INOVAÇÕES NO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO: APLICAÇÃO DE MARGENS DE PREFERÊNCIAS NA AQUISIÇÃO DE BENS E SERVIÇOS PELO PODER PÚBLICO

Domingos de Araújo Lima Neto*

Genesis Magalhães Rodrigues

RESUMO

O presente artigo procura apresentar um breve estudo acerca das inovações legislativas no âmbito do procedimento licitatório, responsáveis por inserir margens de preferências na aquisição de bens e serviços brasileiros em face dos estrangeiros, como estímulo ao fortalecimento do mercado interno e da economia nacional. Tal margem de preferência admite que no procedimento licitatório seja vitoriosa uma oferta brasileira com preço superior ao produto estrangeiro, desde que observados os requisitos exigidos em lei. Objetivou-se ainda uma análise acerca do princípio da isonomia e sua interpretação constitucional diante da fixação de preferências para certas categorias de insumos em detrimento de outras, apresentando-se ao final, uma análise crítica da nova alteração e seus reflexos no ordenamento jurídico pátrio.

 

Palavras-Chave: Margens de Preferências. Licitação. Princípio da Isonomia.

1. Conceito e finalidades do procedimento licitatório

            Hely Lopes Meirelles (2010, p. 274) nos fornece o conceito de licitação:

É o procedimento administrativo mediante o qual a administração pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Como procedimento, desenvolve-se através de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a Administração e para os licitantes, o que propicia igual oportunidade a todos os interessados e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos.

Os demais doutrinadores de direito administrativo pátrio complementam tal conceito ressaltando que a escolha da proposta é feita tendo por base aquela que é mais vantajosa e conveniente aos interesses públicos. Nesse sentido, assevera Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p. 517):

Licitação é um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências Públicas.

 

 

 

 

 

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*Acadêmicos do 7º período de Direito da FADIP

            A licitação tem a finalidade de permitir a viabilização da melhor contratação possível para o poder público, possibilitando que qualquer um que atenda os requisitos legais possa contratar com a Administração, significando assim, um corolário do princípio da isonomia e impessoalidade.

Nesse sentido, já se decidiu que:

[...] A licitação é um procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia. [...] A função da licitação é a de viabilizar, através da mais ampla disputa, envolvendo o maior número possível de agentes econômicos capacitados, a satisfação do interesse público. A competição visada pela licitação, a instrumentar a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, impõe-se seja desenrolada de modo que reste assegurada a igualdade (isonomia) de todos que pretendem acesso às contratações da administração. A lei pode, sem violação do princípio, da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a um tratamento diverso do que atribui a outra. (ADI 3070/RN, STF - Tribunal pleno, Rel. Min. Eros Grau, julgamento: 29.11.2007, DJ: 19.12.2007).

            Diante disso, pode-se observar três exigências imprescindíveis para a realização do procedimento:

a)      Obediência à probidade administrativa (arts. 37, caput e 85, V, da CF);

b)      Proteção dos interesses públicos e recursos governamentais;

c)      Respeito aos princípios da isonomia e impessoalidade (arts. 5º e 37, caput da CF).

1.1. As licitações públicas e suas bases constitucionais

 

            É sabido que a Constituição Federal de 1988, no que se refere à realização de licitações, preconiza a igualdade de condições entre os concorrentes, vedando-se exigências que retirem o caráter isonômico da licitação. Vejamos a redação do art. 37, XXI, da CF/88, in verbis:

Art. 37, XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensável à garantia do cumprimento das obrigações.

            Por seu turno, o art. 170, VI, da CF, determina que a ordem econômica observe “a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”.

            O caput do art. 225 do texto constitucional impõe ao Poder Público o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

            A hermenêutica dos dispositivos supramencionados, não deixando de se observar o princípio da unidade da Constituição, faz com o Poder Público, na realização dos processos licitatórios, considere, tendo em vista sua missão de defesa e preservação do meio ambiente, a escolha de produtos, serviços e bens que atendam a critérios de sustentabilidade ambiental, desde que não estabeleça restrições que retirem o caráter isonômico do procedimento licitatório. .

            Assim, tendo em vista a interpretação dos artigos 23, inciso VI; art. 37, inciso XXI; art. 170, inciso VI, e art. 225, ambos da Constituição Federal, a Administração Pública deve buscar compatibilizar os bens e serviços a serem contratados com exigências relativas à proteção do meio ambiente.

             Inclusive o Supremo Tribunal Federal, em momento oportuno, já manifestou seu entendimento sobre o significado do desenvolvimento sustentável:

O princípio do desenvolvimento sustentável (...) representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, (...) cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito á preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. (STF. ADI no 3.540-MC. Rel. Min. Celso de Mello. Julg. 1º.9.2005. DJ, 3 fev. 2006).

