Artigo escrito em fevereiro de 2008

Nota inicial: este artigo é uma resposta, ainda que tardia, à reportagem da Globo entitulada "Educação é o maior problema do país" (Bom Dia Brasil, 05/12/2007), em que eram abordados os resultados do ENEM 2007 e a comparação das médias entre os ENEM 2006 e 2003.

 

É quase certo que você dirá que eu estou "chutando cachorro morto" ou "descobrindo o Brasil" ao criticar uma emissora tão malvista por grande parte das mentes esclarecidas brasileiras como a Rede Globo. Mas dou-me a licença de fazê-lo, por motivos e ideais que considero nobilíssimos e socialmente edificantes.

Agora vamos lá. Com dois meses de atraso, assisti à referida reportagem, via vídeo online gratuito, e deparei com uma lamentável posição por parte da emissora. Ela mostrou como se fossem as únicas conseqüências significativas do mau desempenho da educação básica brasileira a má preparação para o mercado de trabalho e a deficiência de mão-de-obra qualificada e eficiente. A ênfase nesse fator foi total, omitindo-se de forma também total questões imprescindíveis para o desenvolvimento da sociedade que também são gravemente atingidas pelo malogro educacional, como a formação intelectual dos estudantes, a edificação cidadã da sociedade e até mesmo o desenvolvimento científico e tecnológico do país. Para as pessoas que já conhecem o histórico de posições lamentáveis da Globo, estão bem claros os interesses por trás dessa omissão. Mas, se você ainda é um "pós-Homer" que ainda busca entender melhor esse assunto, explico abaixo.

Pergunta-se: que interesses estariam por trás dessa atitude de exaltar para as massas a "religião do Deus Mercado" em detrimento total de fatores mais nobres? Da reportagem, tiro a comprovação de que parte da elite sócio-econômica, que é interessada em ver um povo despolitizado, alienado e controlado pelo "Chip da Bitolagem Capitalista" - metáfora que eu já abordei em outro artigo recente para submissão total e incondicional ao "Deus Mercado" - e a serviço da qual a Globo mostrou estar mesmo que aparentemente não quisesse, só pensa no progresso da educação brasileira como meio servido para otimizar o desempenho econômico de suas empresas, com a provisão de empregados mais qualificados e especializados, e assim encher seus cofres com mais dinheiro.

Interessa-lhes também que a educação básica se omita na função de formar cidadãos sócio-politicamente conscientes, pensadores com possantes mentes intelectualizadas e mesmo cientistas e inventores. A primeira categoria de certa forma questionaria ou mesmo ameaçaria, pela democracia, cidadania e conscientização exercidas em massa, a credibilidade sócio-política dos coronéis, dos "painhos", dos veteranos que persistem no poder a serviço dos interesses de poucos, dos seus pupilos conservadores e dos compadres de hegemonia sócio-econômica desses políticos, tais como donos de empresas de grande influência social - nas quais se inclui grande parte das emissoras de comunicação existentes no Brasil. Já a segunda também se faz uma ameaça aos interesses políticos, sociais e econômicos dessa trupe, uma vez que pensam, argumentam, constroem o intelecto coletivo, até mesmo pesquisam novos projetos de ordenação sócio-econômica mais justa e distinta do modelo atual de capitalismo egoísta, consumista, injusto, excludente, insustentável e ambientalmente cancerígeno, o que evidentemente vai de encontro aos interesses dos grandalhões que querem que tudo continue como está e só defendem alguns reparos em questões como violência urbana e educação - esta sendo, como querem, voltada especialmente para a "chipagem" mercantilista dos jovens. Já a categoria de jovens cientistas e inventores faz tremerem na base os compadres do Primeiro Mundo, que detestam ver brasileiros, argentinos, vietnamitas, árabes, etc. progredindo cientificamente, fazendo descobertas importantes e patenteando engenhos de importância vital para as pessoas e para a reputação científica-tecnológica de seu país: o que vão pensar aqueles empresários americanos - de quem os xoguns da Globo, por exemplo, poderiam muito bem ser aliados - que lucram horrores exportando equipamentos médicos de alta tecnologia quando virem que, por exemplo, o Brasil não precisa mais de seus produtos por ter alcançado tecnologia semelhante?

