INSUFICIENCIA RENAL AGUDA - IRA

1.0 Introdução

A Insuficiência renal aguda (IRA) é freqüentemente observada em pacientes internados e sua prevalência está aumentando, principalmente na população idosa, com múltiplas comorbidades e em pacientes com doenças consideradas graves como neoplasia, cardiopatias, diabetes mellitus entre outras. Ela representa uma condição clínica causada pela diminuição ou perda da capacidade de manutenção dos equilíbrios ácido-base e hidroeletrolítico.

A IRA é convenientemente dividida em três categorias: IRA pré-renal (55% dos casos), causada por hipoperfusão renal sem dano ao parênquima renal; IRA intrínseca (40% dos casos), causada por isquemias e nefrotoxinas; IRA pós-renal (5% dos casos) causada por obstrução do trato urinário.

Apesar do progresso terapêutico e tecnológico observado nos últimos anos, o prognóstico da IRA permanece sombrio. Ela é considerada uma complicação freqüente nas unidades de terapia intensiva (UTI) e seu diagnóstico tardio repercutem em elevada mortalidade.

Sabidamente, as manifestações clínicas da IRA são incipientes, silenciosas e se confundem com sinais clínicos de diversas outras morbidades, sendo freqüentemente percebidas quando constatadas alterações em exames laboratoriais de rotina, como a uréia e principalmente a creatinina.

Elevações nos níveis séricos da creatinina são atualmente os sinais mais indicativos de comprometimento da função renal. Apesar de representar a principal estratégia de identificação dessa patologia, a creatinina é considerada um teste específico, entretanto tardio, pouco sensível e impreciso. Ela se altera apenas quando já existe perda de aproximadamente 50% da função renal. O relativo descompasso da creatinina com o real estado funcional e sua baixa sensibilidade e especificidade se traduzem em diagnóstico tardio e tratamento mais tardio ainda, medidas de prevenção próxima de zero e, por fim, alta mortalidade. Tal panorama tem deixado marcas precisas na epidemiologia da IRA.

2.0 Rins

Rim é cada um dos dois órgãos excretores, em forma de feijão (tendo no ser humano, aproximadamente11 cmde comprimento,5 cmde largura e3 cmde espessura. Os rins filtram dejetos (especialmente uréia) do sangue, e os excretam, com água, na urina; a urina sai dos rins através dos ureteres, para a bexiga.

 

Em humanos, os rins estão localizados na região posterior do abdome, atrás do peritônio, motivo pelo qual são chamados de órgãos retroperitoneais. (   ) Existe um rim em cada lado da coluna; o direito encontra-se logo abaixo do fígado e o esquerdo abaixo do baço. Em cima de cada rim encontramos a glândula adrenal. Os rins estão, aproximadamente, no mesmo nível que as vértebras T12 a L3. (   ) Cada rim possui a forma de um grão de feijão com duas faces (anterior e posterior), duas bordas (medial e lateral) e dois pólos ou extremidades (superior e inferior). (...) Na borda medial encontra-se o hilo, por onde passam o ureter, artéria e veia renal, linfáticos e nervos.

Os rins estão envolvidos em toda sua superfície por um tecido fibroso fino chamado cápsula

renal. Ao redor do rim existe um acúmulo de tecido adiposo chamado gordura perirrenal. (...)

No corte sagital mediano, que divide o rim em duas partes, é possível reconhecer o córtex renal, uma camada mais externa e pálida, e a medula renal, uma camada mais interna e escura. (   ) O córtex emite projeções para a medula denominadas colunas renais, que separam porções cônicas da medula chamadas pirâmides. As pirâmides têm bases voltadas para o córtex e ápices voltados para a medula, sendo que seus ápices são denominados papilas renais. É na papila que desembocam os ductos coletores pelos quais a urina escoa atingindo a pelve renal e o ureter. (   ) A pelve é a extremidade dilatada do ureter e está dividida em dois ou três tubos chamados cálices maiores, os quais se subdividem em um número variado de cálices menores. Cada cálice menor apresenta um encaixe em forma de taça com a papila renal.