A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. – A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. (STF. STF. ADI nº 3.540-MC. Rel. Min. Celso de Mello. Julg. 1º.9.2005. DJ, 3 fev. 2006.).

 

  1. 2.  OS MECANISMOS LEGAIS PARA A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL SUSTENTÁVEL

            Nos dias atuais, o procedimento licitatório ganhou um novo objetivo, que foi introduzido pela Lei nº 12349, de 15/12/2010, fruto da conversão da Medida Provisória nº 495/10, que, por seu turno, acrescentou ao art. 3º da Lei nº 8666, dentre as finalidades perseguidas pela licitação, a busca do desenvolvimento nacional sustentável, in verbis: “Art. 3º: A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração e a promoção do desenvolvimento nacional (...)”.

            O item 6 da Exposição de Motivos à medida provisória nº 475, de 2010, nos ajuda a identificar as finalidades da inserção da expressão “desenvolvimento nacional sustentável” como mais uma das finalidades da licitação: 

a medida [inclusão da promoção do desenvolvimento nacional] consigna em lei a relevância do poder de compra governamental como instrumento de promoção do mercado interno,  considerando-se o potencial de demanda de bens e  serviços domésticos do setor público, o correlato efeito multiplicador sobre o nível de atividade, a geração de emprego e renda e, por conseguinte, o desenvolvimento do país. (grifos nossos).

            Dessa forma, tomando como base o trecho acima exposto, percebe-se que as compras governamentais tornaram-se instrumentos do mercado interno para o fomento de emprego e renda, o que, por via reflexa, acaba por impulsionar o desenvolvimento do país. Trata-se de diretriz com forte teor ideológico, com eficácia e aplicabilidade bastante duvidosa, contribuindo assim, para um aumento das “brechas” ligadas a desvios e favorecimentos espúrios.

Diogo Rais (2012, p. 9) alerta para a alta carga de abstratividade que permeia a expressão “desenvolvimento nacional sustentável”:

A questão transcende o local de alocação dessa nova finalidade, o verdadeiro problema é que sua dimensão não encontra paradigma nas finalidades tradicionais, implicando na impossibilidade de formar um conjunto compacto e harmônico desses três elementos, o fato é que não parece que tenha um lugar apropriado para integrar a equação lógica licitatória, mas sim, podendo funcionar  como um elemento soberano de desequilíbrio e destruição da equação. Uma grande exceção a toda lógica licitatória, um grande motivo para mitigar ou anular qualquer um dos elementos do sistema licitatório, isto é, em nome da louvável “promoção do desenvolvimento nacional sustentável” estaria o Estado autorizado, mesmo que paulatinamente, a mitigar as  finalidades clássicas  das licitações públicas a ponto de transformá-la em qualquer coisa, menos  em  uma licitação.

A inserção de tal finalidade requer o equilíbrio frente à necessária eficiência e economicidade das contratações, pois, caso contrário, poderá induzir as empresas que produzem bens no Brasil a oferecê-los ao Poder Público sem a devida preocupação com a competitividade de seus preços e produtos, gerando assim, um efeito oposto ao perseguido pelo legislador.

Devido o fato do tema ser recente e desafiador, escassa é a doutrina nacional que aborda o assunto. Marçal Justem Filho (2011), em artigo publicado em seu site, diz que o sentido que a nova lei atribui à licitação corresponde a uma finalidade típica do contrato. Ressalta o autor acerca da confusão conceitual da lei, que erroneamente atribui à licitação a promoção do desenvolvimento econômico sustentável. Esclarece o mesmo que a licitação é a atividade, que atendendo ao dever de isonomia, busca obter a contratação mais vantajosa para a administração. A promoção do desenvolvimento cabe ao contrato administrativo, dentro de suas finalidades mediatas (realização de políticas públicas, desenvolvimento econômico e satisfação do interesse público) e imediatas (aquisição de bens móveis ou imóveis, a obtenção de serviços, dentre outros).

            Dessa forma, o contrato administrativo no Brasil possui como finalidade mediata a satisfação de necessidades imediatas do Estado. Com essa nova finalidade de desenvolvimento nacional sustentável, o contrato passa a ter a finalidade de intervenção econômica, ou seja, o Estado passa a ter mais um instrumento para intervenção na atividade privada, no mercado privado.

Assim, o contrato administrativo passa a ter a finalidade de intervenção na atividade econômica. O nosso ordenamento jurídico traz vários mecanismos para que o Estado faça essa intervenção. Dentre eles, pode-se citar a prestação de serviços públicos, quando o Estado presta em nome próprio a atividade econômica, quando exerce função regulatória, dentre outras.

