica desses políticos, tais como donos de empresas de grande influência social - nas quais se inclui grande parte das emissoras de comunicação existentes no Brasil. Já a segunda também se faz uma ameaça aos interesses políticos, sociais e econômicos dessa trupe, uma vez que pensam, argumentam, constroem o intelecto coletivo, até mesmo pesquisam novos projetos de ordenação sócio-econômica mais justa e distinta do modelo atual de capitalismo egoísta, consumista, injusto, excludente, insustentável e ambientalmente cancerígeno, o que evidentemente vai de encontro aos interesses dos grandalhões que querem que tudo continue como está e só defendem alguns reparos em questões como violência urbana e educação - esta sendo, como querem, voltada especialmente para a "chipagem" mercantilista dos jovens. Já a categoria de jovens cientistas e inventores faz tremerem na base os compadres do Primeiro Mundo, que detestam ver brasileiros, argentinos, vietnamitas, árabes, etc. progredindo cientificamente, fazendo descobertas importantes e patenteando engenhos de importância vital para as pessoas e para a reputação científica-tecnológica de seu país: o que vão pensar aqueles empresários americanos - de quem os xoguns da Globo, por exemplo, poderiam muito bem ser aliados - que lucram horrores exportando equipamentos médicos de alta tecnologia quando virem que, por exemplo, o Brasil não precisa mais de seus produtos por ter alcançado tecnologia semelhante?
É diante desses motivos que vemos que a educação como instrumento de formação intelectual, cidadã e científica é uma pedra no sapato dos interesses de parte da "Zelite". Diante disso, complemento o que eu preconizei em meu artigo anterior que falava de faculdades mercantilistas. A Globo, como efeito colateral de sua lamentável atitude pró-mercantilista, levantou o debate em torno da idéia de que a educação básica também está envolvida nessa batalha "bem X mal" entre a cultura da "chipagem" mercantilista compulsiva e a da formação de cérebros pensantes e críticos. É daí que eu comento abaixo os pontos que os maus resultados dos ENEM recentes denunciaram e as conseqüências que a Globo não abordou.
- O desempenho em leitura piorou um pouco entre 2003 e 2006: com um pouco mais de senso crítico e adotando o ponto de vista sócio-intelectual, vemos que isso é grave não só para a habilidade de futuros profissionais lerem e entenderem direito os documentos empresariais, manuais técnicos e outros escritos usados em empresas, como também para a habilidade das pessoas de ler, compreender e escrever textos relativos a assuntos como a ordem sócio-econômica brasileira e mundial, o poder da cidadania, a compreensão teórica do mundo, entre outros assuntos, de analisar criticamente o que lêem em jornais, revistas, internet e outros meios de comunicação escrita e, o mais grave de todos, de ler livros. Todos aqui sabem que ler livros, dependendo da qualidade deles, é imprescindível para a formação e evolução intelectual do ser humano e também para o aprimoramento de sua capacidade de pensamento crítico. E outra questão que não devo omitir: e a capacidade filosófica que se está construindo com uma massa estudantil que mal consegue ler direito? É uma porcaria, que vai perpetuar a dependência de muletas psicológicas (leia-se crenças cegas em denominações religiosas com fins lucrativos pregadas por pastores, padres e outros sacerdotes mal-encarados e incapacidade de questionamento racional de dogmas absurdos).
- O desempenho em ciências se manteve na mesma faixa de precariedade: isso é horrível para o desenvolvimento científico e tecnológico dos jovens brasileiros. Se não temos governos que se interessem em melhorar de verdade a educação básica, jamais conseguiremos formar com consistência cérebros que gostem de mergulhar nas pesquisas científicas e no desenvolvimento de criações tecnológicas. Sendo assim, o Brasil continuará em posições nada honrosas de produção científica e tecnológica, o que tem implicações sociais, econômicas - por mais que eu queira, não vou me parcializar e omitir a parte econômica, com a ressalva de que não lhe dou a ênfase gigante que a Globo deu -, intelectuais e até relativas a soberania nacional muito danosas.
- Conseguiu-se sair um pouco melhor em matemática, mas continua-se no fundo do poço: A fraqueza dessa melhora também tem implicações dramáticas na questão científica, tecnológica e intelectual, uma vez que Física, Química, Engenharia, Computação e até Biologia, entre outras disciplinas de ensino básico e superior, têm uma quantidade inúmera de cálculos matemáticos obrigatórios.
Diante de todos esses fatores relativos a educação, interesses elitistas, mercantilização e "chipagem", intelecto, desenvolvimento científico e outros assuntos pertinentes, chamo a atenção para que as pessoas comecem a analisar mais criticamente o que vêem na TV, na internet, nos jornais, em tudo o que recebem de informação referente a temas críticos como educação, política e sociedade. Não aceite passivamente que, por exemplo, a educação precária tem conseqüências muito mercadológicas e nada intelectuais, pense e, se possível, replique a emissora que lhe informou isso. E, se o povo vai aceitar sem questionamento as informações incompletas ou parciais que parte das grandes emissoras provê, não vamos abaixar a cabeça, vamos assumir também nosso lado de ação informativa e, acima de tudo, formativa, pela conscientização e também pela réplica aos meios de comunicação, para que eles entendam que não somos "Homers Simpsons" passivos que aceitarão que, por exemplo, a educação sirva estritamente para "chipar" os alunos para sua submissão ao "Deus Mercado".