 

2.1 Vascularização

 

Os rins são supridos pela artéria renal, que se origina da aorta. (...) A artéria renal divide-se no hilo em um ramo anterior e um ramo posterior. Estes se dividem em várias artérias segmentares que irão irrigar vários segmentos do rim.  (...) Essas artérias, por sua vez, dão origem às artérias interlobares, que na junção córtico-medular dividem-se para formar as artérias arqueadas e, posteriormente as artérias interlobulares. Dessas artérias surgem as arteríolas aferentes, as quais sofrem divisão formando os capilares dos glomérulos, que em seguida, confluem-se para forma a arteríola eferente. A arteríola eferente dá origem aos capilares peritubulares e as arteríolas retas, responsáveis pelo suprimento arterial da medula renal.

A drenagem venosa costuma seguir paralelamente o trajeto do sistema arterial. (   ) O sangue do córtex drena para as veias arqueadas e destas para as veias interlobares, segmentares, veia renal e finalmente veia cava inferior. (...) No córtex, há numerosos linfáticos que drenam para a cápsula ou junção córticomedular. Na medula, os linfáticos correm do ápice das pirâmides para a junção córticomedular, onde formam linfáticos arqueados que acompanham os vasos sangüíneos até o hilo para drenar em linfonodos para-aórticos.

 

2.2 Inervação

 

As fibras simpáticas alcançam o rim através do plexo celíaco. Essas fibras envolvem e seguem os vasos arteriais através do córtex e medula. (...) As fibras para a sensibilidade dolorosa alcançam a medula espinhal pelos nervos esplâncnicos ou pelas raízes dorsais dos nervos espinhais de T12 a L2.

 

2.3 Funções renais

 

Uma função renal adequada é vital porque os rins contribuem para a manutenção do meio interno e é local da síntese e degradação de moléculas essenciais para o organismo.

 

2.3.1 Funções homeostáticas

 

Regulação do volume plasmático e do equilíbrio hidrolítico (importante determinante da pressão sanguínea);

Regulação da osmolalidade sanguínea;

Manutenção do equilíbrio electrolítico (Na+, K+, Cl-, Ca2+, Mg2+, SO42-, PO42-);

Regulação do equilíbrio ácido-base (regula o pH sanguíneo);

Excreção de metabolitos (ex: uréia, ácido úrico, creatinina).

 

2.3.2 Funções bioquímicas

 

Produção de hormonas:

Eritropoietina (estimula a produção de eritrócitos pela medula óssea);

Renina (enzima que catalisa a produção de Angiotensina);

Calcitriol (forma biologicamente ativa da vitamina D);

Produção de substâncias bioativas (ex. prostaglandinas, adenosina, endotelina, NO, bradicinina, fator de crescimento epidérmico, fator de crescimento tipo insulina);

Síntese de glicose (gluconeogénese), angiotensinogénio e amônia;

Metabolismo de algumas substâncias (ex. insulina).

 

2.4 Fisiologia renal

O sangue chega ao rim através da artéria renal, que se ramifica muito no interior do órgão, originando grande número de arteríolas aferentes, onde cada uma ramifica-se no interior da cápsula de Bowman do néfrom, formando um enovelado de capilares denominado glomérulo de Malpighi. Os capilares do glomérulo deixam extravasar diversas substâncias presentes no sangue (água, uréia, glicose, aminoácidos, sais e diversas moléculas de tamanho pequeno), através de suas finas paredes.

2.4.1 Função do néfron

 

A função essencial do néfron consiste em depurar o plasma sanguíneo das substâncias que devem ser eliminadas do organismo. O néfron filtra uma grande proporção do plasma sanguíneo através da membrana glomerular. Cerca de 1/5 do volume que atravessa o glomérulo é filtrado para a cápsula de Bowman que coleta o filtrado glomerular. Em seguida, à medida que o filtrado glomerular atravessa os túbulos, as substâncias necessárias, como a água e grande parte dos eletrólitos são reabsorvidas, enquanto as demais substâncias, como uréia, creatinina e outras, não são reabsorvidas. A água e as substâncias reabsorvidas nos túbulos voltam aos capilares peritubulares para a circulação venosa de retorno, sendo lançadas nas veias arqueadas, e finalmente, na veia renal. Uma parte dos produtos eliminados pela urina é constituída de substâncias que são secretadas pelas paredes dos túbulos e lançadas no líquido tubular. A urina formada nos túbulos é constituída por substâncias filtradas do plasma e pequenas quantidades de substâncias secretadas pelas paredes tubulares.

O fluxo sanguíneo através dos rins corresponde, em média, à aproximadamente 20% do débito cardíaco, podendo variar, mesmo em condições normais.

