Introdução

O presente artigo tem como escopo alertar sobre inconstitucionalidade do art. 156 do CPP, alterado pela Lei 11.690/08 e sua incompatibilidade com o sistema acusatório, imposto pela Constituição da República de 1988. Para isso, serão demonstradas a evolução do processo penal no Brasil até a promulgação da Constituição de 1988, as diferenças entre os sistemas inquisitorial e acusatório, os princípios que regem cada sistema, e, por fim, a clara evidenciação de violação constitucional do referido artigo, o qual possui conteúdo inquisitorial.

Desenvolvimento

O nosso Código de Processo Penal, o qual entrou em vigência no ano de 1941, foi baseado e inspirado no paradigma da legislação processual italiana, produzida no regime fascista durante a década de 1930, onde se fazendo uma leitura de seus artigos, demonstra o porquê, segundo Eugênio Pacelli, de suas "bases notoriamente autoritárias, por razões óbvias de origem" (2)
A presunção de culpabilidade, como se pode depreender da redação do CPP/1941, era o princípio fundamental que direcionava o processo penal brasileiro. As principais e relevantes características do CPP, em síntese às palavras de Eugênio Pacceli, "seriam o tratamento do acusado como potencial e virtual culpado; na balança entre a tutela da segurança pública e a tutela da liberdade individual, prevalece a preocupação quase exclusiva com a primeira; a busca da verdade real que legitimou diversas práticas autoritárias e abusivas por parte dos poderes públicos e o interrogatório do réu que realizava de forma inquisitiva" (2).
Com a promulgação da Constituição da República de 1988, novos princípios e direcionamentos foram introduzidos no ordenamento, sendo esses totalmente opostos àqueles em que o CCP de 1941 foi baseado.
Conforme Eugênio Pacceli, "enquanto a legislação codificada pautava-se pelo princípio da culpabilidade e da periculosidade do agente, o texto constitucional instituiu um sistema de amplas garantias individuais", sendo uma de suas principais bases a afirmação do art. 5° de que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (2).
Dessa forma, o processo passou a deixar de ser um instrumento de aplicação da lei penal para se tornar um instrumento de garantias do indivíduo para com o Estado, garantindo àquele o contraditório, o convencimento motivado e imparcialidade do juiz, além da separação das funções de acusação e julgador, próprio do sistema acusatório, pertencente ao novo paradigma constitucional.

Sistema acusatório e inquisitorial

Em linhas gerais, conforme a maioria da doutrina brasileira diferencia, o sistema inquisitorial seria o sistema em que as funções de investigação e julgamento estariam reunidas em uma só pessoa (ou órgão), enquanto o acusatório seria aquele em que tais papéis estariam reservados a pessoas (ou órgãos distintos.
Para Nucci o sistema inquisitivo, "(...) é caracterizado pela concentração de poder nas mãos do julgador, que exerce, também, a função de acusador; a confissão do réu é considerada a rainha das provas; não há debates orais, predominando procedimentos exclusivamente escritos; os julgadores não estão sujeitos à recusa; o procedimento é sigiloso; há ausência de contraditório e a defesa é meramente decorativa.", o que demonstra ser completamente prejudicial ao indivíduo réu, sendo incompatível com um
Estado Democrático de Direito (1).
Também, Nucci traz as principais características do sistema acusatório, o qual consiste em uma (...) nítida separação entre o órgão acusador e o julgador; há liberdade de acusação, reconhecido o direito ao ofendido e a qualquer cidadão; predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo; vigora a publicidade do procedimento; o contraditório está presente; existe a possibilidade de recusa do julgador; há livresistema de produção de provas; predomina maior participação popular na justiça penal e a liberdade do réu é regra." (1) Podemos concluir, dessa definição, que o sistema acusatório é o que se aproxima ao modelo de uma processo penal constitucional baseado em um Estado Democrático de Direito.

A Lei 11.690/08 e a inconstitucionalidade do art. 156 do CPP

O Art. 156 do Código de processo Penal, com redação dada pela Lei 11.690/08, diz que:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I ? ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II ? determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
Nosso processo, levando em consideração as características de cada sistema, sem dúvidas, depois da promulgação da Constituição de 1988 e seus princípios norteadores, entre esses, o contraditório, a ampla defesa, é o acusatório, onde cada parte no processo tem seu devido papel.
Conforme Aury Lopes Júnior," no sistema acusatório (que se pretende), o juiz mantém uma posição ? não meramente simbólica, mas efetiva ? de alheamento em relação à arena das verdades onde as partes travam a luta. Isso porque ele assume uma posição de espectador, sem iniciativa probatória. Forma sua convicção através dos elementos probatórios trazidos ao processo pelas partes" (3). O juiz, assim, deve apenas se ater aos pontos duvidosos, no que se refere ao material já trazido pelas partes, e ao esclarecimento desses.
A Lei 11.690/2008, que alterou o art. 156 do Código de Processo Penal ampliou as possibilidades de atuação ex ofício do juiz, permitindo que esse possa "ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, produção de provas consideradas urgentes e relevantes". É lamentável que, mesmo com o direcionamento principiológico dado pela Constituição da República de 1988 de haver um processo constitucional através do sistema acusatório, o legislador derivado volte aos resquícios de um sistema inquisitorial, dando ainda maiores poderes de produção de provas ao juiz.
Não cabe ao juiz a tutela da investigação, uma vez que diante do princípio da inocência, a prova da materialidade e da autoria de um fato cabe à acusação, não devendo em hipótese alguma que um único órgão prove a acusação e ao mesmo tempo julgue. Ora, nenhuma providência deve ser tomada de ofício pelo magistrado, no que tange a preservação material da prova a ser colhido em fase de inquérito policial, sob pena de infringir o princípio da imparcialidade.
Assim é o entendimento de Eugênio Paccelli.
"Falamos,a agora, na imparcialidade no que se refere à atuação concreta do juiz na causa, de modo a impedir que se adote postura tipicamente acusatória no processo, quando, por exemplo, entender deficiente a atividade desenvolvida pelo Ministério Público. O juiz não poderá desigualar as forças produtoras da prova no processo, sob pena de violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, ambos reunidos na exigência de igualdade e isonomia de oportunidades e faculdades processuais" (2).
Da mesma forma entende sobre a incostitucionalidade do referido artigo o douto professor Aury Lopes Júnior.
"Essas lições são fundamentais quando se trata de analisar o art. 156 do CPP, que absurdamente atribui poderes instrutórios ao juiz, antes mesmo de haver processo, fundando assim um sistema inquisitório substancialmente inconstitucional" (3).

Conclusão

A atribuição de poderes de investigação ao juiz é violar a imparcialidade do juiz, a qual deve se basear o processo penal e o sistema acusatório, uma vez que após a Constituição de 1988, é inconcebível a atuação solitária do juiz no processo, possuindo atribuições de investigador de julgador no processo, características de um sistema inquisitório, o qual age sem provocação das partes legítimas interessadas. É um retrocesso colocar poderes probatórios ao juiz em busca de uma verdade "real" do processo, mas que, ao mesmo tempo, fere o processo penal constitucional, pois é impossível conceber um sistema acusatório desconectado da imparcialidade e do contraditório.

Bibliografia
1. NUCCI, Guilherme De Souza. Código de processo penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
2. Pacelli, Eugênio. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Editora Lumens Juris, 2008.
3. Lopes Jr. Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Lumens Juris, 2010.