NOVAÇÃO: DOS CONCEITOS AOS EFEITOS * 

Kaline dos Santos Kishishita Castro**

Karoline Ramos Rocha 

Sumário: 1 Introdução; 2 Conceito; 3 Requisitos Indispensáveis; 4 Espécies; 4.1  Novação Objetiva;  4.2 Novação Subjetiva; 4.3 Novação Mista; 5 Efeitos; 6 Considerações Finais; Referências.  

RESUMO

O trabalho a seguir trata do instituto da novação, que consiste em um especial meio extintivo de obrigações. Nesse mesmo contexto, será abordada a evolução desta mesma obrigação no cenário histórico e como se dará suas peculiaridades para assim ser definida. Este trabalho tem como objetivo reforçar os conceitos das questões trazidas sobre novação, aprofundando assim este tema tão relevante em nosso Código Civil.

PALAVRAS-CHAVE: Novação. Obrigação. Código Civil

 

ABSTRACT

The following work deals with the novation of the institute, which consists of a special bond through extinction. In the same context, it is the unfolding of that obligation in a historical setting and how to give their peculiarities so as to be defined.
This paper aims to reinforce the concepts of the issues brought about novation thus developing this theme so important in our Civil Code.

KEYWORDS: Novation. Obligation. Civil Code.

 

1 Introdução

            A palavra novação se origina da expressão latina novatio (novus, novo, nova obligatio).

            Já a conheciam os romanos, que a definiam como a “transferência (translatio, transfusio) duma dívida antiga para uma obrigação nova”. A novação no direito romano tinha caráter imutável através de um contrato apontado como stipulatio, que impossibilitava quaisquer alterações, impedindo assim uma eventual transmissão de obrigação. Porém, como era indispensável a difusão de créditos e débitos, criou-se o instituto da novação, que para os romanos,  era considerada um modo de transferir a obrigação, extinguindo-se a primeira para a criação de uma nova com conteúdo idêntico, entretanto com uma nova forma. O requisito essencial que sustentava a validade desse instituto era a conservação do mesmo objeto.

Já no período moderno, a novação perdeu sua importância, devido a ampla possibilidade de transferência oferecida pelas demais obrigações, justificando assim que seu uso se restringia apenas quando se pretendia modificar a causa da obrigação. Também é notável na esfera moderna, a instauração de diversas transformações tanto na substância como no mecanismo, sustentando o pensamento de alguns doutrinadores tais como Maria Helena Diniz e Pablo Stolze que marcam que o antigo e o novo instituto se equiparavam apenas no nome.

A disciplina da novação é feita pelo Código Civil de 2002 em seus arts. 360 a 367, correspondendo aos arts. 999 a 1.008 de Código Civil de 1916.


2 Conceito

A novação dar-se quando as partes criam uma nova obrigação, dedicada a substituir e extinguir a obrigação anterior. Nesse sentindo, Ruggiero (1999, p. 263 apud GAGLIANO, 2006, p. 179) profere que a novação trata-se “de um ato de eficácia complexa, que repousa sobre uma vontade destinada a extinguir um crédito pela criação de um novo”.

Ocorre o exaurimento da obrigação originária, aparecendo outra que toma seu lugar, ou seja, sua função é gerar para extinguir. Tem natureza puramente negocial jurídica, onde nunca será instituído por lei, o que levará sempre em consideração qual foi o acordo firmado entre as partes, descartando qualquer meio de ser imposta (GAGLIANO, 2006). Para reforçar o entendimento, alude-se sobre a jurisdição perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

Ementa: “APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - CONTRATO DE LOCAÇÃO - RENEGOCIAÇÃO DO DÉBITO - NOVAÇÃO INOCORRENTE - ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.” A simples renegociação da dívida, sem que haja substancial mudança na natureza das novas obrigações, não configura o instituto da novação. (Apelação Cível: AC 687624 SC 2008.068762-4; Relator(a) Fernando Carioni; Julgamento: 20/04/2009;  Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil; Publicação: Apelação Cível n. , de Jaraguá do Sul).

 Diferentemente do pagamento, que satisfaz o credor por inteiro e torna exato o cumprimento da prestação. A novação, dissipa um dispositivo extintivo à antiga obrigação sem que se efetue prestação a que o devedor se obrigara, fazendo surgir outro vínculo obrigacional, em substituto ao preexistente (DINIZ, 2012).


3 Requisitos Indispensáveis

Para ser caracterizada como novação, deverá conter alguns requisitos essenciais que a compõem, que são os seguintes:

 a) Existência de uma obrigação anterior é imprescindível. A existência de uma obrigação anterior, uma vez que o intuito da novação será extinguir a relação obrigacional antecedente. É claro que jamais serão admitidas se a obrigação primitiva estiver suscetível à nulidade ou extinta. Dispõe, com efeito, o artigo 367 do Código Civil de 2002: “Salvo as obrigações simplesmente anuláveis, não podem ser objeto de novação obrigações nulas ou extintas”.