(...). O fluxo sanguíneo renal é muito maior que o necessário para o simples suprimento de oxigênio. Cerca de 90% do fluxo sanguíneo renal são distribuídos pela camada cortical, onde abundam os glomérulos e, apenas 10% se distribuem pela região medular. Os rins possuem um eficiente mecanismo de auto-regulação que permite regular o fluxo de sangue e, através dele, regular a filtração glomerular. (...). A resistência vascular renal se ajusta automaticamente às variações na pressão de perfusão renal. As arteríolas aferentes e eferentes são influenciadas por muitos dos estímulos nervosos e hormonais vasculares, embora sua resposta dependa das necessidades renais e seja moderada pelos mecanismos auto-regulatórios. A membrana glomerular possui três camadas principais: uma camada endotelial, do próprio capilar, uma camada ou membrana basal e uma camada de células epiteliais na face correspondente à cápsula de Bowman. Apesar da presença das três camadas, a permeabilidade da membrana glomerular é cerca de100 a1.000 vezes maior do que a permeabilidade do capilar comum. A fração de filtração glomerular é de aproximadamente 125 ml/minuto. Em 24 horas são filtrados aproximadamente180 litrosde líquido por todos os glomérulos (filtrado glomerular), para formar de1 a1,5 litrosde urina, o que demonstra a enorme capacidade de reabsorção dos túbulos renais. O líquido reabsorvido nos túbulos passa para os espaços intersticiais renais e daí para os capilares peritubulares. Para atender a essa enorme necessidade de reabsorção, os capilares peritubulares são extremamente porosos.

A grande permeabilidade da membrana glomerular é dependente da estrutura daquela membrana e das numerosas fendas e poros existentes, cujo diâmetro permite a livre passagem das pequenas moléculas e impedem a filtração das moléculas maiores, como as proteínas.

O filtrado glomerular possui aproximadamente a mesma composição do plasma, exceto em relação às proteínas. Existem no filtrado glomerular, diminutas quantidades de proteínas, principalmente as de baixo peso molecular, como a albumina.

 

2.4.2 Filtração glomerular

 

A filtração do plasma nos glomérulos obedece às diferenças de pressão existentes no glomérulo. A pressão nas artérias arqueadas é de aproximadamente 100 mmHg. As duas principais áreas de resistência ao fluxo renal através do néfron são as arteríolas aferente e eferente. A pressão de 100 mmHg na arteríola aferente, cai para uma pressão média de 60 mmHg nos capilares do glomérulo, sendo esta a pressão que favorece a saída do filtrado do plasma para a cápsula de Bowman. A pressão no interior da cápsula de Bowman é de cerca de 18 mmHg. Como nos capilares glomerulares 1/5 do plasma filtra para o interior da cápsula, a concentração de proteínas aumenta cerca de 20% à medida que o sangue passa pelos capilares do glomérulo, fazendo com que a pressão coloidosmótica do plasma se eleve de 28 para 36 mmHg, com um valor médio de 32 mmHg, nos capilares glomerulares.

A pressão no interior da cápsula de Bowman e a pressão coloidosmótica das proteínas do plasma são as forças que tendem a dificultar a filtração do plasma nos capilares glomerulares. Dessa forma a pressão efetiva de filtração nos capilares glomerulares é de apenas 10 mmHg, ou seja, a diferença entre a pressão arterial média nos capilares (60 mmHg) e a soma da pressão da cápsula de Bowman com a pressão coloidosmótica do plasma.

A membrana capilar glomerular tem poros de aproximadamente 30 angstroms de diâmetro e, portanto, partículas de maiores dimensões, podem atravessar esses poros. Seu peso molecular é da ordem de80.000 a90.000 daltons.

A destruição normal de hemácias produz uma pequena quantidade de hemoglobina livre no plasma sanguíneo. Os glomérulos dispõem de um mecanismo especial capaz de manter essas pequenas quantidades de hemoglobina livre em concentrações de aproximadamente 5%. Se a destruição de hemácias aumenta e gera concentrações de hemoglobina elevadas (100-125 mg%), os mecanismos glomerulares de processamento da hemoglobina se esgotam e ocorre a filtração para a urina. Como a hemoglobina filtrada não é reabsorvida, esse pigmento protéico aparece na urina; é a hemoglobinúria. Portanto, quando a hemoglobina aparece na urina significa que houve uma grande quantidade de destruição de hemácias.