A função regulatória manifesta-se na criação de parâmetros que fixem tratamento benéfico para certos objetos, permitindo assim que a Administração atue de forma indutora na economia e incentivando a indústria nacional, dentre os quais pode-se destacar como objetivos: criação de emprego e renda, aumento da arrecadação de tributos e incentivo à inovação tecnológica (art. 3º, § 6º, da lei 8666).

As mudanças inseridas pelo legislador ocorreram no art. 3º, que além de ganhar no caput esse novo elemento, qual seja, a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, ganhou novos parágrafos, que vão do 5º ao 13º. Na verdade, o legislador criou preferências para as empresas que executarem atividades com esse objetivo, ou seja, instituíram-se mecanismos para empresas que invistam nesse desenvolvimento. Entre as preferências, é possível que a empresa com produtos nacionais ganhe a licitação com um preço superior a 25% maior que as empresas do estrangeiro, desde que a empresa tenha produtos nacionais e que preencha os requisitos do diploma. Neste ponto, deve-se ressaltar que antes da edição do decreto fixador das margens, é necessário que o Poder Executivo disponha de estatísticas e de resultados econômicos para fixar os percentuais e posteriormente averiguar o seu resultado concreto na economia. Tais percentuais, conforme previsão do § 6º, devem ser revistos periodicamente, em prazo não superior a cinco anos.

Este novo objetivo fez com que a licitação apresentasse uma nova fase de execução, na qual todo seu procedimento e julgamento devem estar em consonância com os princípios constitucionais relativos à Administração Pública, como meio de se promover o desenvolvimento nacional sustentável.

Os editais de licitação voltados à contratação de bens, serviços e obras poderão prescrever que o contratado promova, em prol da Administração Pública ou daqueles indicados por ela, soluções de compensação industrial, comercial, tecnológica ou acesso a condições vantajosas de financiamento, cumulável ou não, conforme orientações a ser expedida pelo Poder Executivo Federal. Tal preceito deverá ser utilizado por outros países e tem por escopo: a ampliação do investimento estrangeiro; o aumento da competitividade e produtividade das indústrias nacionais; permitir o acesso a novas tecnologias e estender o conhecimento acerca do domínio tecnológico; conquistar novos mercados; aumentar a participação de bens e serviços nacionais no mercado externo e promover o equilíbrio (superávit) da balança comercial.

Existe ainda a hipótese de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam às exigências das normas técnicas brasileiras, desde que observados os parâmetros fixados nos § § 6º a 12 do art. 3º da Lei 8666. Tal preferência relaciona-se à devida compatibilização com as regras da ABNT acerca do processo produtivo básico de tais produtos (exigências relativas a garantir que no processo de produção do bem ou nas operações relacionadas à prestação do serviço uma parcela, que não pode ser ínfima nem irrisória, seja efetivamente desenvolvida no Brasil), bem como por outras normas que venham a ser estabelecidas pelo governo. A novel legislação determina que os parâmetros para fixação de tais margens de preferência será estabelecido pelo poder executivo federal, o que faz com que a nova regra ainda careça de regulamentação por meio de decreto federal.

2.1 Os decretos legislativos e a fixação da margem de preferência nas licitações

Antes da edição da Lei nº 12349/10, a proposta mais vantajosa para a Administração Pública se materializava sob o aspecto econômico, levando-se em conta especificamente aspectos econômicos relativos àquele contrato do qual resultaria a licitação, ainda que a licitação não fosse a de menor preço. Agora, através de uma interpretação sistemática da Lei 8666/93, pode-se afirmar que, observado o tipo de licitação, será mais vantajosa a proposta que leve em consideração não apenas a melhor relação custo-benefício, como também os benefícios indiretos, mediatos e de longo prazo que a proposta poderá representar ao desenvolvimento nacional do Brasil.

Questão de suma importância diz respeito à limitação imposta de que a soma das margens de preferências, “normal” e “adicional”, não poderá ultrapassar o montante de 25% sobre o valor dos produtos manufaturados estrangeiros ou serviços estrangeiros.

Dessa forma, numa licitação hipotética, é viável a previsão em uma licitação do tipo menor preço para aquisição de produtos industrializados, de aplicação de “margem de preferência”, sob o percentual de 20% para o produto interno, nacional. Nesse exemplo hipotético, poderá ocorrer que uma proposta de produto estrangeiro apresente o preço de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e outra proposta, agora relativa ao produto nacional, oferte o preço de R$ 11.800,00 (onze mil e oitocentos reais). Nesse caso, a proposta vencedora seria a última.

Há a previsão de duas espécies distintas de margens de preferência. A primeira delas está prevista no decreto 7546/2011, em seu §5º, sendo chamada de “margem de preferência normal”, e a segunda está disciplinada no mesmo decreto, em seu 7º, recebendo a denominação de “margem de preferência adicional”.

