INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS COMO MECANISMO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

DIAS, Alexandra Santiago¹

RESUMO: O citado tema trata-se de um assunto polémico e atraente ao mesmo tempo, pois se depara com o dilema entre o direito à intimidade e à segurança pública. A intimidade ficará ofendida através da quebra do sigilo telefônico que por sua vez é considerada lícita de acordo com a lei nº 9.296/96 e ilícita quando se tratar de gravação clandestina, devendo-se sempre usar o princípio da proporcionalidade, tendo em vista a preponderância o interesse publico em face aos direitos constitucionais individuais. O objetivo o seguinte estudo é demonstrar as formas em que torna lícita a quebra do sigilo telefônico para que possa juntar provas e autoria e materialidade nos crimes em fase de investigação.

 

INTRODUÇÃO

Verifica-se que, com os progressos técnicos vividos pela sociedade, o ser humano tornou-se capaz de fazer gravação de conversações telefônicas. Isso fez sobrevir à necessidade de proteção a tal tipo de comunicação. Assim, os Estados Democráticos de Direito viram-se obrigados a proteger o sigilo das comunicações de tal forma que ela foi erigida ao grau de garantia fundamental.

Todavia, não se pode privar o Estado do acesso a esses tão importantes meios de provas que são as interceptações telefônicas. Desse modo, a Carta Magna, em seu artigo 5º,XII prevê a quebra do sigilo telefônico, mas somente para casos em que haja: ordem judicial, nas hipóteses previstas em lei e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Com efeito, observa-se que o direito à intimidade é uma premissa geral, isto é, derivada personalidade humana. Desse modo, a Constituição Federal da República Federativa do Brasil assegura a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Entretanto, essa garantia, assim como todas as outras, não é absoluta e pode ser mitigada através do uso do princípio da proporcionalidade sempre que se estiver em busca da verdade real.

Efetivamente, a admissibilidade de provas obtidas com a violação da intimidade é uma discussão jurídica polêmica, já que abrange direitos constitucionais e fundamentais que devem ser respeitados. Assim, esse trabalho dará um enfoque especial à possibilidade de violação das comunicações telefônicas, sem que ocorra violação ao previsto no artigo 5º, LVI da Constituição Federal que trata da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos.

Note-se, portanto, que a regra é o sigilo enquanto que a quebra, através da

interceptação telefônica, é a exceção.

Com efeito, o objetivo geral desta reflexão será o de demonstrar, à luz da

Constituição Federal, Código Penal, Código de Processo Penal e Lei 9.296/96 a importância ea efetividade de a interceptação telefônica servir como meio de prova dentro do processo penal brasileiro. Para tanto, será necessário identificar entendimentos jurisprudenciais acerca da matéria, bem como analisar qual tratamento vem sendo aplicado a esse instituto na doutrina.

No entanto, surge a dúvida de como o ordenamento jurídico brasileiro trata a questão do sigilo e de que maneira se pode confrontar a quebra do sigilo telefônico em face aos Direitos Fundamentais?

Ao longo deste estudo, ficará evidenciado que o ordenamento jurídico pátrio eleva o sigilo das comunicações ao grau de garantia fundamental e que só são juridicamente válidas as interpretações relativas à restrição de direitos fundamentais que busquem a sua justificativa na própria Constituição.

No que se refere à fundamentação teórica, utilizou-se pesquisa bibliográfica de natureza jurídica e jurisprudencial. Quanto ao método, usou-se o dedutivo e o comparativo, já que através da interpretação do texto constitucional combinado com a Lei 9.296/96 pode-se chegar a conclusões pertinentes, tal como a admissibilidade da quebra do sigilo telefônico desde que de acordo com os requisitos legais.

Já a técnica de pesquisa refere-se aos meios utilizados pelo autor para desenvolver sua obra como forma de obter informações e argumentos. Desta feita, o presente trabalho foi feito através de documentação indireta com a utilização de revistas jurídicas, periódicos, livros, legislação, jurisprudência e rede Internet.

1. O DIREITO À INTIMIDADE

Na Constituição de 1988 os direitos individuais – dentre eles a intimidade e a privacidade, foram amplamente contemplados pelo Texto. Manuel Gonçalves Ferreira Filho, citado por Alexandre de Moraes (2001), diz que os direitos à intimidade são parte da proteção constitucional à vida privada, conforme segue:

“[...] intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto a vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc.” (FERREIRA FILHO apud MORAES, 2001, p. 73.)