Diversos fatores podem afetar a filtração glomerular. O fluxo sanguíneo renal aumentado pode aumentar o coeficiente de filtração e a quantidade final de urina produzida. O grau de vasoconstrição das arteríolas aferentes dos glomérulos faz variar a pressão glomerular e conseqüentemente a fração de filtração glomerular. O mesmo ocorre na estimulação simpática neurogênica ou através de drogas simpáticas como a adrenalina, por exemplo. O estímulo pela adrenalina produz constrição intensa das arteríolas aferentes, com grande redução da pressão nos capilares glomerulares que podem reduzir drasticamente a filtração do plasma e conseqüente formação de urina.

 

2.4.3 Reabsorção tubular

 

O filtrado glomerular que alcança os túbulos do néfrons flui através do túbulo proximal, alça de Henle, túbulo distal e canal coletor, até atingir a pelve renal. Ao longo desse trajeto mais de 99% da água filtrada no glomérulo é reabsorvida, e o líquido que penetra na pelve renal constitui a urina propriamente dita. O túbulo proximal é responsável pela reabsorção de cerca de 65% da quantidade de água filtrada nos capilares glomerulares, sendo o restante reabsorvido na alça de Henle e no túbulo distal. A glicose e os aminoácidos são quase inteiramente reabsorvidos com a água enquanto outras substâncias, por não serem reabsorvidos nos túbulos, tem a sua concentração no líquido tubular aumentada em cerca de 99 vezes. A reabsorção da glicose exemplifica bem os mecanismos de reabsorção de determinadas substâncias dentro dos túbulos renais. Normalmente não existe glicose na urina ou no máximo, existem apenas ligeiros traços daquela substância, enquanto no plasma a sua concentração oscila entre 80 e 120 mg%. Toda a glicose filtrada é rapidamente reabsorvida nos túbulos. À medida que a concentração plasmática de glicose se aproxima dos 200 mg%, o mecanismo reabsortivo é acelerado até atingir o ponto máximo, em que a reabsorção se torna constante, não podendo ser mais aumentada. Esse ponto é chamado limiar de reabsorção da glicose. Acima do valor plasmático de 340 mg%, a glicose deixa de ser completamente absorvida no sistema tubular e passa para a urina, podendo ser facilmente detectada pelos testes de glicosúria.

Os produtos terminais do metabolismo, como a uréia, creatinina e uratos tem outro tratamento nos túbulos renais. Apenas quantidades moderadas de uréia, aproximadamente 50% do total filtrado, são reabsorvidas nos túbulos enquanto a creatinina não é reabsorvida. Os uratos são reabsorvidos em cerca de 85%, da mesma forma que diversos sulfatos, fosfatos e nitratos. Como todos são reabsorvidos em muito menor proporção que a água, a sua concentração aumenta significativamente na urina formada.

A reabsorção nos túbulos renais obedece à diferença de concentração das substâncias entre o espaço intersticial peritubular e os vasos retos peritubulares. A reabsorção de água é dependente da reabsorção de íon sódio, que é o soluto mais reabsorvido nos túbulos renais.

Existem ainda dois mecanismos de intercâmbio muito importantes. O primeiro se refere à troca de íon sódio (Na+) pelo íon hidrogênio (H+), nos túbulos, como parte dos mecanismos de regulação renal do equilíbrio ácido-básico. Quando há necessidade de eliminar íon hidrogênio, os túbulos secretam ativamente o hidrogênio para a luz, dentro do filtrado e, em troca, para manter o equilíbrio iônico absorvem o íon sódio. O outro mecanismo de intercâmbio corresponde à reabsorção de íons cloreto (Cl-) quando há necessidade de se eliminar ácidos orgânicos pelo mecanismo de secreção tubular.

Os mecanismos de transporte na reabsorção tubular podem ser ativos ou passivos, dependendo da necessidade de utilizar energia celular para a sua realização. O sódio, a glicose, os fosfatos e os aminoácidos estão entre as substâncias cujo transporte é feito com utilização de energia celular, transporte ativo, enquanto o transporte da água, uréia e cloretos não necessita consumir a energia das células (transporte passivo).