O decreto 7546/11, em seu artigo 2º, inciso I, define a “margem de preferência normal” como sendo o “diferencial de preços entre os produtos manufaturados nacionais e serviços nacionais e os produtos manufaturados estrangeiros e serviços estrangeiros, que permite assegurar preferência à contratação de produtos manufaturados nacionais e serviços nacionais”. Dessa forma, poderá a mesma aplicar-se em benefício tanto de produtos manufaturados nacionais e serviços nacionais em geral, desde que observadas as norma técnicas brasileiras, bem como ser estendida, total ou parcialmente, aos bens e serviços originários dos Estados- Partes do Mercosul, devido a ratificação do Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul, celebrado em 20/07/06 e poderá ser estendido, total ou parcialmente, aos bens e serviços advindos de outros países com os quais o Brasil venha a celebrar acordos relativos a compras públicas governamentais (art. 3º, §10).

Em contrapartida, a “margem de preferência adicional”, quando existir, apenas será aplicável e beneficiará os produtos manufaturados e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País. Como se deduz, é a mesma aplicável de forma cumulada com a “margem de preferência normal”.

Tanto as margens de preferência “normal” quanto a “adicional” serão fixadas pelo Poder Executivo Federal em relação aos produtos, serviços, grupo de produtos ou grupos de serviços (art. 3º, §8º). Percebe-se, assim, tratar-se de comando legal voltado obviamente à redução da discricionariedade dos órgãos e entidades promotores de licitações, já que a fixação de tais critérios não será feita por cada um deles de maneira isolada. Como exemplos, pode-se mencionar: o decreto 7709, que prevê aplicação de tal preferência para retro- escavadeiras e motoniveladoras, nos percentuais de 10% e 18%, respectivamente, sendo que tais margens serão aplicadas até 15 de dezembro de 2015, com revisão anual dos estudos de impactos causados pela aplicação do benefício, sendo que ainda não há compras governamentais nesse segmento, mas o governo estima que serão gastos cerca de R$ 1,6 bilhão até dezembro de 2015 e o decreto 7713, que definiu as seguintes margens: fármacos, medicamentos não ativos e medicamentos que utilizem fármacos específicos (20%); produtos biológicos (25%); e medicamentos “insumos farmacêuticos ativos” em desenvolvimento ou com capacidade nacional de fabricação imediata (8%). O prazo de validade desses índices é de dois anos para medicamentos e de cinco anos para os demais produtos. Nesse período, o valor de compras estimado pelo governo é de R$ 1,5 bilhão.

Vejamos a seguir outros decretos editados no ano de 2012 estabelecendo margem de preferência em licitação para categorias específicas de determinados produtos.

O decreto nº 7816, de 28 de setembro de 2012, estabelece a aplicação de margem de preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal para aquisição de caminhões, furgões e implementos rodoviários, aplicando-se as seguintes margens de preferências nas licitações a nível federal: 17,15 e 14%, respectivamente. Tais índices somente serão aplicados para produtos manufaturados nacionais que demonstrem atendimento às regras de origem, a serem definidas pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). A margem de preferência será obtida pelo menor preço ofertado de produto manufaturado estrangeiro e será desconsiderada caso o concorrente seja nacional. Os itens abrangidos pelo decreto são: caminhões - tratores rodoviários para semirreboque, caminhões para transporte de mercadorias, caminhões para usos especiais e veículos de combate; e implementos rodoviários - reboques e semirreboques para usos agrícolas, outros reboques e semirreboques para transporte de mercadorias e outros reboques e semirreboques. Na categoria furgões, compreendem-se "viatura ambulância, socorro médico e unidade odontológica".

Já o Decreto nº 7756, de 14 de junho de 2012, o qual estabelece a aplicação de margem de preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal para aquisição de produtos de confecções, calçados e artefatos. Nesse caso, a margem de 20%, até 21 de dezembro de 2013, foi determinada pelo Decreto nº 7.756/2012, que substituiu o Decreto nº 7.601/2011, por ter prazo de validade de apenas seis meses. O decreto de 2011 embasou editais de pregão eletrônico realizados pelo Ministério da Defesa - Comando da Aeronáutica (Pregão 032012 - jaqueta, boné e calça de educação física) e Comando do Exército (Pregão 12012 e 212011 - camiseta, agasalho, calça, manta, mochila, saco de dormir etc.). O Ministério da Saúde também utilizou o critério em licitações para a compra de camisetas e bonés (Pregão 012012).