O vício que torna a relação anulável tem como alvo garantir a proteção dos que foram vítimas de um resultado erro seja por estado de perigo, dolo, coação. Vale ressalvar que se uma obrigação não for anulada por sentença, seus efeitos ainda continuarão vigendo, tendo, portanto, que serem justificados os motivos que levaram à anulabilidade (RODRIGUES, 2000).

 b) Criação de uma obrigação nova, com seu conteúdo substancialmente diverso da primeira. Além do requisito indispensável, que é a convenção pactuada entre sujeitos da relação obrigacional, para inventarem uma nova obrigação e extinguir a anterior, este requisito avalia o caráter inovador que é a presença da modificação substancial, isto é notado pela alteração de partes, por exemplo. Mas isso não significa que essa possibilidade da inovação não poderá recair sobre o objeto. O que deve haver é um elemento novo (aliquid novi) este elemento será necessário para levantar distinções entre a nova e a primária (GAGLIANO, 2006).

c) Intuito de novar (animus novandi). Trata-se de uma espécie de requisito subjetivo da novação, que é o desejo verificado pelas partes de novar. Sua prova pode acontecer expressa ou tacitamente (VENOSA, 2011).

Sem o forçoso intuito de novar, apenas é fortalecido a obrigação primária, tanto é indispensável que no Código Civil em seu artigo 361, descreve: “Não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito, mas inequívoco, a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira”.

Todavia, se não houver a intenção viva de novar, confirma-se assim, que as partes só desejavam admitir o negócio inicialmente feito, sem alterações. Maria Helena Diniz aponta alguns exemplos de novação sem o ânimo de novar:

 a) Se adicionarem à obrigação novas garantias; b) se abate o preço; c) se concedem maiores facilidades de pagamento ou parcelamento da dívida; d) se dilata ou prorroga o prazo de vencimento; e) se reduz o montante da dívida ou se amortiza o quantum debeatur; f) se anui a modificação da taxa de juros; g) se transforma a forma do ato, convertendo-se em escritura pública o que se havia firmado por instrumento particular; h) se tiver mera tolerância do credor; i) houver simples emissão ou renovação de cambial, sem outra declaração de vontade, expressa ou tácita; j) mera alteração de uma garantia; k) emissão de cheque sem fundo para pagamento de duplicata (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo, 2012. p. 329).

                O intuito de novar é um requisito de vital importância, devendo estar claramente declarado pelas partes, com o objetivo estampado de alterar a obrigação de forma objetiva (conteúdo) ou subjetiva (credor ou devedor). Tanto é que, a novação não se presume, deve ser expressa e inequívoca, a intenção das partes interessadas em modificar a relação obrigacional.

Consoante entendimento já esposado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

LOCAÇÃO DE IMÓVEIS - AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO C.C.COBRANÇA - Para haver novação, é indispensável a conjunção de três requisitos: (a) existência jurídica de uma obrigação; constituição de nova obrigação, e; (c) intenção de novar - Recibos de pagamento em valor superior ao da locação, por si só, não comprovam a novação da obrigação, que não pode ser presumida (CC, art. 361)- Recurso não provido. (Processo: APL 992080647820 SP; Relator(a): Antonio Benedito Ribeiro Pinto; Julgamento: 08/04/2010; Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Publicação: 15/04/2010).

 4 Espécies

Existem três espécies de novação: a novação objetiva, a novação subjetiva e a novação mista.

4.1 Novação Objetiva

            A novação objetiva ou real ocorre quando houver alteração no objeto da relação obrigacional, assim haverá novação objetiva quando credor e devedor acordarem extinguir a obrigação pecuniária primitiva, por meio da criação de uma nova obrigação, cujo objeto é a prestação de um serviço (GAGLIANO, 2006).

            Esta espécie de novação esta regulada no Código Civil, art. 360, I: “Dá-se a novação quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior”.

            Pode haver novação objetiva mesmo que a segunda obrigação consista também no pagamento em dinheiro, desde que haja alteração substancial em relação à primeira. A novação objetiva pode decorrer de mudança no objeto principal da obrigação, em sua natureza ou na causa jurídica (GONÇALVES, 2012).


4.2 Novação Subjetiva

A novação subjetiva ou pessoal ocorre em três hipóteses:

 a) Por mudança de devedor (novação subjetiva passiva), esta se dá quando a pessoa do devedor se altera, ou seja, quando houver a intervenção de um novo devedor. Essa mudança do devedor pode se dar de dois modos: pela delegação e pela expromissão (DINIZ, 2012).

Pela delegação, a substituição do devedor será feita com o consentimento do devedor originário, pois é ele quem indicará uma terceira pessoa para resgatar o seu débito, com o que concorda o credor. Esse tipo de novação está previsto no Código Civil, art. 360, II.

Pela expromissão, um terceiro assume a dívida do devedor originário, substituindo-o sem o assentimento deste, desde que o credor concorde com tal mudança. Na expromissão temos apenas duas partes: o credor e o novo devedor, por ser dispensável o consentimento do devedor primitivo. Essa espécie de novação é permitida pelo nosso Código Civil no art. 362, que reza: “A novação por substituição do devedor pode ser efetuada independentemente de consentimento deste”.