 

2.4.4 Secreção tubular

 

A secreção tubular atua em direção oposta à reabsorção. As substâncias são transportadas do interior dos capilares para a luz dos túbulos, de onde são eliminadas pela urina. Os mecanismos de secreção tubular, à semelhança dos mecanismos de reabsorção, podem ser ativos ou passivos, quando incluem a utilização de energia pela célula para a sua execução ou não. Os processos de secreção mais importantes estão relacionados à secreção tubular de íon hidrogênio, potássio e amônia. Determinadas substâncias são eliminadas do organismo pelos mecanismos de secreção tubular, após metabolização no fígado.

Os processos de reabsorção e de secreção ativa dos túbulos distais são influenciados por hormônios, pela quantidade total de solutos, pela dieta, pelo equilíbrio ácido-base e pelo fluxo do filtrado.

 

3.0 Diuréticos osmóticos

 

O manitol é uma substância que quando injetada na circulação, pode atravessar facilmente os poros da membrana glomerular, sendo inteiramente filtrada pelos glomérulos. Suas moléculas, contudo, não são reabsorvidas nos túbulos renais e a sua presença no líquido dos túbulos gera uma sobrecarga osmótica importante. Essa pressão osmótica elevada no interior dos túbulos impede a reabsorção da água, fazendo com que grandes quantidades de filtrado glomerular atravessem os túbulos e sejam eliminados como urina.

Níveis muito elevados de glicose no sangue produzem uma diurese osmótica semelhante à do manitol.

 

4.0 Insuficiência renal aguda – IRA

A Insuficiência Renal Aguda (IRA) é uma síndrome caracterizada pelo rápido declínio da função renal (horas ou semanas) com conseqüente retenção sérica de produtos nitrogenados, tais como uréia e creatinina, tendo caráter potencialmente reversível após controle do fator desencadeante. Ocorre em aproximadamente 5% dos pacientes internados em hospitais terciários e em até 30% em pacientes de UTI (Unidade de Terapia Intensiva). (...) É consenso na literatura que a IRA é um fator de risco independente de mortalidade, estando também associada a um maior período de hospitalização dos sobreviventes. Apesar dos avanços ocorridos no manejo destes pacientes, principalmente em relação ao tratamento dialítico, a mortalidade permanece em torno de 50% dos casos, podendo chegar a 80% em UTI. Pacientescom doenças cardíacas apresentam risco elevado de IRA, principalmente devido ao comprometimento hemodinâmico, uso de contrastes endovenosos, cateterização arterial com risco de ateroembolismo e o uso freqüente de inibidores da enzima de conversão da angiotensina (...).

A presença de condições que determinem hipoperfusão e isquemia renal estão diretamente relacionadas com o desenvolvimento de IRA e os pacientes que apresentam redução da reserva funcional renal, em que há redução na taxa de filtração glomerular sem elevação dos níveis séricos de creatinina acima dos valores normais, são mais susceptíveis a desenvolver IRA mesmo com lesões renais de pequena monta. Fatores pré-operatórios e intra-operatórios tais como idade, nível prévio de creatinina, presença de diabetes mellitus, hipertensão arterial, débito cardíaco, tempo de circulação extracorpórea e uso de balão intra-aórtico influenciam o desenvolvimento de IRA (...).

 

4.1 Uréia e creatinina plasmáticas

 

Sob circunstâncias normais, a relação entre uréia e creatinina plasmáticas gira em torno de 10-15:1. Como a IRA pré-renal aumenta a difusão retrógrada da uréia filtrada e não da creatinina, a depuração de uréia cai rapidamente em relação à depuração da creatinina. Essa desproporção, que pode atingir níveis de até 60:1, é fortemente sugestiva de azotemia pré-renal. Entretanto, na presença de NTA (necrose tubular aguda) a queda das depurações de ambas as substâncias são semelhantes de tal maneira que as elevações dos seus níveis plasmáticos fazem retornar a relação para 10-15:1. É interessante ressaltar que o aumento desproporcional da uréia pode ocorrer na NTA quando há sangramento gastrintestinal, sepse e terapia com tetraciclina, fazendo a relação voltar a ter valores elevados pela uréia.