No caso de fármacos e medicamentos, o Decreto nº 7.713/2012 definiu as seguintes margens: fármacos, medicamentos não ativos e medicamentos que utilizem fármacos específicos (20%); produtos biológicos (25%); e medicamentos “insumos farmacêuticos ativos” em desenvolvimento ou com capacidade nacional de fabricação imediata (8%). O prazo de validade desses índices é de dois anos para medicamentos e de cinco anos para os demais produtos. Nesse período, o valor de compras estimado pelo governo é de R$ 1,5 bilhão.

Por fim, o decreto 7767, de 27 de junho de 2012, Estabelece a aplicação de margem de preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal para aquisição de produtos médicos que observem o Processo Produtivo Básico aprovado nos termos do Decreto-Lei nº 288, de 28 de fevereiro de 1967 e da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991.

Tal política faz parte do Plano Brasil Maior, projeto desenvolvido pelo Governo Federal, cujos objetivos são a priorização a ação do Estado, por meio das compras governamentais como indutor do desenvolvimento da indústria, incentivando o investimento em inovação e o avanço tecnológico. Tais margens de preferência são setoriais e definidas pela Comissão Interministerial de Compras Públicas (CI-CP), criada através do Decreto nº 7.546/2011. Compõem a referida comissão: Ministérios da Fazenda; Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Ciência, Tecnologia e Inovação; Relações Exteriores e Planejamento, Orçamento e Gestão.

Para que possa se valer dos benefícios anteriormente demonstrados, o licitante deverá demonstrar, por meio de declaração, que o seu produto atende aos requisitos do produto manufaturado nacional e as normas técnicas brasileiras, conforme disposição da Portaria nº 279/2011. Na hipótese de não ser apresentada declaração de origem, o bem sobre o qual incidiu a proposta será tido como produto estrangeiro. A aplicação de tal margem de preferência irá ocorrer após o findar da fase de competição. Dessa forma, caso a melhor proposta já corresponda a um produto nacional manufaturado, não há que se falar em incidência de margem de preferência e a licitação continuará suas demais fases. A crítica que merece ser ponderada diz respeito à falta de inserção de critérios de sustentabilidade nos decretos relativos ao processo produtivo de bens manufaturados.

            As novidades da novel legislação em apreço também abarcam duas hipóteses de dispensa de licitação. No tocante à primeira mudança, houve uma alteração no inciso XXI do art. 24 da Lei nº 8.666/93, que passa a conter um permissivo para a contratação direta de insumos destinados exclusivamente à pesquisa científica e tecnológica com recursos concedidos por instituições de fomento à pesquisa credenciadas pelo CNPq para esse fim. Anteriormente à reforma legislativa, tal hipótese de dispensa alcançava apenas a contratação de bens para o atendimento de tal finalidade.

            Em relação à segunda novidade, o inciso XXXI do art. 24 da Lei nº 8.666/93, autoriza a dispensa do certame licitatório nas contratações direcionadas ao cumprimento do disposto nos artigos 3º, 4º, 5º e 20 da Lei nº 10.973/2004, observados os princípios gerais de contratação previstos na referida legislação. A referida lei trata de incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, regulando ainda a possibilidade de formação de acordos com o fito de desenvolver projetos de cooperação voltados para atividades de pesquisa.

            No que diz respeito aos contratos administrativos, a Lei nº 12.349/10 alterou a Lei de Licitações para admitir nova possibilidade de prorrogação contratual, pois conforme preconiza o inciso V, inserido ao art. 57 da Lei 8666, todos os contratos celebrados tendo por base as situações de dispensa de licitação, relativos aos aspectos de segurança e da defesa nacional, bem como os pactos contratuais cujos objetos estão ligados ao oferecimento de incentivos à inovação e pesquisa científica, poderão ter sua vigência prorrogada por até 120 meses, desde que ocorra interesse por parte da Administração.

As alterações promovidas pela Lei nº 12.349/10, aplicam-se à modalidade de licitação pregão. 

Dessa forma, as licitações devem atender aos seguintes pressupostos: melhor relação custo/benefício; contratação justa e isonômica e transparência.

2.2. Contextualização dos objetivos e finalidades instituídos pela Lei nº 12349/10

O desenvolvimento nacional sustentável deve ser entendido como a busca do desenvolvimento econômico e do fortalecimento das cadeias produtivas de bens e serviços domésticos, usando-se para esse fim do poder de compra governamental, mediante novas normas que assegurem “atuação privilegiada do setor público com vistas à instituição de incentivos à pesquisa e à inovação que, reconhecidamente, consubstanciam poderoso efeito indutor ao desenvolvimento do País” (Exposição de Motivos da MP 495/10, convertida na Lei 12349/10).