É diante desses motivos que vemos que a educação como instrumento de formação intelectual, cidadã e científica é uma pedra no sapato dos interesses de parte da "Zelite". Diante disso, complemento o que eu preconizei em meu artigo anterior que falava de faculdades mercantilistas. A Globo, como efeito colateral de sua lamentável atitude pró-mercantilista, levantou o debate em torno da idéia de que a educação básica também está envolvida nessa batalha "bem X mal" entre a cultura da "chipagem" mercantilista compulsiva e a da formação de cérebros pensantes e críticos. É daí que eu comento abaixo os pontos que os maus resultados dos ENEM recentes denunciaram e as conseqüências que a Globo não abordou.

- O desempenho em leitura piorou um pouco entre 2003 e 2006: com um pouco mais de senso crítico e adotando o ponto de vista sócio-intelectual, vemos que isso é grave não só para a habilidade de futuros profissionais lerem e entenderem direito os documentos empresariais, manuais técnicos e outros escritos usados em empresas, como também para a habilidade das pessoas de ler, compreender e escrever textos relativos a assuntos como a ordem sócio-econômica brasileira e mundial, o poder da cidadania, a compreensão teórica do mundo, entre outros assuntos, de analisar criticamente o que lêem em jornais, revistas, internet e outros meios de comunicação escrita e, o mais grave de todos, de ler livros. Todos aqui sabem que ler livros, dependendo da qualidade deles, é imprescindível para a formação e evolução intelectual do ser humano e também para o aprimoramento de sua capacidade de pensamento crítico. E outra questão que não devo omitir: e a capacidade filosófica que se está construindo com uma massa estudantil que mal consegue ler direito? É uma porcaria, que vai perpetuar a dependência de muletas psicológicas (leia-se crenças cegas em denominações religiosas com fins lucrativos pregadas por pastores, padres e outros sacerdotes mal-encarados e incapacidade de questionamento racional de dogmas absurdos).

- O desempenho em ciências se manteve na mesma faixa de precariedade: isso é horrível para o desenvolvimento científico e tecnológico dos jovens brasileiros. Se não temos governos que se interessem em melhorar de verdade a educação básica, jamais conseguiremos formar com consistência cérebros que gostem de mergulhar nas pesquisas científicas e no desenvolvimento de criações tecnológicas. Sendo assim, o Brasil continuará em posições nada honrosas de produção científica e tecnológica, o que tem implicações sociais, econômicas - por mais que eu queira, não vou me parcializar e omitir a parte econômica, com a ressalva de que não lhe dou a ênfase gigante que a Globo deu -, intelectuais e até relativas a soberania nacional muito danosas.

- Conseguiu-se sair um pouco melhor em matemática, mas continua-se no fundo do poço: A fraqueza dessa melhora também tem implicações dramáticas na questão científica, tecnológica e intelectual, uma vez que Física, Química, Engenharia, Computação e até Biologia, entre outras disciplinas de ensino básico e superior, têm uma quantidade inúmera de cálculos matemáticos obrigatórios.

Diante de todos esses fatores relativos a educação, interesses elitistas, mercantilização e "chipagem", intelecto, desenvolvimento científico e outros assuntos pertinentes, chamo a atenção para que as pessoas comecem a analisar mais criticamente o que vêem na TV, na internet, nos jornais, em tudo o que recebem de informação referente a temas críticos como educação, política e sociedade. Não aceite passivamente que, por exemplo, a educação precária tem conseqüências muito mercadológicas e nada intelectuais, pense e, se possível, replique a emissora que lhe informou isso. E, se o povo vai aceitar sem questionamento as informações incompletas ou parciais que parte das grandes emissoras provê, não vamos abaixar a cabeça, vamos assumir também nosso lado de ação informativa e, acima de tudo, formativa, pela conscientização e também pela réplica aos meios de comunicação, para que eles entendam que não somos "Homers Simpsons" passivos que aceitarão que, por exemplo, a educação sirva estritamente para "chipar" os alunos para sua submissão ao "Deus Mercado".