4.2 Principais causas

A insuficiência renal aguda pode ocorrer em decorrência de qualquer condição que diminua o suprimento sangüíneo aos rins, que obstrua o fluxo de urina após ela haver deixado os rins ou que lesa os rins. As substâncias tóxicas podem lesar os rins. Essas substâncias tóxicas podem ser medicamentos/drogas, venenos, cristais precipitados na urina e anticorpos que reagem contra os rins, conforme a seguir:

4.2.1 Suprimento sanguíneo insuficiente aos rins - Sangue insuficiente devido a uma perda de sangue, à desidratação ou a uma lesão física que obstrui os vasos sangüíneos; O bombeamento cardíaco é muito fraco (insuficiência cardíaca); Pressão arterial extremamente baixa (choque); Insuficiência hepática (síndrome hepatorrenal).

4.2.2 Obstrução do fluxo urinário - Próstata aumentada de tamanho; Tumor comprimindo o trato urinário.

4.2.3 Lesões no interior do rim - Reações alérgicas (p.ex., contrastes utilizados em estudos radiográficos);
Substâncias tóxicas; Distúrbios que afetam as unidades de filtração (néfrons) dos rins; Artérias ou veias obstruídas no interior dos rins; Cristais, proteínas ou outras substâncias nos rins.

4.3 Classificação

A IRA é convenientemente dividida em três categorias: IRA pré-renal (55% dos casos), causada por hipoperfusão renal sem dano ao parênquima renal; IRA intrínseca (40% dos casos), causada por isquemias e nefrotoxinas; IRA pós-renal (5% dos casos) causada por obstrução do trato urinário; conforme a seguir:

 

4.3.1 Pré-renal - Contração do volume intravascular; hipotensão; insuficiência cardíaca; insuficiência hepática.

 

4.3.2 - Insuficiência Renal Intrínseca - Necrose tubular aguda (isquemia prolongada, agentes nefrotóxicos como metais pesados, aminoglicosídeos, contrastes radiológicos); Lesão arteriolar (hipertensão arterial acelerada; vasculite; doenças microangiopáticas (púrpura trombocitopênica, síndrome hemolítico-urêmica); Glomerulonefrite; Nefrite intersticial aguda (induzida por drogas); Depósitos intrarenais (ex: ac.úrico); Embolização por colesterol (ex: pós-angioplastia).

 

4.3.3 Pós-renal - Obstrução ureteral (cálculo, tumor, compressão externa); obstrução vesical (bexiga neurogênica, hipertrofia prostática, carcinoma, cálculo, estenose uretral, coágulo).

4.4 Sintomas

Os sintomas dependem da gravidade da insuficiência renal, de sua velocidade de progressão e de sua causa básica.

A condição que acarreta a lesão renal, freqüentemente produz sintomas graves não relacionados aos rins. Por exemplo, a febre alta, o choque, a insuficiência cardíaca e a insuficiência hepática podem ocorrer antes da insuficiência renal e podem ser mais graves que qualquer um dos sintomas da insuficiência renal. Algumas das condições que causam insuficiência renal aguda também afetam outras partes do corpo. Por exemplo, a granulomatose de Wegener, a qual lesa os vasos sangüíneos renais, também pode lesar vasos sangüíneos pulmonares, acarretando a tosse com expectoração sanguinolenta. As erupções cutâneas são típicas de algumas causas de insuficiência renal aguda como, por exemplo, a poliarterite, o lúpus eritematoso sistêmico e algumas drogas tóxicas.

A hidronefrose pode causar insuficiência renal aguda em decorrência da obstrução do fluxo urinário. O refluxo da urina para o interior do rim faz com que a área coletora de urina (pelve renal) distenda, causando uma dor tipo cólica de intensidade variável (de leve a excruciante), normalmente localizada no flanco. Aproximadamente 10% dos indivíduos apresentam sangue na urina.

4.5 Diagnostico

(...) A dosagem da concentração de creatinina e de uréia no sangue (produtos da degradação metabólica presentes no sangue que são normalmente eliminados pelos rins) ajudam a ratificar o diagnóstico. Um aumento progressivo da concentração de creatinina indica insuficiência renal aguda.

Durante o exame físico, o médico avalia os rins para determinar se ocorreu um aumento no tamanho desses órgãos ou se eles são dolorosos à palpação. A estenose (estreitamento) da artéria principal que irriga um rim pode produzir um ruído como de uma corrente (sopro), o qual pode ser auscultado com o auxílio de um estetoscópio colocado na altura dos rins.
Quando é detectado um aumento da bexiga, o médico pode passar uma sonda para verificar se ela contém um excesso de urina. Sobretudo nos homens idosos, o fluxo urinário normalmente é obstruído ao nível da saída da bexiga (a abertura da bexiga para a uretra). Conseqüentemente, a bexiga dilata e a urina reflui, lesando os rins. Quando existe a suspeita de uma obstrução, o médico realiza um exame retal e um exame ginecológico para verificar se uma massa em uma dessas regiões pode estar causando a obstrução.