Essa terceira finalidade das licitações, qual seja, a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, segundo a Exposição de Motivos da medida provisória, fundamenta-se nos seguintes comandos da CF: (I) inciso II do art. 3º, que inclui o desenvolvimento nacional como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil; (II) incisos I e VIII do art. 170, atinentes à organização da ordem econômica nacional, que deve observar, entre outros princípios, a soberania nacional e a busca do pleno emprego; (III) art. 174, que dispõe sobre as funções a serem exercidas pelo Estado, como agente administrativo e regulador da atividade econômica; e (IV) art. 219, que trata dos incentivos ao mercado interno, de forma a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do país”

A nova legislação já foi submetida à análise do Tribunal de Contas da União, através do Acórdão 693/2011 – Plenário, no qual se decidiu que o objetivo do legislador, no uso do vocábulo "poderá", é imprimir discricionariedade ao gestor de utilizar ou não a possibilidade de preferência por produtos e serviços nacionais em suas contratações, devendo evidenciar que a opção escolhida tem como premissa o interesse público e a conveniência do órgão, desde que devidamente justificados.

Porém, tais regras de preferência não irão se aplicar quando não houver produção suficiente de bens manufaturados ou possibilidade de prestação de serviços no país.

Poderá ainda ser estabelecida margem de preferência adicional para os produtos ou serviços nacionais não apenas produzidos no país, mas resultantes do desenvolvimento e da inovação tecnológica realizada no Brasil. Tal percentual também é de no máximo 25% e se aplica cumulativamente com a margem de preferência já aludida, desde que, somado a esta, não ultrapasse o percentual de 25% (art. 3º, §§ 7º e 8º). Como exemplo, pode-se citar que, se certo serviço passa a conter a margem de preferência de 10% por ser prestado no país, o fato de o mesmo também ser desenvolvido utilizando-se de inovação tecnológica nacional fará com que receba uma preferência adicional, a qual não poderá ser superior a 15%, observando-se assim, o respeito ao limite máximo de 25%. Essa preferência não se aplica aos bens e serviços cuja capacidade de produção ou prestação no país seja inferior: I- à quantidade a ser adquirida ou contratada; ou II- ao quantitativo fixado com fundamento no § 7º do art. 23 da Lei 8.666, quando for o caso.

O parágrafo 12 do art. 3º permite que a licitação seja restrita a bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País, quando se tratar de contratações destinadas à implantação, manutenção e o aperfeiçoamento dos sistemas de tecnologia de informação e comunicação, considerados estratégicos em ato do Poder Executivo Federal. Porém, as margens de preferência não ocorrerão quando os bens ou serviços nacionais não puderem ser produzidos ou prestados na quantidade demandada pela Administração Pública, como no caso de falta de capacidade de produção nacional (art. 3º, §9º) ou ainda quando se tratar de licitação em que o edital permite a participação parcial dos licitantes (aquisição de bens de natureza divisível), prevista no art. 23, §7º da Lei nº 8.666/1993.

De acordo com o artigo 3º, §13, da Lei 8666/93, será dada publicidade via Internet, a cada exercício financeiro, da listagem de empresas beneficiadas pela aplicação das regras de tratamento diferenciado inseridas pela Lei 12349/10, além da indicação orçamentária dos recursos a serem alocados para cada uma dessas empresas..

Buscando a efetivação de tais medidas, o Decreto n. 7.546/2011, instituiu no âmbito Federal a Comissão Interministerial de Compras Públicas, órgão composto pelos ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; da Ciência e Tecnologia e das Relações Exteriores e da Fazenda, sendo que este último presidirá a Comissão.

Segundo a nova redação do § 2º do art. 3º da Lei 8666/93, no julgamento, existindo igualdade de condições como critério de desempate (revogação do inc. I pela Lei 12349/2010) será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços: “II- produzidos no país; III- produzidos ou prestados por empresas brasileiras; e IV- produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País”. Na análise desses critérios também é preciso considerar os incisos XVII, XVIIII e XIX do art. 6º da Lei 8666 (acrescidos pela Lei 12349/10), definindo como: produtos manufaturados nacionais, os produtos manufaturados produzidos no território nacional de acordo com o processo produtivo básico ou com as regras de origem estabelecidas pelo Poder Executivo federal; serviços nacionais, os serviços prestados no país nas condições estabelecidas pelo Poder Executivo Federal; e sistemas de tecnologia de informação e comunicação estratégicos, os bens e serviços de tecnologia da informação e comunicação cuja descontinuidade provoque dano significativo à Administração Pública e que envolvam pelo menos um dos seguintes requisitos relacionados às informações críticas: disponibilidade, confiabilidade, segurança e confidencialidade.