 

b) Por mudança de credor (novação subjetiva ativa), que ocorre quando, pelo Código Civil, art. 360, III, o credor originário, por meio de nova obrigação, deixa a relação obrigacional e um outro o substitui, ficando o devedor quite para com o antigo credor.

Soriano Neto (apud DINIZ, 2012) aponta os seguintes requisitos para que se tenha tal espécie de novação: I) o consentimento do devedor, que contrai uma nova obrigação perante um novo credor, ficando liberado da antiga dívida; II) o assentimento do antigo credor, que renuncia o seu crédito, permitindo ao devedor que se obrigue para com o novo credor; III) a anuência do novo credor, que aceita a promessa do devedor.

 

c) Por mudança de credor e devedor (novação subjetiva mista), de ocorrência bem mais rara,que se verifica quando ambos os sujeitos da relação obrigacional são substituídos, em uma incidência simultânea dos incisos II e III do art. 360 do CC-02.

4.3 Novação Mista

            A novação mista não é mencionada no Código Civil, esta decorre da fusão das duas primeiras espécies e se configura quando, ocorre, ao mesmo tempo, mudança do objeto da prestação e dos sujeitos da relação jurídica obrigacional. Por exemplo: o pai assume dívida em dinheiro do filho (mudança de devedor), mas com a condição de pagá-la mediante a prestação de determinado serviço (mudança de objeto). Trata-se, pois, de um tertium genus, formado pela fusão das duas espécies de novação anteriormente citadas (objetiva e subjetiva), e por ser uma forma mista, guarda as características das duas outras (GONÇALVES, 2012).


 

5 Efeitos

            A novação tem um duplo efeito: ora se apresenta como força extintiva, porque faz desaparecer a antiga obrigação, ora como energia criadora, por criar uma nova relação obrigacional. Exerce, concomitantemente, uma dupla função: pela sua força extintiva, é ela liberatória, e como força criadora, é obrigatória. Quanto à obrigação extinta, o principal efeito é a extinção da dívida antiga, que é substituída pela nova. Com a extinção da obrigação anterior, desaparecerão todos os seus efeitos. Quanto à nova obrigação, bastará acentuar que se cogita de um débito criado ex novo, em consequência da novação, sem outra vinculação com a obrigação anterior senão a de uma força extintiva (DINIZ,2012).

            Em geral, realizada a novação, extinguem-se todos os acessórios e garantias da dívida (a exemplo da hipoteca e da fiança), sempre que não houver estipulação em contrário (art. 364, primeira parte, do CC-02). Aliás, quanto à fiança, o legislador foi mais além, ao exigir que o fiador consentisse para que permanecesse obrigado em face da obrigação novada (art. 366 do CC-02). Quer dizer, se o fiador não consentir na novação, estará consequentemente liberado (GAGLIANO, 2006).

            Da mesma forma, a ressalva de uma garantia real (penhor, hipoteca ou anticrese) que tenha por objeto bem de terceiro só valerá com a anuência expressa deste, de acordo com o art. 364, segunda parte, do CC-02.

            Finalmente, ocorrida a novação entre credor e um dos devedores solidários, o ato só será eficaz em face do devedor que novou, recaindo sobre o seu patrimônio as garantias do crédito novado, restando por consequência, liberados os demais devedores (art. 365 do CC-02).


6-Considerações Finais       

O Código Civil Alemão não dedicou nenhum título especial a novação, uma vez que transportou todas as operações que lhe eram concernentes para o capítulo relativo à cessão de crédito e de débito e à dação em pagamento. Já o Código Suíço das Obrigações e o Código Civil pátrio mantiveram esse instituto jurídico sob título especial, modificando-lhe de certa maneira a fisionomia, ao lhe conferir caracteres próprios e efeitos jurídicos apreciáveis. Embora a novação tenha alguma importância na vida prática, sob o prisma funcional, a ampla possibilidade de transmissão das obrigações restringiu-lhes o uso. Na prática, somente se tem aplicado a novação quando se pretende modificar a causa da obrigação.


REFERÊNCIAS:

 BRASIL. [Código Civil (2002)]. Novo Código Civil. – Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicação, 2005. 304 p. (Série fontes de referência. Legislação; n.65). ISBN 85-7365-431-7

 

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v.2.

 

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v.2.

 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v.2.

 

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral das Obrigações. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, v.2.

 

 

RUGGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil. Campinas: Bookseller, 1999, v.3.

 

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2011, v.2.

http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/9085423/apelacao-apl-992080647820-sp-tjsp (acessado em: 14 de junho de 2012).

http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6530734/apelacao-civel-ac-687624-sc-2008068762-4-tjsc (acessado em: 14 de junho de 2012).



*Artigo apresentado como requisito de nota para aprovação na disciplina Direito Civil II do curso de Direito da Universidade Ceuma ministrada pela professora Hilza Paixão.

**Graduandas em direito pela Universidade Ceuma