Os exames laboratoriais podem ajudar a indicar com maior precisão a causa e o grau da insuficiência renal. Primeiramente, a urina é minuciosamente examinada. Quando a insuficiência renal é causada por um suprimento sangüíneo inadequado ou por uma obstrução urinária, a urina geralmente parece normal. No entanto, quando a causa da insuficiência é um problema intrarenal, a urina pode conter sangue ou aglomerados de eritrócitos ou de leucócitos. Além disso, a urina pode conter grande quantidade de proteínas ou tipos de proteínas que não estão normalmente presentes.

Comumente, os exames de sangue revelam concentrações anormalmente elevadas de uréia e de creatinina e desequilíbrios metabólicos como, por exemplo, uma acidez anormal (acidose), uma concentração elevada de potássio (hipercalemia) e uma concentração baixa de sódio (hiponatremia).

Os exames de diagnóstico por imagem (p.ex., ultra-sonografia e a tomografia computadorizada) dos rins são úteis. Radiografias das artérias ou veias renais (angiografias) podem ser realizadas quando a causa suspeita é a obstrução de vasos sangüíneos. A ressonância magnética (RM) pode ser realizada quando o uso de contraste (substância radiopaca) é muito perigoso. Quando esses estudos não revelam a causa da insuficiência renal, pode ser necessária a realização de uma biópsia.

4.6 Tratamento

A insuficiência renal aguda e suas complicações imediatas podem freqüentemente ser tratadas com sucesso. A taxa de sobrevida varia de menos de 50% para os indivíduos com falência de múltiplos órgãos a aproximadamente 90% dos indivíduos com diminuição do suprimento aos rins devido a uma perda líquida do organismo decorrente de um sangramento, de vômitos ou de uma diarréia.

(...) O consumo de água deve ser limitado à reposição do volume perdido pelo organismo. O peso corpóreo é controlado diariamente, para monitorizar o consumo de água. Um ganho de peso de um dia para outro significa que o indivíduo está consumindo líquidoem excesso. Alémdos nutrientes com glicose e com carboidratos altamente concentrados, certos aminoácidos (componentes constituintes das proteínas) são administrados pela via oral ou intravenosa para manutenção de concentrações adequadas de proteínas. O consumo de substâncias eliminadas pelos rins deve ser rigorosamente limitado, incluindo muitos medicamentos (p.ex., digoxina e certos antibióticos). Como os antiácidos que contêm alumínio ligam o fósforo nos intestinos, esses medicamentos podem ser administrados para evitar o aumento excessivo da concentração sérica de fósforo. Algumas vezes, o sulfonato de poliestireno sódico é administrado pela via oral ou retal para tratar a concentração elevada de potássio no sangue.

A insuficiência renal pode ser tão grave a ponto de exigir a diálise, para evitar lesões graves de outros órgãos e para controlar os sintomas. Nesses casos, a diálise é iniciada assim que possível após o estabelecimento do diagnóstico. A diálise pode ser necessária apenas temporariamente como ajuda até os rins recuperarem a sua função, o que normalmente pode levar alguns dias ou algumas semanas. Por outro lado, quando os rins encontram-se muito lesados e a sua recuperação é impossível, a diálise pode ser necessária indefinidamente, exceto se for realizado um transplante renal.

Conclusão

A principal função do sistema renal é auxiliar na homeostase controlando a composição e o volume do sangue. Este controle é realizado removendo ou restaurando quantidades selecionadas de água e solutos.

A insuficiência renal aguda (IRA) é caracterizada pela perda de capacidade dos rins em eliminar água, concentrar urina, conservar eletrólitos e manter o equilíbrio hidroelectrolítico, sendo um problema clínico freqüente.