Acerca da interpretação e constitucionalidade da Lei 12349/10, vale ressaltar o posicionamento do ministro Eros Grau (2012, p. 232):

Afirmar a soberania econômica nacional como instrumento para a realização do fim de assegurar a todos existência digna e como o objetivo particular a ser alcançado é definir políticas públicas voltadas- repito- não ao isolamento econômico, mas à viabilização da participação na sociedade nacional, em condições de igualdade, no mercado internacional.

O objetivo das margens de preferências é o fomento ao desenvolvimento de tecnologia nacional, já que a mesma é motivo de competitividade internacional e de prosperidade das nações, de acordo com a exposição de motivos da MP 495/2010, que posteriormente se converteu na Lei 12349/10.

2.3 O princípio da isonomia e sua constitucionaliadde frente à fixação das margens de preferência

            A Lei nº 12349/10 alterou a maneira de aplicação do principio da isonomia e reformulou a avaliação da vantajosidade das propostas. A isonomia é afetada porque se autoriza a fixação de preferências em relação a bens e serviços relacionados à promoção do desenvolvimento nacional. Tais preferências não são arbitrárias e também não estão relacionadas à nacionalidade do licitante, já que um licitante estrangeiro que ofereça bens ou serviços produzidos no Brasil será beneficiado em face de licitante brasileiro que ofereça bens ou serviços estrangeiros, por exemplo.

O atendimento a isonomia não significa apenas tratar de forma igualitária os semelhantes, mas sim diferenciar o tratamento para aqueles que se situam em situação de desigualdade. A maior dificuldade verificada no caso concreto é definir quais os critérios de desigualamento poderão ou não ser considerados legítimos.

A igualdade entre os licitantes possui dupla acepção: deve-se dispensar tratamento isonômico a todos os participantes da disputa, vedando-se discriminações injustas quando do julgamento das propostas e deve ser oferecida ampla oportunidade de participação nas licitações a quaisquer interessados, desde que possuam condições de assegurar o cumprimento do futuro contrato que venha a ser celebrado.

Nesse sentido, é a lição de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2012, p. 582): “Não configura, por essa razão, violação ao princípio da isonomia o estabelecimento de requisitos mínimos de habilitação dos licitantes cuja finalidade seja exclusivamente garantir a adequada execução do futuro contrato”.          

O § 1º do art. 3º da Lei 8666/93 veda que os agentes públicos estabeleçam tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra, entre empresas brasileiras e estrangeiras, inclusive no tocante a moeda, modalidade e local de pagamento, mesmo quando envolvidos financiamentos de agências internacionais.

            Parcela da doutrina aponta como argumento justificador da não afronta ao princípio da isonomia a diferenciação de tratamento consistente em se considerar vencedora proposta de fornecimento de bens e serviços nacionais mais caros do que os estrangeiros, já que simplesmente haveria uma compensação de diferença de tributação- incidência de altos tributos sobre serviços e produtos domésticos e, regra geral, isenções ou imunidades concedidas pelos países estrangeiros aos produtos de suas empresas exportados para o Brasil.

Porém, tal justificativa encontra resistência no art. 42, § 4º da Lei 8666/93, o qual determina que:  

Art. 42.  Nas concorrências de âmbito internacional, o edital deverá ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às exigências dos órgãos competentes.

§ 4o  Para fins de julgamento da licitação, as propostas apresentadas por licitantes estrangeiros serão acrescidas dos gravames conseqüentes dos mesmos tributos que oneram exclusivamente os licitantes brasileiros quanto à operação final de venda.

 Tendo em vista que tal norma encontra-se produzindo efeitos, o argumento estritamente econômico-tributário não é capaz de justificar à luz do principio da isonomia, a atribuição de margem de preferência aos preços de produtos e serviços nacionais constantes das propostas em uma licitação. Dessa forma, o que o legislador criou foi um critério de ponderação entre o objetivo de satisfazer a isonomia e de promover o desenvolvimento nacional através das licitações.

Marçal Juten Flho (2011, p. 451) aduz que:

A incidência dos princípios da isonomia sobre a licitação desdobra-se em dois momentos. Em uma primeira fase, são fixados os critérios de diferenciação que a Administração Pública adotará para escolher o contratante. Em uma segunda fase, a Administração verificará quem, concretamente, preenche mais satisfatoriamente tais critérios.

Assim, trata-se de uma preferência de cunho nitidamente impessoal, relacionada aos objetivos fundamentais da nação. Mesmo assim, permitem-se diferenciações entre propostas que, diante de certos aspectos, possam apresentar-se semelhantes.

Contudo, na aplicação de preferência, a Administração Pública deverá velar para que a fixação das margens de preferência seja feita com razoabilidade, de modo a não promover gastos desnecessários em face da finalidade prevista em lei, descaracterizando a natureza e a finalidade do processo licitatório.