Logo, pode-se afirmar que a vida privada é mais ampla e abrange a intimidade, porque esta faz parte dos pensamentos do homem que ao serem exteriorizados passam para o mundo da vida privada. Aí, então, são compartilhados por um número determinado de pessoas – naturalmente escolhidas pelo sujeito de direito.

Como bem ressalta o Professor Washington de Barros Monteiro (2003, p. 96), a atual Carta da República consagrou em seu texto o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à integridade física, à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, essa enumeração é exemplificativa, pois os referidos direitos são inumeráveis, dinâmicos e variáveis no tempo e espaço.

O referido doutrinador assevera que tais direitos possuem as seguintes características: são irrenunciáveis, intransmissíveis, ilimitados, absolutos, imprescritíveis, vitalícios e incondicionais. Desta forma, tais direitos não podem ser objeto de transação, nem serão transmissíveis aos sucessores dos detentores, tampouco poderá a eles estabelecer limites voluntários. Se houver limitações, somente a lei poderá fixá-las.

Vez que tais direitos fazem parte do Texto se aduz que somente a própria Constituição poderá dar as exceções aos referidos direitos, sendo certo que leis inferiores não poderão contrariá-la, sob pena de serem taxadas de inconstitucionais.

1.1 Interceptações Telefônicas Versus Direito à Intimidade

Em matéria de direito é muito comum quando desenvolvemos um determinado tópico, partirmos de seu aspecto objetivo, ou seja, legal, tomando-se como base o que a norma determina a respeito do que pretendemos desenvolver.

Assim, muitos tópicos apesar de estarem consolidados e consagrados em normas de validade inquestionável, reclamam um cuidado maior em sua tutela. Pois como asseverava o antigo parlamentar e ministro da justiça da República de Weimar, Gustav Radbruch, uma das maneiras que podemos encarar o Direito é como atitude que refere realidades jurídicas aos valores, considerando o direito como fato cultural, contudo, estas realidades evoluem numa velocidade incrível, atribuindo ao poder legiferante uma tarefa de renovação constante e ininterrupta.

Um pensamento notório é que a curto e médio prazo a sociedade deve se amoldar ao direito, mas em longo prazo esse deve se adaptar àquela, sob pena de perder sua legitimidade real.

Tome-se por base o direito à intimidade, como já dito, assegurado na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso X: “[...] são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Embora esteja dentre os direitos e garantias fundamentais, sendo cláusula pétrea, há muito se vem prescindindo desta garantia, mas que, ao contrário, merece tutela pronta e urgente do direito, na afirmação de Costa Jr. (COSTA JR., 1995, p. 12): “[...] a necessidade de encontrar na solidão aquela paz e aquele equilíbrio, continuamente comprometidos pelo ritmo da vida moderna”.

Assim sendo, não apenas pela necessidade, mas pelo direito que a pessoa tem de isolar-se, resguardar-se, manter-se distante do alarde das multidões, alhear-se das, muitas vezes, insuportáveis solicitações diárias, dos olhares e ouvidos ávidos, “recolhendo-se ao seu castelo” (COSTA JR., 1995, p. 12 e 13).

O inevitável progresso tecnológico, principalmente nas áreas sociais e econômicas, provoca nas pessoas uma terrível inquietude, que produz a corrosão e o devassamento da vida privada das pessoas. Certamente podemos afirmar que esta é incompatível com a vida moderna, porém o já citado Professor (COSTA JR., 1995, p.29) afirma que: “[...] esse desejo de subtrair as nossas experiências íntimas ao controle do mundo exterior, interiorizando-as, justifica-se pelo fato de nada mais ser que o corolário de nosso anseio por uma personalidade independente”.

Desta feita, não há como restringir esse direito que é fundamental, pelo mero fato de sê-lo. Está incluso no direito à intimidade a sua salvaguarda contra possíveis agressões impedindo-se a sua divulgação banalizada.

Percebemos, então, que o âmbito da intimidade pode ser atacado por dois lados, o primeiro é a própria invasão, e o segundo a divulgação das informações obtidas pela invasão, sendo que ambos consistem em agressões, não havendo razão para distinguir tais esferas privadas, pois acabam por ser dois momentos de um único direito, ou seja, o direito à intimidade.

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