 

Por isso é de suma importância obter conhecimento que possibilite ao profissional de saúde, através de uma analise critica/cientifica reconhecer os sinais e sintomas da IRA, bem como suas classificações

 

Visto que o diabetes e a hipertensão são fatores de risco para o desenvolvimento da IRA, faz-se necessário que o profissional de saúde, principalmente os envolvidos no atendimento da atenção básica, reconheça o seu papel como educador no processo e orientem os pacientes a terem hábitos de vida saudáveis.  É preciso conscientizá-los quanto à importância em controlar a pressão arterial através de uma dieta com pouco sal e tomar o remédio anti-hipertensivo conforme a prescrição médica; controlar o diabetes pelo freqüente monitoramento do nível de açúcar no sangue, seguindo a dieta orientada e tomando a insulina ou medicamento oral, se necessário, conforme prescrito pelo médico; praticar exercícios regularmente (quando liberado pelo médico).

 

Contudo é primordial a promoção em saúde, buscando evitar complicações através da educação e orientação.

Referencial teórico

ABITBOL, Rafael A.. Insuficiência Renal Aguda (IRA). Medstudents, 1998. Disponível em: http://www.medstudents.com.br/rotinas/clinmed/ira.htm.

ALTMAN, Lawrence K. et al. MANUAL MERCK - 1. Seção 11 - Distúrbio dos Rins e do Trato Urinário, Capítulo 123 – Insuficiência Renal 1995. Disponível em: http://www.msd-brazil.com/msd43/m_manual/mm_sec11_123.htm .

 

ALTMAN, Lawrence K. et al. MANUAL MERCK - 2. Apêndices: II. Exames Laboratoriais e de Diagnóstico Comuns, 1995. Disponível em: http://www.msd-brazil.com/msd43/m_manual/apend_II.htm..

 

ALTMAN, Lawrence K. et al. MANUAL MERCK - 3. Seção 12 - Distúrbios da Nutrição e do Metabolismo Capítulo 137 - Equilíbrio dos Sais Apêndices, 1995. Disponível em: http://www.msd-brazil.com/msd43/m_manual/mm_sec12_137.htm.

 

COELHO, Tiago H.. Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Fisiologia Renal. Disponível em: http://fisiologia.med.up.pt/Textos_Apoio/renal/texto%20renal.pdf.

 

COSTA, José A. C. et al. Insuficiência Renal Aguda na Terapia Intensiva. Medicina, Ribeirão Preto - 31: 532-551, out./dez. 1998. Disponível em: http://www.fmrp.usp.br/revista/1998/vol31n4/insuficiencia_renal_aguda_terapia_intensiva.pdf.

 

CORRÊA, Zélia M. S. et al. Aspectos patológicos da retinopatia diabética. Arq Bras Oftalmol. 2005; 68 (3): 410-4. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/abo/v68n3/24752.pdf.

 

DANGELO, José Geraldo; FANTTINI, Carlo Américo. Anatomia humana sistêmica e segmentar. 2º ed.. São Paulo: ed. Atheneu, 2003.

TAKAHASHI, Marcela F. NAM - Pâncreas. Informativo 78 - Atualizado em Janeiro 2004. Disponível em: http://www.aidsmap.com/pt/docs/pdf/fs78.pdf.

 

MALAGHINI, Milton C.. Fisiologia do aparelho urinário. http://www.geocities.com/~malaghini, 1999.     Disponível em: http://mclocosta.sites.uol.com.br/Urinario1.htm.

 

PACOLLA, Aline L. R.. Seminário: Insuficiência Renal. São Paulo, 2005. Disponível em: http://www.capscursos.com.br/docs/Aline%20TPM7.pdf.

KOCHI, Ana Claudia et al . Fatores de risco pré-operatórios para o desenvolvimento de Insuficiência Renal Aguda em cirurgia cardíaca. Rev Bras Cir Cardiovasc ,  São José do Rio Preto,  v. 22,  n. 1, mar.  2007 .   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-76382007000100009&lng=pt&nrm=iso>.

SANTOS, Fernando Oliveira et al . Insuficiência renal aguda após cirurgia de revascularização miocárdica com circulação extracorpórea: incidência, fatores de risco e mortalidade. Arq. Bras. Cardiol. ,  São Paulo,  v. 83,  n. 2, ago.  2004 .   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0066-782X2004001400006&lng=pt&nrm=iso>.

SOUZA, Maria Helena L. e DECIO, Elias O.. Fundamentos da circulação extracorpórea. Fisiologia renal. 2º edição, 2006. Disponível em: http://perfline.com/livro/download/Fdm_CEC_cap_05.pdf