Interessante destacar ainda o voto do Ministro Cesar Peluso, relator da ADI 3.583-PR:

(...) escusaria advertir que se não pode desvirtuar o instituto da licitação para convertê-lo em instrumento de incentivo vinculado a política industrial, fiscal ou social do Estado-Membro. Sua finalidade constitucional é outra, como se vê nítido no art. 37, XXI. Acrescente-se que a lei não autoriza o administrador público a atuar, no exercício de sua gestão, com espírito aventureiro (...).

Dessa forma, tal tratamento preferencial para as propostas aptas à promoção do desenvolvimento nacional não afronta o princípio da isonomia.

5. CONCLUSÃO

            Um dos maiores problemas vividos pelo Direito são as reformas legislativas pontuais, capazes de inserir na legislação conceitos extremamente subjetivos, o que pode dar ensejo a manobras políticas fraudulentas e que se distanciam das finalidades perseguidas pelo Poder Público.

O grande questionamento acerca do tema é se será ou não vantajoso para o Estado promover o desenvolvimento nacional, deixando em contrapartida de escolher a melhor proposta, a proposta que economicamente seja mais vantajosa. Se o estado pode e a lei permite expressamente que ele contrate uma empresa com o preço 25% acima do praticado no mercado, sob o argumento de que ela atende aos requisitos do diploma, a indagação é no sentido de qual critério deverá prevalecer: o menor preço ou a empresa que cuida do meio ambiente?

            A ideia de desenvolvimento nacional sustentável tem por base o desenvolvimento com proteção ambiental, cuidados com o meio ambiente. A empresa que atender a esses cuidados poderá ter direitos a essa preferência. Assim, há um sério conflito nesse caso, porque não irá prevalecer aquela que têm o menor preço para dar preferência àquela que tem uma boa proteção ambiental, cuidado com o meio ambiente. As duas escolhas são importantes. Trata-se de uma escolha dramática. Se o Brasil já passa por uma situação delicada, na qual não há dinheiro para tudo, pagar 25% a mais significa que o Estado irá retirar de outro contrato para a satisfação de uma outra necessidade, qual seja, de proteger o meio ambiente. Se ele pagar 25% no contrato X, dando preferência à empresa que cuida do meio ambiente e tem produtos nacionais, estará deixando de utilizar esses 25% em um outro contrato, impedindo de atender uma outra necessidade pública que também é importante.

Dessa forma, a questão será resolvida com base no critério da proporcionalidade, segundo o qual deverá haver um equilíbrio para que não apenas prevaleça o menor preço, como também não prepondere de forma única a proteção ambiental.

Para que o novo comando legal ganhe aplicabilidade efetiva, o governo poderia conceder incentivos fiscais para as empresas que contratam com o Poder Público a fim de que as mesmas  possam se adequar a essas novas exigências, o que geraria benefícios tanto para a Administração quanto para o administrado, pois haveria um aumento da disponibilidade desses bens no mercado de consumo a preços razoáveis e compatíveis. Semelhante situação de incentivo ocorre com as empresas de pequeno porte, que por desempenharem importante papel na economia, e visando a manutenção de suas atividades pelo governo, recebem ajudas de ordem tributária e fiscal para permitir a continuidade de suas atividades empresariais.

Assim, é possível observar que o critério preço acaba sendo mitigado, uma vez que o produto mais barato poderá não representar a melhor compra, tomando como critérios os gastos e os requisitos ambientais.

Nenhuma das escolhas deve ser feita de forma absoluta. É preciso ponderação. Ora prevalecerá a questão ambiental, ora o menor preço e tudo isto dependerá da situação concreta a ser analisada.

A inovação requer o devido equilíbrio em razão da eficiência e economicidade que pauta as contratações públicas, pois, senão, caso seja aplicada de forma desarrazoada, poderá ocasionar um efeito econômico drástico, pois as empresas que forneçam bens para o poder público podem acabar deixando de lado a preocupação com a competitividade de seus preços e produtos.

O desenvolvimento econômico perseguido pelo legislador é o principal meio de se alcançar outros objetivos fundamentais perseguidos pelo Estado Democrático de Direito, como a erradicação da pobreza, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem geral.

Em síntese, o problema apresentado em relação às licitações sustentáveis é: desejamos contratações ambientalmente equilibradas, que degradem menos o meio ambiente, mas quanto (ou até onde) o Estado (e a sociedade) entendem legítimos pagar por tal opção?

Infelizmente, o tema não tem sido tratado com a maturidade necessária para que o Estado chegue a uma resposta adequada, restando- nos aguardar o enfrentamento da matéria pela doutrina pátria, bem como os questionamentos que ainda serão suscitados perante os tribunais superiores.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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